sexta-feira, 27 de março de 2020

O PRAZER EM PENSAR [Resenha 036/20]


Os livros garimpados da biblioteca de Dalrymple contam casos curiosos não com as histórias dos textos originais que carregam, mas com a sua própria trajetória. São elas que fazem o pensamento do autor viajar e trazer à tona, em seu estilo instigante, memórias e observações críticas sobre literatura, história, política, filosofia, medicina, sociedade, viagens etc.

Por meio de uma série de histórias sobre anotações feitas à mão, cartas esquecidas e frases sublinhadas, Theodore Dalrymple conduz o leitor pelos prazeres e surpresas que certos livros especiais de sua biblioteca pessoal guardam. Em capítulos curtos, essas trajetórias são acompanhadas suas próprias memórias e apontamentos críticos sobre os mais diversos assuntos em seu estilo já conhecido do leitor.

Theodore Dalrymple é um dos pseudônimos de Anthony Daniels, um respeitado psiquiatra britânico que já escreveu mais de vinte livros sobre medicina, política, arte, educação e cultura contemporânea. Neste livro estão reunidos trinta e três ensaios curtos, muito bem escritos, sobre as associações, divagações e insights que Dalrymple produziu a partir de alguns dos livros de sua biblioteca. A escolha não é aleatória. Ele parece escolher livros relacionados aos temas que lhe são mais caros. O tom é biográfico, mas o objeto da história é antes os livros e os assuntos derivados deles do que propriamente a vida do autor. O sujeito viaja, frequenta sebos, conversa com livreiros. É um médico curioso pelo mundo, um dublê de sociólogo que investiga o comportamento humano, sempre disciplinado e atento, tentando ordenar o que aprende e pensa.

Veja o que ele escreve: “Encontramos coisas em livros velhos: principalmente insetos mumificados, é claro, mas também manchas de sangue, flores secas prensadas, bilhetes velhos de ônibus, listas de compras, fichas de embarque, orçamentos de consertos a serem feitos, contas de açougue, marcadores de página de livros anunciando seguros de vida, festivais de arte e livrarias e alguns chegam a chamar o leitor para a fé e o arrependimento”. [p.23]

Para finalizar: “Agradáveis descobertas feitas por acaso são um dos maiores prazeres de folhear livros, e nada substitui a sensação de poder ter um livro físico nas mãos. […] A alegria de descobrir algo que não sabíamos existir e que está profunda e inesperadamente conectado a algo que nos interessa no momento é uma das recompensas de folhear livros ao acaso, uma recompensa desconhecida para aqueles que têm uma visão apenas instrumental das livrarias, indo embora delas assim que descobrem que o livro que desejam não está disponível”.
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THEODORE, Dalrymple. O prazer de pensar. São Paulo, SP: É Realizações, 2016. 208p.

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