quinta-feira, 22 de junho de 2017

LENDO E COMPARTILHANDO Nº 004



Por que Jesus considera a fé do centurião tão admirável (Mt 8.5-13)? O centurião garante a Jesus que, em sua opinião, é desnecessário o Mestre visitar sua casa para poder curar o servo paralitico. Ele compreende que Jesus precisa apenas dizer uma palavra, e o servo será curado. O centurião explica: “Pois também eu sou homem sob autoridade e tenho soldados às minhas ordens; e digo a este: vai, e ele vai; e a outro: vem, e ele vem; e ao meu criado: faze isto, e ele faz” (8.9).

Por que essa evidencia de fé é tão espantosa? Três fatores se destacam.

1. Em uma época de tanta superstição, o centurião creu que o poder curador de Jesus não residia em truques de magia, ou mesmo em sua presença pessoal, mas em sua palavra. Jesus não precisava tocar ou manipular o servo, nem sequer precisava estar presente; Ele só precisava dizer a palavra, e seria feito.

2. O centurião chegou a afirmativas tão confiantes a despeito do fato de não estar alicerçados nas Escrituras. Ele era um gentio. Que noção ele tinha das Escrituras, não sabemos, mas com certeza era bem menos do que a desfrutada por muitas pessoas instruídas em Israel. Contudo, sua fé era mais pura, mais simples, mais penetrante, mais reverente a Cristo do que a dos israelitas.

3. O terceiro elemento espantoso na fé desse homem é a analogia que ele desenvolve. Ele reconhece ser ele mesmo um homem debaixo de autoridade e, portanto, ele tem autoridade quando fala no contexto desse relacionamento. Quando ele diz a um soldado romano sob seu comando para ir ou vir ou fazer algo, ele não está falando com um mero homem a outro homem. O centurião fala com a autoridade de seu chefe, o tribuno, que por sua vez fala, finalmente, com autoridade de Cesar, com a autoridade do poderoso império romano. Essa autoridade pertence ao centurião, não porque ele de fato seja tão poderoso quanto César em todos os senntidos, mas porque ele é um homem sob autoridade: a cadeia de comando significa que quando o centurião fala com o soldado raso, é Roma que está falando. Implicitamente, o centurião está dizendo que reconhece em Jesus uma relação análoga: Jesus está em uma relação tal com Deus, e sob a autoridade de Deus, que quando Jesus fala, é Deus quem fala. É claro que o centurião não falava no quadro de uma doutrina cristológica amadurecida, mas os olhos da fé permitiram que ele enxergasse muito longe.

Essa é a fé que precisamos. Uma fé que confia na palavra de Jesus, reflete uma profunda simplicidade e crê que, quando Jesus fala, Deus fala.

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CARSON, D. A. Por Amor a Deus (Devocionais). Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p.34

CRIME E CASTIGO [Comentários]



Há muitos motivos para ler o clássico de Dostoiévski, Crime e castigo. O primeiro é que se trata de uma maravilhosa obra de arte. “Numa magnífica noite de Julho, excessivamente quente”, o romance abre, “um rapaz saiu do quarto que ocupava nas águas-furtadas de um grande prédio de cinco andares, situado no bairro S…, e, com passos lentos e um ar irresoluto, tomou o caminho da ponte K”[1]. Esse “ar irresoluto” paira sedutoramente. Ele prenuncia um dos temais centrais do livro – o da autoilusão – e constitui-se numa taquigrafia útil para o estilo aparentemente confuso de Dostoiévski. O livro é um turbilhão de decisões e indecisões, irrupções, retrospectivas, sonhos e divagações que nos mergulham na mente de Raskolnikov – o rapaz que saiu para a rua com “ar irresoluto” e que, mais à frente, matou duas mulheres em sua “loucura”.

Mas também é um romance de grande risco, sutileza e verdade. Como Dostoiévski mostra, Raskolnikov não é louco no sentido clínico, mas no sentido espiritual. A loucura é o orgulho e ilusão de que ele é um ser autônomo, capaz de conduzir sua vida para os fins que ele escolhe. Para ele, não existe Deus nem coisas tais como o bem ou o mal, apenas sofrimento “liberdade e poder, sobretudo poder!” “Chega de miragens”, ele diz para si mesmo, “chega de falsos temores, chega de fantasmas! Que agora comece o reino da razão e da luz, da liberdade e da força”. É essa confiança resoluta em si mesmo e sua capacidade de determinar o que é certo para si mesmo (e os outros) que o leva a espancar duas idosas por um punhado de moedas e berloques para ajudar o pobre, diz consigo a certa altura. Resumindo, Raskolnikov torna-se um anticristo, bem aos moldes do Satanás de John Milton, que, em vez de estabelecer um reino de ressurreição e paz, contribui para um de homicídio e caos – tudo em nome de um suposto bem comum.

Além de ser um romance sobre ilusão, Crime e castigo também é, não obstante, um livro sobre o caráter absurdo e ofensivo do evangelho. Ele contém um dos mais comoventes retratos que caracterizam o evangelho na literatura na figura do bêbado Marmeladov, que não apenas fracassa em prover a subsistência de sua destituída família porque “está sempre bêbado”, mas rouba dinheiro de sua filha prostituída de 15 anos de idade para gastar com bebida. Em uma cena tocante, no início do livro, Marmeladov conta sua triste história a Raskolnikov num bar:

Pois bem, eu, como vê, gastei esses trinta copeques na bebida. E continuo bebendo! E já estou bêbado! Mas bem, quem é que se preocupa com um tipo como eu? Diga! O senhor tem pena de mim ou não? Diga lá, senhor, tem pena de mim ou não?.

Ninguém exceto Cristo. Vislumbrado o Dia do Juízo Final, Marmeladov diz a Raskolnikov:

Nesse dia, Ele há de aparecer e perguntar: “Onde está essa pobre moça que se vendeu por uma madrasta má e tísica e por umas crianças, que lhe não são nada? Onde está essa pobre moça que teve compaixão do pai, bêbado inveterado, sem se assustar como seu embrutecimento?” E depois dirá: “Anda, vem cá! Eu já te perdoei uma vez. Já te perdoei uma vez. Perdoados te sejam também agora os teus muitos pecados, porque amaste muito.” […] E, depois de julgar todos, inclinar-se-á também para nós: “Vinde cá”, dirá”, vós outros, também, vós, os bêbados, vinde cá, impudicos, vinde cá, porcalhões!” […] E ele dirá: “Meus filhos! Imagem bestial é a vossa e tendes a sua marca. Mas aproximai-vos também”.

A reação dos que estavam no bar é de escárnio: “Já disse a sua sentença! Mas que série de disparates! Funcionariozinho!”. E Raskolnikov, que não sabe o que fazer com Marmeladov, mais tarde expressará esse mesmo tipo de repulsa. Essa breve passagem não faz justiça à cena. Se você ler a coisa toda, haverá de chorar (ou ficar extremamente indignado se achar que Deus salva o bom).

O romance também oferece um desafio aos cristãos para refletir o amor autossacrificial de Cristo pelo pobre, sim, mas também por ateus militantes como Raskolnikov. Sem fazer concessões exageradas, a filha de Marmeladov, Sônia, não oferece qualquer prova racional de Deus para Raskolnikov. Ela entra em colapso quando ele põe em dúvida a existência de Deus. O que ela faz, com grande humildade e fé, é amar Raskolnikov, e é este amor que o desafia e silencia. É um amor que ele não consegue explicar nem tirar de sua mente perturbada.



Originalmente publicado em:




[1] Fiódor Dostoiévski. Crime e Castigo. Book House, 2016. Tradução de A. Augusto dos Santos. Edição Kindle. [Nota do tradutor].

LENDO E COMPARTILHANDO Nº 003


LENDO MATEUS

Uma brilhante auréola de luz branca envolve as paredes do templo de Herodes. Os brancos blocos de calcário cintilam nas bordas à medida que a luz se move ao redor deles. Viajantes acampados no monte das Oliveiras admiram a beleza do templo. Conforme o sol desce, a cor do céu pinta o templo de amarelo, depois vermelho, roxo, até que, finalmente, céu e terra fundem-se na escuridão. O grande e glorioso edifício, que parecia tão permanente, desaparece.

