sábado, 14 de setembro de 2019

DIDÁTICA ESSENCIAL [Resenha]


TULER, Marcos. Didática Essencial: Ferramentas indispensáveis à docência cristã. Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2019.


O LIVRO - O trabalho que o leitor tem em mãos visa, como todas as demais obras de Marcos Tuler, prover conhecimentos imprescindíveis aos professores de Escola Dominical que, por serem voluntários, não cursaram uma faculdade de Educação, mas exercem à docência. De sua rica e vasta experiência, Tuler nos brinda uma vez mais com um trabalho que fará parte do acervo de todo professor comprometido com a Educação Cristã relevante, posto que seu objetivo é auxiliar os educadores no processo de transmissão-assimilação. Tão importante quanto o conteúdo que se ensina é a forma como se faz educação. A sala pode se tornar um dos momentos mais prazerosos da vida do educando, um local de satisfação e confronto, no qual ele deseja estar, pois a cada aula cresce como indivíduo e como discípulo de Cristo.

Por outro lado, a forma como o educador conduz sua aula pode tornar-se o maior empecilho à aprendizagem, levando os educandos ao desestímulo e, consequentemente, à evasão. Os que não têm formação técnica não podem mais se escusar de que não possuem material acessível para aprenderem a transmitir o que pretendem ensinar, pois Didática Essencial cumpre bem esse papel de auxiliá-los na tarefa hercúlea de ensinar.


O AUTOR - Marcos Tuler, é Pastor, pedagogo, bacharel em teologia, pós-graduado em docência superior e psicopedagogia, Mestre em Educação, conferencista, articulista. Atuou como editor da revista Lições Bíblicas e, posteriormente, chefiou por quase dez anos o Setor de Educação Cristã da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Do farto catálogo de obras acerca de Educação Cristã que a CPAD possui, cerca de 40 títulos, cinco delas são de sua autoria. A despeito de todos os seus livros serem de caráter técnico, possuem uma linguagem plenamente acessível ao imenso contingente de educadores cristãos voluntários e, por isso mesmo, sem formação em Pedagogia.


RAZÃO E FINALIDADE DO LIVRO[1] - Ao longo de 16 anos, viajei por nosso imenso país, especialmente pelo interior do Norte brasileiro, lecionando matérias teológicas e pedagógicas em cursos de formação de professores de Escola Dominical. Sempre procurei enfatizar as disciplinas técnicas-didáticas por entender que parte significativa daqueles professores não teve oportunidade de cursar Pedagogia ou qualquer outro curso direcionado ao magistério. São leigos e voluntários.

Depois de certo tempo, insistindo no ensino de procedimentos e na utilização de recursos didáticos, percebi que a grande dificuldade daqueles educadores cristãos não era o "fazer pedagógico", ou seja, não estava na utilização dos métodos e técnicas de ensinar, e sim em como aprender para ensinar.

O problema não estava em como ensinar, mas em como aprender para ensinar. Muitos professores não sabem estudar, no sentido de apreender, assimilar, fixar, dominar plenamente o objeto da aprendizagem. Eles não possuem as habilidades necessárias à investigação científica no campo da teologia e pedagogia. É por essas e outras razões que surgiu a ideia de incluir neste trabalho os capítulos 5, 6 e 7, respectivamente, "O Professor e o Estudo", "O Professor e a Prática da Leitura" e "O Professor e a Pesquisa".

Depois de tantos anos formando educadores cristãos, posso afirmar: O professor que organiza previamente os conteúdos de sua matéria, seleciona os procedimentos de ensino, disponibiliza os recursos e es colhe as formas mais adequadas de avaliação da aprendizagem, está preparado para atender às demandas de sua práxis docente. O mestre que se vale, pelo menos do que é essencial da Didática, é competente e eficiente, no sentido de que provê para seus alunos maior volume de aprendizagem, com menos esforço e em menor tempo.

"Didática Essencial" não pretende esgotar o assunto a que se refere, portanto, não suprime a necessidade de se desenvolver um estudo mais profundo por meio de outras fontes. O principal propósito é fornecer aos professores de Teologia e Bíblia, leigos, voluntários ou veteranos, conhecimentos elementares, porém fundamentais de didática visando auxiliá-los em suas atividades na Escola Dominical e demais áreas da educação cristã.


O QUE É DIDÁTICA? - A palavra didática vem do grego didaktiké e significa arte de ensinar. É uma disciplina pedagógica de caráter prático e normativo, que tem por objetivo específico a técnica do ensino, isto é, a técnica de incentivar e orientar eficazmente os alunos na sua aprendizagem. A palavra foi empregada pela primeira vez em 1629, pelo professor Ratke em seu livro “Principais Aforismas Didáticos”. Porém, a expressão foi realmente consagrada por Comenius em sua obra “Didática Magna”.

Ser didático é ser simples, claro, acessível, direto e organizado. Imagine quantos alunos poderão perder o interesse diante de um professor, confuso, desorganizado, que não tem a mínima noção de como iniciar, desenvolver e concluir uma aula. Desses, há aos montes por aí. Não porque queiram ou não tenham o menor interesse de se aprimorarem em sua prática docente, mas por não possuírem a mínima noção de didática.

Hoje, a didática não é considerada apenas uma arte, no sentido de depender muito mais da intuição do professor, mas também uma ciência, em razão das pesquisas sobre como melhor ensinar. Dessa forma, podemos afirmar que a didática estuda os procedimentos destinados a orientar a aprendizagem do aluno do modo mais eficiente possível, com vistas no alcance dos objetivos visados previamente.

O livro contém, além do prefácio e introdução, dez capítulos com um conteúdo técnico, contudo, escrito de forma muito didática. Como todas as nossas resenhas, iremos trabalhar de conformidade a estrutura do livro, capítulo à capítulo, extraindo pequenos parágrafos, fazendo resumos e intervindo quando for necessário. Uma das coisas formidáveis que tem neste livro é a vasta indicação de livros no final de cada capítulo que vale apena adquirir.


CAPÍTULO 1: O PROFESSOR VOCACIONADO E SUA CAPACIDADE DE INCENTIVAR O ALUNO - Neste capítulo o autor irá tratar sobre o significado de vocação autêntica; A importância das aptidões naturais específicas para o magistério; As diferenças entre motivação e incentivos; As principais técnicas de incentivos do aluno.

Este capitulo pretende ajudar o professor a: Certificar-se de sua vocação para o magistério eclesiástico; Despertar a motivação em sua turma; Aplicar técnicas de incentivos na sala de aula. Um autêntico professor de Escola Dominical deve atender no mínimo a três condições básicas: vocação natural, aptidões específicas e preparo especializado.


CAPÍTULO 2: O PROFESSOR E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM - O conteúdo deste capítulo é: O que é aprender? O que é ensinar? Como evoluíram os conceitos de aprender e ensinar? Qual a importância da comunicação para o processo ensino-aprendizagem? Este capitulo pretende ajudá-lo a Distinguir os conceitos de ensinar e de aprender com base nas novas concepções educacionais. Reconhecer a importância da comunicação como principal tecnologia de ensino, diferenciando-a da simples informação.

O que realmente significa ensinar? O que é aprender? Para muitos ensinar significa apenas transferir saberes e conhecimentos de uma cabeça à outra. Se partirmos da etimologia da palavra, teremos de dar Razão a tais pessoas, uma vez que ensinar vem do latim insignare que quer dizer "colocar dentro", "gravar no espírito", introduzir ideias na cabeça do indivíduo. Se ensinar fosse somente isso, qualquer um estaria apto para essa tarefa. Todavia, ensinar vai além das raias da simples transferência de informações, envolve comunicação e relacionamento. Antigamente, aprender significava apenas memorizar e acumular conteúdos. E hoje? Como consideramos a aprendizagem? Ao longo da história da pedagogia e da didática, os conceitos de ensino e aprendizagem vêm sofrendo significativa evolução.


CAPÍTULO 3: OBJETIVOS E TÉCNICAS DE ENSINO - Neste capítulo o autor trabalha os objetivos e as técnicas de ensino com o seguinte conteúdo: Tipos de objetivos de ensino; A importância dos objetivos para o ensino e a importância da diversificação das técnicas de ensino.

Este capítulo pretende ajudá-lo a: Estabelecer objetivos para cada fase do processo educativo no ensino religioso cristão. Selecionar técnicas apropriadas para cada etapa da aula, de acordo com a faixa etária dos alunos. A determinação de objetivos e, talvez, o processo mais importante dentre todos os implicados na educação. Vejamos o que afirmou John Dewey cm seu livro Democracia e Educação: “O objetivo significa a previsão do termo ou do resultado provável de nossa ação. Agir com um objetivo em mira é agir inteligentemente; redunda sempre em atividades seriadas e ordenadas para atingi-lo. O objetivo é, portanto, o princípio que governa e dirige toda a nossa atividade e influencia cada um dos passos que dermos para atingi-lo.”

