domingo, 28 de junho de 2020

SAGARANA [Resenha 106/20]



Sagarana é o romance inaugural de Guimarães Rosa publicado em 1946, dez anos antes de Grande Sertão: Veredas. Nos diversos contos que fazem parte do livro, Rosa reproduz a linguagem do homem simples do sertão brasileiro, mas com a característica incomum em escritores brasileiros de tentar alcançar o universal, ou seja, de falar de temas presentes no espírito da humanidade em qualquer canto do mundo. Remetendo o leitor a um universo mítico-religioso de tradição clássica. O desafio de Guimarães Rosa é encontrar caminhos para aliar as mitologias afro e indígena à mitologia grega. E narrar, ao mesmo tempo, a realidade do sertão e o encantamento do sertanejo.

Sagarana é uma palavra composta. Saga vem dos mitos germânicos e rana é um sufixo tupi-guarani. Quer dizer semelhante, parecido com, ou seja, são histórias que parecem com uma saga. Mas não são sagas. Guimarães Rosa explora as possibilidades literárias de diferentes tipos narrativos, e está contando também uma espécie de formação do Brasil, tendo como um elemento marcante a violência. Ao mesmo tempo que tem uma pretensão de fazer uma literatura grande, universal, ele reflete o lugar onde nasceu e viveu, o da sua experiência.

Compêndio de nove contos longos, por vezes categorizados como novelas ou noveletas, a obra é toda situada no sertão mineiro, em esmiuçadas descrições de suas paisagens, revelando o vasto conhecimento que o autor tinha do sertão mineiro. Outro detalhe estão presentes os temas básicos de João Guimarães Rosa: a aventura, a morte, os animais forizados em gente, as reflexões subjetivas e espiritualistas. Cinco deles - O burrinho pedrês, Duelo, São Marcos, A hora e a vez de Augusto Matraga e Corpo fechado - trazem para os sertões de Minas Gerais peripécias de antigas histórias épicas ou heróicas. O lirismo dos temas do amor e da solidão transparece em Sarapalha e Minha gente. Em A volta do marido pródigo há uma espécie de heroísmo gaiato, enquanto que as reflexões sobre o poder e a fraqueza se centralizam em Conversa de bois.

Esse é um livro fundamental para quem quiser se iniciar na literatura de Guimarães Rosa, Sagarana é um livro de experiências. O autor está buscando caminhos e tem uma ambição literária muito grande.
_____________
ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro, RJ: Editora Record, 1984. 386p.

PEREGRINO AQUI [Resenha 105/20]


O PEREGRINO é aquela pessoa que decide sair da sua zona de conforto e coloca-se em movimento! É quem decide deixar tudo para trás, livrando-se dos pesos e excessos, ficando somente com o ESSENCIAL. É desapegar-se!

Um coração peregrino é um coração que tem a eternidade tão clara, tão viva em um anseio dentro de si, que não somente faz dela o seu fim, mas molda seu estilo de vida e sentimentos, para desfrutar de uma jornada junto ao Senhor. O peso das rejeições, das ofensas, do perdão retido, das ansiedades e preocupações com a vida tornam-se “excesso de bagagem” em sua jornada. Mas a adoração, a gratidão, a contemplação das obras maravilhosas da criação e o refino constante do caráter tornam-se valores que moldam toda essa jornada rumo ao Pai.

Este pequeno livro – Peregrino aqui – foi escrito para quem se sente muitas vezes desejosos de querer entender as adversidades cotidiana, partindo da perspectiva do olhar de Deus em sua vida.

Neste pequeno livro, encontramos 51 textos escritos dentro de um contexto de experiência que o autor assim denomina de textos “leves, saudosos, amáveis; outras vezes, se materializam em desabafos pelas decepções vividas. Do riso espontâneo às lágrimas sofrida...” O que o leitor encontra aqui são faíscas divinas em forma de palavras, uma captura de momentos vividos confrontados com a Palavra de Deus, que faz com a nossa fraqueza seja exposta. O que aprendi com estes devocionais é que dias bons e ruins não são o bastante para definir nossa fé; no dia bom é a Ele nossa gratidão, já no dia mau, Ele é no nosso socorro. Ele é a porção diária necessária para vivermos.
__________
COSTA, Nonato. Peregrino aqui. Belo Horizonte, MG: Editoria Koinonia, 2020. 195p.

100 ARMÁRIOS [Resenha 104/20]



A história começa quando Henry muda-se para uma pequena cidade no Kansas para viver com o tio Frank, a tia Dotty e os primos Penny, Henrieta e Anastásia. Em sua primeira noite lá, ele foge do seu quarto no sótão para ir ao banheiro, mas descobre que a porta está fechada e a luz acesa. Ele espera e vê um homem baixo sair do banheiro e entrar no quarto do avô, que tem estado fechado desde que ele morreu, dois anos atrás. Numa outra noite, quando descobre os misteriosos armários no teto de seu quarto, embarca, então, numa odisseia que envolve magia, revelações sobre sua família, seres malignos e mundos maravilhosos e comoventes. Ao lado de seu peculiar tio Frank, de sua amável tia Dotty, e dos seus primos, ele descobre mais sobre si mesmo na luta contra o imortal e antes aprisionado mal que ele libertou acidentalmente.

A partir dessa premissa a história se desenvolve. É uma narrativa rica, imaginativa e um cenário muito criativo. A história que N.D. Wilson criou é única, um mundo fascinante e muito interessante. Poderia ter um livro de cada um daqueles mundos por trás dos armários que não ficariam ruins. O autor não criou apenas um, mas diversos possíveis cenários. E isso é só uma pequena parte da história. Ao contrário do comum Henry não pula direto dentro de um dos armários e vive uma aventura na qual salva o mundo. A história é colocada de forma mais sensível e o ritmo mais introdutório.

Para quem não sabe, N. D. Wilson é filho do escritor Douglas Wilson que escreveu, dentre outras coisas, um dos textos mais formidáveis que já li sobre a importância da literatura na formação do caráter masculino: “Gigantes, dragões e livros”, capítulo 12 do inesquecível Futuros homens (Clire, 2012). E o segundo porque, como bom filho, atendeu à instrução do pai, virou um dos autores contemporâneos mais imaginativos e geniais que conheço e escreveu 100 armários (Rocco, 2011), uma ficção infanto-juvenil que aplica direitinho as lições contidas no livro do pai. Desde J. R. R. Tolkien e seu filho Christopher, cujo trabalho de edição das obras póstumas do pai incluía “adivinhar” o que este queria, desconheço dobradinha pai-filho mais bem-sucedida.