Quando Jesus ensinara na Galiléia, que “está próximo o reino dos céus” (Mt 4.17), e no templo, que “não ficará pedra sobre pedra” (24.2), isto parecera aos seus discípulos um delírio. Os caminhos do mundo e a sua glória pareciam permanentes. E, no entanto, como Jesus pregara, o sol estava se pondo sobre as velhas formas, porque Deus havia prometido que viria para reinar. No Evangelho segundo Mateus, Jesus revela o glorioso aparecimento do reino dos céus.

Jeffrey Gibbs caracteriza o relato de Mateus da seguinte forma:

Dirigindo-se a um vasto público cristão de judeus e gentios em comunidade da Síria e da palestina na metade do primeiro século d.C., o apostolo Mateus amplia as Escrituras de Israel ao narrar com autoridade de que maneira o reino de Deus – do fim dos tempos – irrompera no mundo por meio dos feitos históricos e das palavras de Jesus de Nazaré, o Filho de Deus e o Cristo de Deus. A narrativa do outrora publicano reflete a proclamação apostólica tradicional sobre o ministério de Jesus, culminando com sua morte vicária e ressurreição. Ao mesmo tempo, Mateus de Cafarnaum retratou, de forma independente, com especial ênfase, que (1) Jesus, o Filho de Davi e verdadeiro Rei de Israel, cumpriu o pacto feito por Deus  com seu povo no AT; que (2) este Jesus é o poderoso Juiz, cujo retorno no dia derradeiro irá inaugurar a salvação para todo o povo de Deus, como também o julgamento final para todos os inimigos de Deus; e que (3) até a consumação dos séculos, os discípulos do Filho de Deus devem ocupar-se em estender a missão do próprio Jesus a fim de salvar tanto judeus quanto gentios. Esta missão se realiza pelo proclamar da boa-nova do ministério de Jesus – do reino de Deus – entre os seres humanos (Mt 26.13), pelo batizar em nome do Deus triúno, Pai, Filho e Espírito Santo (28.19) e pelo instruir dos discípulos de Jesus em toda a revelação de Deus, especialmente aquela revelada no ensino do próprio Jesus.

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Adaptado de Jeffrey A. Gibbs, Mathew 1.1-11.1, CC (St Louis: Concordia, 2006), 1.
Retirado da Biblia de Estudo da Reforma, p. 1537.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

A MENSAGEM DO SERMÃO DO MONTE [Introdução]


O Sermão do Monte é provavelmente a parte mais conhecida dos ensinamentos de Jesus, embora se possa argumentar que seja a menos compreendida e, certamente, a menos obedecida. De tudo o que ele disse, essas suas palavras são as que mais se aproximam de um manifesto, pois descrevem o que ele desejava que os seus seguidores fossem e fizessem. Penso que nenhuma outra expressão resume melhor a intenção de Jesus, ou indica mais claramente o seu desafio para o mundo moderno, do que a expressão "contracultura cristã". Vou lhes dizer por quê.

Os anos que se seguiram ao fim da segunda guerra mundial, em 1945, foram marcados por um idealismo inocente. O horrível pesadelo terminara. "Reconstrução" era o alvo universal. Seis anos de destruição e devastação eram coisas do passado; a tarefa agora era construir um novo mundo de cooperação e paz. Mas a irmã gêmea do idealismo é a desilusão, desilusão com aqueles que não participam do ideal, ou (pior) com os que se lhe opõem, ou (pior ainda) com os que o traem. E a desilusão com o que é continua alimentando o idealismo do que poderia ser.

Parece que atravessamos décadas de desilusão. Cada geração que se levanta odeia o mundo que herdou. Às vezes, a reação tem sido ingênua, embora não possamos dizer que tenha sido hipócrita. Os horrores do Vietnã não terminaram com aqueles que distribuíam flores e rabiscavam o seu lema "Faça amor, não faça guerra", embora o seu protesto não tenha passado despercebido. Hoje em dia, há pessoas que repudiam a opulência ávida do ocidente, que parece ficar cada vez mais gordo, através do esbulho do meio-ambiente natural, ou através da exploração de nações em desenvolvimento, ou através de ambas as coisas ao mesmo tempo; essas pessoas exprimem a totalidade da sua rejeição vivendo com simplicidade, vestindo-se negligentemente, andando descalças e evitando o desperdício. Em lugar do simulacro da socialização burguesa, estão famintas de relacionamentos de amor autênticos. Desprezam a superficialidade, tanto do materialismo descrente como do conformismo religioso, pois sentem que há uma "realidade" impressionante muito maior do que essas trivialidades, e buscam essa dimensão "transcendental" ilusória através da meditação, de drogas ou do sexo. Abominam até o próprio conceito do corre-corre da sociedade de consumo e acham que é mais honesto "cair fora" do que participar. Tudo isso é sintoma da incapacidade da geração mais jovem de adaptar-se ao status quo ou de aclimatar-se à cultura prevalecente. Não se sentem à vontade. Estão alienados.

E em sua busca de uma alternativa, "contracultura" é a palavra que usam. Ela expressa um amplo raio de ação de idéias ou ideais, experiências e alvos. Encontramos uma boa documentação a esse respeito em The Making of a Counter-culture (A Criação de uma Contracultura, 1969) de Theodore Roszak; em The Dust of Death (A Poeira da Morte, 1973) de Os Guinness, e em Youthquake (Terremoto Jovem, 1973) de Kenneth Leech.

De um certo modo, os cristãos consideram esta busca de uma cultura alternativa um dos mais promissores, e até mesmo excitantes, sinais dos tempos. Pois reconhecemos nisso a atividade do Espírito, o qual, antes de confortar, perturba; e sabemos a quem a busca deles conduzirá, se quiserem encontrar a resposta. Na verdade, é significativo que Theodore Roszak, encontrando dificuldade para expressar a realidade que a juventude contemporânea procura, alienada como está pela insistência dos cientistas quanto à "objetividade", sente-se obrigado a recorrer às palavras de Jesus: "Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” [1]

Mas, ao lado da esperança que esta disposição de protesto e busca inspira aos cristãos, há também (ou deveria haver) um sentimento de vergonha. Pois, se a juventude de hoje está à procura das coisas certas (significado, paz, amor, realidade), ela as tem procurado nos lugares errados. O primeiro lugar onde deveriam procurar é um lugar que normalmente ignoram, isto é, a Igreja. Pois, com demasiada freqüência, o que vêem nas igrejas não é a contracultura, mas o conformismo; não uma nova sociedade que concretiza seus ideais, mas uma versão da velha sociedade a que renunciaram; não a vida, mas a morte. Prontamente endossariam o que Jesus disse de uma igreja do primeiro século: "Tens nome de que vives, e estás morto".[2]

Urge que não somente vejamos, mas também sintamos, a grandeza dessa tragédia, pois, na medida em que uma igreja se conforme com o mundo, e as duas comunidades pareçam ser meramente duas versões da mesma coisa, essa igreja está contradizendo a sua verdadeira identidade. Nenhum comentário poderia ser mais prejudicial para o cristão do que as palavras: "Mas você não é diferente das outras pessoas!"

O tema essencial de toda a Bíblia, desde o começo até o fim, é que o propósito histórico de Deus é chamar um povo para si mesmo; que este povo é um povo "santo", separado do mundo para lhe pertencer e obedecer; e que a sua vocação é permanecer fiel à sua identidade, isto ê, ser "santo" ou "diferente" em todo o seu pensamento e em todo o seu comportamento.

Foi assim que Deus falou ao povo de Israel logo depois que o tirou da escravidão egípcia e fez dele o seu povo especial através da aliança: "Eu sou o Senhor vosso Deus. Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo, nem andareis nos seus estatutos. Fareis segundo os meus juízos, e os meus estatutos guardareis, para andardes neles: Eu sou o Senhor vosso Deus."[3]  Este apelo que Deus fez a seu povo, é preciso notar, tanto começou como terminou com a declaração de que ele era o Senhor seu Deus. Pelo fato de ser o seu Deus, com quem eles firmaram um pacto, e porque eles constituíam o seu povo especial, tinham de ser diferentes de quaisquer outras pessoas. Tinham de seguir os mandamentos de Deus e não os padrões daqueles que os cercavam.