Eis algumas perguntas que devem ser respondidas pelo professor da Escola Dominical antes de encetar qualquer ação docente: O que venho fazer aqui? E o que vêm fazer meus alunos? O que espero deles? O que esperam eles de mim? Ao terminar minhas aulas, o que eles serão capazes de fazer? Terão modificado alguma coisa em seu comportamento? O que realmente desejo que meus alunos sejam? Bons chefes de família? Educadores? Professores da Escola Dominical? Pastores? Missionários? Crentes fiéis e ativos na obra do Senhor?


CAPÍTULO 4: RECURSOS DIDÁTICOS – Neste capítulo o autor conceitua o termo “Recursos Didáticos” e com o conteúdo deste capítulo o professor aprenderá sobre: O que são recursos didáticos; A finalidade dos recursos didáticos; Como selecionar os recursos didáticos; Corno empregar os recursos didáticos audiovisuais.

Este capítulo pretende ajudá-lo a: Conscientizar-se da necessidade do emprego de recursos didáticos humanos e materiais em sua prática docente.

O que são recursos didáticos? São meios que facilitam a compreensão do que está sendo estudado. Em outras palavras, são recursos auxiliares do ensino que ajudam na assimilação da mensagem que se pretende comunicar. Segundo o educador Leslie Briggs, “recursos são meios físicos utilizados com o fim de apresentar estímulos ao educando”.


CAPÍTULO 5: O PROFESSOR E O ESTUDO – O conceito trabalhado no início deste capítulo é sobre “o que é estudar?”. O autor afirma que neste capítulo, você aprenderá: O que é estudar; Qual o objetivo do estudo; Por que estudar; Condições para o estudo; Técnicas de estudo; Técnicas de leitura.

Este capitulo pretende ajudá-lo a: Estudar com o máximo proveito possível, levando em conta o ambiente e a escolha dos melhores métodos.

O que é estudar? Seria apenas reler ou refazer o conteúdo de um livro ou explanação de um professor? Claro que não é tão simples assim! A maioria dos autores concorda que estudar consiste no processo de concentrar toda atenção em um fato, assunto ou objeto, com o fim de apreender a essência, a funcionalidade, a utilização e as relações de causa e consequências. Estudar, de fato, exige certas aptidões intelectuais, tais como aprender a ver, a ouvir, a redigir, a ler, a memorizar e a raciocinar. E, acima de tudo, estudar envolve prazer em aprender, conhecer. Depreendemos isso, da própria origem etimológica da palavra estudo (studium) que indica ardor, zelo e aplicação. O termo "estudante" remete àquele que se aplica em algo, logo, não faz apenas porque alguém mandou, mas possui um ardor próprio. Assim também pensava Comenius: “A escola, portanto, erra na educação das crianças quando elas são obrigadas a estudar a contragosto, [..] é imprescindível despertar nas crianças o amor pelo saber e pelo aprender [..]. Nas crianças, o amor pelo estudo deve ser suscitado e avivado pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas próprias coisas, pelo método, pelas autoridades”.

O problema é que os professores concentram a maior parte do tempo no conteúdo, pois acreditam que as habilidades cognitivas serão algo decorrente. Mas de acordo com Crawford VV. Lindsey Jr., “se ensinarmos habilidades cognitivas, o conteúdo emergirá como um efeito colateral desejável e necessário”. Aí se sentirá o tal desejo de aprender.


CAPÍTULO 6: O PROFESSOR E A PRÁTICA DA LEITURA – O termo conceituado aqui é sobre “Leitura e interpretação”. Neste capítulo você aprenderá: Técnicas de leitura; Regras elementares para uma leitura correta e proveitosa; Hábitos e habilidades de leitura; Como encontrar a ideia principal na unidade de leitura.

Este capitulo pretende ajudá-lo a: Compreender e fixar o conteúdo da leitura; Ler com o sentido de apropriar-se do conhecimento obtido; Ler a Bíblia da maneira mais proveitosa possível.

Entende-se por leitura a interpretação do pensamento expresso por símbolos da escrita com a vivência e a afetividade do leitor. A leitura permite apreender o que está escrito, possibilita o contato com os que não estão presentes no tempo e no espaço, fixa e tornam mais claros e precisos os conhecimentos e, por fim, facilita o aproveitamento da experiência das gerações passadas, responsáveis pela tradição e o progresso. A leitura, portanto, deve ocupar um lugar proeminente na vida do professor de Escola Dominical, pois como diziam os antigos: “verba volant, scripta moment” (a palavra passa, a escrita fica). O que está escrito pode ser consultado, quantas vezes forem precisas, até ser encontrado o seu significado profundo e verdadeiro.


CAPÍTULO 7: O PROFESSOR E A PESQUISA – O conceito trabalhado neste capítulo é sobre a Pesquisa. Neste capítulo você aprenderá sobre O significado e o valor da pesquisa; como pesquisar; fontes de pesquisa; como montar um projeto de pesquisa no âmbito da Escola Dominical.

Este capitulo pretende ajudá-lo a: Compreender a necessidade de se conhecer o campo de trabalho do professor por intermédio da investigação científica. A pesquisa deve ser uma constante na vida de qualquer professor de Bíblia que pretenda levar a sério o ministério de ensino na igreja. Mas o que significa pesquisar? Apenas consultar alguns poucos livros de teologia ou comentários bíblicos? Revirar a internet em busca de materiais prontos, acabados, mas de fontes duvidosas? Não. Uma pesquisa de verdade é muito mais do que isso.

Em termos bem simples, podemos dizer que pesquisa é um conjunto de atividades intelectuais que tem como finalidade a descoberta de novos conhecimentos. Tudo começa por uma indagação ou busca exaustiva, a fim de se levantar as possibilidades e desdobramentos de um determinado tema. Pesquisar é examinar de forma cuidadosa, metódica, sistemática e em profundidade, com a intenção de descobrir dados, ou ampliar e verificar informações existentes para acrescentar algo novo à realidade investigada.


CAPÍTULO 8: EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM - Neste capítulo você aprenderá: As concepções do desenvolvimento da criança e suas implicações na aprendizagem; as quatro etapas do desenvolvimento cognitivo da criança, segundo Jean Piaget.

Este capitulo pretende ajudá-lo a: Compreender o processo de desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança em cada faixa etária. A tarefa de ensinar cm nossa sociedade não está concentrada apenas nas mãos dos professores. O aluno não aprende apenas na escola, mas também por intermédio da família, dos amigos, de pessoas que ele considera significativas, dos meios de comunicação em massa, das experiências do cotidiano e dos movimentos sociais. Entretanto, a escola é a instituição social que se apresenta como responsável pela educação sistemática das crianças, jovens e até mesmo adultos.

No ambiente escolar, a criança sofre uma transformação radical em sua forma de pensar. Antes de entrar nela, os conhecimentos são assimilados de modo espontâneo, a partir da experiência direta da criança. Em sala de aula, ao contrário, existe uma intenção prévia de organizar situações que propiciem o aprimoramento dos processos de pensamento e da própria capacidade de aprender. Daí a importância de se buscar maximizar esses resultados, colocando a serviço da educação e do ensino o conjunto dos conhecimentos psicológicos sobre as bases do desenvolvimento e da aprendizagem. Com eles, o professor estará em posição mais favorável para planejar a sua ação.


CAPÍTULO 9: PLANO, ORGANIZAÇÃO E COERÊNCIA – O termo conceitual deste capítulo é Planejamento. Neste capítulo você aprenderá sobre como: Planejar e organizar suas atividades docentes. Elaborar um plano de aula eficiente.

Este capítulo pretende ajudá-lo a: Reconhecer a imprescindibilidade do planejamento na área educacional. Alguém já disse que: “Prever é a melhor garantia para bem governar o curso futuro dos acontecimentos”; “O plano de ação é o instrumento mais eficaz para o sucesso de um empreendimento”. “Prever é agir”. É o primeiro passo obrigatório de toda ação construtiva e inteligente. Pelo planejamento, o homem evita ser vencido pelas circunstâncias e aprende a aproveitar as novas oportunidades. O planejamento é imprescindível em qualquer atividade humana, especialmente no que diz respeito à educação. Nessa área, o planejamento se concretiza num programa de ação que constitui um roteiro seguro para conduzir progressivamente os alunos aos resultados desejados. A responsabilidade do mestre e imensa. Grande parte da eficácia de seu ensino depende da organicidade, da coerência e da flexibilidade de seu planejamento.

