sábado, 24 de agosto de 2019

O CORCEL NEGRO [Resenha]


FARLEY, Walter. O Corcel Negro. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2006.


Olá caros leitores. Encontrado na mesma biblioteca escolar que o incrível “Os meninos da Rua Paulo” (tema da resenha anterior a essa), “O corcel Negro” me cativa por um motivo especial. Quando ingressei no universo da leitura (em idos distantes de 2004) este havia sido um dos primeiros volumes que eu li, juntamente com “O mágico de Oz” e “O velho e o Mar”. Todavia, passada a juventude e já eu tendo entrado na idade adulta, muito pouco ou quase nada eu me recordava da trama. Incentivado pelas lembranças daquele tempo, engatei a releitura deste simpático livro. Vamos lá ?

O jovem rapaz nova-iorquino Alexander "Alec" Ramsey está a bordo do navio cargueiro a vapor Drake, em retorno da Índia após ter aproveitado as férias ao lado do seu tio Ralph. Durante uma das paradas da embarcação em um porto da Arábia, ele se depara com a marcante cena do embarque de um corcel negro selvagem. Ás voltas com o sentimento instantâneo de simpatia para com o animal, Alec passa a conviver cada vez mais tempo com o Negro (nome que ele dá ao cavalo). E essa convivência será pontuada por uma série de aventuras que nos conduzem através deste instigante livro.

Walter Farley (1916-1989), desde jovem ficou conhecido por dois fatores: a sua confessa paixão por cavalos e os livros que escreveu sobre eles. Nascido na Flórida, deveu ao seu tio a paixão por cavalos, que desde cedo lhe ensinou uma série de métodos para domá-los e as desvantagens de cada um deles. Começou a escrever “O Corcel Negro” quando ainda estava no ensino médio, tendo-o publicado em 1941, já na universidade, aos 25 anos de idade. O livro fez sucesso, encorajando Farley a prosseguir a sua carreira literária, na qual publicou mais de 30 outros volumes, a maioria sobre as aventuras do Negro e de outros corcéis. O livro de estréia de Walter Farley rendeu uma bela adaptação cinematográfica em 1979.

Farley é econômico no que diz respeito ao uso dos personagens, e não se pode dizer que há a presença de vilões no sentido pleno do qual estamos habituados a conhecer. Alec Ramsey é um rapaz na casa dos seus 11, 13 anos, inquieto, com gosto por aventuras, destemido e com uma confessa paixão por cavalos; Ralph é o tio deste que atua como missionário na Índia. Além deles temos o capitão do Drake, o tratador de "Negro" após o seu embarque na Arábia; Sr. E Sra Ramsey, os pais atenciosos e carinhosos de Alec; Henry Dailey, treinador de cavalos, outrora um jóquei célebre, agora uma lenda aposentada e grande amigo de Alec, e claro, não poderia me esquecer, o “Negro”, grande corcel árabe mestiço, protagonista do livro.

Narrado em terceira pessoa, vemos aqui uma ambientação que, embora diversa em suas locações, não é lá muito profunda em termos de tensionamento das relações psicológicas que poderiam ser tratadas ao longo da trama. As exceções ficam por conta da bela construção do personagem de Alec e das relações deste com o meio, bem como a sua encantadora amizade com Negro. Todavia, devemos levar em consideração os próprios objetivos do livro: agilidade, precisão e ritmo constante em uma trama voltada para crianças e jovens. Os três primeiros aspectos podem muito bem serem considerados vestígios de uma herança bastante hemingwayniana na ficção: o dizer muito escrevendo pouco. Farley opta por atravessar meio mundo para contar a história: passa pela Índia, ambienta o primeiro terço da história no cargueiro Drake, segue para a Arábia, Mar Mediterrâneo, Rio de Janeiro, Nova York e Chicago.

Seguindo a linha da agilidade, precisão e economia na escrita, o enredo do livro esta dividido em duas grandes partes. Na primeira, somos ambientados aos personagens principais da trama e ao processo de amizade entre o corcel e o menino. Na segunda, o autor nos encaminha para o final, em que ocorrerá a tão esperada corrida entre o cavalo de Alec e os famosos Cyclone e Sun Raider. O tempo, levando-se em conta tais fatores, é primordialmente cronológico, com a trama se desenrolando ao longo de pouco mais de um ano. Para os mais atentos, há nas entrelinhas a referência do nome de Alec a Alexandre, o Grande, soberano da Macedônia que estendeu seu domínio até o que hoje é a Índia, além de ser conhecido pelo dom em domar cavalos. Entre eles está o célebre Bucéfalo, corcel negro tido como indomável comprado por Felipe II, que, rezam as lendas, foi adestrado de maneira prodigiosa, após breve relutância paterna, pelo então adolescente príncipe Alexandre, gerando daí o mais célebre caso de cumplicidade homem/cavalo da História.

Revisitar este clássico infanto-juvenil me trouxe uma série de boas lembranças, embora eu tenha que fazer algumas considerações quanto ao livro. A despeito de sua qualidade no que diz respeito a condução hábil do enredo (linear, embora isso se justifique, auxiliado pelo formidável ritmo) a falta de complexidade psicológica de diversos personagens me incomodou bastante. Os pais de Alec não oferecem a mínima resistência ao fato do filho ter retornado da Arábia para Nova York com um corcel no limiar entre o domado e o selvagem. Os antagonistas, quando muito, aparecem de relance no final para troçar do rapaz e fica só por isso, além claro de que nós sabemos muito bem quem vai vencer a tal corrida, nem sendo preciso eu ter o trabalho de dar spoiler. Todavia, eu relevo tais falhas justamente pelo fato de ser o primeiro livro do autor (que, como disse, escreveu mais uma carrada depois desse). Fora isso, é um entretenimento confortável, uma leitura para todas as idades e uma obra que eu recomendo.

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Resenha escrita por Lucas Stefano e publicada originalmente no blog

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