Através dos séculos seguintes, o povo de Israel continuou se esquecendo da sua singularidade como povo de Deus. Embora nas palavras de Balaão fosse "povo que habita só, e (que) não será reputado entre as nações", na prática, entretanto, eles continuaram assimilando-se aos povos que os rodeavam: "Antes se mesclaram com as nações, e lhes aprenderam as obras".[4] Por isso exigiram que um rei os governasse "como todas as nações", e quando Samuel os advertiu com base no fato de ser Deus o rei deles, foram obstinados em sua insistência: "Não, mas teremos um rei sobre nós. Para que sejamos também como todas as nações."[5] Pior ainda do que o estabelecimento da monarquia foi a sua idolatria. "Seremos como as nações", diziam para si mesmos. . . Servindo ao pau e à pedra. "[6] Por isso Deus continuou lhes enviando os seus profetas para que lembrassem quem eram e para insistir com eles a seguirem o caminho de Deus. "Não aprendais o caminho dos gentios", falou-lhes através de Jeremias e Ezequiel, "não vos contamineis com os ídolos do Egito; eu sou o Senhor vosso Deus. "[7] Mas o povo de Deus não queria ouvir-lhe a voz, e o motivo específico apresentado, pelo qual o juízo de Deus caiu primeiro sobre Israel e, depois, cerca de 150 anos mais tarde, sobre Judá, foi o mesmo: "Os filhos de Israel pecaram contra o Senhor seu Deus...  andaram nos estatutos das nações . . . Também Judá não guardou os mandamentos do Senhor seu Deus; antes, andaram nos costumes que Israel introduziu. ”[8]

Tudo isso constitui um cenário essencial para se compreender o Sermão do Monte. O Sermão encontra-se no Evangelho de Mateus, logo no começo do ministério público de Jesus. Imediatamente após o seu batismo e tentação, Cristo começou a anunciar as boas novas de que o reino de Deus, há muito prometido no período do Velho Testamento, estava agora às portas. Ele mesmo viera para inaugurá-lo. Com ele nascia a nova era e o reinado de Deus irrompia na História. "Arrependei-vos", clamava, "porque está próximo o reino dos céus."[9] Na verdade, "percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino" (v. 23). O Sermão do Monte, então, deve ser visto neste contexto. Descreve o arrependimento (metanóia, a total transformação da mente) e a retidão, que fazem parte do reino; isto é, descreve como ficam a vida e a comunidade humana quando se colocam sob o governo da graça de Deus.

E como é que ficam? Tornam-se diferentes! Jesus enfatizou que os seus verdadeiros discípulos, os cidadãos do reino de Deus, tinham de ser inteiramente diferentes. Não deveriam tomar como padrão de conduta as pessoas que os cercavam, mas sim Deus, e assim provar serem filhos genuínos do seu Pai celestial. Para mim, o texto-chave do Sermão do Monte é 6:8: "Não vos assemelheis, pois, a eles." Imediatamente nos faz lembrar a palavra de Deus a Israel, na antigüidade: "Não fareis como eles.” [10] É o mesmo convite para serem diferentes. E este tema foi desenvolvido através de todo o Sermão do Monte. O caráter deles teria de ser completamente diferente daquele que era admirado pelo mundo (as bem-aventuranças). Deveriam brilhar como luzes nas trevas reinantes. A justiça deles teria de exceder à dos escribas e fariseus, tanto no comportamento ético quanto na devoção religiosa, enquanto que o seu amor deveria ser maior, e a sua ambição mais nobre do que a dos pagãos vizinhos.

Não há um parágrafo no Sermão do Monte em que não se trace este contraste entre o padrão cristão e o não-cristão. É o tema subjacente e unificador do Sermão; tudo o mais é uma variação dele. Às vezes, Jesus contrasta os seus discípulos com os gentios ou com as nações pagãs. Assim, os pagãos amam-se e saúdam-se uns aos outros, mas os cristãos têm de amar os seus inimigos (5:44-47); os pagãos oram segundo um modelo, com "vãs repetições", mas os cristãos devem orar com a humilde reflexão de filhos do seu Pai no céu (6:7-13); os pagãos estão preocupados com as suas próprias necessidades materiais, mas os cristãos devem buscar primeiro o reino e a justiça de Deus (6:23, 33).

Em outros pontos, Jesus contrasta os seus discípulos, não com os gentios, mas com os judeus, ou seja, não com pessoas pagãs mas com pessoas religiosas; especificamente, com os "escribas e fariseus". O Professor Jeremias, sem dúvida, está certo ao dizer que são "dois grupos de pessoas totalmente diferentes", pois "os escribas são os mestres de teologia que tiveram alguns anos de estudo; os fariseus, por outro lado, não são teólogos, mas sim grupos de leigos piedosos de todas as camadas da sociedade".[11] Certamente Jesus opõe a moral cristã à casuística ética dos escribas (5:21-48) e a devoção cristã à piedade hipócrita dos fariseus (6:1-18).

Assim, os discípulos de Jesus têm de ser diferentes: tanto da igreja nominal, como do mundo secular; tanto dos religiosos, como dos irreligiosos. O Sermão do Monte é o esboço mais completo, em todo o Novo Testamento, da contracultura cristã. Eis aí um sistema de valores cristãos, um padrão ético, uma devoção religiosa, uma atitude para com o dinheiro, uma ambição, um estilo de vida e uma teia de relacionamentos: tudo completamente diferente do mundo que não é cristão. E esta contracultura cristã é a vida do reino de Deus, uma vida humana realmente plena, mas vivida sob o governo divino.

Chegamos à introdução editorial dada por Mateus ao Sermão, a qual é breve mas impressionante: indica a importância que ele lhe atribuía.

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A Mensagem do Sermão do Monte: Contracultura Cristã. John Stott. São Paulo: Abu Editora, 2011. 235p.


[1] The Making of a Counter-Culture, Anchor Books, Doubleday, 1969, p. 233.
[2] Ap 3:l.
[3] Lv 18:1-4.
[4] Nm 23:9; SI 106:35.
[5] 1 Sm 8:5,19,20.
[6] Ez 20:32.
[7] Jr 10:1, 2; Ez 20:7.
[8] 2 Rs 17:7, 8,19; cf. Ez 5:7; 11:12.
[9] Mt 4:17.
[10] Lv 18:3.
[11] The Sermon on the Mount  de Joachim Jeremias. Universiry of London, Athlone Press, 1961). p.23.

A GLÓRIA DE DEUS - O SUPREMO PROPÓSITO DA VIDA [1 Corintios 6.19-20]



INTRODUÇÃO

O Catecismo Maior da nossa igreja, na pergunta de n. 01, diz: “Qual é o fim supremo e principal do homem?”. A resposta vem em seguida dizendo: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo plena e eternamente”. E isso não é mera expressão teológica sem fundamentação. A Bíblia, através do profeta Isaías afirma: “a todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para minha glória, e que formei, e fiz”, Is 43.7 [1]

Portanto, fim principal de Deus é a promoção da sua própria glória e o nosso fim principal é glorificá-lo e gozá-lo para sempre. 

John Piper afirma que a felicidade de Deus em Deus é a base da nossa felicidade em Deus. Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele. Deus é inabalavelmente feliz. Sua felicidade é o prazer que tem em si mesmo. Antes da criação, regozijava-se na imagem da sua glória na pessoa do seu Filho. Depois a alegria de Deus “veio a público” na obra da criação e da redenção. [2] 

Essas obras alegram o coração de Deus porque refletem sua glória - “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”, Sl 19.1.

Deus e não os nossos interesses deve ser o centro da nossa vida. Vivemos para ele e não para nós mesmos. Vivemos e morremos para ele. Somos dele: criados, sustentados, remidos, abençoados e galardoados por ele. Qualquer outro propósito na vida que não seja a glória de Deus está fora de foco. 
a) Comemos e bebemos para a glória de Deus, 1 Co 10.31
b) Trabalhamos e descansamos para a glória de Deus, Ex 20.80-11
c) Compramos e vendemos para a glória de Deus, Tg 4.13-16. 
d) Casamos ou ficamos solteiros para a glória de Deus, 1 Co 7.32-34
e) Criamos filhos e os educamos para a glória de Deus, Sl 127.3

Sobre ser solteiro para glória de Deus, John Piper, em uma de suas mensagens, destaca que aqueles que permanecem solteiros em Cristo, recebem bênçãos prometidas da parte de Deus melhores do que as bênçãos de casamento e filhos. Ao mesmo tempo, recebem o chamado para manifestar, mediante uma devoção que exalta Cristo em sua vida de solteiro, as verdades acerca de Cristo e seu reino que brilham mais claramente por meio do “celibato” do que pelo casamento ou criação de filhos. [3]

Ele se deleita em nós como o noivo se alegra com a sua noiva. Somos seus filhos e herdeiros; somos a herança de Deus, a menina dos seus olhos, a sua delícia. 


