segunda-feira, 18 de maio de 2020

A PESTE [Resenha 081/20]


“A Peste’ chegou a 96 mil exemplares. Fez mais vítimas do que eu podia imaginar.” O comentário irônico de Albert Camus está numa mensagem que ele enviou em setembro de 1947 a seu editor. Quatro meses depois do lançamento, o romance havia transformado em fenômeno editorial um escritor até então celebrado só nos círculos intelectuais parisienses, como autor de “O Estrangeiro” e de “O Mito de Sísifo”. Naquele momento, nenhuma epidemia assolava a França. O sucesso do livro se devia a seu caráter simbólico — a cidade argelina de Oran tomada pela peste era uma clara alegoria da Europa sitiada pelos nazistas, um flagelo vivo na memória dos primeiros leitores.

A peste é escrita no período pós-guerra mundial — onde um mundo estava completamente imerso numa melancolia e angústia descomunal. O fio condutor desta novela dá-se através de um vírus que se dissemina de forma incontrolável de animais (ratos) para humanos — bem como em outrora conhecida como Peste Negra. O livro traz consigo uma narrativa a partir do ponto de vista do Dr. Bernard Rieux, o qual vai descrevendo os sucessivos e subsequentes acontecimentos catastróficos de uma epidemia que acomete a cidade de Oran, situada na costa de Argélia (que na época era uma colônia francesa).

Dois aspectos são importantes. Primeiro esse livro estonteante é uma clara e direta crítica ao nazismo e à ocupação militar alemã, que humilhou e subjugou os franceses. Camus participou da Resistência, grupo que se insurgia contra os alemães que ocupavam Paris. Escrito ao longo da guerra, com a expectativa que de que a aflição passasse um dia, A peste é uma lembrança de que o pior sofrimento um dia se acaba. Noites são escuras. Mas não são eternas. A peste é também discurso contra qualquer forma de opressão humana, da qual o nazismo revelava-se como a mais opressiva de todas. A peste é ainda atitude de incredulidade para com o absurdo, contra o qual conduz revolta necessária e libertadora.

Segundo. A Peste é uma obra literatura com panos de fundo existencialistas, uma vez que a narrativa explora sentimentos, emoções e reflexões humanas, centralizando-se especificamente na situação do indivíduo que confronta-se com inquietações interiores, com inseguranças e com incertezas. Este livro apresenta a vida sob uma perspectiva absurda que destaca-se a falta de sentido e a ausência de suportes concretos que forneçam respostas concisas e confortáveis.

Camus concluiu esse desesperado livro lembrando que o bacilo da peste não morre e não desaparece. Avisou-nos que o bacilo da peste fica “dezenas de anos a dormir nos móveis e nas roupas”. Ainda, advertiu que a peste “espera com paciência nos quartos, nos porões, nas malas, nos papeis, nos lenços”. E quando volta, “para nossa desgraça, manda os ratos morrerem numa cidade feliz”.
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CAMUS, Albert. A Peste. Lisboa, Portugal. Editora Livros do Brasil (O livro não tem ano de publicação). 334p.

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