sábado, 7 de novembro de 2020

CRIME E CASTIGO [Resenha 160/20]


“Crime e Castigo”, romance escrito entre 1865 e 1866, traz, além de outras marcas, duas características essenciais. A primeira tem a ver com o contexto russo e europeu no qual o romance se inscreve (muito bem descrito pelo tradutor na apresentação da edição); a segunda tem a ver com a espiritualidade russa que permeia a obra do autor e que se aprofunda à medida que ele caminha em direção ao seu último grande romance “Os Irmãos Karamázov”.

O contexto russo e europeu da época é marcado pela agitação política de ideias. Dostoiévski, sempre envolvido nos debates à sua volta, enfrenta o que na época vai ser chamado na Rússia de niilismo (o romance “Os Demônios”, sua fenomenologia do mal, será dedicado inteiramente ao niilismo).

O niilismo, nesse contexto, é uma visão de mundo segundo a qual todos os valores são criados pelo próprio homem, e, portanto, carecem de fundamentação absoluta ou transcendente, e, por consequência, podem ser mudados ao sabor de quem tiver coragem, poder e gosto pela violência.

Na Rússia, esse movimento filosófico transcende um tanto o tom melancólico da origem alemã, para assumir uma fúria política que desaguará na Revolução Russa de 1917.

O jovem Raskólnikov, personagem principal, mata uma agiota, justificando seu ato filosoficamente como sendo o ato de um homem extraordinário, termo do próprio personagem. Homens extraordinários, na verdade um outro termo para um niilista livre da moral, criam a história e os valores que os ordinários (o resto da humanidade) seguem.

Esses ordinários vivem segundo o meio em que habitam, acreditando nas ficções morais criadas pelos extraordinários. A “teoria do meio”, de origem utilitarista, ética criada pelos ingleses Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), que impactou o pensamento russo de então, entendia que a moral era produto do meio social e histórico, e, portanto, podia ser “ajustada” para um bem maior. Raskólnikov, como todo personagem de Dostoiévski que transita pelo niilismo da época, leva ao paroxismo as ideias revolucionárias de então: um homem extraordinário mata e vai ao cinema depois, porque não sente culpa, uma vez que sobre ele as ficções morais não têm validade psicológica. Qualquer relativista gourmet contemporâneo faria xixi nas calças diante de um niilista russo do século 19.

A dimensão espiritual do romance está ligada à descoberta que o herói faz ao longo da trama, acompanhado por Sônia, a prostituta santa, que carrega a luz do espírito santo sobre si: apenas a confissão do crime, e o castigo merecido, podem trazê-lo de volta a vida. Como um Lázaro, Raskólnikov, pelas mãos da culpa assumida, descobre que não há homens extraordinários, mas apenas um nada por detrás da tentativa de romper com Deus e com a moral. Dostoiévski é a prova cabal de que a fé não nos torna incapazes para o pensamento.
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DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e Castigo. São Paulo, SP: Editora Martin Claret, 2013. 591p


Créditos
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/05/crime-e-castigo-prova-que-a-fe-nao-nos-deixa-incapazes-de-pensar.shtml

LÁGRIMAS DE ESPERANÇA [Resenha 159/20]


A vida é marcada pelo sofrimento. Ele está presente quando uma mulher dá à luz, quando lutamos para suprir necessidades e superar as frustrações ao longo da vida e, no fim de tudo, quando nos despedimos deste mundo e daqueles que tanto amamos. Por mais que seja difícil admitir, boa parte do nosso sofrimento é inevitável e inexplicável. Inevitável por vivermos em um mundo caído e corrompido. Inexplicável por nem sempre sermos capazes de discernir os mistérios da providência divina.

Todavia, existe uma parcela significativa de sofrimento que é tanto explicável quanto evitável, pois resulta do pecado e da responsabilidade humana. Essa foi a razão da queda de Jerusalém e do Templo cerca de 600 anos antes de Cristo, fato que levou o profeta Jeremias a escrever o livro de Lamentações, no qual pondera sobre o sofrimento e suas razões.

Abordando um dos livros mais dramáticos do Antigo Testamento, Lamentações de Jeremias, que registra a captura de Jerusalém pelos babilônios, o autor traz para a nossa geração uma mensagem de fé e esperança no Deus que tem o controle da história. O livro de Lamentações é uma contundente exortação quanto à vileza do pecado e suas terríveis consequências. O profeta lamenta o sofrimento da nação rebelde, mas também confia em Deus, cuja misericórdia é a fonte da verdadeira esperança.