COMO PODEMOS GLORIFICAR A DEUS?

Mas, como glorificamos a Deus? Calvino escreve: “Deus já nos prescreveu um modo no qual Ele será glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste na obediência à Sua Palavra. Aquele que excede estes limites não consegue honrar a Deus, mas, ao contrário, O desonra.” Obediência à Palavra de Deus significa buscar refúgio em Cristo para o perdão de nossos pecados, conhecê-Lo através de Sua Palavra, servi-Lo com um coração amoroso, realizar boas obras como gratidão por Sua bondade e exercer uma abnegação que chega ao ponto de amarmos nossos inimigos. Esta resposta envolve uma total rendição a Deus mesmo, à Sua Palavra e à Sua vontade. [4]


1. FAZENDO AS COISAS ORDINÁRIAS DA VIDA COMO UM TRIBUTO DE GLÓRIA PARA DEUS. - “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”, 1 Co 10.31

Todas as coisas têm significado quando as fazemos por meio de Deus e para a glória de Deus. Não existe mais a dicotomia entre sagrado e profano. Tudo em nossa vida passa ser sagrado e cúltico. 

O Rev. Onézio Figueiredo em sua definição de culto, mostra que não há diferença entre uma celebração e a minha vida comum. Veja o que ele escreveu. “O que é Culto: Serviço prestado a Deus pelo salvo e pela comunidade em todas as atividades vitais e existenciais. Servir é a condição essencial do servo. No primeiro caso, trata-se da atividade constante do real servidor de Deus, que o serve de dia e de noite com sua vida, testemunho, profissão e adoração. No segundo, tem-se em vista a liturgia comunitária, a adoração dos irmãos congregados, o ser e a voz da Igreja.” [5]

Fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras. Somos a obra prima de Deus, a poesia de Deus, a delícia de Deus, em quem ele tem todo o seu prazer. Quando praticamos as boas obras para as quais fomos preparados, o nome de Deus é glorificado.


2. OFERECENDO O NOSSO CORPO COMO INSTRUMENTO DE GLORIFICAÇÃO A DEUS. - “Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo”, I Co 6.20.

Ao sermos libertos da escravidão do pecado, os membros do nosso corpo deixam de ser instrumentos de iniquidade, para serem instrumentos de justiça - “nem ofereçais cada um os membros do seu corpo ao pecado, como instrumentos de iniquidade; mas oferecei-vos a Deus (...) como instrumentos de justiça” - Rm 6.13.

O nosso corpo em vez de ser um hotel do pecado, torna-se santuário do Espírito, habitação do Deus vivo – “Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?”, I Co 6.19.

O nosso corpo não foi criado para a impureza, mas para a santidade – “Os alimentos são para o estômago, e o estômago, para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como aquele. Porém o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor, para o corpo”, I Co 6:13.

Fomos criados para a glória de Deus e devemos refletir a glória de Deus. É instrutivo o coro de T. M. Jones: [6] “Que a beleza de Cristo se veja em mim. Toda a sua admirável pureza e amor. Oh, tu chama divina, todo o meu ser refina, até que a beleza de Cristo se veja em mim”. 


3. VIVENDO PARA ABENÇOAR OUTRAS PESSOAS A FIM DE QUE SUAS AÇÕES DE GRAÇAS REDUNDEM EM GLÓRIA AO NOME DE DEUS. - “Porque todas as coisas existem por amor de vós, para que a graça, multiplicando-se, torne abundantes as ações de graças por meio de muitos, para glória de Deus”, II Co 4.15.

Deus é glorificado em nós quando expressamos a compaixão de Cristo pelas pessoas. Deus ama, socorre, consola e anima as pessoas através de nós. Somos o corpo de Cristo em ação na terra. Quando as pessoas tributam a Deus ações de graça pelo bem que lhes fazemos, isso traz glória ao nome de Deus. 

a) Glorificamos a Deus com a nossa conduta irrepreensível - “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” – Mt 5.16

Tudo em nossa vida deve visar a glorificação de Deus; quando isso não acontece, estamos falhando em nossa meta. Quando não glorificamos a Deus em nossa conduta, pecamos! 

“Tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem.” - 1 Pd 2:12

b) Glorificamos a Deus quando o servimos com prazer - “Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém.” - 1 Pd 4:10,11

O Senhor Jesus em sua oração sacerdotal, Ele afirma que glorificava a Deus com a obra que desempenhou na terra – “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer. E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse.” - Jo 17:4,5.

Fanny Crosby, cega desde as seis semanas de idade, produzia glória para Deus onde quer que fosse. Mesmo cega ela conhecia a sua Bíblia melhor do que a maioria das pessoas. Ainda jovem já sabia praticamente de cor o Pentateuco, e quase todo o Novo Testamento. Mesmo cega ela aprendeu a valorizar as belezas da criação de Deus e a expressar isso em suas poesias. Decorou os oito mil hinos que escreveu para a glória de Deus. Falou inúmeras vezes para grandes auditórios, tal a bênção que a sua presença transmitia. Aos 94 anos, a 11 de fevereiro de 1915, ela parecia estar bem de saúde, ditou uma carta e escreveu um novo poema, indo depois para a cama. Antes de amanhecer tinha ido para o céu. Qual o cristão que não deu glória a Deus ao cantar as canções escritas por Fanny Crosby? Quantos milhares de pessoas não entregaram suas vidas a Cristo ao ouvirem os hinos: “Manso e suave, Jesus está chamando”, “Mais perto quero estar meu Deus de Ti”. “Que segurança, sou de Jesus”. Milhares de vidas ficaram mais ricas porque a cega Fanny Crosby deu glória a Deus. [7]


PARA CONCLUIR: Meus irmãos, vocês já se perguntaram por que foram criados por Deus e por que estão neste mundo? A sua vida é vivida em função de Deus ou é vivida em função do homem e para a glória do homem! 

A bíblia fala de alguém que não glorificou a Deus com sua vida e morreu comido de bichos – “Em dia designado, Herodes, vestido de trajo real, assentado no trono, dirigiu-lhes a palavra; e o povo clamava: É voz de um deus, e não de homem! No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou”, At 12.21-22.

O ser humano quando não glorifica a Deus com sua vida, ele não vive para Deus, nem para ele e nem para o próximo. Ser fim é fatal!


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[1] GEERHARDUS VOS, Johanees. Catecismo Maior de Westminster Comentado. São Paulo: Editora Os Puritanos, 2007, p. 31-33
[2] PIPER, John. A felicidade de Deus: Fundamento para o Hedonismo Cristão. Disponível in: http://www.desiringgod.org/messages/the-happiness-of-god-foundation-for-christian-hedonism?lang=pt Acessado em 25/03/2017.
[3] PIPER, John. Solteiro em Cristo: Um nome melhor que filhos e filhas. Disponível in: http://www.desiringgod.org/messages/single-in-christ-a-name-better-than-sons-and-daughters?lang=pt Acesso em 25/03/2017.
[4] BEEKE, Joel. Espiritualidade Reforma: Uma teologia prática para Devoção a Deus. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 26-27
[5] FIGUEIREDO, Onézio. O Culto. Texto em PDF. Disponível in: http://www.monergismo.com/textos/adoracao/o_culto.pdf Acesso em 25/03/2017
[6] KEITH, Edmond D. Hinódia Cristã. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960. p.89
[7] KEITH, Edmond D. Hinódia Cristã. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960. p.191

terça-feira, 13 de junho de 2017

A FELICIDADE SEGUNDO JESUS: REFLEXÕES SOBRE AS BEM-AVENTURANÇAS [Introdução]



As bem-aventuranças são a introdução ao Sermão da Montanha, que cristãos e pagãos reconhecem igualmente como uma das declarações mais importantes, em todos os tempos, do caráter moral. O significado que Jesus pretendia transmitir aos seus discípulos - e, por extensão, a nós também - precisa de interpretação e de aplicação séria ao nosso viver diário. Afinal de contas, foram os discípulos que se aproximaram de Jesus quando ele se assentou diante das multidões (Mt 5.1). A eles Jesus escolhera para proclamarem a sua salvação e estabelecerem a sua igreja. Não é aqui que se deve procurar um cristianismo popular, feito sob medida para as vicissitudes populares, que se interessa em adquirir benefícios materiais e bem-estar físico. O alvo do sermão é a perfeição que reflete a santidade de Deus (Mt 5.48). As bem aventuranças resumem e destilam as qualidades que Deus conclama seus filhos a porem em prática na vida na comunidade e no mundo.