“100 armários” é o primeiro de uma nova trilogia de fantasia, criada pelo estilo único de N.D. Wilson. O segundo livro é “Fogo de dente-de-leão” e o terceiro é “The Chestnut King (O Rei Castanheira). O livro “100 armários” teve os direitos de adaptação para o cinema comprados pela produtora Beloved Pictures, e promete despertar a imaginação dos jovens leitores. A edição da Rocco está ótima. A fonte é bem agradável e a capa foi mantida do mesmo jeito. O mapa dos armários no início ficou ótimo.
_______________
WILSON, N. D. 100 Armários. Rio de Janeiro, RJ: Rocco Jovens Leitores, 2011, 318p.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O CRISTO DOS PROFETAS [Resenha 103/20]


Alguma coisa levou os profetas de Deus a escrever. Quando acabaram de fazê-lo, tinham produzido um acervo literário sem paralelo na história humana. Nada antes nem depois deles se iguala à obra literária produzida pelos profetas de Israel. Mas o que levou os profetas a produzirem essa obra singular de escritos?

Notamos que sua origem, com certeza, pode ser legitimamente atribuída à inspiração do Espírito Santo de Deus. A visão arrebatadora de Isaías do "Senhor, num alto e sublime trono" com serafins cobrindo o rosto e os pés enquanto voavam; a profecia de Joel de que "nos últimos dias” Deus "derramaria seu Espírito sobre toda a carne" de tal forma que homens e mulheres, jovens e velhos, teriam visões e sonhos; a descrição que Ezequiel faz do vale dos ossos secos, com a pergunta desafiadora que apela à sua fé: "Filho do homem, podem reviver estes ossos?" - essas palavras, essas visões, e centenas de passagens como essas em toda parte nos profetas - não são produto normal de escritos humanos que facilmente podem ser imitados. Todo leitor imparcial recebe deles a sensação de que essas palavras são de fato sobrenaturais.

Nesta meticulosa introdução aos profetas do antigo Israel, o Dr. O. Palmer Robertson revela a paixão e o propósito dos escritos extraordinários deles. Ele escreve: "Uma nova aliança, uma nova Sião, um novo templo, um novo Messias, uma nova relação com as nações do mundo - essas eram as expectativas propostas para injetar futura esperança no povo que teria de suportar o trauma da deportação da sua terra".

Depois de examinar as origens do profetismo, o chamado dos profetas, e sua proclamação e aplicação da lei e da aliança, o Dr. Palmer dedica atenção especial ao significado bíblico-teológico do exílio e da restauração. Observando essas experiências pela perspectiva de vários profetas, ele conduz nossa atenção para os sofrimentos e para a gloriosa restauração do povo de Deus em Cristo.

A profusão sem par da literatura inspirada dos profetas surgiu num período da história que nos convida a compará-lo ao nosso próprio tempo. A proclamação deles para seus contemporâneos e as predições sobre o exílio e a restauração de Israel e o Messias vindouro têm aplicações perenes. Dessa forma, os escritos inspirados dos profetas falam a todas as gerações ainda hoje. Sem um retorno para Deus em fé e arrependimento conforme eles exigem, suas palavras não serão entendidas de forma correta. Mas para todas as gerações e povos que lerem e ouvirem com o entendimento que somente a fé pode conceder, eles sempre trarão a mensagem de esperança e restauração.

Para concluir, os estudiosos da teologia bíblica vão apreciar, de modo especial, a análise que o Dr. Palmer faz dessas profecias, bem como suas firmes contestações às interpretações liberais e neo-ortodoxas de hoje. O Cristo dos Profetas é uma sequência da obra O Cristo dos Pactos, considerada por muitos como um clássico na área da teologia bíblica.
________________
ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos profetas. Recife, PE. Editora CLIRE, 2016. 640p.

VINTE MIL LÉGUAS SUBMARINAS [Resenha 102/20]


Em 1954, quando a Marinha americana lançou o primeiro submarino nuclear, batizou-o de Nautilus, em homenagem a Júlio Verne (1828-1905) e sua visão do futuro. Fascinado por ciência e tecnologia, Verne aproveitava as poucas horas de folga para estudar matérias relacionadas com esses assuntos, adquirindo conhecimentos que lhe permitiram misturar ficção e realidade, conceber máquinas impensáveis na época e descrever explorações que só ocorreriam muitos anos depois.

Este livro tem exercido um fascínio sem igual desde a sua publicação. O motivo desse fascínio pelo fato de Júlio Verne foi capaz de descrever um submarino que ainda não tinha sido inventado! Neste livro além da aventura do capitão Nemo, temos toda a explicação do seu funcionamento. A descrição do uso da energia elétrica, da velocidade, da forma de renovação do ar, da imersão e emersão são aspectos fascinantes da narrativa do autor. Outros detalhes também são impressionantes como a descrição dos reservatórios de ar comprimido para mergulhadores. Tudo isso só foram criados no século XX.

20 000 léguas submarinas conta as aventuras do capitão Nemo, um homem que qualifica a si mesmo nos seguintes termos: "Não sou o que [se] chama de homem civilizado! Rejeitei a sociedade e suas leis!". A bordo de seu fantástico submarino Nautilus, esse homem percorre o planeta atacando navios que o perseguem e, paradoxalmente, ajudando povos que lutam pela liberdade.

Esta edição traz uma tradução e adaptação de Walcyr Carrasco, mantendo, porém, o fascínio do original. Diagramas, gravuras e fotos coloridas ilustram as informações complementares sobre oceanografia, submarinos e mergulhadores, proporcionando ao leitor um vasto panorama do maravilhoso mundo submerso e das máquinas utilizadas para estudá-lo.
__________________
VERNE, Júlio. Vinte mil léguas submarinas. São Paulo: SP: FTD, 2007.

O ENCANTO POÉTICO DE ISAAC WATTS [Resenha 101/20]


Esta série Um Perfil de Homens Piedosos destaca figuras-chave na linha contínua de homens da graça soberana. O objetivo desta série é explorar como essas figuras usaram seus dons e habilidades dados por Deus para impactar o seu tempo e avançar o reino dos céus. Por serem corajosos seguidores de Cristo, os seus exemplos são dignos de serem seguidos hoje.