Em relação ao ensino, planejar significa prever de modo inteligente e bem calculado todas as etapas do trabalho escolar, bem como programar racionalmente todas as atividades, de modo seguro, econômico e eficiente. Em outras palavras, planejamento é a aplicação da investigação científica à realidade educacional a fim de melhorar a eficiência do trabalho de ensino.


CAPÍTULO 10: O PROFESSOR E O CONTEÚDO DE ENSINO – O conceito desenvolvido pelo autor neste último capítulo é sobre o “Conteúdo Didático”. Neste capítulo você aprenderá: Como selecionar o conteúdo de ensino; como trabalhar e melhor aproveitar o conteúdo didático do livro.

Este capítulo pretende ajuda-lo a: Compreender que apesar de sua relevância, o conteúdo não e um fim em si mesmo; perceber que o conteúdo didático só tem importância quando é aplicado à realidade de vida dos alunos.


CONCLUSÃO – Na introdução deste livro o autor escreve: “Espero que todos, especialmente os professores de Escola Dominical, ao termino da leitura deste livro estejam realmente habilitados, através do aprendizado de técnicas de ensino, a orientarem a aprendizagem de seus alunos nas mais diversas atividades educacionais da igreja.

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[1] Palavras do autor do livro

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A ORIGEM DA FAMÍLIA, DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO [Resenha]


ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado. Rio de janeiro, RJ: BestBolso, 2014.


SINOPSE - Neste livro-referência para a compreensão da estrutura da sociedade – desde o estado selvagem, a barbárie até a chegada da civilização – Friedrich Engels (1820-1895) interpreta as investigações de Lewis Morgan (EUA, 1877) e enriquece os detalhados estudos de Karl Marx sobre a análise materialista da história. Uma obra fundamental para entender a concepção do materialismo, a filosofia marxista, a institucionalização da família e o aparecimento do Estado Capitalista Moderno. Atemporal para muitas gerações. Um dos clássicos fundamentais para o estudo do materialismo histórico. A tradução é do filósofo Leandro Konder, um dos mais respeitados intelectuais brasileiros e um dos maiores estudiosos do marxismo no Brasil. Engels é coautor, junto a Karl Marx, do Manifesto Comunista, e ajudou a desenvolver os ideais do socialismo científico. A edição BestBolso ganhou Posfácio com contextualização histórica da Profª. Draª. Aparecida Maria Abranches (UFRRJ). Pela Bertrand Brasil, a obra vendeu 17 edições.


O LIVRO [1] - A origem da família, da propriedade privada e do Estado, escrito por Friedrich Engels em 1884, apresenta uma análise crítica dos modos de organização da vida social. Levando em consideração as relações entre os sexos para além da biologia, Engels trata da opressão de gênero e do papel do casamento e da autoridade masculina na constituição da sociedade moderna, apontando, assim, para temas que hoje seriam chamados de antropológicos.

A obra desenvolve-se em nove capítulos: o primeiro é dedicado à análise e à constatação dos chamados estágios pré-históricos da civilização (o estado selvagem e a barbárie) e à dedução da existência de uma estrutura familiar primitiva de cunho comunitário e baseada em laços consanguíneos matrilineares; os capítulos 2, 3 e 4 analisam a formação da família e da gens; os capítulos 5 a 6 são dedicados ao estudo da formação do Estado a partir da sociedade gentílica na Grécia, em Roma e entre os germanos; e o último capítulo constitui uma reflexão crítica sobre a relação entre barbárie e civilização.

Baseando-se em um resumo detalhado de Karl Marx da obra de Lewis Henry Morgan, Ancient Society, or Researches in the Lines of Human Progress from Savagery through Barbarism to Civilization [Sociedade antiga, ou Pesquisas nas linhas do progresso humano, do estado selvagem até a civilização, passando pela barbárie], e em suas próprias investigações, Engels desnaturaliza a família patriarcal e monogâmica, mostrando sua origem histórica.


UMA ANÁLISE [2] - O que mais me chamou a atenção neste livro são os capítulos 2, 3 e 4 os quais analisam a formação da família. A visão que Engels (repitamos mais uma vez, apoiando-se quase que inteiramente no antropólogo americano Lewis Morgan) tem da história humana revela muito do que viria a ser o movimento comunista. Uma vez que a propriedade privada e a família foram se formando aos poucos à medida que a evolução darwinista empurrava os agrupamentos humanos rumo à civilização, a conclusão óbvia é que, sendo uma construção da sociedade (e, acrescento eu: da sociedade opressora), então é possível que nos livremos de ambas. Se nem uma nem outra são naturais ao homem, então, podem ser descartadas. E, na sua visão, inapelavelmente serão, pois os movimentos dialéticos da história nos conduzirão inapelavelmente para o próximo estágio de nosso desenvolvimento social: o comunismo.

Ora, Engels (mais uma vez escorando-se em Morgan) alega que as sociedades primitivas eram todas comunistas. Assim, partimos todos do comunismo primevo, afastamo-nos dele pelo pecado da acumulação de riquezas fomentado no interior das famílias e ao comunismo voltaremos, agora, pela revolução. O comunismo é o ponto de partida e o de chegada da história. O alfa e o ômega; o princípio e o fim de nossa caminhada. Engels consegue unir, numa única explicação da história, Hobbes a Rousseau: o bom selvagem primitivo que um dia caminhou por aqui voltará, de fato, a habitar a terra; porém, isso se dará com uma pequena ajuda de Leviatã.

Não é difícil de perceber, nessa visão ideológica, algo de messiânico; é mesmo como se a narrativa cristã da Queda e da Redenção tivesse sido imanentizada e projetada na história. A salvação dos homens, contudo, não vem da cruz dos novos salvadores da humanidade; antes, vem da revolução do proletariado, a última classe e aquela que nos redimirá pelo derramamento não de seu próprio sangue, mas pelo do seus opressores. O apelo emocional que tal discurso desperta no militante comum é, pois, algo semelhante a um apelo religioso, não sendo de se estranhar que muitos comunistas, mesmo que não crendo em vida após a morte, estão dispostos a sacrificar a que possuem pelo advento de uma sociedade livre de todo mal e de todo pranto. Mas, o advento desse paraíso requer, em primeiro lugar, a destruição da família. Como pontificou Kate Millett, célebre feminista americana radical, em sua obra de referência Sexual Politics (g.n.): “o resultado radical que surge da análise de Engels é que a família, como nós a temos hoje em dia, precisa desaparecer”.[3]

Mas, para isso, era necessário que se dessem determinados passos. Uma instituição tão antiga e tão enraizada no coração dos homens não é abolida senão mediante uma série de medidas destinadas a miná-la desde dentro. Engels pregava, por exemplo, que, para se chegar à destruição da família, era necessário que a mulher fosse inserida no mercado de trabalho: A ideia de que ela pertence mais ao lar do que à fábrica deveria ser absolutamente demonizada, incentivando-a a lutar por postos de trabalho ombreados com o dos homens. O problema óbvio que daí deriva é o de que, se elas adentrarem em massa no mercado de trabalho, não haverá quem cuide dos filhos em casa. Essa sempre foi uma das tarefas da mulher e, em virtude dela, é que a divisão sexual do trabalho acabou por levar ao acúmulo de propriedade privada nas mãos do homem e, via de consequência, à própria submissão da mulher na família monogâmica. Não é possível destruir-se a família, portanto, se a mulher continuar a cuidar de seus filhos, pois a imposição de tal tarefa ao sexo feminino é a causa primeira da estrutura familiar tal qual a conhecemos. É por isso necessário que, de um lado, a mulher possa escolher não ter filhos (aborto e contracepção livres são ideais a serem seguidos) e, de outro, que a educação e o cuidado das crianças que vierem a nascer passe das mãos da família para as do Estado. Nas palavras de Engels: “O trato e a educação das crianças vão se tornar assunto público; a sociedade cuidará, com o mesmo empenho, de todos os filhos, sejam legítimos ou naturais.”