Anteriormente, Jesus chamara quatro dos seus discípulos para que deixassem seus barcos de pesca e para fazer deles "pescadores de homens" (Mt 4.18,19). Abandonaram seus meios de obter o sustento material garantido, mas não conseguiram tão facilmente deixar para trás o seu caráter. Jesus ao convidá-los a segui-lo, pretendia iniciá-los num período de transformação interior necessária.

Da mesma forma que Moisés trouxe do monte Sinai os mandamentos escritos pelo dedo de Deus, Jesus assentou-se, noutra montanha, para ensinar os princípios fundamentais do Reino (Mt 7.24-27). As bem-aventuranças sintetizam a lei de Cristo, da mesma forma que os Dez Mandamentos epitomam a lei de Moisés.

Somente um compromisso sério com Jesus como Senhor e Salvador faz desse sermão um código moral e espiritual sério. Realmente, as exigências que Jesus apresenta são tão contundentes e abrangentes que várias interpretações já foram postuladas para esse sermão, com a intenção de abrandar ou anular essas exigências. Alguns dispensacionalistas, no passado, relegavam-no ao milênio, quando, então, os corações humanos seriam mais brandos e dispostos a seguir os ensinos do Rei Jesus.

Leo Tolstoy, escritor russo de renome, procurou implantar os ideais do sermão numa colônia, um tipo de encrave cristão dentro do mundo caído. Seu sonho não se realizou. Já faz muito tempo que os teólogos liberais apelam ao sermão para exemplificar o ensino maravilhoso de Jesus. Supunha-se que semelhante idealismo criaria o modelo para aqueles que quisessem implantar o Reino de Deus na terra. Duas guerras mundiais desmascararam o mal radical no coração humano e a futilidade dos esforços humanos que visam eliminar o egoísmo, quer individual, quer coletivo.

Albert Schweitzer, teólogo alemão de renome e missionário em Lambarene, na República do Gabão, achava que o sermão refletia a ética interina de Jesus. Conforme a teoria de Schweitzer, no começo do século XX, esse sermão tratava de atitudes e ações a serem adotadas para o período de crise que Jesus previa como um prelúdio para a vinda do Reino que ele buscava estabelecer. Mas (segundo essa teoria) Jesus fracassou, pois o Reino não passou a existir na realidade. A ética radical do Reino foi repudiada. Se Schweitzer tivesse razão, os historiadores e os antiquários seriam os que mais se interessariam pelo estudo desse sermão.[1]

Todos aqueles, porém, que confiam na Bíblia para receberem as instruções divinas para a sua vida, evitarão entrar em qualquer um desses becos sem saída. Para tais pessoas, esse sermão representa as exigências legítimas do Reino de Deus. E aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que procurarão conhecer os ideais que Jesus Cristo ensinava. Talvez seja verdadeira a declaração de John Stott, feita diante da Convenção de Keswick de 1972, de que esse sermão é a parte mais conhecida, mas possivelmente a menos seguida, dos ensinos de Jesus. Mesmo assim, ela descreve os verdadeiros "filhos do reino", ou seja: aqueles que, pela graça, foram regenerados pelo Espírito Santo (Jo 3.6). É possível que nunca tenhamos conhecido alguém que vivesse perfeitamente à altura dessas exigências, mas nem por isso o sermão deixa de ser o padrão divino para hoje e para todos os tempos. Esse sermão é o código de santidade promulgado por Deus.

Willliam L. Pettingill, um dos principais colaboradores da primeira edição da Bíblia de Scofield, entendia que o Sermão da Montanha tinha o propósito de descrever a vida durante o reino milenar. Alegava que esse sermão não era o caminho de salvação para os pecadores. "Nem e a regra de vida para os cristãos... O Sermão da Montanha é pura lei, e o cristão não está debaixo da lei, mas da graça."[2] - Depois de ter excluído tanto os ímpios quanto os fiéis, não lhe, restou outra escolha senão relegar esse sermão ao milênio futuro. [3]

Pettingill estava errado, com toda a certeza. Mateus escreveu para as igrejas dos seus próprios dias e tempos - para a era da graça. Jesus não fez uma exposição da vontade de Deus para um futuro distante, mas para a igreja, o povo da Nova Aliança. A promessa segundo os profetas seria cumprida mediante a vinda do Espírito. A lei de Deus seria escrita no coração dos crentes. Assim como a lei corretamente entendida não podia ser observada dependendo-se de esforço próprio, esse sermão envolve a graça e o perdão. Jesus declarou que, para aqueles cuja justiça não exceder a dos escribas e dos fariseus, a porta de entrada no Reino permanecerá fechada (Mt 5.20). Com isso queria dizer que a justiça aos próprios olhos não era a essência da lei, nem é ela o âmago desse sermão. Jesus, mediante a sua morte e ressurreição, atribui a sua justiça a todos quantos nele crerem (1 Co 1.30). Deve haver, no entanto, um reflexo da santidade interior que o Espírito Santo implanta naqueles que o conhecem. Há mandamentos a serem obedecidos por aqueles que declaram que Deus neles habita (Jo 14.23). C. F. Hogg e J. B. Watson declaram; "Nada existe no sermão que não se ache noutra forma nas epístolas; e, realmente, pouquíssima coisa que não se ache implícita ou explicitamente naquelas escritas pelo apóstolo enquanto era prisioneiro em Roma.[4] ''As verdadeiras características dos "filhos do reino" são demonstradas nas bem-aventuranças mais claramente do que em qualquer outra parte do sermão. Nesse trecho, não há maneira de deixar despercebida a contracultura do caráter do Rei vivendo a sua vida nos seus discípulos e através deles. Aqui descobrimos a "imagem" do Filho de Deus (cf. Rm 8.29) e a perfeição que o Pai exige dos seus filhos (Mt 5.48). Devemos imitar essa viva descrição de Cristo. Somente ele pôs em prática na carne humana a bem aventurança das bem-aventuranças, pois somente ele exemplificou com perfeição todas elas. Nisso conseguimos captar melhor a intenção de Paulo ao escrever: "Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne..." (Rm 13.14).

Antes de convidar o leitor a notar a riqueza de significado em cada uma das bem-aventuranças, quero ressaltar algumas considerações. Em se tratando da unidade das bem-aventuranças, não há dúvida de que Stott tem razão. As oito bem-aventuranças não descrevem cristãos diferentes que possuem uma ou outra dessas características. Pelo contrário, visam caracterizar todos os seguidores genuínos de Cristo. As bem-aventuranças não são como presentes dados aos misericordiosos, ou humildes, mas que, entre tanto, não são mansos. O cristão que possui uma das bem-aventuranças deve possuir todas elas.

Cada uma das oito descrições é de uma qualidade espiritual fundamental, mais do que uma representação de realidades físicas ou políticas. Isso não significa, no entanto, que essas virtudes têm pouca ou nenhuma aplicabilidade ao mundo real e à nossa existência de todos os dias. Pelo contrário, é exatamente por serem espirituais que são de suprema importância em todos os relacionamentos e atitudes humanos. Assim como o Verbo (Logos) que se tornou carne a fim de tornar real, tangível e visível a glória de Deus, as características espirituais do cristão "bem-aventurado" devem ser reconhecíveis. Por certo, é justamente por isso que as bem-aventuranças parecem contradizer o bom-senso. Nelas, a cidadania celestial reveste-se, na terra, de expressões visíveis (cf, Fp 1.27; 3.20; 1 Pe 1.1, 17).

Devemos entender que as bem-aventuranças proclamadas por Jesus são bênçãos verdadeiras. A palavra "bem-aventurado" (Makarios,em grego) significa "feliz", não por causa das circunstâncias externas, mas por causa da fé mediante a qual o crente recebe antecipadamente os benefícios que Deus lhe prometeu (Hb 11.1), Jesus promete aquela alegria espiritual que também conhecemos como fruto do Espírito Santo (G1 5.22), As bênçãos, assinaladas sempre na segunda parte,de cada bem-aventurança, descrevem os privilégios de pertencer ao reino de Deus e de gozar dele. Cada uma das bem aventuranças devem ser considerada parte essencial de um todo. Quem, portanto, recebe uma das bênçãos aqui prometidas deve desfrutar de todas elas.