O foco deste volume está sobre o preeminente hinólogo inglês Isaac Watts. A beleza poética de seus hinos impregnados de doutrina transcende os séculos e continua a enriquecer a Igreja atualmente. Por sua habilidade literária extraordinária, ele tornou o cantar de hinos uma força devocional na Igreja Protestante. Tomado por uma visão elevada de Deus, este talentoso compositor revitalizou o canto congregacional por voltar a expor uma rica teologia em letras que combinavam o estilo musical ao peso da mensagem bíblica. Tudo isso - a ascensão e a queda de uma frase, metáforas marcantes, a cadência de um verso - convertia a majestade e transcendência de Deus em palavras inesquecíveis. Chamado de Melanchthon do seu tempo, este pastor-hinologista influenciou o curso da adoração congregacional que permanece até o dia presente. Os seus hinos continuam a ser um marco na vida espiritual da Igreja.

No capítulo 8, que tem o seguinte título “Watts como intérprete de Salmos” traz a discussão sobre a questão da Salmodia exclusiva no culto. Watts criticou a metrificação frase por frase dos Salmos ingleses e protestou contra a apatia e crueza de expressão, e a total ausência do Evangelho do Novo Testamento no conteúdo dos Salmos. A partir dessas reflexões, a ideia de um método totalmente novo de interpretar e parafrasear os Salmos em versos começou a se formar na imaginação de Watts.

Além da apresentação, prefácio, notas, apêndices e bibliografias, o livro é composto de oito capítulos, escrito de forma prolífica e eloquente por Douglas Bond, onde temos uma visão esclarecedora sobre a vida, a fé e o encanto poético deste notável servo da Igreja: Isaac Watts. Este delicioso livro precisa ser colocado no topo da sua lista de leitura obrigatória.
_______________
BOND, Douglas. O encanto poético de Isaac Watts. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2014. 192p.

sábado, 20 de junho de 2020

O DIÁRIO DE ANNE FRANK [Resenha 100/20]


O Diário de Anne Frank foi composto pela então adolescente Anne Frank, no período que se estende de 1942 a 1º de agosto de 1944. Este poderia ser um diário escrito por qualquer garota de 13 anos, nos tempos atuais, com todas as inquietudes e preocupações de uma jovem, se ela não estivesse vivendo justamente em um dos contextos mais difíceis da história da Humanidade, a Segunda Guerra Mundial. Ela tinha apenas 13 anos e, de repente, viu sua existência sofrer uma transformação radical. Subitamente Anne estava vivendo com sua família e outros judeus, companheiros da mesma sina, ocultos em Amsterdam, na Holanda, na época em que este país foi invadido pelos nazistas alemães.

Em palavras singelas e de fácil entendimento, a garota narra a rotina desta pequena comunidade durante o período em que seus integrantes permaneceram refugiados no porão do gabinete em que seu pai trabalhara, para onde o grupo se dirige ao tomar conhecimento do destino que lhes estaria reservado se fossem capturados pelas forças da Alemanha.

Neste recanto abrigam-se a família de Anne – a adolescente, os pais e a irmã -, e a do Senhor Van Daan – ele, a esposa e o filho Peter, que se torna o melhor amigo da garota, e por quem ela se encanta cada vez mais. A autora deste diário registra a vivência destas pessoas sob a ameaça constante da morte e sua visão pessoal sobre este terrível confronto bélico.

Anne tem a ideia de escrever um diário que pudesse realmente ser publicado após ouvir uma transmissão radiofônica que incentivava as pessoas a documentar os eventos ligados à guerra, pois este material teria, futuramente, um alto significado. Ela inscreve em seus escritos tudo o que se passa no cotidiano dos fugitivos, inclusive sua notória predileção pelo pai, que considerava amoroso e nobre, ao contrário da mãe, com quem a menina estava sempre em confronto.

Depois de tempos difíceis, oficiais da Gestapo descobrem o esconderijo, em 4 de agosto de 1944, prendem os refugiados e os conduzem para diversos campos de concentração. Neste mesmo dia o pai, Otto Heinrich Frank, recebe o diário da filha e, como é o único remanescente do período transcorrido como prisioneiro, luta pela publicação de seus textos, realizando finalmente o sonho de Anne. Com o auxílio da escritora Mirjam Pressler, ele alcança o seu objetivo e lança o diário em 1947.

Na primeira versão muitos trechos foram censurados pelo próprio pai, que tinha consciência do quanto seria controvertido, nesta época, divulgar os conflitos entre mãe e filha, bem como revelar aspectos da sexualidade emergente de Anne. Em edição posterior o diário foi publicado integralmente.

Anne morreu em pleno campo de concentração, em Bergen-Belsen, em fins de fevereiro de 1945. O Diário original está preservado no Instituto Holandês para a Documentação da Guerra. Os direitos autorais da obra de Anne estão reservados ao Fundo Anne Frank, localizado na Suíça, uma vez que Otto Frank faleceu em 1980.
______________
FRANK, Anne. O diário de Anne Frank. Jandira, SP: Principis, 2019. 192p

quinta-feira, 18 de junho de 2020

CONVERSANDO COM C. S. LEWIS [Resenha 099-20]


Lewis era ateu convicto na juventude. Serviu no exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial e desistiu da religião por conta do sofrimento e da destruição que viu ao seu redor. No entanto, durante anos ele foi reconsiderando sua posição e, gradualmente, chegou à conclusão de que a crença em Deus era a forma mais satisfatória de olhar as coisas. Lewis explicou sua mudança de atitude em uma série de livros best-sellers, mais notadamente em o Cristianismo puro e simples.

Embora Lewis seja mais conhecido como escritor, nunca devemos esquecer que sua vida foi complexa, difícil e por vezes trágica. Sua mãe morreu de câncer antes que ele completasse 10 anos de idade; ele lutou nos campos de batalha da França durante a Primeira Guerra Mundial e foi gravemente ferido em combate; casou-se tardiamente e viveu a tragédia de ver sua esposa lentamente perder sua longa luta contra o câncer. Lewis é um raro exemplo de alguém que teve de pensar sobre as grandes questões da vida porque suas próprias experiências as despejaram sobre ele. Lewis não é um filósofo de botequim; suas ideias foram forjadas no calor do sofrimento e do desespero.

Então, por que este livro? O que significa Conversando com C. S. Lewis"? A ideia para este livro surgiu quando eu estava conversando sobre Lewis com um grupo de estudantes de Oxford e que se tornou uma série de almoços imaginários com Lewis. O que ele diria a alguém que tenta superar o luto? Ou alguém que quer saber a melhor maneira de explicar a fé cristã a um amigo ateu? Ou alguém que quer ser uma pessoa melhor, ou que tem medo de que sua fé seja um faz de conta, inventado para encarar a dureza da vida? Graças aos próprios escritos de Lewis e à enorme literatura sobre ele sabemos que tipo de coisa ele diria às pessoas que fizessem essas perguntas. E este é o objetivo deste livro: deixar que Lewis nos ajude à medida que lidamos com as questões e tentamos nos tomar pessoas melhores. Evidentemente, como vamos descobrir, Lewis tinha alguns questionamentos próprios, que devemos considerar também.