Em Lágrimas de esperança — mais um volume da série A Mensagem da Bíblia para a Igreja de Hoje —, John McAlister expõe, versículo a versículo, o relato de Jeremias acerca de um dos períodos mais tristes da história do povo de Deus e mostra como as palavras do profeta ainda ecoam até os dias de hoje. Ao longo deste livro, somos levados a entender que a esperança, e não o desespero, é a mensagem central de Lamentações. E essa esperança está naquele que passou por todo tipo de sofrimento na cruz para transformar nosso sofrimento em louvor. “Bom é ter esperança e aguardar tranquilo a salvação do Senhor” (Lm 3.26).

Além dos agradecimentos, prefácio e considerações finais, lo livro possui quatro capítulos, onde o autor é rigorosamente evangélico em sua exegese e relevante da perspectiva cultural. Portanto, é cristocêntrico em sua interpretação e aplicação de Lamentações.

O livro é recomendável por três razões fundamentais: o autor conseguiu apreender a mensagem central de Lamentações e transmiti-la com fidelidade e clareza. Ele presta um importante serviço à igreja, uma vez que resgata o significado de palavras chave como “pecado” e “ira”, “angústia” e “sofrimento”, “misericórdia” e “esperança”. O livro também cumpre uma função pastoral, fazendo preciosas aplicações que serão úteis para o crescimento espiritual dos leitores. Seja Deus glorificado e sua igreja edificada por meio desse livro.
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MCALISTER, John. Lágrimas de esperança: A mensagem de lamentações para a igreja de hoje. São Paulo, SP: Vida Nova, 2020. 96p.

O CÃO DOS BASKERVILLES [Resenha 158/20]


O Cão dos Baskervilles é uma das mais conhecidas histórias do famosíssimo detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle (1859 – 1930), publicado entre 1901 e 1902, originalmente na revista Strand Magazine, que foi a responsável por popularizar o detetive Holmes. “Holmes surgiu pela primeira vez no romance Um Estudo em Vermelho, que Conan Doyle publicou em periódicos no ano de 1887 e que, ao longo dos anos, consagrou sua criação como um dos personagens detetivescos mais populares da literatura policial ao redor do mundo”.[1]

Este é um dos quatro romances narrados pelo o Doutor Watson sobre as aventuras do primeiro e único detetive consultor do mundo, Sherlock Holmes. A história começa de forma típica: Holmes e seu melhor amigo, dr. Watson, estão em sua casa quando recebem a visita de um novo cliente: o médico de um vilarejo do interior que deseja a opinião do detetive sobre a estranha morte de seu vizinho, Sir Charles Baskerville.

Uma terrível maldição pesa sobre os Baskerville na velha mansão de seus ancestrais, no meio de um pântano selvagem no interior da Inglaterra: quando um cão enorme e demoníaco, uma fera gigantesca e faiscante aparece, é morte certa para um membro da família. As circunstâncias dramáticas da morte repentina de Sir Charles Baskerville e os uivos aterrorizantes que vêm do pântano parecem confirmar essa maldição. Seria essa morte causada por um ser sobrenatural? Ou seria ela um macabro homicídio?

Henry Baskerville, o herdeiro de Sir Charles, volta do Canadá para tomar posse de seu título e de seus domínios. Ainda em Londres, recebe um bilhete anônimo: “Se você dá valor à sua vida ou à sua sanidade mental, deve se manter longe do pântano.” Apesar da ameaça e sem noção do terror que os espera, Sir Henry decide ir para a Mansão Baskerville, acompanhado por Watson, amigo e assistente de Sherlock Holmes encarregado pelo detetive de proteger o rapaz. Enquanto isso, Sherlock se empenha em resolver o enigma sem o conhecimento dos outro.

A narrativa apresenta diversos mistérios que se conectam no final de uma forma espetacular. Arthur impressiona a todos mais uma vez com sua história, é impossível não se encantar com o livro e ficar surpreso no meio de tantas revelações.
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DOYLE, Conan. As aventuras de Sherlock Holmes: O cão dos Baskervilles. São Paulo, SP: Editora Círculo do Livro, 1985.

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[1] https://garimpoliterario.wordpress.com/2016/03/18/resenha-o-cao-dos-baskerville-arthur-conan-doyle/

SOBRE OMBROS DE GIGANTES [Resenha 157/20]


A teologia histórica versa sobre o que os estudiosos, individual ou coletivamente, pensam a respeito dos ensinos da Bíblia, conforme os pronunciamentos dos concílios realizados pela Igreja do passado. Com tal, apresenta um depósito de sabedoria, um legado maravilhoso transmitido dos primeiros teólogos à igreja de hoje. Mostra como a Igreja estabeleceu tanto o que é verdadeiro quanto o que é errado e serve para guiar a teologia em seu próprio entendimento e declarações doutrinárias. Um estudante é capaz de chegar, de maneira mais eficiente, a suas próprias conclusões a respeito da verdade quando conhece as contribuições e os erros da história da Igreja.

