sexta-feira, 12 de junho de 2020

QUINCAS BORBA [Resenha 098/20]


Publicado em 1891, entre o lançamento de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de 1881, e Dom Casmurro, de 1899, trilogia que inovou a literatura brasileira, introduzindo o Realismo. Nesse romance, Machado de Assis mostra pleno domínio da escrita. Constrói situações e personagens inesquecíveis, como Sofia e Rubião, transitando pelo trágico e pelo cômico com toda a maestria. É um dos pontos altos do romance brasileiro, escrito com sensibilidade, inteligência e talento raro em qualquer tempo e lugar.

O primeiro parágrafo do primeiro capítulo de Quincas Borba é um convite à leitura. Machado de Assis introduz nas primeiras linhas a história do professor de Barbacena que inesperadamente recebe a herança do amigo Quincas Borba, um filósofo cuja morte é descrita em Memórias Póstumas de Brás Cubas. A fortuna vem com a incumbência do herdeiro de cuidar do cachorro Quincas Borba, o mesmo nome do dono. Na condição de novo-rico, ele começa a alimentar sonhos de grandeza e torna-se vítima tanto da sua própria ambição e da sua imaginação desenfreada como da avidez e da crueldade dos falsos amigos que o cercam.

Este romance possibilita vários níveis de leitura.

(1) há a história do triângulo formado por Rubião e pelo casal Cristiano e Sofia Palha, que se baseia na sedução de Rubião por Sofia e no adultério que não se realiza. O casal Palha é movido pela ambição material e pelo desejo da ascensão social.

(2) outro nível a ser observado é a história dos usos do amor e da sedução para fins de exploração moral e material do outro. E assim se dá, porque depois de ter toda sua fortuna sugada pelo casal Palha e por outros falsos amigos, Rubião é descartado por todos.

(3) há ainda mais um nível de leitura a ser examinado. O leitor pode atentar para as conexões entre esse enredo e a circunstância histórica e social do Brasil da segunda metade do século 19, já que o casal Palha encarna os valores de uma nova ordem, a do capital financeiro. Cristiano Palha é caraterizado como ‘zangão da praça’, um tipo de especulador financeiro, que surge no Brasil num momento em que a escravidão continua em plena vigência. Ou seja, o romance, cuja ação se passa entre 1867 e 1871, pode, e acho que pede, para ser lido como uma crítica à conjunção terrível entre novas e velhas formas de exploração.

Finalmente, o romance também mostra, o processo de depauperação e enlouquecimento de Rubião. Ao final, ele retorna a Barbacena, material e moralmente destruído, coroando-se imperador antes de morrer ao lado de seu cachorro, Quincas Borba, que foi tudo o que lhe restou.

Concluindo, o romance é muito atual na medida em que mostra como os indivíduos se relacionam uns com os outros como coisas, números, cifras e, mais recentemente, como algoritmos”. A combinação disso com outras modalidades de exploração e violência ainda tem muito a dizer nos dias atuais.
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ASSIS, Machado de. Quincas Borba. Jandira, SP: Princípis, 2019. 240p.

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