Desejo, agora, explicar aos meus leitores o que penso ser o significado de cada uma das bem-aventuranças e oferecer minha tentativa de aplicá-las de modo relevante.

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A felicidade segundo Jesus: reflexões sobre as bem-aventuranças. Russell P. Shedd. São Paulo: Vida Nova, 2001, p.9-13


[1] Veja John F Genung: "Proverbs", International Standard Bible Encyclopedia. G. Rapids: Eerdmans, 1939, IV, p. 2470.
[2] W. L. Pettingill: The Gospel of the Kingdom. Findlay, Ohio, Fundamental Truth Pubs., s.d., p. 57,58
[3].Cf Donald Burdick: “The Sermon on the Mount: Eschatological Ethic or Present Ideal” na série de estudos para o Seminário Teológico Batista Conservador de Denver (EUA), s.d., p.2
[4] On the Sermon on the Mount, Londres: Pickering and Inglis, 1947, p.16, 107-127, citado em D. Burdick, ibid., p.8

sexta-feira, 9 de junho de 2017

A MENTE ESQUERDISTA: AS CAUSAS PSICOLÓGICAS DA LOUCURA POLITICA [Resenha]


Geralmente vemos esquerdistas se referirem a quem é da direita como um “louco da direita”, e daí por diante. O problema é que a crença da direita é coerente até com o que a teoria da evolução tem a nos dizer. Enquanto isso, a crença esquerdista é baseada em quê? É isso que começamos a investigar de uma forma mais clínica a partir do livro The Liberal Mind: The Psychological Causes of Political Madness, de Lyle Rossiter, lançado em 2011.
Conforme a review da Amazon, já notamos a paulada que será dada nos esquerdistas:
Liberal Mind traz o primeiro exame profundo da loucura política mais relevante em nosso tempo: os esforços da esquerda radical para regular as pessoas desde o berço até o túmulo. Para salvar-nos de nossas vidas turbulentas, a agenda esquerdista recomenda a negação da responsabilidade pessoal, incentiva a auto-piedade e outro-comiseração, promove a dependência do governo, assim como a indulgência sexual, racionaliza a violência, pede desculpas pela obrigação financeira, justifica o roubo, ignora a grosseria, prescreve reclamação e imputação de culpa, denigre o matrimônio e a família, legaliza todos os abortos, desafia a tradição social e religiosa, declara a injustiça da desigualdade, e se rebela contra os deveres da cidadania. Através de direitos múltiplos para bens, serviços e status social não adquiridos, o político de esquerda promete garantir o bem-estar material de todos, fornecendo saúde para todos, protegendo a auto-estima de todos, corrigindo todas as desvantagens sociais e políticas, educando cada cidadão, assim como eliminando todas as distinções de classe. O esquerdismo radical, assim, ataca os fundamentos da liberdade civilizada. Dadas as suas metas irracionais, métodos coercitivos e fracassos históricos, juntamente aos seus efeitos perversos sobre o desenvolvimento do caráter, não pode haver dúvida da loucura contida na agenda radical. Só uma agenda irracional defenderia uma destruição sistemática dos fundamentos que garantem a liberdade organizada. Apenas um homem irracional iria desejar o Estado decidindo sua vida por ele, ao invés e criar condições de segurança para ele poder executar sua própria vida. Só uma agenda irracional tentaria deliberadamente prejudicar o crescimento do cidadão em direção à competência, através da adoção dele pelo Estado. Apenas o pensamento irracional trocaria a liberdade individual pela coerção do governo, sacrificando o orgulho da auto-suficiência para a dependência do bem-estar. Só um louco iria visualizar uma comunidade de pessoas livres cooperando e ver nela uma sociedade de vítimas exploradas pelos vilões.
O que temos aqui, na obra de Rossiter, é o tratamento do esquerdismo de forma clínica, por um psiquiatra forense. (Um pouco mais no site do autor do livro, e um pouco mais sobre sua prática profissional)
O modelo de mente esquerdista
O livro é bastante analítico, e, por vezes, até chato de se ler. Quem está acostumado a livros de fácil leitura de autores conservadores de direita, como Glenn Beck e Ann Coulter, pode até se incomodar. Outro livro que fala do mesmo tema é Liberalism Is a Mental Disorder: Savage Solution, de Michael Savage. Mas o livro de Savage é também uma leitura informal, embora séria. O livro de Rossiter é acadêmico, de leitura até difícil, sem muitas concessões comerciais, e de um rigor analítico simplesmente impressionante. Se não é sua leitura típica para curar insônia, ao menos o conteúdo poderoso compensa o tratamento seco e acadêmico dado ao tema.
Segundo Rossiter, a mente esquerdista tem um padrão, que se reflete tanto em um padrão comportamental, quanto um padrão de crenças e alegações. Portanto, é possível “modelar” a mente do esquerdista a partir de uma série de padrões. A partir daí, Rossiter investiga uma larga base de conhecimento de desordens de personalidade, e usa-as para modelar os padrões de comportamento dos esquerdistas. Segundo Rossiter, basta observar o comportamento de um esquerdista, mapear suas crenças e ações, e compará-los com os dados científicos a respeito de algumas patologias da mente. A mente esquerdista pode ser classificada como um distúrbio de personalidade por que as crenças e ações resultantes deste tipo de mentalidade se encaixam com exatidão no modelo psiquiátrico do distúrbio de personalidade. As análises de Rossiter são feitas tanto nos contextos individuais (a crença do cidadão esquerdista em relação ao mundo), como nos contextos corporativos (ação de grupo, endosso a políticos profissionais, etc.).
Rossiter nos lembra que a personalidade é socializada pelos pais e pela família, como uma parte do desenvolvimento infantil. Mesmo com a influência do ambiente escolar, são os pais que preparam a criança para o futuro. A partir disso, ele avalia o que é um desenvolvimento sadio, para desenvolver uma personalidade apta a viver em um mundo orientado a valorização da competência, dentro do qual essa personalidade deverá reagir. Uma personalidade sadia reagiria bem a esse mundo já sem a presença dos pais, enquanto uma personalidade com distúrbio não conseguiria o mesmo sucesso. Em cima disso, Rossiter avalia a personalidade desenvolvida com os itens da agenda esquerdista, demonstrando que muitos itens dessa agenda estão em oposição ao desenvolvimento sadio da personalidade.
Para o seu trabalho, Rossiter classifica os esquerdistas em dois tipos: benignos e radicais. Os radicais são aqueles cujas ações (agenda) causam dano a outros indivíduos. De qualquer forma, os esquerdistas benignos (seriam os moderados) dão sustentação aos esquerdistas radicais.
Rossiter define o homem como uma fonte autônoma de ação, ao mesmo tempo em que está envolvido em relações, como as econômicas, sociais e políticas. Isto é definido por Rossiter como a Natureza Bipolar do Homem, pois mesmo que ele seja capaz de ação independente, também é restrito pelo contexto social, na cooperação com os outros. A partir dessa constatação, tudo o mais flui. Para permitir que o homem seja capaz de operar com sucesso em seu ambiente natural, deve existir um desenvolvimento adequado da personalidade. Este desenvolvimento da personalidade surge a partir dos outros, idealmente a mãe e a família.
Outro ponto central: toda a análise de Rossiter é feita no contexto de uma sociedade livre, não de uma sociedade totalitária. Portanto, ele avalia o quão alguém é sadio em termos de personalidade para viver em uma sociedade democrática, e não em uma sociedade formalmente totalitária, como Coréia do Norte, Cuba ou China, por exemplo.
Competência em uma sociedade livre
Fica claro que não devemos esperar de Rossiter avaliação sobre um modelo de personalidade para toda e qualquer sociedade, pois ele é bem claro em seu intuito: desenvolver e estudar personalidades competentes para a vida em uma sociedade livre. A manutenção de tal sociedade requer regras para existir, que devem ser codificadas em leis, hipóteses, assim como regras do senso comum.
Nesse contexto, as habilidades a seguir são aquelas de um adulto competente em uma sociedade com liberdade organizada:
  • Iniciativa – Fazer as coisas acontecerem.
  • Atuação – Agir com propósito.
  • Autonomia – Agir independentemente.
  • Soberania-  Viver independentemente, através da tomada de decisão competente.
Rossiter define os direitos naturais do homem, para uma pessoa adulta vivendo em uma sociedade de liberdade organizada. Estes compreendem o exercício, conforme qualquer um escolher, das habilidades selecionadas acima, todas elas sujeitas às restrições necessárias para uma sociedade com paz e ordem. Assim, direitos naturais resultam da combinação de natureza humana e liberdade humana. Natureza humana significa viver como alguém quiser, sujeito as restrições necessárias para paz e ordem.