Este volume fascinante trata da influência substantiva de grandes pensadores, apologistas e mártires, como Inácio, “alimento das feras”; o valente, suposto assassino e “anão negro” Atanásio; e o gigante amigo Aquino. Reeves sopra vida sobre homens mortos, com uma escrita histórica tão boa quanto possível – cheia de interesse, ardentemente relevante e inteiramente brilhante. O autor convida-nos a ouvir nossa história cristã e a aprender com ela, contando-a com vigor e humor. Ele nos apresenta grandes pensadores que enfrentaram questões e problemas impressionantes parecidos com os nossos e que encontraram nas Escrituras respostas sobre as quais nos faria bem refletir.

O livro possui além dos agradecimentos, sete capítulos. Cada capítulo é dedicado a um teólogo, começando por Martinho Lutero, João Calvino, John Owen, Jonathan Edwards, Friedrich Schleiermacher, Karl Barth e J. I. Packer. Cada capítulo começa com uma breve biografia e um pouco do pano de fundo, depois examina as principais obras de cada um dos teólogos, oferece uma cronologia do contexto histórico e termina com indicações de leituras complementares.
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REEVES, Michael. Sobre ombros de gigantes: Introdução aos grandes teólogos de Lutero a Packer. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. 244p. 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

OS TRÊS MOSQUETEIROS [Resenha 156/20]


“Os Três Mosqueteiros” é o primeiro livro da série “capa-e-espada” e aventura que confere a Alexandre Dumas, escritor francês, fama internacional. Sua trama engenhosamente tecida, com muita ação, comicidade e erotismo, fizeram desta obra um sucesso instantâneo e secular. Consagrada como a obra mais importante de Alexandre Dumas originalmente publicada em 1844 em formato de folhetim, Os Três Mosqueteiros tem participação especial na composição da literatura mundial. Em um romance de capa e espada em que mistura de forma ritmada aventura, romance, ação e um toque de humor, é vivido em um século XVII conturbado e conflituoso entre França e Inglaterra com suas questões religiosas e culturais.

Essa romance conta as aventuras de quatro grandes heróis: Athos, Aramis, Porthos e D’artaghan – este último, aspirante a mosqueteiro – ambientado na França do século XVII, onde florescia o esplendor da corte, o sensacionalismo das intrigas políticas e o poderio econômico e cultural de uma época brilhante.

Através de um estilo de plena vitalidade, Dumas conseguiu suprir nesse romance as lacunas do conhecimento histórico que sua personalidade inquieta nunca lhe permitiu aprofundar. Para isso, inseriu alguns pormenores que faziam parte de seu cotidiano entre atrizes e conspirações, construindo assim uma “pintura fantasiosa” do cenário da França do século XVII.

De acordo com alguns historiadores, Dumas pretendia fazer de d’Artaghan um personagem secundário, cuja função seria introduzir os três mosqueteiros na história. Mas o personagem foi se desenvolvendo, tornando se uma figura atraente, a ponto de Dumas resolver “promove-lo” aos poucos, até ele atingir o posto tão sonhado de mosqueteiro. Contudo, o título original da narrativa não se alterou.

Os quatro são bem diferentes uns dos outros, mas são inseparáveis. Athos é ao mesmo tempo um homem sério e romântico, e constantemente está bebendo para esquecer a desilusão que teve no passado com Milady, a pérfida espiã a serviço do cardeal Richelieu. Porthos é alto, gordo e bondoso, facilmente maleável e não muito inteligente. Um mosqueteiro que vive dando em cima de mulheres comprometidas. Aramis é um homem que abandonou os estudos para ser padre tornando-se um mosqueteiro temporário. É astuto e generoso, que vê a vida como um jogo divertido, composto de amor, ação e preces. Ele se envolve apenas em assuntos que dizem respeito a sua espada, episódios sentimentais e à Igreja. Os quatro amigos acabam enfrentando diversos desafios e embarcam em algumas aventuras para defender o Rei e a Rainha da França das garras do perigoso Cardeal Richelieu e de sua espiã, a Milady ou Condessa de Winter.