Mais do que isso, é absolutamente necessário que o divórcio venha a ser introduzido nas sociedades ocidentais. O vínculo matrimonial não pode mais tender à indissolubilidade; antes, a relação entre homem e mulher deve acabar assim que a atração sexual entre ambos esfrie (as mulheres que me leem podem avaliar se isso realmente atende aos seus interesses), e a separação entre ambos deve ser a mais facilitada possível. Eis o que diz Engels (g.n.): “Se o matrimônio baseado no amor é o único moral, só pode ser moral o matrimônio em que o amor persiste. Mas a duração do acesso de amor sexual é muito variável, segundo os indivíduos, particularmente entre os homens. Em virtude disso, quando o afeto desaparece ou é substituído por um novo amor apaixonado, o divórcio será um benefício tanto para ambas as partes como para a sociedade. Apenas deverá poupar-se ao casal a passagem pelo lodaçal inútil de um processo de divórcio.” [4]

Até aqui, já se tem um cadinho de medidas bastante drásticas. E os líderes do movimento comunista assimilaram tais ideias desde logo. Assim que Lênin tomou o poder em Outubro de 1917, tratou de implementar as sugestões de Engels. Segundo a própria Kate Millett: “A União Soviética fez um esforço consciente na tentativa de eliminar o patriarcado e de reestruturar sua instituição mais básica – a família. Depois da revolução, toda possível lei foi aprovada para libertar os indivíduos das reivindicações da família: casamento e divórcios livres, contracepção e aborto a pedido.” [5]

Em sua obra A Revolução Traída, Trotsky descreve-o com cores vivas (g.n.): “A revolução (de Outubro de 1.917) tentou heroicamente destruir o velho “lar familiar” estagnado, instituição arcaica, rotineira, asfixiante, no qual a mulher das classes trabalhadoras era votada aos trabalhos forçados da infância até a morte. A família, considerada como uma pequena empresa fechada, devia ser substituída, no espírito dos revolucionários, por um sistema completo de serviços sociais (…) A absorção completa, por parte da sociedade socialista, das funções econômicas da mulher, ligando toda uma geração pela solidariedade e assistência mútua, devia levar a mulher, e portanto, o casal, a uma verdadeira emancipação do jugo familiar. E, enquanto essa obra não tiver sido realizada, quarenta milhões de famílias soviéticas se manterão vítimas dos costumes medievais, da sujeição e da histeria da mulher, das humilhações cotidianas da criança, das superstições deste e daquele. Sobre isto não há ilusões”. [6]

Trotsky, contudo, percebeu que a revolução não conseguiu lograr o objetivo de destruir a família. Para ele, não houve recursos suficientes para que o Estado soviético conseguisse tecer a rede assistencial que, em seus sonhos, tornariam a família irrelevante e, portanto, facilmente removível da sociedade. Quase que num suspiro de desânimo, na mesma obra acima, ele asseverou (g.n.): “Não se conseguiu tomar de assalto a velha família. E não foi por falta de boa vontade. Nem porque ela estivesse firmemente enraizada nos espíritos. Infelizmente, a sociedade mostrava-se demasiado pobre e pouco civilizada. A família não pode ser abolida. É preciso substituí-la.”

Substituí-la exatamente por quê? Trotsky não o diz. Talvez pelo próprio Estado assistencialista, conforme sugerido na primeira citação. Isso, contudo, não é claro.

Mas, coincidência ou não, a substituição da família tradicional por outros “modelos” é estratégia amplamente adotada nos dias de hoje, mostrando-se muito mais eficaz do que o combate direto, o “assalto” à velha família tal qual tentado no começo da implantação do Estado soviético.

De fato, aparentemente, Lênin foi ingênuo ao imaginar que bastava a força motivacional de sua ideologia semirreligiosa para que a nova sociedade perfeita se concretizasse. O enfraquecimento da família, por mais que não se gostasse disso, levava ao enfraquecimento da própria sociedade soviética. Stálin, por sua vez, nutria sonhos de uma campanha militar que o permitisse tomar ao menos boa parte da Europa, percebendo ele, desde logo, que, sem famílias sólidas, qualquer campanha militar seria suicida. Assim, teve ele de, em pouco tempo, não somente reverter os esforços de Lênin, mas tratar de agir em sentido oposto: o divórcio, a contracepção e o aborto foram abolidos da União Soviética e o governo passou a incentivar que a mulher voltasse a ocupar seu lugar tradicional. Famílias numerosas eram bem vindas e mesmo campanhas pela castidade entre os jovens passaram a fazer parte do discurso do Estado.

Ou seja, Stálin percebeu que uma sociedade forte depende de famílias fortalecidas. O sonho de Lênin e de Trotsky era exatamente isso: um sonho. E que provavelmente se tornaria um pesadelo caso o novo líder quisesse mantê-lo de pé. Daí que Stálin tratou logo de trazer a URSS de volta para a realidade, ao mesmo tempo em que tratou de exportar o pesadelo para as potências ocidentais de forma a enfraquecê-las.

Onde Lênin fora ingênuo, Stálin soube ser sagaz. Muitos, porém, acusaram-no de trair a revolução e de “aburguesar” o homo sovieticus. Para mentes envenenadas por ideologias, se a revolução falha (como sempre há de falhar) em mudar a realidade, isso se dá não porque a ideologia revolucionária é ela mesma falha, mas porque os que conduzem o processo da revolução é que se desviaram do bom caminho. A ideologia é sempre boa; falhos são os ideólogos que a põem em prática.

Porém, por mais que o comunismo tenha se mostrado uma tragédia sem precedentes em qualquer lugar em que tenha fincado os pés, o Ocidente, nas últimas décadas, resolveu seguir, exatamente os caminhos acima traçados. Tomemos, como exemplo, o nosso Brasil, país em que a maior parte da população sempre mostrou uma aversão completa ao comunismo.

Quem já estudou um pouco da evolução das legislação e jurisprudência brasileiras pode perceber, claramente, que elas vêm adotando, com exatidão notável, todos os elementos acima.

O divórcio, por exemplo, foi introduzido pela Lei 6.515/77. Pouco depois, a Constituição Federal de 1.988 introduz a ideia de união estável (que, conforme preconizara Engels, dura enquanto perdura o “acesso de amor sexual” entre os companheiros). A legislação que se segue vai aos poucos enfraquecendo o vínculo do matrimônio (tornando-o de dissolução cada vez mais célere ao ponto de “poupar o casal do processo de divórcio”) e incentivando “novas formas de família”. Uma vez que a legislação avança lentamente, a jurisprudência trata de dar saltos cada vez maiores em direção ao ideal de Trotsky: aceita-se um número cada vez maior de “modelos” de família, substituindo o modelo tradicional sem destruí-lo diretamente.

Ao mesmo tempo, a legislação pátria passou a minar as relações familiares, intoxicando-as com o veneno da judicialização dos conflitos. A autoridade dos pais sobre os filhos foi enfraquecida e o Estado passou a monopolizar, de direito e de fato, a educação das crianças. Legislações que garantem o acesso amplo e praticamente irrestrito à esterilização se impuseram, tomando o Estado para si a tarefa de distribuir contraceptivos fartamente aos que o desejam. E mesmo o aborto, em nosso país, avança via decisões judiciais apesar da franca resistência do povo brasileiro.

Eis aí todos os ingredientes da receita comunista: divórcio; contracepção; aborto; educação estatal obrigatória das crianças; reconhecimento de formas de família diversas do modelo tradicional. Como já dito, no Brasil segue-se com exatidão tão notável a cartilha comunista que pressupor que tudo não passa de mera coincidência é coisa de idiotas úteis.

Marx e Engels, Lênin e Trotsky ficariam orgulhosos dos brasileiros hodiernos. Já Stálin rir-se-ia de nossa burrice e ficaria feliz ao ver que nós, alegremente, e com ares de superioridade intelectual, vamos minando a família e, com ela, enfraquecendo a tal ponto a sociedade que nos tornaremos, em pouco tempo, incapazes de defender as conquistas civilizacionais de nossos antepassados.

Ao final de tudo, muito embora a maior parte dos brasileiros (talvez mesmo entre os magistrados) abomine o comunismo enquanto sistema econômico, o fato inconcusso é de que são muito poucos os que estariam dispostos a lutar contra todo o patrimônio cultural que os próceres comunistas nos legaram: divórcio, união estável, contraceptivos e outros. A quase totalidade de nós vê nisso tudo antes um avanço a ser celebrado.

Aos que assim pensam, lamento informar, mas, ao menos de coração, voi siete tutti comunisti. Podem ter vergonha da obra intelectual de Marx e de Engels; podem sentir horror ante a figura assustadora de Lênin ou ante a um tanto quanto patética de Trotsky. Mas isso não muda o fato de que os apoiadores de tais “avanços” são ou idiotas úteis ou companheiros de viagem. E, ao cabo de tudo, acabam importando para nosso país exatamente a fraqueza desejada por Stálin.

Com Marx, Engels, Lênin, Trotsky e Stálin como inspiradores secretos dos rumos do direito em nosso país, não há mesmo como a receita da destruição social falhar.