Foi nesse espírito que este livro foi concebido e escrito. O autor, Dr. Alister McGrath nos apresenta C. S. Lewis como o companheiro perfeito para uma conversa e suas respostas para vários temas atuais. Lewis será nosso interlocutor. Isso não quer dizer que ele esteja certo sobre tudo. Significa apenas que ele é alguém que realmente vale a pena ouvir. Lewis é uma pessoa profundamente interessante e digna de se ouvir, que temos de levar a sério, mesmo que acabemos discordando dele.
____________________
MCGRATH, Alister. Conversando com C. S. Lewis. São Paulo, SP: Planeta, 2014.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

QUINCAS BORBA [Resenha 098/20]


Publicado em 1891, entre o lançamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, e Dom Casmurro, de 1899, trilogia que inovou a literatura brasileira, introduzindo o Realismo. Nesse romance, Machado de Assis mostra pleno domínio da escrita. Constrói situações e personagens inesquecíveis, como Sofia e Rubião, transitando pelo trágico e pelo cômico com toda a maestria. É um dos pontos altos do romance brasileiro, escrito com sensibilidade, inteligência e talento raro em qualquer tempo e lugar.

O primeiro parágrafo do primeiro capítulo de Quincas Borba é um convite à leitura. Machado de Assis introduz nas primeiras linhas a história do professor de Barbacena que inesperadamente recebe a herança do amigo Quincas Borba, um filósofo cuja morte é descrita em Memórias Póstumas de Brás Cubas. A fortuna vem com a incumbência do herdeiro de cuidar do cachorro Quincas Borba, o mesmo nome do dono. Na condição de novo-rico, ele começa a alimentar sonhos de grandeza e torna-se vítima tanto da sua própria ambição e da sua imaginação desenfreada como da avidez e da crueldade dos falsos amigos que o cercam.

Este romance possibilita vários níveis de leitura.

(1) há a história do triângulo formado por Rubião e pelo casal Cristiano e Sofia Palha, que se baseia na sedução de Rubião por Sofia e no adultério que não se realiza. O casal Palha é movido pela ambição material e pelo desejo da ascensão social.

(2) outro nível a ser observado é a história dos usos do amor e da sedução para fins de exploração moral e material do outro. E assim se dá, porque depois de ter toda sua fortuna sugada pelo casal Palha e por outros falsos amigos, Rubião é descartado por todos.

(3) há ainda mais um nível de leitura a ser examinado. O leitor pode atentar para as conexões entre esse enredo e a circunstância histórica e social do Brasil da segunda metade do século 19, já que o casal Palha encarna os valores de uma nova ordem, a do capital financeiro. Cristiano Palha é caraterizado como ‘zangão da praça’, um tipo de especulador financeiro, que surge no Brasil num momento em que a escravidão continua em plena vigência. Ou seja, o romance, cuja ação se passa entre 1867 e 1871, pode, e acho que pede, para ser lido como uma crítica à conjunção terrível entre novas e velhas formas de exploração.

Finalmente, o romance também mostra, o processo de depauperação e enlouquecimento de Rubião. Ao final, ele retorna a Barbacena, material e moralmente destruído, coroando-se imperador antes de morrer ao lado de seu cachorro, Quincas Borba, que foi tudo o que lhe restou.

Concluindo, o romance é muito atual na medida em que mostra como os indivíduos se relacionam uns com os outros como coisas, números, cifras e, mais recentemente, como algoritmos”. A combinação disso com outras modalidades de exploração e violência ainda tem muito a dizer nos dias atuais.
_____________
ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Jandira, SP: Princípis, 2019. 240p.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

QUADROS DE EXPOSIÇÃO TEOLÓGICA [Resenha 097/20]


A teologia existe para servir à igreja. Sua vocação é fazer com que as pessoas pensem, imaginem e compreendam como todas as áreas da vida se relacionam com o Deus do Evangelho revelado nas Escrituras. A teologia serve ao entendimento ao anunciar o significado atestado pela Bíblia das palavras e dos atos do Deus triúno, convidando todos os que têm olhos e ouvidos a entender sua participação no que o Pai, o Filho e o Espírito realizam no mundo, a fim de fazer novas todas as coisas. Portanto, a teologia ajuda os discípulos a cumprir a vocação de serem “pequenos Cristos”: santos que sabem incorporar a mente de Cristo em todos os lugares, a todo tempo e para todo o mundo.

A teologia é, no melhor dos casos, arte e ciência de caráter venerável, sábio e testemunhal do entendimento fidedigno, e seu propósito exclusivo é edificar a adoração, a sabedoria e o testemunho da igreja. A competência especial da teologia consiste em amar a verdade de Jesus Cristo com a mente, o coração, a alma e a força, a fim de endireitar o caminho da vida em Cristo.

O livro está dividido em quatro partes: (1) Vestíbulo: Antes do excurso (Prologômenos). (2) Galeria um: Quadros da Adoração da Igreja. 3) Galeria dois: Quadros do testemunho da igreja e (4) Galeria três: Quadros da sabedoria da igreja. Cada parte contém três ensaios e mais dois, um na conclusão e outro no posfácio.

O autor nos propõe três formas de ler este livro. “Este livro pode ser lido de três modos. Os ensaios aqui reunidos consistem, em primeiro lugar, em quadros do teólogo no trabalho ministerial. Em segundo lugar, o livro é um olhar de esguelha para meus esforços de reabilitar a doutrina para a igreja: um projeto de vida e de pesquisa de sistemática teodramática. Em terceiro lugar, é possível ler este livro como um apelo contínuo, embora em grande parte indireto, à incorporação da imaginação no trabalho da teologia enquanto sistemática sapiencial.

Este livro é magnifico, depois de uma gostosa leitura concluímos com o autor que a teologia existe para preservar a integridade da adoração, testemunho e sabedoria da igreja em conjunto.
________________
VANHOOZER, Kevin J. Quadros de uma exposição teológica: cenas de adoração, testemunho e sabedoria da igreja. Brasília, DF: Editora Monergismo 2018. 334p.

OS SERTÕES [Resenha 096/20]


Os sertões é uma obra de Euclides da Cunha, publicada em 1902. O autor, que era jornalista, foi enviado aos sertões da Bahia para cobrir a Guerra de Canudos que ocorria no final do século XIX. Assim, no caminho, descreveu a paisagem e o cenário que encontrou até chegar no destino. Lá, o autor analisou com bastante atenção as pessoas e os conflitos que existiam.