Um outro personagem cativante é a Milady. No livro temos diversas mulheres com características que as tornam fortes e poderosas, sem precisarem ser objetivadas, ou mesmo empunhar uma espada e partir para o duelo, mas Milady pode ser considerada um marco nesse quesito. Munida de sua influência e beleza, ela é uma personagem única, pois é astuta e perspicaz como poucos e capaz das mais diversas manipulações para cumprir seus objetivos e salvar-se dos problemas. Ela é uma antagonista que rouba a cena sempre que aparece, a ponto de ter sua atenção quase todo o arco final da história.

As aventuras dos três mosqueteiros se estendem a outros dois livros do mesmo autor: “Vinte anos depois” (1845) e “O Visconde de Bagelonne”(1848). Os três mosqueteiros foram várias vezes adaptados para o cinema. Sua mais recente versão data de 1993 e conta com a direção de Stephen Herek, no elenco Chris O’Donnel no papel de D’Artagnan, Kiefer Sutherland como Athos, Charlie Sheen como Aramis e Oliver Platt como Porthos.
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DUMAS, Alexandre. Os Três Mosqueteiros. São Paulo, Circulo do Livro, 1995. 467p.

Créditos
https://www.infoescola.com/livros/os-tres-mosqueteiros-alexandre-dumas/
https://www.sagaliteraria.com.br/2018/03/resenha-438-os-tres-mosqueteiros.html
https://www.mundodoslivros.com/2016/02/resenha-especial-os-tres-mosqueteiros.html 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O PAI NOSSO [Resenha 155/20]


“Ensina-nos a orar”, pediu um dos discípulos a Jesus. Este foi, talvez, o mais sábio de todo os pedidos jamais feito por qualquer dos seguidores de Cristo. Propiciou-nos uma resposta que, desde então, tem ensejado a reflexão dos cristãos em todos os tempos e levando muitos a preencher páginas de preciosos escritos sobre o que está implicado nela.

Pais da igreja, reformadores, puritanos, ortodoxos, neo-evangélicos e liberais tem se detido, ao longo do tempo, no estudo deste pequeno modelo de oração que encerra, com poucas palavras, a profundidade do conhecimento essencial àqueles que querem orar de modo adequado, segundo a vontade de Deus.

A presente obra mostra familiaridade com o que de melhor já se escreveu sobre o assunto. Rica em citações bibliográficas, perquiridora e profunda, apresentam com propriedades as opiniões mais importantes dessa variedade de autores. Mas faz muito mais. Oferece ao leitor um verdadeiro compêndio de doutrinas bíblicas. Afeito a longos anos de cátedra da Teologia Sistemática, o autor usa a oração do “Pai Nosso” como método para desenvolver seu estudo de alguns dos principais temas teológicos sobre Deus, o diabo, o homem, o pecado, o perdão, a obra redentora de Cristo, a santificação, as Escrituras e os sacramentos, dentre outros. Sua análise é cuidadosa, comprometida com a exegese bíblica e rica em citações das Escrituras e dos nossos credos, como convém à boa prática reformada.

Mas não pense o leitor ter em mãos apenas uma obra acadêmica. Este é também um livro prático e devocional, escrito por um pastor ao seu rebanho. Com próprio autor explica: “Este livro é resultado de uma série de pregações que fiz em minha antiga Igreja, Presbiteriana de Vila Guarani, São Paulo, Capital, nos cultos dominicais, no período de 17/11/91 a 19/09/93, com alguns pouco recessos de férias e viagens. O meu plano era expor o assunto no máximo em oito semanas, mas acabei por me envolver com o tema, considerando oportuno o seu estudo de modo um pouco mais detalhado para toda a Igreja”.

Portanto, a preocupação dominante é ensinar o crente a relacionar-se corretamente com Deus e, assim, a orar corretamente. Aplicações decorrentes da doutrina, advertências, apelos cristãos e até pequenas súplicas dão o tom pastoral do autor que, além do magistério teológico, exerce também o ministério da Palavra e do cuidado de almas.

O livro, além do prefácio e introdução, está dividido em três partes. Cada uma tem sua própria introdução e capítulos, tudo isto exposto em 319 páginas. Esta obra que muito contribuirá para um melhor conhecimento de Deus e do que ele requer de nós. Orar corretamente o “Pai Nosso” implica em conhecer a Deus, a nós mesmos e o nosso adversário, o diabo. Este livro certamente o levará a compreender estas implicações e o desafiará a encarar com mais seriedade seu relacionamento com Deus.
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COSTA, Herminsten Maria Pereira da. O Pai Nosso: temas teológicos analisados a partir da oração ensinada por Jesus. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2001. 319p.