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[1] Disponível In <https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/a-origem-da-familia-da-propriedade-privada-e-do-estado-859>
[2] Disponível in < https://mmjusblog.wordpress.com/2018/06/08/a-receita-comunista-para-a-destruicao-da-familia/>
[3] No original: “The radical outcome of Engels’ analysis is that the family, as that term is presently understood, must go”.
[4] [2] Cf. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Rio de Janeiro. Ed. Best Bolso, 2.014, E-book
[5] The Soviet Union did make a conscious effort to terminate patriarchy and restructure its most basic institution—the family. After the revolution every possible law was passed to free individuals from the claims of the family: free marriage and divorce, contraception, and abortion on demand.
[6] [4] TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. Disponível In<http://lutasocialista.com.br/livros/TROTSKY/TROTSKY,%20Leon.%20A%20revolu%E7%E3o%20tra%EDda.pdf> Acesso em 06 Set 2019.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O PESO DA GLÓRIA [Resenha]


LEWIS, C. S. O Peso da Glória. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2017. 192p


O LIVRO E O SEU AUTOR - C.S Lewis é sem dúvida um dos maiores gênios da literatura moderna, seus livros são sempre cheios de lucidez e brilhantismo sobre diversas áreas do cristianismo. E nesse livro não poderia ser diferente, ao lidar com alguns dos temas mais difíceis que enfrentamos em nossa vida diária, as palavras afiadas e atemporais de C. S. Lewis fornecem um caminho ímpar para uma maior compreensão espiritual. Considerado por muitos como seu trabalho mais comovente, O peso de glória exalta uma visão compassiva do cristianismo e inclui discussões lúcidas e atraentes sobre perdão e fé.

O principal sermão do livro é o que dá nome à coletânea e contém um estudo sobre o que significa o galardão final do crente e sobre como a ideia de recompensa é compatível com o cristianismo ao contrário do ascetismo defendido por alguns ramos da filosofia e introduzido por contrabando no cristianismo. É nesse ensaio em específico que John Piper se inspira para a construção de seu hedonismo cristão. Todas as preleções foram proferidas com a simplicidade e clareza de pensamento que são características desse grande teólogo, talvez o mais influente do século XX. A leitura do livro é recomendada a todos.

O livro é uma compilação de nove sermões realizados pelo autor durante a Segunda Guerra Mundial e direcionados aos alunos universitários e auditórios acadêmicos da época. Seu conteúdo é bem diversificado e estão organizadas de forma cronológica, exceto o “O Peso da Glória”, são temas que discutem Deus, o Cristianismo, o ser humano e a natureza. Possui uma belíssima introdução e um prefácio do autor à edição original. Como todas as nossas resenhas, iremos trabalhar de conformidade a estrutura do livro, capítulo à capítulo, extraindo pequenos parágrafos e fazendo resumos. O nosso propósito é se ter a estrutura completa do conteúdo de acordo com sumário e citações pontuais do livro.

Sobre este livro, C. S. Lewis escreveu: “Este livro contém uma seleção de muitas das preleções que fui persuadido a proferir no período final da guerra e nos anos que se seguiram a ela. Todas foram proferidas na intenção de responder a solicitações pessoais e para públicos específicos, sem nenhuma intenção de publicação subsequentemente. Como resultado, em alguns lugares elas parecem repetir, embora realmente antecipem, frases que escrevi e que já apareceram em forma impressa. Quando fui convidado a fazer esta coleção, supus que pudesse remover tais sobreposições, mas estava errado. Chega um momento (e não precisa ser sempre um longo período) em que uma composição pertence tão categoricamente ao passado que o próprio autor não pode alterá-la muito sem o sentimento de que esteja produzindo uma espécie de falsificação. O período no qual esses ensaios foram produzidos era uma época excepcional para todos nós. E, embora creia não ter alterado nenhuma convicção que eles expressam, não posso mais capturar o tom e a atmosfera nos quais foram escritos. Nem mesmo aqueles que desejavam tê-los em formato permanente ficariam contentes com uma colcha de retalhos. Portanto, parece mais apropriado deixá-los em seu estado original com somente algumas poucas correções verbais.” [p.29-30]


CAPITULO 1 – O PESO DA GLÓRIA. “O Peso da Glória”, obra tão magnifica que não somente ouso considerar digna de um lugar juntamente com alguns Pais da Igreja, mas temo que seria enforcado pelo s admiradores de Lewis se não tivesse reservado a ela o lugar de primazia. A convite de Canon T. R. Milford, a preleção foi apresentada no solene culto vespertino na Igreja de St. Mary the Virgin, no século 12, na Universidade de Oxford, em 8 de junho de 1941, para uma das maiores congregações que se reuniu ali em tempos modernos. Canon Milford, que era o pároco da Igreja de St. Mary, disse-me que o convite surgiu de sua leitura do livro de Lewis “O Regresso do Peregrino”. O sermão foi primeiramente publicado na revista Theology, vol. 43 (novembro de 1941), e depois como um panfleto pela S. P. C. K. em 1942. [1]

O primeiro capítulo apresenta o sermão que dá título ao livro. Trata-se de uma nova abordagem sobre a escatologia, diferente da grande maioria dos sermões acerca do tempo futuro, C.S. Lewis aborda as expectativas quanto a glória futura. Sobre o que poder ser muito bem definido como "saudades do céu". O anseio dos homens por projetar deuses, no céu, na terra, é na verdade um anseio por fazer parte da beleza que hoje contemplamos. Na glória futura isso será finalmente satisfeito. Além disso, Lewis apresenta a glória futura como algo semelhante a ser finalmente agradável a Deus, não apenas aceito, será o dia em que não receberemos apenas misericórdia, mas que a admiração será mútua. [2]

Uma outra observação é que o autor não só faz críticas ao mundanismo e aos ideais de progresso ou evolução, mas também esclarece o que seria a glória do ser humano para ele. Nesse caso, existe a glória celebridade, aquela em que uma pessoa deseja a fama, reconhecimento e aprovação de Deus; e a glória luminosidade, aquela em que a pessoa precisa ser integrada à beleza que existe no mundo – não apenas estar ao seu redor, mas também ser ela. [3]

Citação - As promessas das Escrituras podem ser resumidas, de modo geral, em cinco enunciados. É prometido a nós (1) que estaremos com Cristo; (2) que seremos como ele; (3) com imensa riqueza de imagens, que teremos "glória"; (4) que seremos, de alguma forma, alimentados ou saciados ou entretidos; e (5) que teremos uma espécie de posição oficial no universo — governando cidades, julgando anjos, sendo pilares no templo de Deus. A primeira pergunta que faço acerca dessas promessas é: "Por que precisaríamos de qualquer outra senão a primeira?" Poderá algo ser acrescentado à concepção de estar com Cristo? Pois deve ser verdade, como um velho escritor diz, que quem possui Deus e tudo mais não tem mais do que quem possui somente Deus. [p.39-40]


CAPÍTULO 2 – APRENDIZADO EM TEMPOS DE GUERRA. “Aprendizados em tempos de guerra” também foi apresentado, a partir de um convite de Canon Milford, no culto vespertino em St. Mary the Virgin em 22 de outubro de 1939. Isso também se deve à apreciação de “O regresso do peregrino” por Canon e, como ele me relatou, com a grande inquietação que a Segunda Guerra Mundial causou nos estudantes de Oxford, Lewis – um ex-soldado e professor de Magdalene College – era visto como a pessoa ideal para colocar as coisas na perspectiva certa. O sermão também trouxe uma grande multidão à Igreja de St. Mary, e Canon Milford providenciou uma cópia mimeografada do sermão para cada pessoa que veio ao culto, com o título “None Other Gods”: Culture in War-Time” (Nenhum outro Deus: Cultura em tempo de guerra). Lewis usou como texto-base para o sermão Deuteronômio 26.5 – “A Syrian ready to perish was my father” (Meu pai era um arameu errante). Foi publicado no mesmo ano, na forma de panfleto, com o título The Christian in Danger” (O cristão em perigo), pelo Student Christian Movement (Movimento cristão estudantil). [4]