Portanto, o livro é dividido em três partes: (1) “A Terra”: São considerações técnicas e cientificas a respeito do solo, do clima e do espaço geográfico do sertão baiano. Euclides da Cunha escreve sobre o clima de dia quente e noite gelada, a seca, bem como a fauna e a flora. Entretanto, estudos mostram que o autor frequentemente relacionou esse espaço com os modos que as pessoas lidavam com ele. (2) “O Homem”: Traz características antropológicas a respeito do sertanejo, com todos os seus conflitos sociais, políticos e psicológicos. Nessa parte, Euclides da Cunha narra as pessoas – jagunços, sertanejos, e principalmente o Antônio Conselheiro, líder da região de Canudos. É nesse ponto que fica mais evidente o determinismo biológico e geográfico do autor. Ou seja, ele explica diversos comportamentos e modos de vida das pessoas em função de sua raça. Além disso, há também uma descrição dos costumes, da religião e dos rituais presentes entre a população. (3) “A Luta”: Narra a guerra de Canudos desde o início. O vilarejo formado em Canudos sob a liderança de Antônio Conselheiro incomodava o governo. O primeiro conflito explícito começou em 1896, quando o juiz de Juazeiro, uma cidade próxima, não encontrou madeiras encomendadas para construir uma igreja em Canudos. Com medo de uma possível invasão, soldados de Juazeiro foram atacar o vilarejo, e foram recebidos com uma emboscada.

No total, quatro expedições militares foram feitas contra a população de Canudos, se estendendo até 1897. Em todas as ocasiões, houve confronto e resistência pelos moradores. O conflito foi sangrento e acabou quando a região foi cercada por soldados, encurralando e dizimando a população. Consequentemente, o caso ficou conhecido como Guerra de Canudos.

É uma leitura lenta e o ideal é que seja lido com cuidado e paciência. Outro detalhe é que em dias que estamos vivenciando uma desgraça chamado “politicamente correto, a obra oferece uma série de perigos para corajosos mediadores. Em tempos de tensão no que diz respeito ao racismo, ler, interpretar e debater Os Sertões requer cuidado redobrado. Euclides da Cunha apresentou a sua ideia de raça superior, tal como a maioria dos intelectuais de sua época, no que conhecemos por “determinismo social”. Deve ser criticado? Sim, sem dúvida, mas deve ser analisado e entendido como obra que refletiu o pensamento de uma época, material de base para fazermos a transposição para o “pensamento” em voga na contemporaneidade.
____________
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Jandira, SP: Principis, 2020. 368p
.

MOLDADO POR DEUS [Resenha 095/20]


Tente imaginar a Bíblia sem Salmos. Ela seria um livro muito diferente! A igreja seria um lugar muito diferente. Eu seria uma pessoa muito diferente. Não que o restante da Bíblia deixe de ensinar verdade e despertar emoções. Aprendo e sinto coisas em todas as porções que leio da Bíblia. Mas não é a mesma coisa. Os salmos não apenas despertam emoções no coração; eles colocam expressões dessas emoções em primeiro plano. Eles esboçam intencionalmente a experiência emocional do salmista contra o pano de fundo da verdade divina.

A Bíblia inteira ensina verdades e desperta emoções, mas Salmos é um livro especial, tendo sido o hinário de Israel e da igreja. Juntamente com os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos, moldou o pensamento e as emoções dos primeiros discípulos. É importante lembrar que os Salmos não apenas despertam as emoções do coração em respostas à verdade revelada, eles escancaram essas emoções. Não são apenas imponentes; são contagiantes. Não estamos apenas ouvindo ideias profundas e expressões de sentimentos; estamos vivendo no meio delas em sua plenitude. Estamos andando no conselho de sabedoria permeada de Deus, em pé no caminho de maravilhada santidade, sentados no assento da admiração jubilosa.

O livro possui seis capítulos, e cada capítulos trata de um salmo (1, 42, 51, 103, 69 e 96). Por meio desses salmos inspirados por Deus, ouvimos e sentimos o clamor poderoso de aflição, de vergonha, de arrependimento, de tristeza, de raiva, de desânimo e de perturbação. Entretanto, o que torna isso assombrosamente diferente dos sofrimentos do mundo é que tudo isso é vivenciado à luz da percepção do Deus que é pleno em soberania.

Moldado por Deus é um convite para nos entregarmos a Deus. Ele acolherá nosso coração no estado em que se encontra e o moldará.
__________________
PIPER, John. Moldado por Deus: mente e coração em sintonia com os Salmos. São Paulo, SP: Vida Nova, 2018. 80p.

domingo, 7 de junho de 2020

O PACTO ENTRE HOLLYWOOD E O NAZISMO [Resenha 094/20]


Bem Urwand, mestre em comunicação e especialista em cinema, escreveu “A Colaboração – O pacto entre Hollywood e o Nazismo”, onde mostra uma pesquisa rigorosa e bem fundamentada, em que os executivos de Hollywood, motivados por interesses comerciais, teriam concordado em não lançar filmes que atacassem os nazistas ou que condenassem as medidas discriminatórias que começavam a ser adotadas na Alemanha.

Urwand (que aliás é judeu) concentra sua pesquisa nos anos da ascensão e consolidação do Nacional-Socialismo, antes que os Estados Unidos entrassem na guerra – e, principalmente, antes que sequer se imaginassem os horrores que seriam perpetrados por Hitler, ainda que os sinais emitidos nos anos 30 já fossem preocupantes. O autor afirma (e comprova em 60 páginas de notas) é que, ao longo da década de 30, os grandes estúdios fizeram negócios com a Alemanha, que era um mercado consumidor fundamental de suas produções. Diga-se de passagem, o próprio Hitler, que reconhecia o grande poder do cinema em moldar a opinião pública, era um consumidor voraz dos filmes hollywoodianos, aos quais assistia quase todas as noites, sem falar na sua aposta em cineastas como Leni Riefenstahl, diretora do clássico documentário “O Triunfo da Vontade” (1935), como artista responsável por fixar nas telas uma imagem positiva do Reich.

Essas negociações entre Hollywood e Hitler incluíram concessões, cortes de sequências inteiras e eventualmente censura explícita, imposta por autoridades nazistas e acatada pelos executivos americanos, em acomodações mais ou menos tensas, dependendo do caso. Com o início da Segunda Guerra, naturalmente, essa atitude mudou, e Hollywood passou a trabalhar abertamente contra Hitler, como era natural, passando da colaboração à resistência.

