sábado, 28 de dezembro de 2019

COMO SER UM CONSERVADOR [Resenha]


 “Como ser um conservador” apresenta e investiga a visão conservadora em relação ao nacionalismo, ao socialismo, ao capitalismo, ao liberalismo, ao multiculturalismo, ao ambientalismo e ao internacionalismo, entre outros “ismos”. Ainda que se possa discordar de suas ideias, é inegável que o livro propõe de forma inteligente debates indispensáveis sobre o mundo em que vivemos hoje e sobre as escolhas que somos obrigados a fazer, tanto no plano teórico das esferas de valor quanto no plano das questões práticas, que afetam diretamente o nosso futuro e a nossa qualidade de vida. 

Ilustrando a tese (do historiador do socialismo Robert Conquest) de que “todo mundo é de direita nos assuntos que conhece”, Scruton conta, por exemplo, como seu pai, um operário filiado ao Partido Trabalhista, era extremamente conservador em relação aos valores e modos de vida da zona rural onde cresceu.
O livro é surpreendente, por vários motivos.

O primeiro deles é que eu já havia lido os seus livros “O que é Conservadorismo” (1980) e “Pensadores da Nova Esquerda” (1986), publicados pela É Realizações, e achei que esta nova obra, de 2014, seria um “remake” ou um aprofundamento, notadamente daquela de 1980. Puro engano...

O segundo é que Roger Scruton escreve hoje muito melhor do que antes e agora conta com uma tradução à altura. Tudo está bem claro e as várias notas do tradutor ajudam o leitor brasileiro a desvendar certas particularidades do ambiente anglo-americano, que é o foco da análise da perspectiva conservadora promovida por Scruton, tornando a leitura muito mais dinâmica do que a das outras obras mencionadas.

O terceiro motivo é que Scruton não apenas elabora capítulos sóbrios e bem construídos sobre as verdades do nacionalismo, do socialismo, do capitalismo, do liberalismo, do multiculturalismo, do ambientalismo, do internacionalismo e do próprio conservadorismo, culminando com uma avaliação dura e cativante das esferas de valor, ou seja, o cerne do pensamento conservador. Antes disso tudo ocorrer, ele inicia o livro nos mostrando dois capítulos extremamente “íntimos”, contando sua trajetória e sua vida familiar, notadamente sua relação com Jack Scruton, seu pai, o que é coisa rara de se ver num filósofo “made in britain” como ele.

O quarto motivo diz respeito em relação ao debate econômico, Scruton é um crítico severo do continuado declínio cultural e econômico que resulta do ideal de se alcançar uma sociedade nova e igualitária em que todos teriam o mesmo (ou seja, coisa nenhuma). Ele afirma que, em países que almejam a riqueza e o desenvolvimento, a figura mais importante não é o administrador, mas o empreendedor (outra palavra que, na prática, ganhou um sentido pejorativo no Brasil) – isto é, aquele que assume e enfrenta os riscos de produzir riqueza. Segundo o autor, a ideia do Estado como uma figura paterna benigna, que aloca de forma eficiente os ativos coletivos da sociedade para o lugar onde são necessários “e que está sempre presente para nos retirar da pobreza, da doença ou do desemprego” é uma ilusão, que não foi aprovada no teste da realidade. E isso por um motivo muito simples: por mais que um governo seja competente em matéria de distribuição (o que já é difícil), não se pode distribuir uma riqueza sem que existam as condições para criá-la.

Scruton atesta, com menção explícita aos grandes austríacos Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek, é que “a propriedade privada e as trocas voluntárias são características necessárias de qualquer economia de grande escala”, elementos indispensáveis para as sociedades em que pessoas são dependentes de outras, inteiramente desconhecidas, a fim de que haja “coordenação econômica”. Scruton ressalta a crítica austríaca ao cálculo de preços no socialismo, a partir da consciência de que o conhecimento necessário à atividade econômica está disperso na sociedade e não pode ser concentrado em mãos de um poder centralizado, disposto a um planejamento que, fatalmente, se torna tirânico e ineficaz. Com base em Hume, Adam Smith, Burke e Oakeshott, Scruton vê na interação de uma ordem legal e uma economia de mercado, não nascidas de um planejamento racional central, mas do seio livre da própria sociedade através dessa ordem espontânea, o melhor caminho que, se eventualmente está degradado, em boa medida isso seria “resultado da interferência estatal”, sendo, “por certo, improvável ser por ela solucionada (essa degradação)”.

Atacando a teoria ingênua – ou criminosa – de que o socialismo se utiliza para sustentar o agigantamento do Estado, Scruton lembra que esse mesmo Estado “cria renda sobre os ganhos dos pagadores de impostos e a oferece aos seus clientes privilegiados”, criando-se assim, em alguns países, uma nova “classe do ócio”, que se ancoraria no restante da sociedade para se sustentar. Não soa familiar? Na visão de Scruton, a maior falácia presente no socialismo é a visão da vida em sociedade como “aquela em que todo sucesso de um é o resultado do fracasso de outrem”. Essa percepção estúpida do processo de geração de riquezas fica clara na célebre frase de outro conservador britânico, Winston Churchill, que define o socialismo como “a filosofia do fracasso, o credo da ignorância e o Evangelho da inveja”.

Depois, já em ritmo de conclusão, ele aponta várias questões práticas que ficam como um retrato da nossa conturbada época e como os valores conservadores podem ajudar o mundo a sair desse mato sem cachorro em que se meteu.

Ao final, no magistral último capítulo, denominado “uma despedida: impedir o pranto mas admitir a perda”, Roger Scruton faz uma mescla perfeita entre os valores do conservadorismo, a defesa da religião, da educação, da família e como a cristandade trata a perda de uma forma que nunca havia me ocorrido pensar antes, tudo isso mesclado com extremo conhecimento sobre arquitetura, arte, beleza, política, filosofia.
___________________
SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. Rio de Janeiro: Record, 2015.

Nenhum comentário: