terça-feira, 2 de junho de 2020

A IGREJA DE CRISTO [Resenha 092/20]


A Bíblia é uma revelação, da parte de Deus, de verdades que tem ligação direta com o estado natural do homem, e da sua recuperação pela graça divina. Mas ela mais do que isso: ela também é uma revelação de verdades que dizem respeito às características e às condições dos homens que, reunidos numa sociedade de crentes, e que constituem um corpo coletivo, sustentam juntos a fé em Cristo. A diferença entre esses dois aspectos em que a Bíblia pode ser considerada assinala o ponto de transição entre a teologia Apologética e Doutrinária e a seção em que estamos prestes a entrar – ou seja, a natureza, a autoridade, e a organização da igreja cristã. Aos homens, individualmente, quer estejam em pecado quer estejam salvos, a Bíblia é uma comunicação da parte de Deus que lhes declara verdades e doutrinas por meio das quais, pela fé nelas exercida e por sua influência renovadora, podem ser, individualmente, resgatados da ruína espiritual da queda, e feitos participantes, por meio do Espírito Santo, da redenção completa e eterna. Mas igualmente para o corpo dos crentes, não individualmente, mas coletivamente, a Bíblia também é uma comunicação da parte de Deus, declarando-lhes verdade e doutrinas por meio da correta apresentação das quais podem tornar-se uma associação espiritual, com poderes divinamente autorizados e com ordenanças e cargos – uma testemunha visível e pública de Deus na terra, e um instrumento para a edificação do povo de Cristo.

Talvez haja poucos que confessam a Jesus Cristo como Autor e Consumador da sua fé que também não confessem, de uma forma ou de outra, ser ele o Fundador e o Cabeça de uma associação destinada a envolver todos os seus seguidores, e designada a permanecer para sempre. Os homens podem divergir grandemente quanto às suas noções do tipo de comunidade que Cristo na verdade estabeleceu; mas encontraremos poucos, se encontrarmos alguém, que negue que a cristandade foi designada para ser algo mais do que uma religião de indivíduos, sem ligação uns com os outros, sem se reunirem nalguma espécie de associação visível. A revelação de Deus contida na Bíblia, em seu aspecto primário e mais importante, é, de fato uma revelação para mim como individuo. A sua revelação do pecado e os anúncios do juízo, as suas notificações da graça e sua proclamação de um Salvador, a sua oferta de sangue expiatório em favor do culpado, e um Espírito regenerador que purifica a transgressão – isso tudo se dirige a mim individualmente; e se eu lido com isso tudo de alguma forma, preciso fazê-lo como se não existisse ninguém mais no mundo, além de mim mesmo e Deus. Sozinho com Deus, preciso entender a Bíblia como se fosse uma mensagem da parte de Deus para mim individualmente, à parte dos outros homens, e sentir a minha própria responsabilidade individual em recebê-la ou rejeitá-la. Mas a Bíblia não para aqui: ela trata com o homem, não apenas como uma unidade solitária em seu relacionamento com Deus, mas também como membro de uma sociedade espiritual, que se reúne em nome de Jesus. Ela não é um mero sistema de doutrinas que deve ser crido e de preceitos que devem ser observados por todo cristão., independentemente dos outros, e à parte dos outros: é um sistema de doutrinas e de preceitos projetado e adaptado para uma associação de cristãos. Essa harmonia e cooperação de pessoas que têm a mesma fé e o mesmo Salvador não é uma união acidental ou voluntária que se formou por si mesma: é uma união projetada de antemão, designada desde o início por Deus, e claramente indicada e requerida em cada página das Escrituras do Novo testamento. Há preceitos, na Bíblia, endereçados não aos crentes separadamente, mas aos crentes que se juntam numa associação corporativa; há obrigações que recaem sobre o corpo, e não sobre os homens que o compõem; há poderes designado à comunidade, aos quais os indivíduos da comunidade não têm acesso; há um governo, uma prescrição, um código de leis, um sistema de ordenanças e cargos descrito nas Escrituras, que não se aplicam senão à associação coletiva dos cristãos. Sem a existência de uma igreja, ou um corpo de crentes, em contraposição aos crentes individualmente, muito do que a Bíblia contém seria inteligível, e não teria aplicação prática nenhuma.