Em seis capítulos, o autor traça um estudo esclarecedor sobre Hollywood e a elite nazista. Com documentos nunca antes examinados, citando cartas, memorandos e reportagens de jornal, o pacto entre Hollywood e o nazismo levanta a cortina de um episódio da história de Hollywood – e dos Estados Unidos – que permaneceu oculto por muitas décadas.
_______________________
URWAND, Bem. O pacto entre Hollywood e o nazismo: como o cinema americano colaborou com a Alemanha de Hitler. São Paulo, SP: Editora LeYa, 2019. 368p.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

C. S. LEWIS: O MAIS RELUTANTE DOS CONVERTIDOS [Resenha 094/20]


Aos 17 anos, C. S. Lewis explicou toscamente a um amigo cristão a quem conhecia desde a infância, "Não acredito em nenhuma religião. Não existe absolutamente prova alguma para nenhuma delas e, do ponto de vista filosófico, o cristianismo nem mesmo chega a ser a melhor".' Quinze anos mais "tarde, ele escreveria para o mesmo amigo, em um tom bem diferente: "O cristianismo é Deus expressando-se a si mesmo por meio do que denominamos coisas reais'... a saber, a real encarnação, crucificação e ressurreição". Essa-reviravolta não foi como uma "conversão na estrada de Damasco"; foram necessários quinze anos para que Lewis mudasse de opinião.

O espantoso não é o fato de Lewis haver-se tornado um escritor cristão tão talentoso e altamente conceituado; o espantoso é o próprio fato de ele ter-se convertido ao cristianismo. O homem que o Papa João Paulo II escolheu para aclamar como defensor habilidoso da fé, só retornou à sua fé de infância quando atingiu a casa dos 30 anos. Em sua obra autobiográfica, “Surpreendido pela alegria”, Lewis descreve-se no dia em que caiu de joelhos e orou como "o mais abatido e relutante convertido de toda a Inglaterra".

A história da árdua peregrinação de Lewis é fascinante em si mesma, considerando-se o fato de ele haver-se tornado uma voz do pensamento cristão, bastante celebrada e de grande projeção. Os conflitos espirituais de Lewis, porém, ultrapassam o mero interesse biográfico: lançam uma nova luz sobre os caminhos que muitos outros, peregrinos têm de trilhar. As visões de mundo que ele apresenta é as questões que ele abraçou continuam ainda hoje sendo relevantes entre nós.

Escrito com muita clareza e fluência da linguagem, com um levantamento feito com muita seriedade sobre os detalhes da vida de C. S. Lewis. Uma saga que começa desde a infância, passando pelo ateísmo, sua jornada de volta ao cristianismo e a morte terminal. É interessante que o autor, não mediu esforços para mostrar que o verdadeiro sentido da vida de C.S. Lewis não foi a busca pela fama e o reconhecimento, mas o serviço para a honra e a glória do nome de Cristo, verdadeiro Autor e consumador da sua fé.
_______________
DOWNING, David. C. S. Lewis: o mais relutante dos convertidos. São Paulo, SP: Editora Vida, 2006. 208p.

terça-feira, 2 de junho de 2020

UMA CANÇÃO DE NATAL [Resenha 093/20]


O AUTOR - A cidade de Londres é o território ficcional de Charles Dickens, assim como o Rio de Janeiro é o de Machado de Assis, ou Dublin, o de James Joyce. Apesar de não ter nascido nem morrido nessa metrópole, Dickens viveu nela por mais de cinco décadas. Ao longo da vida. Charles Dickens ocupou diferentes posições nesse tabuleiro, participando de várias esferas da sociedade londrina. Dickens estava com 31 anos e era muitíssimo famoso, mas não tão rico e já publicara cinco das cerca de vinte obras-primas que iria compor em vida.


A ORIGEM DO LIVRO - O Natal estava chegando, e Dickens se sentia particularmente sensível e emotivo. Lamentava que essa época do ano houvesse perdido a importância que tivera nos tempos de sua infância. No turbilhão das mudanças que ocorriam — tanto em sua vida pessoal quanto na sociedade em geral —, a luta pela sobrevivência não deixava espaço para sentimentalismos. Todos estavam atarefados. Todos estavam atarefados. Sempre atrasados para cumprir agendas, estafados. Para piorar as coisas, Dickens não suportava caminhar pelas ruas observando tanta miséria: crianças magras e sujas pedindo esmolas, prostitutas doentes marcando ponto, velhos desamparados suspirando pelos cantos. Ele se perguntava por que os antigos valores (a solidariedade, a boa vontade, a boa vizinhança) haviam se tornado obsoletos.

Foi então que teve a ideia de criar uma história que pudesse comover as pessoas e, quem sabe, despertar nelas a solidariedade. Já era outubro, e a história tinha de ser publicada antes do Natal. Nesse curto período, ele escreveu o livro e agilizou as etapas de editoração e vendas. Uma canção de Natal foi publicado no dia 19 de dezembro. Até o Natal, 6 mil cópias haviam sido vendidas. Em maio do ano seguinte, já estava na sétima edição.

Contudo, os resultados alcançados superaram todas as expectativas de Dickens. As celebrações do Natal voltaram à moda. A ideia do "espírito natalino" como um momento de retomada das relações pessoais floresceu. Várias tradições foram recuperadas ou adotadas: as decorações nas casas e nas ruas, o encantamento com o cair da neve, os corais cantando canções de Natal e as ações beneficentes que visavam, ainda que fosse por um curto período por ano, garantir um pouco de conforto aos desvalidos.


O LIVRO - Uma canção de Natal foi a primeira das mais de vinte histórias de Natal que Dickens escreveu, algumas em parceria com outros autores. No centro de “Uma canção de Natal” temos a figura do sr. Scrooge, um homem velho, seco, sovina, duro, que não se deixa comover com o sofrimento alheio e que criou muros invisíveis que o protegem do resto da humanidade. Nos dias que antecedem o Natal, ele tem uma experiência sobrenatural, entrando em contato com quatro espíritos. O primeiro é uma alma penada, seu antigo sócio, o sr. Marley, que está morto há sete anos. Marley vem para mostrar a Scrooge os horrores pelos quais está passando e, principalmente, para alertá-lo; caso não consiga mudar radicalmente sua atitude diante da vida, essa triste sina estará reservada para ele também. Depois desse encontro alarmante, Scrooge passa um tempo com três espíritos guardiães, respectivamente o Fantasma dos Natais Passados, o Fantasma do Natal Presente e o Fantasma dos Natais Futuros.

