domingo, 5 de julho de 2020

ORTODOXIA [Resenha 111/20]


Certa vez um jornalista perguntou a G. K. Chesterton qual o único livro que gostaria de ter caso fosse parar numa ilha deserta. Depois de uma pequena pausa, Chesterton respondeu: “Já sei: Guia prático para a construção de navios”. Fora a Bíblia, se eu tivesse de escolher um único livro em situação semelhante, é bem provável que seria Ortodoxia, a autobiografia espiritual de Chesterton. Mas, na verdade trata-se de uma popular obra em defesa intelectual do Cristianismo, que continua atual mesmo após atravessar o conturbado século XX.

Publicado em 1908, Ortodoxia foi resposta à observação de G.S. Street de que sua obra “Hereges” só continha críticas ao pensamento alheio, sem defender nada no lugar. A coletânea de nove ensaios, à primeira vista desconexos, se revelam partes integrantes de um intricado argumento. Ao apresentar seu ponto de vista, Chesterton não apela somente à lógica, mas emprega copiosamente frases de efeitos ou exemplos -– desde alusões à Cinderela até Alice no País das Maravilhas –- que evocam imagens com refinado senso estético. Justificando sua crença pessoal, a premissa central do livro é a busca de sentido na vida. Dessa forma, mesmo para o não religioso, o livro é um sumário claro de diversas posições e pensamentos, ou “filosofias”, como Chesterton os trata.

É exatamente isso que ele escreve no prefácio do livro: “Este livro foi escrito para ser lido como complemento a Hereges e mostrar o lado positivo além do negativo. Muitos críticos se queixaram daquele livro dizendo que ele simplesmente criticava as filosofias correntes sem oferecer nenhuma filosofia alternativa. Este livro é uma tentativa de responder a esse desafio.

Portanto, Ortodoxia não é tão somente uma defesa aos princípios cristãos. Neste livro, Chesterton vai muito além das questões da fé, da filosofia, do cristianismo ou de uma autobiografia. Este livro é o próprio Chesterton em páginas. Em Ortodoxia, Chesterton resgata as idéias de ilustres homens da sua época e lança luz a escuridão para os que caminham longe da fé. Com a sua forma de argumentar permeada de analogias, aprofunda nos problemas humanos tantos quanto busca nos estudos deste a compreensão da sua própria vida.

Chesterton, escreveu mais de cem livros, e morri de inveja quando ouvi que ele ditava quase tudo para sua secretária, e que praticamente não precisava revisar o que havia criado.

Um jornal londrino promoveu extenso debate entre Chesterton e Robert Blatchford, editor de um periódico socialista. O resultado desse embate foi a publicação de Ortodoxia e de várias outras obras de apologética cristã. Quando Blatchford citava as razões pelas quais não conseguia aceitar o cristianismo, Chesterton sempre respondia com uma refutação vigorosa e bem-humorada, que acabava virando de ponta cabeça os argumentos do oponente: “Se eu oferecesse todas as minhas razões para ser cristão, a grande maioria seria exatamente as razões que o senhor Blatchford daria para não o ser”.

G. K. Chesterton conseguia apresentar a fé cristã com mais humor, bom ânimo e força intelectual do que qualquer outro no século passado. Com o mesmo zelo de um soldado em defesa do último reduto, ele encarava feras como Shaw, H. G. Wells, Sigmund Freud, Karl Marx e qualquer outro que ousasse explicar o mundo sem considerar Deus e sua Encarnação. T. S. Eliot julgou que Chesterton “fez mais — penso eu — que qualquer de seus contemporâneos para sustentar a existência dessa minoria importante para o mundo moderno”.
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CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. Jandira, SP: Principis, 2019. 208p.

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