segunda-feira, 13 de abril de 2020

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA [Resenha 056/20]


“No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30min da manhã”. Fatalidade, destino, o absurdo da existência humana. O que explica a tragédia que se abateu sobre o protagonista de Crônica de uma Morte Anunciada?

Neste romance curto de construção perfeita, García Márquez monta um quebra-cabeça cujas peças vão se encaixando pouco a pouco, através da superposição das versões de testemunhas que estiveram próximas a Santiago Nasar no último dia de sua vida. Em que e em quem acreditar? Como descartar a parcialidade das versões e “o espelho quebrado da memória” dos envolvidos?

Crônica de uma morte anunciada é considerada por muitos uma das melhores histórias de mistério da literatura ocidental. O motivo? Na primeira linha do texto, o narrador anuncia a morte do protagonista, e em poucos capítulos já se sabe também quem são os assassinos e os motivos que os conduziram. Mesmo assim, é uma leitura de tal forma envolvente que na maioria dos casos o livro é lido sem interrupções, de um fôlego só. Mas por quê? Por que a questão aqui não é o que acontece, mas como isso acontece.

Santiago Nasar é o protagonista. Jovem bonito, galanteador, rico e culto, ele é acusado de ter tirado a virgindade da jovem Ângela Vicário, razão pela qual seus irmãos Pedro e Pablo levam a cabo o assassinato, na tentativa de reestabelecer a honra da família. O assassinato é premeditado pelos irmãos durante a madrugada da noite de núpcias de Ângela, depois de o noivo, Bayardo San Román, devolvê-la à família por não querer mais uma noiva que não é virgem.

Com o passar das horas, todos, absolutamente todos os habitantes da vila de Riohacha (no litoral da Colômbia) ficam sabendo o que acontecerá com Santiago. Apesar disso, ninguém toma uma atitude suficiente para impedir o crime, e as razões são as mais diversas: de imprevistos e contratempos à covardia e comodismo. O que acontece é que uma grande quantidade de infelizes coincidências vai se somando até que o brutal assassinato ocorra, o que inclui o fato de a vítima ser a única pessoa completamente alheia ao que está para acontecer.

O crime, ocorrido 28 anos antes, é contado por um narrador sobre o qual pouco se sabe: é um ex-morador da vila que quer recuperar os fatos e para isso busca testemunhas e vale-se do relato jornalístico, construindo um quebra-cabeça no qual as peças vão se encaixando aos poucos. E aí que encontra-se um dos grandes mistérios: quem é esse narrador? Ele tem algum tipo de envolvimento com essa história? Se tem, qual é o nível de (im) parcialidade ao narrar os fatos? São questões que nos fazem querer avançar mais e mais até o final.

Essa história tão bem contada consegue elaborar uma crítica social complexa a uma sociedade machista (que dita os comportamentos esperados para homens e mulheres honrados, estabelecendo a subserviência como uma característica feminina), uma sociedade hipócrita (que ao mesmo tempo em que lava a honra de uma família com sangue, é tolerante e até mesmo indiferente a outros tipos de abusos sexuais). A falta de empatia dos personagens nos leva a pensar na responsabilidade coletiva em relação ao crime. As pessoas estão tão envolvidas com suas rotinas que preferem se distanciar, se abster, se omitir diante de uma situação iminente tão grave.

A narrativa é deliciosa, instigante do início ao fim! A cena do assassinato é nada menos do que excelente! Fica, portanto, o convite a fazer a leitura desse primoroso livro do ganhador do Prêmio Nobel de 1982.
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GABRIEL GARCÍA Márquez, Crônica de uma morte anunciada. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 2006.

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