Milan Kundera é um autor tcheco. Nascido no seio da erudita família de classe-média do senhor Ludvik Kundera (1891-1971), um pupilo do compositor Leoš Janáček e um importante musicólogo e pianista, o cabeça da Academia Musical de Brno de 1948 à 1961. Kundera aprendeu a tocar piano com seu pai. Posteriormente, ele também estudou musicologia. Influências e referências musicológicas podem ser encontradas através de sua obra, a ponto de poder-se encontrar notas em pauta durante o texto.
Este é um livro com importante contexto histórico, político e social. A narrativa nos encontra na década de 1960, na antiga Tchecoslováquia (República Tcheca, desde 1993), e, em alguns fragmentos, na década de 1980, após o desenrolar de diversos eventos que afetam a vida de todas as personagens envolvidas. Estas são quatro: Tomas, Tereza, Sabina e Franz (além de um cachorro: Karênin). Todos, de alguma forma, têm suas vidas entrelaçadas, mesmo que alguns não se conheçam pessoalmente, mas se encontram através da análise minuciosa que Kundera faz da trajetória de suas vidas.
Uma das maravilhas desse livro é, justamente, a simplicidade com que Kundera aborda suas profundas e filosóficas reflexões sobre a existência humana e a vida. E, ao mesmo tempo, é um livro tão denso que creio ser mais difícil fazer uma análise boa e precisa dele que faça jus à agradável experiência de sua leitura. Numa linguagem surpreendentemente acessível, Kundera desenvolve a história de seus personagens com poderosas considerações de cunho filosófico desde a primeira página do romance!
Acompanhando a questão dualista de Parmênides, o autor insere a concepção do Eterno Retorno de Nietzsche, uma ideia que pode parecer complexa, a princípio, embora seja introduzida com naturalidade logo na primeira página da obra. Explico: o Eterno Retorno seria nada mais, nada menos que a repetição indefinida de toda a vida do indivíduo após sua morte (sabe aquela história de ver a vida inteira passando diante dos olhos? Pois é), tornando o fenômeno da existência um círculo vicioso de possibilidades que se repetem eternamente. A conexão deste conceito (inacabado pelo próprio Nietszche) com o anterior reside no ato de repetição: se o indivíduo pudesse refazer incessantemente suas escolhas, estas não possuiriam o peso, a gravidade da primeira vez em que foram efetuadas e seriam tratadas com muito mais leveza e informalidade, pois poderiam ocorrer de novo e de novo. Em suma, as escolhas se tornariam tão banais quanto o ato de respirar.
O romance descreve a vida humana como uma partitura musical, baseada em motivos que são executados com o ritmo e ênfase escolhida pelo maestro. Filosofia, música, política, história, relações interpessoais e tantos outros temas ganham espaço no mais aclamado escrito de Milan Kundera. O autor tcheco chega a trazer para dentro do livro análises críticas de outras obras ficcionais, reformulando o gênero do romance e fazendo-nos pensar até que ponto a ficção se sustenta. Seria a leveza da literatura tão insustentável quanto a do ser?
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KUNDERA, Milan. A Insustentável leveza do ser. São Paulo, SP: Círculo do Livro, 1984. 261p.
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