Há dois aspectos em que a igreja, como uma associação de crentes, em contraposição aos indivíduos crentes, é representada nas Escrituras, que nos ajudam a considerá-la de um importante e solene ponto de vista.

I. Em primeiro lugar, diz-se que a igreja é “o corpo de Cristo”, num sentido em que as palavras não podem ser aplicadas ao crente individual. Não se pode dizer a respeito de nenhum individuo cristão, por mais ricamente que seja capacitado com dons espirituais recebidos do Salvador, ser ele “o corpo de Cristo”. Mas num certo sentido, não igual ao sentido em que a natureza humana de Cristo era o seu corpo durante a sua vida terrena, podemos dizer que a igreja, e não os indivíduos, são agora o corpo de dele. E da mesma forma que a habitação do Filho de Deus naquela natureza humana de Cristo capacitou ricamente e exaltou gloriosamente tal natureza com todo tipo de graças espirituais e dons e poderes desconhecida aos indivíduos crentes, exalta e capacita a igreja com dons e graças e poderes que nenhum crente individualmente possui. A Igreja é “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”.

II. Em segundo lugar, as Escrituras dizem que a igreja é a residência ou o lugar terreno da habitação do Espírito, a terceira Pessoa da gloriosa divindade. Sem dúvida nenhuma é verdade que o Espírito de Deus habita em cada crente de forma individual, fazendo da alma e corpo deles o seu templo, e glorificando o lugar da sua presença com todas as graças celestiais e santas. Mas, acima e além disso, num sentido mais elevado que não se pode aplicar a nenhum crente de forma individual, o Espírito de Deus faz a sua habitação na igreja, enriquecendo-a com toda a plenitude de vida e poder e privilégio que nenhum crente pode receber ou conter individualmente. Como o corpo do Filho de Deus, como o lugar da habitação terrena do Espírito de Deus, a igreja, mais do que o cristão – a associação mais do o individuo – nos é apresentada como a mais alta e a mais gloriosa personificação e manifestação do poder divino e da graça sobre a face da terra. E é à associação, e não aos indivíduos que a compõem – à igreja e não aos seus membros individuais – que muito da linguagem da Bíblia se dirige.

É muito amplo e importante o campo de discussão que se abre quando consideramos a Bíblia como uma revelação de verdades referentes aos não como indivíduos, mas estruturados num corpo coletivo que constitui a igreja de Cristo. Isto compreende uma vasta variedade de assuntos, muitos dos quais são alvo das mais delicadas discussões e dificuldades na ampla extensão de assuntos tratados pela teologia. É um campo que, até agora, no que se refere a uma análise abrangente e separada, é comparativamente novo e inexplorado. Na verdade a maioria dos sistemas comuns de teologia fazem breve referência a ele, e alguns aspectos particulares do assunto têm sido mencionados, em maior ou menor extensão, em ocasiões específicas de controvérsia; contudo, como um todo, raramente o assunto tem sido tratado em profundidade e de forma sistemática.

Não foram pequenos os sentimentos de dúvida e receio quanto a minha própria capacidade de estar à altura dessa elevada tarefa que me assaltaram quando me dispus ao trabalho. Com a medida de habilidade que Deus me deu, e que a igreja me chamou para pôr em prática na cátedra desta faculdade, a que pertence a matéria da Doutrina da Igreja, tenho me esforçado em apresentar os princípios gerais de um assunto quase inteiramente novo nas preleções acadêmicas, um assunto que, de forma especial, é muito difícil.

Descobri que a tarefa é cheia de muitas e grandes dificuldades. Um dos maiores problemas é a inteira ausência de qualquer guia adequado – ou muitas vezes a inteira ausência de qualquer guia que seja – para ajudar-me no desenvolvimento do meu percurso e na formação de minhas opiniões com respeito ao meu assunto. Em grande medida, fui obrigado a formar essas opiniões por conta própria, e precisei tornar-me um aprendiz antes que pudesse ensinar; e, a respeito desse tipo de assunto, ser dogmático seria o próprio reverso da sabedoria.