Ao passar por essas experiências estranhas em uma realidade paralela, envolvendo uma alma penada e três espíritos guardiães, Scrooge finalmente percebe que, ao se fechar, perdeu mais do que ganhou. No final, somos sempre responsáveis tanto por nossos atos quanto por nossas omissões. Observando antecipadamente o final de sua vida patética, e os efeitos colaterais de tudo o que não fez, Scrooge se arrepende do pacto de mediocridade que selou com o destino, no qual um não incomodaria o outro.


O TÍTULO E TRADUÇÃO - Este título-já foi traduzido de várias formas para o português, como Uma história de Natal (por Ana Maria Machado), Um cântico de Natal (por Roberto Leal Ferreira), ou Um conto de Natal (por Carmen Seganfredo e Ademilson Franchini). Trata-se de diferentes soluções encontradas pelos respectivos tradutores. Nesta nova tradução, feita por Rodrigo Lacerda, o título é “Uma canção de Natal”. Uma história que pode ser lida em qualquer parte do ano, mas que precisa ser relida a cada novo Natal.
________________
DICKENS, Charles. Uma canção de natal (1ª Edição). São Paulo, SP: Penguin Classics Companhia das Letra, 2019.

A IGREJA DE CRISTO [Resenha 092/20]


A Bíblia é uma revelação, da parte de Deus, de verdades que tem ligação direta com o estado natural do homem, e da sua recuperação pela graça divina. Mas ela mais do que isso: ela também é uma revelação de verdades que dizem respeito às características e às condições dos homens que, reunidos numa sociedade de crentes, e que constituem um corpo coletivo, sustentam juntos a fé em Cristo. A diferença entre esses dois aspectos em que a Bíblia pode ser considerada assinala o ponto de transição entre a teologia Apologética e Doutrinária e a seção em que estamos prestes a entrar – ou seja, a natureza, a autoridade, e a organização da igreja cristã. Aos homens, individualmente, quer estejam em pecado quer estejam salvos, a Bíblia é uma comunicação da parte de Deus que lhes declara verdades e doutrinas por meio das quais, pela fé nelas exercida e por sua influência renovadora, podem ser, individualmente, resgatados da ruína espiritual da queda, e feitos participantes, por meio do Espírito Santo, da redenção completa e eterna. Mas igualmente para o corpo dos crentes, não individualmente, mas coletivamente, a Bíblia também é uma comunicação da parte de Deus, declarando-lhes verdade e doutrinas por meio da correta apresentação das quais podem tornar-se uma associação espiritual, com poderes divinamente autorizados e com ordenanças e cargos – uma testemunha visível e pública de Deus na terra, e um instrumento para a edificação do povo de Cristo.

Talvez haja poucos que confessam a Jesus Cristo como Autor e Consumador da sua fé que também não confessem, de uma forma ou de outra, ser ele o Fundador e o Cabeça de uma associação destinada a envolver todos os seus seguidores, e designada a permanecer para sempre. Os homens podem divergir grandemente quanto às suas noções do tipo de comunidade que Cristo na verdade estabeleceu; mas encontraremos poucos, se encontrarmos alguém, que negue que a cristandade foi designada para ser algo mais do que uma religião de indivíduos, sem ligação uns com os outros, sem se reunirem nalguma espécie de associação visível. A revelação de Deus contida na Bíblia, em seu aspecto primário e mais importante, é, de fato uma revelação para mim como individuo. A sua revelação do pecado e os anúncios do juízo, as suas notificações da graça e sua proclamação de um Salvador, a sua oferta de sangue expiatório em favor do culpado, e um Espírito regenerador que purifica a transgressão – isso tudo se dirige a mim individualmente; e se eu lido com isso tudo de alguma forma, preciso fazê-lo como se não existisse ninguém mais no mundo, além de mim mesmo e Deus. Sozinho com Deus, preciso entender a Bíblia como se fosse uma mensagem da parte de Deus para mim individualmente, à parte dos outros homens, e sentir a minha própria responsabilidade individual em recebê-la ou rejeitá-la. Mas a Bíblia não para aqui: ela trata com o homem, não apenas como uma unidade solitária em seu relacionamento com Deus, mas também como membro de uma sociedade espiritual, que se reúne em nome de Jesus. Ela não é um mero sistema de doutrinas que deve ser crido e de preceitos que devem ser observados por todo cristão., independentemente dos outros, e à parte dos outros: é um sistema de doutrinas e de preceitos projetado e adaptado para uma associação de cristãos. Essa harmonia e cooperação de pessoas que têm a mesma fé e o mesmo Salvador não é uma união acidental ou voluntária que se formou por si mesma: é uma união projetada de antemão, designada desde o início por Deus, e claramente indicada e requerida em cada página das Escrituras do Novo testamento. Há preceitos, na Bíblia, endereçados não aos crentes separadamente, mas aos crentes que se juntam numa associação corporativa; há obrigações que recaem sobre o corpo, e não sobre os homens que o compõem; há poderes designado à comunidade, aos quais os indivíduos da comunidade não têm acesso; há um governo, uma prescrição, um código de leis, um sistema de ordenanças e cargos descrito nas Escrituras, que não se aplicam senão à associação coletiva dos cristãos. Sem a existência de uma igreja, ou um corpo de crentes, em contraposição aos crentes individualmente, muito do que a Bíblia contém seria inteligível, e não teria aplicação prática nenhuma.

Há dois aspectos em que a igreja, como uma associação de crentes, em contraposição aos indivíduos crentes, é representada nas Escrituras, que nos ajudam a considerá-la de um importante e solene ponto de vista.

I. Em primeiro lugar, diz-se que a igreja é “o corpo de Cristo”, num sentido em que as palavras não podem ser aplicadas ao crente individual. Não se pode dizer a respeito de nenhum individuo cristão, por mais ricamente que seja capacitado com dons espirituais recebidos do Salvador, ser ele “o corpo de Cristo”. Mas num certo sentido, não igual ao sentido em que a natureza humana de Cristo era o seu corpo durante a sua vida terrena, podemos dizer que a igreja, e não os indivíduos, são agora o corpo de dele. E da mesma forma que a habitação do Filho de Deus naquela natureza humana de Cristo capacitou ricamente e exaltou gloriosamente tal natureza com todo tipo de graças espirituais e dons e poderes desconhecida aos indivíduos crentes, exalta e capacita a igreja com dons e graças e poderes que nenhum crente individualmente possui. A Igreja é “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”.