Citação - A guerra nos ameaça com a morte e a dor. Ninguém — especialmente nenhum cristão que se lembra do Getsêmani — precisa tentar alcançar uma indiferença estoica quanto a essas coisas, mas podemos nos policiar contra as ilusões da imaginação. Podemos pensar sobre as ruas de Varsóvia e contrastar as mortes que lá aconteceram com uma abstração chamada Vida. Contudo, não existe uma questão de vida ou morte para qualquer um de nós, apenas uma questão desta morte ou daquela — de uma bala de metralhadora agora ou um câncer daqui a quarenta anos. O que a guerra realiza em função da morte? Ela certamente não a torna mais frequente; cem por cento de nós vão morrer e essa porcentagem não pode ser aumentada. Ela adianta certa quantidade de mortes, mas acho difícil supor que seja isso que tememos. Certamente, quando o momento chegar, não fará muita diferença quantos anos foram deixados para trás. Será que a guerra aumenta a nossa probabilidade de uma morte dolorosa? Duvido. O quanto me é possível imaginar, aquilo que denominamos morte natural é normalmente precedido por sofrimento, e um campo de batalha é um dos poucos lugares em que se tem uma razoável possibilidade de morrer sem dor alguma. Será que a guerra diminui nossas possibilidades de morrerem paz com Deus? Não posso acreditar nisso. Se o serviço militar ativo não for capaz de persuadir um homem a se preparar para a morte, que outra série imaginável de circunstâncias o faria? Por outro lado, a guerra faz uma coisa em relação à morte. Ela nos força a lembrar dela. A única razão por que o câncer aos sessenta anos ou a paralisia ao setenta e cinco não nos incomodam é que nos esquecemos deles. A guerra torna a morte real para nós e isso seria considerado como uma de suas bênçãos pela maioria dos grandes cristãos do passado. Eles achavam bom para nós estar sempre conscientes de nossa mortalidade. Estou inclinado a pensar que eles estavam certos. Toda a vida animal em nós, todos os esquemas de felicidade que estão centrados neste mundo, sempre estiveram fadados ao fracasso. Em tempos de normalidade, somente os mais sábios podiam reconhecer isso. Agora, até o mais estúpido de nós sabe. Vemos, de modo inequívoco, o tipo de universo em que estamos vivendo todo esse tempo e devemos acertar as contas com ele. Se tínhamos esperanças não-cristãs acerca da cultura humana, elas estarão agora destroçadas. Se pensávamos que estivemos construindo um Céu na Terra, se procurávamos por algo que iria mudar o mundo presente, de ser um lugar de peregrinação para uma cidade permanente que satisfaz a alma de uma pessoa, estamos desiludidos e não é sem tempo. Porém, se pensávamos que para algumas almas, em alguns tempos, a vida acadêmica oferecida humildemente a Deus era, em seu pequeno próprio modo, uma das abordagens indicadas para a realidade Divina e a beleza Divina que esperamos um dia desfrutar, podemos sim continuar a pensar desse modo. [p.64-66]


CAPÍTULO 3 – POR QUE NÃO SOU UM PACIFISTA. Há um artigo extremamente relevante, em que CS Lewis responde a razão de não ser um pacifista. Em resumo, ele explica que as guerras em sua maioria não foram totalmente prejudiciais, grande parte dos avanços na sociedade se deram em guerras e o pacifismo trata-se de uma utopia, de uma má interpretação das palavras de Jesus no sermão do monte, devemos sim nos defender, devemos sim levar em conta que por mais dolorido que seja, a guerra não é de todo ruim e que devemos deixar alguns conceitos que aprendemos no decorrer dos anos. [5]

C. S. Lewis enfrenta as questões éticas que dizem respeito à guerra: seria a guerra sempre um mal? Atender à convocação oficial para apresentação para a o serviço militar durante a guerra é imoral? Lewis argumenta que o conflito armado é somente um a concretização do estado constante dos seres humanos como criaturas decaídas. Estamos sempre em batalhas, sendo que a mais importante é a batalha entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno que ocorre diariamente em nossas vidas. Sendo assim, não há, em princípio, um problema ético essencial em relação à atitude do soldado que atende ao chamado de sua pátria (C. S. Lewis mesmo havia lutado na I Guerra Mundial). Do mesmo modo, para os que não partem para a batalha, não há motivo para a suspensão das atividades da vida durante o período de guerra, Lewis fala, especialmente, da desnecessidade de interromper produção de conhecimento e de arte. Ressalta-se, porém, que a filosofia e a arte do cristão devem ser sempre, segundo Lewis, aplicados para gerar um entendimento e uma visão de mundo que reflitam a verdade do evangelho.[6]

Acerca do pacifismo, C.S. Lewis entendeu direito o verdadeiro espírito do Espírito Santo, e Lewis o provou praticamente em todos os seus livros, em especial nas “Crônicas de Nárnia” (com o Leão “que não é domesticado”) e na Trilogia Espacial, com a justiça divina operando pelas mãos do herói Dr. ER, todas as vezes que um final diferente foi planejado por ele. De qualquer modo, o leitor cristão, desacostumado com esta visão “belicista” de Aslam, certamente irá questionar se a visão de Lewis teria algum respaldo nos Evangelhos! (Mt 10.34; Lc 12.49-51; Lc 19.27; Lc 22.36) Eis o caráter verdadeiro de Jesus, que não é demagógico e semi-pacifista como explicou Lewis, mas que detesta o pecado e contra ele sempre se levanta, e com toda a justa ira de Deus em seu coração!

Citação - Farei considerações sobre a Autoridade Divina exclusivamente em termos do pensamento cristão. Quanto às outras religiões da civilização, acredito que somente uma o budismo - seja genuinamente pacifista. De qualquer forma, não estou suficientemente informado a respeito dessas religiões para discutir suas ideias de maneira proveitosa. Ao nos voltarmos para o cristianismo, encontramos o pacifismo alicerçado quase exclusivamente em certas palavras de Nosso Senhor. Se tais palavras de Jesus não estabelecem a posição pacifista, será inútil tentar baseá-lo no securus judicat da cristandade como um todo, pois quando busco essa orientação encontro a autoridade como um todo contra mim. Ao ler os Trinta e Nove Artigos, a declaração que é minha autoridade imediata como um anglicano, encontro, escrito preto no branco, que é lícito para homens cristãos, sob as ordens do magistrado, empunhar armas e servir nas guerras". Os dissidentes podem não aceitar isso; então, posso indicar que leiam a história dos presbiterianos, que não é nada pacifista. Os papistas podem não aceitar isso; então, posso indicar a eles a regra de Tomás de Aquino: "Assim como os príncipes licitamente defendem suas terras pela espada contra as desordens internas, também é incumbência deles defendê-las pela espada contra os inimigos externos". Ou, no caso de se exigir autoridade patrística, vale citar Agostinho: “Se o discipulado cristão reprovasse inteiramente a guerra, então esta resposta teria sido dada inicialmente àqueles que buscaram o conselho da salvação no evangelho, de que eles deveriam depor suas armas e retirar-se totalmente do serviço de soldado. Mas, eis o que realmente lhes foi dito: "não pratiquem a extorsão nem acusem ninguém falsamente; contentem-se com o seu salário". Quando ele os exortou a se contentarem com o salário de soldado, não os proibiu de serem pagos como soldados. [p.84-85]


CAPITULO 4 – TRANSPOSIÇÃO. "Transposição" foi apresentada na capela do Mansfield College, Oxford – uma instituição congregacional - a convite de seu diretor, Nathaniel Micklem (1888-1976), no Dia de Pentecoste, 28 de maio de 1944. O evento foi noticiado pelo lhe Daily Telegraph de 2 de junho de 1944 sob o título "Modem Oxfords Newman" (O Newman moderno de Oxford), ressaltando que "no meio do sermão o Sr. Lewis, muito emocionado, parou e disse: 'Desculpem', e saiu do púlpito. Dr. Micklem, o diretor, e o capelão foram ajudá-lo. Depois que um hino foi entoado, o Sr. Lewis retornou e terminou seu sermão (...) num tom bastante comovente". Lewis provavelmente alcançou tanto êxito quanto qualquer outro escritor moderno, tanto na ficção quanto em seus sermões, em tornar o Céu crível. Minha impressão é que em algum momento, mas não necessariamente em 1944, ele pode ter percebido que sua preleção "Transposição" não tenha sido tão bem-sucedida. Apesar de estar bem doente na primavera de 1961, quando seu editor na Geoffrey Bles, Jock Gibb, pressionava-o a editar um volume com seus ensaios, algo maravilhoso ocorreu. Com uma simplicidade que, talvez, seja mais bem descrita como o Céu vindo em seu próprio socorro, Lewis teve a visão das glórias envolvidas quando o que é corruptível se reveste do que é incorruptível; e, então, veio de sua caneta uma porção adicional de texto em que eleva aquele sermão a uma eminência peculiar. Essa nova porção se inicia na página 106, com o parágrafo; "Acredito que essa doutrina da transposição fornece e conclui na página 111, com o parágrafo que termina assim: "São muito frágeis, muito transitórios, muito fantasmagóricos". Essa versão ampliada do sermão apareceu pela primeira vez no livro de Lewis TheyAskedfor a Paper (Eles pediram um artigo) (Londres, 1962).[7]