Sentir-me-ei mais do que recompensado pelo tempo e esforço gastos com esse assunto vasto e difícil se eu tiver sido capacitado, embora talvez em pouca medida, a transmitir algum conhecimento das verdades, ou a sugerir alguns dos princípios, ou mesmo a despertar algum interesse na discussão de um setor da teologia a respeito do qual uma inteira familiaridade é essencial para aqueles que esperam ocupar, ou que já ocupam, o lugar honroso, mas de muita responsabilidade, daqueles a quem foi confiada a obra do ministério na igreja do Senhor Jesus Cristo. [p.23-26]


SINOPSE DO LIVRO

A publicação desta obra sobre doutrina da Igreja, do Rev. James Bannerman (1807-1868), deve ser de grande utilidade para a Igreja Presbiteriana do Brasil. James Bannerman era filho do Rev. James Patrick Bannerman, ministro em Cargill, Perthshire, Escócia. Ele nasceu em 9 de abril de 1807, estudou na Universidade de Edimburgo e foi ordenado ministro da Igreja da Escócia em 1833. Assumiu um papel de liderança na divisão da Igreja da Escócia que gerou a Igreja Livre da Escócia, em 1843. Em 1849 ele foi nomeado professor de Apologética e Teologia Pastoral no New College, em Edimburgo, uma posição que ocupou até sua morte, em 27 de março de 1868. Entre suas publicações temos: Inspiration: the Infallible Truth and Divine Authority of the Holy Scriptures [Inspiração: a verdade infalível e divina autoridade das Escrituras] (1865), e sua obra sobre a Igreja, que foi editada por seu filho e publicada após sua morte, em 1868.

Como é frequente nesses casos, conflitos na Igreja produzem maior clareza sobre determinados tópicos sob debate. O envolvimento de Bannerman na divisão da igreja da Escócia para formar a Igreja Livre, sem dúvidas, fez com que ele formulasse sua doutrina da Igreja com grande cuidado, o que é refletido neste livro. Esta obra se tornou um texto clássico para a compreensão presbiteriana e reformada sobre a Igreja. Ela deve provar ser muito útil para os presbiterianos do Brasil que a tenham como texto padrão sobre a Igreja para aprofundar a compreensão bíblica desse assunto. Ela é digna de ser considerada como livro-texto padrão para seminários na área de Eclesiologia.

“A Igreja de Cristo”, de James Bannerman, é o tratamento mais exemplar, abrangente, sólido, e reformado da doutrina da igreja já escrito. É indisputavelmente o clássico sobre o assunto. Todo ministro e presbítero deve ter uma cópia desse livro, e os membros da igreja estariam muito melhor informados se o lessem cuidadosamente. Quantos problemas seriam dirimidos se as igrejas usassem Bannerman como seu manual primário para o entendimento do que é a igreja e como ela funciona! — JOEL BEEKE

Na história do pensamento presbiteriano sobre a igreja, o teólogo da Igreja Livre da Escócia no século dezenove, James Bannerman, é um gigante. Sua grande obra, A Igreja de Cristo, é talvez o mais minucioso exame bíblico, teológico e histórico já escrito da doutrina presbiteriana da igreja. Se você está à procura de uma declaração de princípios presbiterianos ou de uma discussão aprofundada de questões tais como a natureza e extensão do poder da igreja, esse livro é para você. Ele deveria ser leitura obrigatória para cada oficial presbiteriano e para todo candidato ao ofício. — CARL TRUEMAN

Para aqueles que desejam estudar a doutrina da Igreja em seus vários aspectos e uma vez que foi realizada pela maioria dos Reformadores, Puritanos, Covenanters e líderes da "Terceira Reforma", isso irá provar ser um livro de valor inestimável.
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James Bannerman. A Igreja de Cristo: um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da igreja cristã. (Vol 1 e 2). Os Puritanos. 2014. 928p.

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