II. Em segundo lugar, as Escrituras dizem que a igreja é a residência ou o lugar terreno da habitação do Espírito, a terceira Pessoa da gloriosa divindade. Sem dúvida nenhuma é verdade que o Espírito de Deus habita em cada crente de forma individual, fazendo da alma e corpo deles o seu templo, e glorificando o lugar da sua presença com todas as graças celestiais e santas. Mas, acima e além disso, num sentido mais elevado que não se pode aplicar a nenhum crente de forma individual, o Espírito de Deus faz a sua habitação na igreja, enriquecendo-a com toda a plenitude de vida e poder e privilégio que nenhum crente pode receber ou conter individualmente. Como o corpo do Filho de Deus, como o lugar da habitação terrena do Espírito de Deus, a igreja, mais do que o cristão – a associação mais do o individuo – nos é apresentada como a mais alta e a mais gloriosa personificação e manifestação do poder divino e da graça sobre a face da terra. E é à associação, e não aos indivíduos que a compõem – à igreja e não aos seus membros individuais – que muito da linguagem da Bíblia se dirige.

É muito amplo e importante o campo de discussão que se abre quando consideramos a Bíblia como uma revelação de verdades referentes aos não como indivíduos, mas estruturados num corpo coletivo que constitui a igreja de Cristo. Isto compreende uma vasta variedade de assuntos, muitos dos quais são alvo das mais delicadas discussões e dificuldades na ampla extensão de assuntos tratados pela teologia. É um campo que, até agora, no que se refere a uma análise abrangente e separada, é comparativamente novo e inexplorado. Na verdade a maioria dos sistemas comuns de teologia fazem breve referência a ele, e alguns aspectos particulares do assunto têm sido mencionados, em maior ou menor extensão, em ocasiões específicas de controvérsia; contudo, como um todo, raramente o assunto tem sido tratado em profundidade e de forma sistemática.

Não foram pequenos os sentimentos de dúvida e receio quanto a minha própria capacidade de estar à altura dessa elevada tarefa que me assaltaram quando me dispus ao trabalho. Com a medida de habilidade que Deus me deu, e que a igreja me chamou para pôr em prática na cátedra desta faculdade, a que pertence a matéria da Doutrina da Igreja, tenho me esforçado em apresentar os princípios gerais de um assunto quase inteiramente novo nas preleções acadêmicas, um assunto que, de forma especial, é muito difícil.

Descobri que a tarefa é cheia de muitas e grandes dificuldades. Um dos maiores problemas é a inteira ausência de qualquer guia adequado – ou muitas vezes a inteira ausência de qualquer guia que seja – para ajudar-me no desenvolvimento do meu percurso e na formação de minhas opiniões com respeito ao meu assunto. Em grande medida, fui obrigado a formar essas opiniões por conta própria, e precisei tornar-me um aprendiz antes que pudesse ensinar; e, a respeito desse tipo de assunto, ser dogmático seria o próprio reverso da sabedoria.

Sentir-me-ei mais do que recompensado pelo tempo e esforço gastos com esse assunto vasto e difícil se eu tiver sido capacitado, embora talvez em pouca medida, a transmitir algum conhecimento das verdades, ou a sugerir alguns dos princípios, ou mesmo a despertar algum interesse na discussão de um setor da teologia a respeito do qual uma inteira familiaridade é essencial para aqueles que esperam ocupar, ou que já ocupam, o lugar honroso, mas de muita responsabilidade, daqueles a quem foi confiada a obra do ministério na igreja do Senhor Jesus Cristo. [p.23-26]


SINOPSE DO LIVRO

A publicação desta obra sobre doutrina da Igreja, do Rev. James Bannerman (1807-1868), deve ser de grande utilidade para a Igreja Presbiteriana do Brasil. James Bannerman era filho do Rev. James Patrick Bannerman, ministro em Cargill, Perthshire, Escócia. Ele nasceu em 9 de abril de 1807, estudou na Universidade de Edimburgo e foi ordenado ministro da Igreja da Escócia em 1833. Assumiu um papel de liderança na divisão da Igreja da Escócia que gerou a Igreja Livre da Escócia, em 1843. Em 1849 ele foi nomeado professor de Apologética e Teologia Pastoral no New College, em Edimburgo, uma posição que ocupou até sua morte, em 27 de março de 1868. Entre suas publicações temos: Inspiration: the Infallible Truth and Divine Authority of the Holy Scriptures [Inspiração: a verdade infalível e divina autoridade das Escrituras] (1865), e sua obra sobre a Igreja, que foi editada por seu filho e publicada após sua morte, em 1868.

Como é frequente nesses casos, conflitos na Igreja produzem maior clareza sobre determinados tópicos sob debate. O envolvimento de Bannerman na divisão da igreja da Escócia para formar a Igreja Livre, sem dúvidas, fez com que ele formulasse sua doutrina da Igreja com grande cuidado, o que é refletido neste livro. Esta obra se tornou um texto clássico para a compreensão presbiteriana e reformada sobre a Igreja. Ela deve provar ser muito útil para os presbiterianos do Brasil que a tenham como texto padrão sobre a Igreja para aprofundar a compreensão bíblica desse assunto. Ela é digna de ser considerada como livro-texto padrão para seminários na área de Eclesiologia.

“A Igreja de Cristo”, de James Bannerman, é o tratamento mais exemplar, abrangente, sólido, e reformado da doutrina da igreja já escrito. É indisputavelmente o clássico sobre o assunto. Todo ministro e presbítero deve ter uma cópia desse livro, e os membros da igreja estariam muito melhor informados se o lessem cuidadosamente. Quantos problemas seriam dirimidos se as igrejas usassem Bannerman como seu manual primário para o entendimento do que é a igreja e como ela funciona! — JOEL BEEKE

Na história do pensamento presbiteriano sobre a igreja, o teólogo da Igreja Livre da Escócia no século dezenove, James Bannerman, é um gigante. Sua grande obra, A Igreja de Cristo, é talvez o mais minucioso exame bíblico, teológico e histórico já escrito da doutrina presbiteriana da igreja. Se você está à procura de uma declaração de princípios presbiterianos ou de uma discussão aprofundada de questões tais como a natureza e extensão do poder da igreja, esse livro é para você. Ele deveria ser leitura obrigatória para cada oficial presbiteriano e para todo candidato ao ofício. — CARL TRUEMAN

Para aqueles que desejam estudar a doutrina da Igreja em seus vários aspectos e uma vez que foi realizada pela maioria dos Reformadores, Puritanos, Covenanters e líderes da "Terceira Reforma", isso irá provar ser um livro de valor inestimável.
__________________________
James Bannerman. A Igreja de Cristo: um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da igreja cristã. (Vol 1 e 2). Os Puritanos. 2014. 928p.