Lucas Araújo em seu blog, comentou o seguinte: “Há ainda um sermão sobre o falar em línguas, chamado "transposição". Lewis apresenta tal acontecimento como algo "embaraçoso" e de fato é. Como discernir o falar em outras línguas sem levar em conta todo o emocionalíssimo que há por trás desse ato? Em resumo, seu argumento é de que ninguém que está olhando por baixo, que não transpôs os limites da razão, pode compreender plenamente tal dom. É algo que quem está de baixo não alcança, naturalmente acabam de alguma forma criticando o que não conhecem”. [8]

Citação - Minha dificuldade é esta. Por um lado, a glossolalia tem sido uma "variedade de experiências religiosas" intermitentes até a atualidade. Muitas vezes, ouvimos que em uma reunião de reavivamento uma ou duas pessoas presentes irrompem naquilo que parece ser uma enxurrada de fala sem sentido. Tais ocasiões não parecem edificantes, e todas as opiniões de não cristãos consideram-na uma espécie de histeria, uma descarga involuntária de entusiasmo e agitação. Grande parte da opinião cristã explica a maioria das ocorrências exatamente da mesma maneira; e devo confessar que seria muito difícil acreditar que em todas essas ocasiões é o Espírito Santo que está atuando. Suspeitamos, ainda que não possamos ter certeza, de que isso é normalmente algo ligado ao sistema nervoso. Essa é uma das facetas do problema. Por outro lado, na condição de cristãos, não podemos engavetar a história do Pentecostes nem negar que pelo menos naquela ocasião o falar em línguas foi miraculoso, pois as pessoas não pronunciaram coisas sem nexo, mas falaram línguas a elas desconhecidas, apesar de serem conhecidas de outras pessoas presentes. O acontecimento todo, do qual este faz parte, está entretecido na própria história do nascimento da Igreja. É o próprio acontecimento que o Senhor ressurreto tinha orientado à Igreja que esperasse - quase nas últimas palavras que ele pronunciou antes de sua ascensão. Parece, portanto, como se devêssemos dizer que o mesmo fenômeno que às vezes não é apenas natural, mas até mesmo patológico, é outras vezes (pelo menos, uma outra vez) o instrumento do Espírito Santo. [p.93-94]


CAPÍTULO 5 – TEOLOGIA É POESIA? O ensaio "Teologia é poesia?" foi lido no Clube Socrático da Universidade de Oxford, em 6 de novembro de 1944, e foi publicado inicialmente na revista The Socratic Digest, vol. 3 (1945). [9]

Lewis argumenta brilhantemente a favor de um método teológico que expresse verdades e não simplesmente satisfaça a imaginação, e critica a posição em que o naturalismo materialista de intelectuais como H. G. Wells e o liberalismo teológico colocam a Teologia. Nesse precioso texto, C. S. Lewis argumenta que a teologia, como ramo do conhecimento, pode abrigar em seu seio outras formas de conhecimento, como a própria ciência. Em Um deslize da língua e em Acerca do Perdão, Lewis aborda temas centrais do cristianismo em sermões breves, porém profundos. Em Transposição, Lewis fala sobre os dons espirituais e sobre a ação sobrenatural de Deus na terra.[10]

Citação - Alguém pode ser forçado a pensar, a partir dessas bases e outras semelhantes, que de tudo o mais que possa ser verdade, a cosmologia científica popular não é. Abandonei aquele navio não por causa do chamado da poesia, mas porque pensei que ele não pudesse se manter flutuando. Algo como o idealismo filosófico ou o teísmo deve ser, na pior das hipóteses, menos falso que isso. E o idealismo se mostrou um teísmo disfarçado, quando você o leva a sério. E uma vez tendo aceitado o teísmo, você não poderia ignorar as afirmações de Cristo. E depois que as examinei, me pareceu que não poderia assumir uma posição mediana. Ou ele era um lunático ou era Deus. E ele não era um lunático.

E esse é para mim o teste decisivo. É assim que distingo o sonho e a vigília. Quando estou desperto posso, em certo grau, avaliar e estudar meu sonho. O dragão que me perseguiu na noite passada pode ser encaixado no meu mundo desperto. Sei que existem coisas como os sonhos; sei que comi um jantar difícil de digerir; sei que alguém que lê o que leio está sujeito a sonhar com dragões. Mas, enquanto eu estava no pesadelo não podia inserir minha experiência de desperto. O mundo desperto é avaliado de modo mais real porque poderá conter, assim, o mundo dos sonhos; o mundo dos sonhos é avaliado como menos real porque não pode conter o mundo desperto. Pela mesma razão, estou certo de que ao passar dos pontos de vista da ciência para o teológico, passei do sonho para o despertamento. A Teologia cristã pode acomodar a ciência, a arte, a moralidade, e as religiões não-cristãs. A perspectiva da ciência não é capaz de acomodar nenhuma dessas coisas, nem mesmo a própria ciência. Creio no cristianismo assim como creio que o Sol nasceu, não apenas porque o vejo, mas porque por meio dele eu vejo tudo mais. [p.136-138]


CAPÍTULO 6 – O CÍRCULO INTIMO. A preleção O círculo íntimo "foi o "Discurso Comemorativo" anual apresentada no Kings College da Universidade de Londres no dia 14 de dezembro de 1944.[11] O autor começa com uma passagem de “Guerra e Paz” de Tolstói, na qual o jovem segundo-tenente descobre que existem dois sistemas diferentes de hierarquia. O primeiro está explícito e deixa claro que um general é superior a um coronel.

Com essa descrição, Lewis inicia uma série de observações – “vou fazer algo mais fora de moda do que talvez estejam esperando. Vou lhes dar conselhos”, diz ele – a respeito dos perigos de sermos seduzidos pelos círculos íntimos, apesar de serem absolutamente normais e frequentes nas relações humanas. A questão, como ele diz, é “o que dizer de nosso anseio por ingressar neles, nossa angústia ao sermos excluídos e o tipo de prazer que sentimos quando neles ingressamos?” Eis o perigo: o momento em que – vale parafrasear – um homem que ainda não é muito mau passa a fazer coisas muito más.

As panelinhas, quando ligadas a instituições de poder, são ainda mais desejadas, pois, caso façamos parte delas, também passamos a ser agentes de sua influência; nossa voz terá um “peso”; o que dissermos será endossado pelo grupo e valerá muito mais do que uma opinião isolada. Por exemplo, um grupo de influência num governo, fatalmente, acaba por governar.

Lewis mesmo criou um exemplo literário perfeito para denunciar a sedução e influência dos círculos íntimos. Trata-se de Uma força medonha, o último livro de sua trilogia de ficção científica – os demais são Além do Planeta Silencioso e Perelandra. A história se passa numa universidade (e não em outro planeta, como é o caso dos outros livros), palco de uma trama cujo intuito é criticar o avanço das ideias cientificistas que ganhavam proeminência, principalmente, pelas obras de H.G. Wells, Olaf Stapledon e J.B.S. Haldane, cujos livros Lewis apreciava, apesar de discordar. Ele esclarece suas intenções no prefácio: “esta é uma história incrível sobre a perversidade, não obstante subjacente a ela exista um ‘ponto’ sério que tentei esclarecer em minha Abolição do homem. Na história, era preciso mostrar os limites dessa perversidade tocando a vida de algumas pessoas de profissão normal e respeitável”. Ou seja, seu principal objetivo é expor, ao longo dessa obra – que se passa na universidade fictícia de Edgestow, mais especificamente na Faculdade de Bracton, na Inglaterra –, todo o pedantismo científico que ele julgava maligno, como a história de Mark Studdock e seus colegas do Instituto Nacional de Experimentos Coordenados (Inec) acaba por demonstrar.

