Bento Santiago se dispõe a narrar a história de sua vida. Trata-se de um homem na casa dos 60 anos, que, supostamente, teria muito o que contar. No entanto, desde logo fica evidente que seu interesse pela própria biografia tem um foco bastante dirigido: o relacionamento com a jovem Capitu, a vizinha que viria a ser o grande amor de sua vida. Por isso, o espaço dedicado à infância é insignificante, assim como aquele que trata mais diretamente da velhice. Os marcos temporais da narrativa e o âmbito de interesse do autor são limitados pelo período que vai da adolescência, quando tem início seu relacionamento amoroso, até a idade adulta, marcada pela traição da amada.
Os personagens são reais e complexos e despertam a atenção e curiosidade do leitor. Apesar de ser narrado por Bentinho, a personagem principal do livro é a bonita e misteriosa Capitu. Todos os acontecimentos e conflitos de alguma forma estão ligados a ela, sendo a moça dona de olhos descritos como “de cigana oblíqua e dissimulada”, Capitu mexe não só com os personagens, mas também como o próprio leitor. Inteligente e sedutora, Capitu é uma personagem que sabe o que quer e como conseguir, mostrando assim uma personalidade completamente contrária a de Bentinho. Indeciso, tímido e medroso, nosso narrador é um personagem influenciável e dono de uma imaginação muito fértil, além de um ciúme quase doentio. Desde pequeno, Bentinho se mostra loucamente apaixonada por sua vizinha Capitu, sendo capaz de fazer qualquer coisa por ela. Mas, esse amor imenso que ele sente é corroído aos poucos pela suspeita da traição, teria Capitu o traído com seu melhor amigo, Escobar? A dúvida permanece durante todo livro, não sendo negada ou confirmada no desfecho da obra.
Machado de Assis conseguiu como poucos desentranhar dos acontecimentos políticos de seu tempo o significado humano mais profundo. Assim, o ambiente aparentemente pacífico da vida institucional brasileira da segunda metade do século XIX escondia a violência da escravidão e do sistema de troca de favores que norteava a relação entre ricos e pobres. Ao falar do Brasil, Machado desnudava o ser humano em sua miséria moral. E construía a obra mais genial de nossa literatura.
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ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Jandira, SP: Ciranda Cultural, 2019. 208p.
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