Considerando estes atributos humanos, Rossiter define como uma ordem social adequada, aquela que possui os seguintes aspectos:
  1. Honra a soberania do indivíduo
  2. Respeita a liberdade do indivíduo.
  3. Respeita a posse de propriedade e integridade dos contratos.
  4. Respeita o princípio da igualdade sob a lei.
  5. Requer limites constitucionais, para evitar que o governo viole os direitos naturais.
Os aspectos acima são avaliados na perspectiva do indivíduo, não de grupos ou classes, em um processo relacionado à individuação, conceito originado em Jung. Neste processo, o ser humano evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que implicará necessariamente em uma ampliação da consciência. A partir daí, surge cada vez mais o conhecimento de si-mesmo, em detrimento das influências externas. Eventuais resistências à individuação são causas de sofrimento e distúrbios psiquícos.
Segundo Rossiter, o indivíduo adulto que passou adequadamente pelo processo de individuação assume de forma coerente seu direito a vida, liberdade e busca da felicidade. Mesmo assim, isso não significa que ele pode fazer o que quiser, pois deve respeitar o individualismo dos outros e interagir com eles através da cooperação voluntária. Assim, o individualismo deve ser associado com mutualidade, para o desenvolvimento de um adulto competente para viver em uma sociedade de liberdade organizada.
Rossiter estuda com afinco as características de desenvolvimento do invidíduo, de acordo com regras pelas quais ele pode viver em uma sociedade de liberdade organizada, e lista sete direitos individuais do cidadão comum, dentro dos quais ele pode exercitar sua autonomia, livre da interferência do governo:
  1. Direito de auto-propriedade (autonomia)
  2. Direito de primeira posse (para controlar propriedade que não tenha sido de posse de ninguém antes)
  3. Direito de posse e troca (manter, trocar ou comercializar)
  4. Direito de auto-defesa (proteção de si próprio e da proriedade)
  5. Direito de compensação justa pela retirada (a partir do governo)
  6. Direito a acesso limitado (a propriedade dos outros em emergências)
  7. Direito a restituição (por danos a si próprio ou propriedade)
Estes são normalmente chamados de direitos naturais, direitos de liberdade ou direitos negativos. O governo deve ser estruturado para proteger estes direitos, e precisa ser estruturado de forma que não infrinja-os.  A obrigação do governo em uma sociedade de liberdade organizada envolve implementar e sustentar estas regras para proteger o cidadão de infrações cometidas tanto por outros como pelo próprio governo.
Eis que surge o problema da mente esquerdista, que quer atacar basicamente todos os pilares acima. Em cima disso, Rossiter levanta as crenças da mente esquerdista, que, juntas, dão um fundamento do modelo da mente deles:
  1. Modelos sociais ideais tradicionais estão ultrapassados e não se aplicam mais.
  2. A direção do governo é melhor do que ter os cidadãos tomando conta de si próprios.
  3. A melhor fundação política de uma sociedade organizada ocorre através de um governo centralizado.
  4. O objetivo principal da política é alcançar uma sociedade ideal na visão coletiva.
  5. A significância política do invidíduo é medida a partir de sua adequação à coletividade.
  6. Altruísmo é uma virtude do estado, embutida nos programas do estado.
  7. A soberania dos indivíduos é diminuída em favor do estado.
  8. Direitos a vida, liberdade e propriedade são submetidos aos direitos coletivos determinados pelo estado.
  9. Cidadãos são como crianças de um governo parental.
  10. A relação do indivíduo em relação ao governo deve lembrar aquela que a criança possui com os pais.
  11. As instituições sociais tradicionais de matrimônio e família não são muito importantes.
  12. O governo inchado é necessário para garantir justiça social.
  13. Conceitos tradicionais de justiça são inválidos.
  14. O conceito coletivista de justiça social requer distribuição de riqueza.
  15. Frutos de trabalho individual pertencem à população como um todo.
  16. O indivíduo deve ter direito a apenas uma parte do resultado de seu trabalho, e esta porção deve ser especificada pelo governo.
  17. O estado deve julgar quais grupos merecem benefícios a partir do governo.
  18. A atividade econômica deve ser cuidadosamente controlada pelo governo.
  19. As prescrições do governo surgem a partir de intelectuais da esquerda, não da história.
  20. Os elaboradores de políticas da esquerda são intelectualmente superiores aos conservadores.
  21. A boa vida é um direito dado pelo estado, independentemente do esforço do cidadão.
  22. Tradições estabelecidas de decência e cortesia são indevidamente restritivas.
  23. Códigos morais, éticos e legais tradicionais são construções políticas.
  24. Ações destrutivas do indivíduo são causadas por influências culturais negativas.
  25. O julgamento das ações não deve ser baseado em padrões éticos ou morais.
  26. O mesmo vale para julgar o que ocorre entre nações, grupos éticos e grupos religiosos.
Como tudo na vida, o aceite de crenças tem consequências. No caso do aceite das crenças esquerdistas, consequências incluem:
  1. Dependência do governo, ao invés de auto-confiança.
  2. Direção a partir do governo, ao invés da auto-determinação.
  3. Indulgência e relativismo moral, ao invés de retidão moral.
  4. Coletivismo contra o individualismo cooperativo.
  5. Trabalho escravo contra o altruísmo genuíno.
  6. Deslocamento do indivíduo como a principal unidade social econômica, social e política.
  7. A santidade do casamento e coesão da família prejudicada.
  8. A harmonia entre a família e a comunidade prejudicada.
  9. Obrigações de promessas, contratos e direitos de propriedade enfraquecidos.
  10. Falta de conexão entre premiações por mérito e justificativa para estas premiações.
  11. Corrupção da base moral e ética para a vida civilizada.
  12. População polarizada em guerras de classes através de falsas alegações de vitimização e demandas artificiais de resgate político.
  13. A criação de um estado parental e administrativo idealizado, dotado de vastos poderes regulatórios.
  14. Liberdade invididual e coordenação pacífica da ação humana severamente comprometida.
Aliás, eu acho que Rossiter esqueceu de consequências adicionais como: (15) Aumento do crime, devido a tolerância ao crime, e (16) Incapacidade de uma base lógica para que a sociedade sequer tenha condição de julgar o status em que se encontra.
Por que a mente esquerdista é uma patologia?
Para Rossiter, a melhor forma de avaliar a mente do esquerdista é a através dos valores que ele tem, e os que ele rejeita. Mais:
Como todos os outros seres humanos, o esquerdista moderno revela seu verdadeiro caráter, incluindo sua loucura, nos valores que possui e que descarta. De especial interesse, no entanto, são os muitos valores sobre os quais a mente esquerdista não é apaixonada: sua agenda não insiste em que o invidívuo é a principal unidade econômica, social e política, ele não idealiza a liberdade individual em uma estrutura de lei e ordem, não defende os direitos básicos de propriedade e contrato, não aspira a ideais de autonomia e reciprocidade autênticas. Ele não defende a retidão moral ou sequer compreende o papel crítico da moralidade no relacionamento humano. A agenda esquerdista não compreende uma identidade de competência, nem aprecia sua importância, e muito menos avalia as condições e instituições sociais que permitam seu desenvolvimento ou que promovam sua realização. A agenda esquerdista não compreende nem reconhece a soberania, portanto não se importa em impor limites estritos de coerção pelo estado. Ele não celebra o altruísmo genuíno da caridade privada. Ele não aprende as lições da história sobre os males do coletivismo.
Rossiter diz que as crianças não nascem com este “programa”, que é adquirido especialmente durante o aprendizado escolar. Em resumo: um adulto, competente para operar em uma sociedade de liberdade organizada, na maior parte das vezes adquire estes valores dos pais e da família, mas um esquerdista radical não.
Basicamente, o esquerdismo pode ser caracterizado como uma neurose, baseada nos traumas do relacionamento com a família durante o desenvolvimento da personalidade. Sendo uma neurose de transferência, ela compreende as projeções inconscientes das psicodinâmicas da infância nas arenas políticas da vida adulta. É o resultado de uma falha no treino da criança nos elementos psicodinâmicos básicos de um adulto, competente para viver em uma sociedade de liberdade organizada. (Obviamente, um esquerdista jamais irá reconhecer as “fendas” em seu desenvolvimento de criança até um adulto)
Rossiter nos diz mais:
Sua neurose é evidente em seus ideais e fantasias, em sua auto-justiça, arrogância e grandiosidade, na sua auto-piedade, em suas exigências de indulgência e isenção de prestação de contas, em suas reivindicações de direitos, em que ele dá e retém, e em seus protestos de que nada feito voluntariamente é suficiente para satisfazê-lo. Mais notadamente, nas demandas do esquerdista radical, em seus protestos furiosos contra a liberdade econômica, em seu arrogante desprezo pela moralidade, em seu desafio repleto de ódio contra a civilidade, em seus ataques amargos à liberdade de associação, em seu ataque agressivo à liberdade individual. E, em última análise, a irracionalidade do esquerdista radical é mais aparente na defesa do uso cruel da força para controlar a vida dos outros.
Agora fica mais fácil entender por que os esquerdistas são tão frustrados e raivosinhos em suas interações, não?
Os cinco déficits principais do esquerdista
Um esquerdista apresenta, segundo Rossiter, cinco principais déficits, cada um mais evidente nas diversas fases do desenvolvimento, desde os primeiros meses após o nascimento, até a entrada da fase adulta.
Confiança básica: O primeiro déficit relaciona-se a confiança básica. Isto é, a falta de confiança nos relacionamentos entre pessoas por consentimento mútuo. Por isso, o esquerdista age como se as pessoas não conseguissem criar boas vidas por si próprios através da cooperação voluntária e iniciativa individual. Por isso, colocam toda essa coordenação nas mãos do estado, que funciona como um substituto para os pais. Se a criança não consegue conviver com os irmãos, precisa de pais como árbitros. Este déficit inicia-se no primeiro ano de vida. As interações positivas de uma criança com a mãe o introduzem a um mundo de relacionamento seguro, agradável, mutuamente satisfatório e a partir do “consentimento” entre ambas as partes. Mas caso exista um relacionamento anormal e abusivo na infância, algo de errado ocorre, e essa aquisição de confiança básica é profundamente comprometida. Lembremos que a ingenuidade é problemática, mas o esquerdista é ingênuo perante o governo, que tem mais poder de coerção, enquanto suspeita dos relacionamentos humanos não abitrados pelo governo.
Autonomia: Após os primeiros 15 meses, uma criança começa a incorporar os fundamentos de autonomia, auto-realização, assim como fundamentos de mutualidade, ou auto-realização (assim como realização dos outros). A partir dessa fase, a criança começa a agir por si própria para ter suas necessidades satisfeitas, de acordo com aqueles que cuidam dela. Junto com a ideia de autonomia, surgem ideias como auto-confiança, auto-direção e auto-regulação. A criança “mimada”, que cresce dependente do excesso de indulgência dos pais é privada das virtudes de auto-confiança e auto-controle e de atitudes necessárias para cooperação com os outros.
Iniciativa: No desenvolvimento normal, esta é a capacidade de se iniciar bons trabalhos para bons propósitos, sendo desenvolvida nos primeiros quatro ou cinco anos da vida de uma criança. No caso da falta de iniciativa, há falta de auto-direção, vontade e propósito, geralmente buscando relacionamentos com os outros de forma infantil, sempre pedindo por condescendência, ao invés de lutar para ser respeitado. Pessoas como esta personalidade normalmente assumem um papel infantil em relação ao governo, votando para aqueles que prometem segurança material através da obrigação coletiva, ao invés de votar naqueles comprometidos com a proteção da liberdade individual. A inibição da iniciativa pode ocorrer por culpa excessiva adquirida na infância, surgindo, por instância, do completo de Édipo.
Diligência: Assim como a iniciativa é a habilidade de iniciar atos com boas metas, diligência é a habilidade para completá-los. A criança, no seu desenvolvimento escolar, se torna apta a completar suas ações de forma cada vez mais competente. Na fase da diligência, a criança aprende a fazer e realizar coisas e se relacionar de formas mais complexas com pessoas fora de seu núcleo familiar. A meta desta fase é o desenvolvimento da competência adulta. É a era da aquisição da competência econômica e da socialização. Nessa fase, se aprende a convivência de acordo com códigos aceitos de conduta, de acordo com as possibilidades culturais de seu tempo, de forma a canalizar seus interesses na direção da cooperação mútua. Quando as coisas não vão muito bem, surgem desordens comportamentais, uso de drogas, ou delinquência, assim como o surgimento de ações que sabotam a cooperação. A tendência é a geração de um senso de inferioridade, assim como déficits nas habilidades sociais, de aprendizado e identificações construtivas, que deveriam ser a porta de entrada para a aquisição da competência adulta. Atitudes que surgem destas emoções patológicas podem promover uma dependência passiva comportamental como uma defesa contra o medo diante das relações humanas, vergonha, ou ódio.
Identidade: O senso de identidade do adolescente é alterado assim que ele explora várias personas, múltiplas e as vezes contraditórias, na construção de seu self. Ele deve se confrontar com novos desafios em relação ao balanço já estabelecido entre confiança e desconfiança, autonomia e vergonha, iniciativa e culpa, diligência e inferioridade. Esta fase testa a estabilidade emocional que foi desenvolvida pela criança, assim como sua racionalidade, sendo de adequação e aceitabilidade, superação de obstáculos, e o aprofundamento das habilidades relacionais. O desenvolvimento desta identidade adulta envolve o risco percebido de acreditar nas instituições sociais. O adulto quer uma visão do mundo na qual possa acreditar. Isto é especialmente importante se ele sofreu formas de abuso anteriormente. Sua consciência ampliada de quem ele é facilita uma integração entre suas identidades do passado e do presente com sua identidade do futuro. Nesta fase do desenvolvimento o jovem pode ser vítima das ofertas ilusórias do esquerdismo. É a fase “final” da escolha.
Uma cura para o esquerdismo?
Com uma identidade mantida por uma série de neuroses, o esquerdista não consegue mais assumir responsabilidades pelos seus atos, e muito menos pelas consequências de suas ações. Tende a se fazer de vítima para conseguir o que quer, e não se furta em mentir para conseguir seus objetivos. É quando podemos questionar: há uma cura para isso tudo? Possivelmente, mas a questão é que o esquerdista deve buscar ajuda por si próprio, mas quanto mais ele estiver recebendo reforço de seus grupos, menos vontade ele terá para fazê-lo. Ao contrário, mesmo com tantos déficits e tamanhos delírios, ele sempre julgará estar com a razão.
Diante disso, quem pode fazer algo pelos esquerdistas são os direitistas, mas isso só pode acontecer pela via da refutação e do desmascaramento de suas ações. Incapazes de julgarem seus próprios atos, jamais se deve confiar no auto-julgamento de um esquerdista. Todas as auto-rotulagens e outro-rotulagens tendem a ser mentirosas, assim como seus argumentos. A refutação de uma parte externa, não contaminada pela ideologia esquerdista, é a única alternativa que pode dar um fio de esperança ao esquerdista.
Entretanto, mesmo que ainda exista esperança para o esquerdista, os maiores afetados são os não-esquerdistas, que possuem suas vidas impactadas por suas crenças. Por isso, as nossas ações não devem ser realizadas primeiramente em prol de salvar os esquerdistas de suas patologias (envergonhando-o, por suas mentiras, assim como denunciando suas chantagens emocionais) , mas sim por salvar-nos das consequências de suas neuroses e psicoses.
Nesse intento, entender por que eles achem assim, como eles se sentem, e o que os tornou assim, passa a ser essencial. Neste ponto, a obra de Lyle Rossiter é simplesmente um achado.
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Texto de publicado originalmente em

https://lucianoayan.com/2013/02/26/o-psiquiatra-lyle-rossiter-nos-comprova-que-o-esquerdismo-e-uma-doenca-mental/