A citação de sua obra A abolição do homem é digna de nota. Nela, Lewis investe pesadamente, e com destreza filosófica ímpar, contra o materialismo e o cientificismo. E Uma força medonha é seu correspondente literário."[12]


CAPÍTULO 7 – MEMBRESIA. "Membresia" foi apresentada à Sociedade de St. Alban e St. Sergius, em Oxford, em10 de fevereiro de 1945. O convite foi da Srta. Anne Spalding, uma velha amiga de Charles Williams, pois foi no lar dos pais da Srta. Spalding que Williams viveu quando mudou para Oxford, no começo da Segunda Guerra Mundial. O ensaio foi primeiramente publicado na revista Sobornost, nº 31 (junho de 1945).[13]

Citação - A sociedade para a qual o cristão é chamado no batismo não é um coletivo, mas um Corpo. De fato, é aquele Corpo do qual a família é uma imagem no nível natural. Se alguém vem a ele com a concepção errada de que ser membro da igreja é o mesmo que ser membro no sentido degradado moderno - uma aglutinação de pessoas como se elas fossem moedas ou itens — ele seria corrigido, já na entrada, pela descoberta de que o líder desse corpo é tão diferente de seus membros que eles não compartilham com ele predicado algum a não ser por analogia. Somos convocados, desde o início, a nos associar como criaturas ao nosso Criador, como mortais ao imortal, como pecadores resgatados ao Redentor sem pecado. Sua presença, a interação entre ele e nós, deve ser sempre um fator inteiramente predominante na vida que devemos viver dentro do corpo, e qualquer concepção de comunhão cristã que não signifique prioritariamente comunhão com ele está fora de questão. Depois disso, parece quase trivial traçar com detalhes a diversidade de operações para a unidade do Espírito, mas ela estará ali muito claramente. Existem sacerdotes separados dos leigos, catecúmenos separados daqueles que estão em comunhão plena. Há a autoridade do marido sobre a esposa e de pais sobre os filhos. Existe, em formas muito sutis para considerar em termos de manifestação oficial, uma troca contínua de ministrações complementares. Estamos todos constantemente ensinando e aprendendo, perdoando e sendo perdoados, representando Cristo para as pessoas, quando intercedemos por elas, e representando as pessoas para Cristo, quando outros intercedem por nós. O sacrifício da privacidade pessoal, que é diariamente exigido de nós, é recompensado diariamente, cem vezes mais, no verdadeiro crescimento da personalidade que a vida do corpo encoraja. Aqueles que são membros uns dos outros se tornam tão diferentes quanto a mão e o ouvido. Essa é a razão por que as pessoas do mundo são tão monotonamente parecidas entre si, quando comparadas com a quase fantástica variedade dos cristãos. Obediência é o caminho para a liberdade, humildade é o caminho para o prazer, unidade é o caminho para a personalidade. [p.162-164]


CAPÍTULO 8 – SOBRE O PERDÃO. "Sobre o perdão" foi escrito a pedido do reverendo Patrick Kevin Irwin (1907-1965) e enviado a ele em 28 de agosto de 1947, para inclusão na revista da paróquia do reverendo Irwin, da Igreja de St. Mary, em Sawston, Cambridgeshire. No entanto, o reverendo Irwin foi transferido para a Igreja de St. Augustine, em Wisbech, antes de poder publicá-lo. A primeira vez que ouvi sobre o ensaio foi em 1975, quando membros da família do reverendo Irwin depositaram o manuscrito na Biblioteca Bodleian. Foi inicialmente publicado no livro de Lewis Fern-seed and Elephants and Other Essays on Christianity (Sementes de samambaia e elefantes, e outros ensaios sobre o cristianismo) (Londres: Fount/Collins, 1975). [14]

Citação - Dizemos muitas coisas na igreja (e fora da igreja também) sem pensar adequadamente. Por exemplo, declamamos o credo "Eu creio no perdão dos pecados". Recitei isso por muitos anos antes de me perguntar por que estava no credo. À primeira vista, parece não ser muito importante que esteja. "Se alguém é cristão", pensei, "claro que crê no perdão dos pecados. Nem é necessário dizer isso". Mas as pessoas que compilaram o credo pensaram, aparentemente, que isso era uma parte de nossa crença, que dela precisávamos nos lembrar, todas as vezes que íamos à igreja. Comecei então a ver, naquilo que me diz respeito, que eles estavam certos. Crer no perdão dos pecados não é tão fácil assim como eu pensava. Tal crença é o tipo de coisa que muito facilmente sai de cena, se não o mantivermos como algo a ser polido. Cremos que Deus perdoa os nossos pecados, mas também que ele não o fará a não ser que nós perdoemos os pecados de outras pessoas contra nós. Não existe nenhuma dúvida sobre a segunda parte dessa declaração. E a oração do Senhor (o Pai Nosso); e foi enfaticamente afirmado por Nosso Senhor. Se você não perdoar não será perdoado. Nenhuma parte de seu ensino é mais clara e não há exceções. Não faz parte desta ordem que devemos perdoar os pecados de outras pessoas desde que não sejam muito assustadores, ou desde que não haja circunstâncias atenuantes ou algo desse tipo. A ordem é perdoar a todos, mesmo que sejam maldosos, que sejam perversos, não importa quão freqüentes sejam os erros que cometem. Se não, não seremos perdoados de nenhum de nossos pecados. [p.172-173]


CAPÍTULO 9 – ATO FALHO. "Ato falho" foi o último sermão que Lewis pregou. Ele pregou esse sermão atendendo ao convite do reverendo C. A. Pierce, capelão do Magdalene College, Cambridge, na capela da faculdade no culto vespertino em 29 de janeiro de 1956. Diferentemente de seu homônimo de Oxford, o Magdalene College de Cambridge é bem pequeno e sua capela, uma perfeita e pequena preciosidade à luz de velas, é de fato minúscula. Ainda assim, o livro de registros da capela revela que ela estava cheia - cem pessoas - e que cadeiras adicionais foram necessárias. O sermão foi publicado no livro Screwtape Proposes a Toast and Other Pieces (Londres: Fount/Collins, 1965), obra essa em que Lewis ajudava seu editor a planejar pouco antes de morrer.[15]

Citação - Queria dizer este tipo de coisa. Faço minhas orações, leio um livro devocional, preparo-me para, ou recebo, a Ceia do Senhor, mas, enquanto faço essas coisas, existe, por assim dizer, uma voz dentro de mim me exortando à cautela. Ela me diz para ser cuidadoso, para manter a cabeça no lugar, para não ir muito longe e não queimar meus barcos. Entro na presença de Deus com grande temor, para que nada aconteça a mim nesse momento que seja intolerável demais quando eu voltar à minha vida "normal". Não desejo me entusiasmar com alguma resolução que eu possa depois lamentar, pois sei que poderei me sentir muito diferente depois do café da manhã; não quero que nada me aconteça quando estiver diante do altar que venha a se tornar uma cobrança muito grande depois. Seria muito desagradável, por exemplo, levar o dever da caridade (enquanto estiver no altar) tão a sério que, depois do café, eu tivesse de rasgar uma resposta muito severa que tinha escrito para uma pessoa petulante, de quem recebi uma carta ontem, e que eu pretendia postar hoje no correio. Seria muito cansativo me comprometer com um programa de temperança que fosse cortar o cigarro que fumo depois do café da manhã (ou, na melhor das hipóteses, fazer a crueldade de oferecer a alternativa de um cigarro mais ao fim da manhã). Até mesmo o arrependimento por ações do passado terá de ser pago. Ao se arrepender, a pessoa reconhece seus atos como pecados - portanto, não devem ser repetidos. É melhor deixar esse assunto sem decisão. [p.179-180]


CONCLUSÃO - Por conta do público específico era de se esperar que os sermões fossem super acadêmicos, mas eles trazem a leveza de um homem cristão com princípios não tão diferentes dos nossos. Por isso, a leitura é bem instigante. Queremos saber o que ele acha dos ensinamentos da Igreja, a doutrina do Cristianismo e quais os próximos objetos de sua argumentação.

É necessário ter um conhecimento bíblico para que haja uma sintonia com alguns termos e acontecimentos bíblicos no conteúdo de alguns sermões. Por exemplo, ele discorre com afinco e usa como base a glossolalia presente no milagre do domingo de Pentecostes. Fica difícil continuar a leitura se você não estiver por dentro do que aconteceu nesse dia.

Os sermões do autor são muito atuais. Apesar de datados do século passado, seus exemplos parecem ter sido retirados de situações e pessoas que conhecemos. E suas observações, por exemplo, sobre o amor, a glória, e a igualdade, são sábias e criam uma espécie de empatia com a gente.

Recomendo O Peso da Glória para todos os leitores amantes da escrita de C. S Lewis. Ele surpreende e prova mais uma vez que era um homem avançado para a própria época. Tenho toda a certeza que você vai adorar ler seus sermões.

Essa resenha tem seus créditos e todos são citados no final desta resenha. Adquira este livro, clicando na imagem acima.

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[1] Walter Hooper. Introdução, p. 23-24
[2] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[3] Citado por Michele Bowkunovkcz in: http://www.rotinaagridoce.com/2018/06/resenha-1637-o-peso-da-gloria-c-s-lewis.html
[4] Walter Hooper. Introdução, p. 24
[5] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[6] Citado por Rodrigo Silveira in: http://bibliotecaimbb.blogspot.com/2009/03/o-peso-de-gloria.html
[7] Walter Hooper. Introdução, p. 25-26.
[8] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[9] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[10] Citado por Rodrigo Silveira in: http://bibliotecaimbb.blogspot.com/2009/03/o-peso-de-gloria.html
[11] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[12] Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/atracao-fatal/ Copyright © 2019, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.
[13] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[14] Walter Hooper. Introdução, p.26-27
[15] Walter Hooper. Introdução, p.27