Em 1942 a Grã Bretanha se envolveu na Segunda Guerra Mundial. Mais uma guerra que ceifou incontáveis vidas e assolou a população civil. Mais uma guerra que trouxe dor, sofrimento e pobreza, segundo Lewis: “na medida em que sua ilha nação era bombardeada por quatrocentos aviões noite após noite, na famosa blitz que mudou a face da guerra, transformando os civis e suas cidades em linhas de frente de batalha” [p.21].
Foi nesse contexto histórico que C.S Lewis, um ex-ateu e veterano da Primeira Guerra Mundial, foi convidado pela BBC de Londres a falar sobre o cristianismo e assim trazer esperança e refrigério aos corações. Nestas palestras C. S. Lewis começou a explicar o cristianismo em termos simples. Sim, sua a explicação era simples, com uma linguagem fácil e coloquial. No entanto, é impressionante observar que o que era simples, acessível e escrito para o cidadão comum naquela época, hoje talvez não seja compreendido com tanta facilidade por qualquer pessoa. Digo isso porque ele exige que seu cérebro acompanhe o raciocínio.
Um outro detalhe interessante acerca dessas palestras é que as mesmas deram um sentido novo à vida de milhares de adultos de todas as classes e profissões. C. S. Lewis foi capaz de dar conforto e consolação a milhões de pessoas num tempo de guerra e de incertezas. As transcrições foram originalmente publicadas como panfletos separados: Palestra de Rádio (1942), Conduta Cristã (1943) e Além da personalidade (1944). Considerado um clássico da apologética cristã, essas palestras viriam a tornar-se, algum tempo depois, o livro em questão, porém ajustado por Lewis para ser apresentado na forma impressa e que veio a ser considerado a mais popular e acessível de todas as obras de Lewis. Lembrando-nos daquilo que é mais importante na vida e apontando-nos o caminho da alegria e do contentamento.
Em uma votação realizada em 2006 pela revista Christianity Today foi considerado um dos 50 livros mais influentes do pensamento evangélico no pós-II Guerra.
“Assim como seu predecessor Soren Kierkegaard e seu contemporâneo Dietrich Bonhoeffer, Lewis busca em Cristianismo puro e simples ajudar-nos a encarar a religião com olhos renovados, como uma fé radical cujos adeptos podem ser associados a um grupo clandestino que se reúne na zona de guerra, um lugar em que a maldade parece imperar, para ouvir mensagens de esperanças vindas do lado de lá” [p.24].
O livro está dividido em 4 partes, onde Lewis apresenta tudo que é de mais essencial e profundo na cosmovisão cristã, sem perder “a graça” ou precisar que o leitor tenha cursado Filosofia ou Teologia.
Livro I – O certo e o errado como chaves para a compreensão do sentido do universo.
Livro II – No que acreditam os cristãos.
Livro III – Conduta cristã.
Livro IV – Além da personalidade ou os primeiros passos na Doutrina da Trindade.
Começando pelos temas filosóficos mais essenciais e discussões comuns acerca da moralidade, do certo e errado, da existência de Deus e etc., Lewis caminha com o leitor ao longo do livro para temas cada vez mais elevados e faz isso com maestria, fazendo com que o leitor reflita acerca dos temas ali apresentados. Talvez seja esse o segredo do imenso sucesso dessa obra, visto que as ideias nela contida são analisadas pelo próprio autor pelos mais diferentes ângulos. Dessa forma o coração do leitor não é arrebatado e sim a sua razão, seus pensamentos, suas certezas e opiniões.
Como ex-ateu, Lewis consegue se identificar com as questões mais íntimas do leitor agnóstico e levá-lo a considerar o cristianismo como racional e plausível; como cristão, ele chama seus irmãos a, de uma vez por todas, entenderem o cristianismo, em sua essência, enquanto filosofia de vida, enquanto verdade e suas implicações práticas (e eternas!).
Contudo, o que precisa ficar bem claro é que devemos os motivos de C. S. Lewis e seu objetivo com esse livro:
1. Lewis não está pregando para atrair membros para sua igreja, ele está falando de como é a vida sob a perspectiva da fé cristã, em contraste com a vida fora da fé cristã.
"Não escrevi para expor a minha religião, mas para expor a essência do Cristianismo autêntico, o qual é o que é, e foi o que é, muito antes de eu ter nascido, quer isso me agrade ou não."
2. O sentido do termo “cristão” deve ser descritivo e não um simples elogio. No sentido profundo, não podemos julgar quem é realmente cristão e quem não é. Você pode ser um não-cristão cheio de qualidades, ou um cristão com poucas qualidades. O que importa é estar disposto a compreender o sentido da fé cristã para sua vida e a viver de modo consistente com suas crenças. [1]
Nesta resenha não iremos tratar como costumeiramente – capítulo a capítulo – e sim, veremos os principais temas tratado nesta excelente obra.
1. A LEI MORAL
Há uma plena percepção do que é certo e do que é errado na consciência humana, e este é um dado universal, confirmado na análise e na história dos povos e de suas culturas. Comparam-se os padrões e preceitos, e lá está ela: uma lei eterna que a razão humana apreende. Dela falou o apóstolo Paulo: “a obra da lei escrita em seus corações” (Rm. 2:14-15). Ele não falava de cristãos, mas dos gentios, e por extensão, de todo e qualquer homem. Da presença dessa lei natural na consciência humana falaram Tomás de Aquino, Calvino, e outros grandes teólogos e filósofos cristãos. C. S. Lewis, em ‘Cristianismo Puro e Simples desenvolve na primeira parte deste livro, um argumento para a própria existência de Deus com base na moralidade. Se não existisse uma lei moral universal, discordâncias morais não fariam sentido; necessariamente, essa lei moral universal exigem um Legislador Moral, que deve ser perfeitamente bom, justo, e preocupado com a conduta moral humana.
“A Lei Moral que ele pôs nas nossas mentes, e essa é uma prova melhor do que a outra, porque se trata de informação interna. Você descobririrá mais sobre Deus a partir da lei Moral do que do universo em geral, da mesma forma que descobrirá mais sobre o homem ouvindo sua conversa do que observando uma casa que ele tenha construído. Nesse sentido, podemos concluir, a partir desse segundo indício, que o Ser por trás do universo está intensamente interessado na conduta certa – no jogo limpo, em altruísmo, em coragem, em boa fé , em honestidade e em veracidade” [p.61].
A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas. Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
2. O DUALISMO
Todos possuem uma cosmovisão.[2] E cada cosmovisão deve lidar com uma questão fundamental: a origem do bem e do mal. Essa é a questão perene de nossa existência e ninguém pode escapar dela. Até mesmo cosmovisões ficcionais devem levar em consideração o bem e o mal (se elas quiserem fazer algum sentido). Uma possibilidade é sugerir que não existe tal coisa como o bem e o mal. Em uma visão materialista-evolucionária, na qual tudo o que existe é a matéria, conceitos como “bom” e “mau” são meramente construções humanas. Mas tal cosmovisão nos leva diretamente ao niilismo.[3]
O dualismo sugere que o bem e o mal são iguais, ou seja, são forças do universo que travam uma batalha por supremacia. Ambas as forças já existiam desde o início, sendo que nenhuma delas veio a existir primeiro. Não há problema em sugerir que o bem e o mal têm estado no universo desde o início, mas por que nós chamamos uma dessas forças de “boa” e a outra de “má”? Não pode ser simplesmente porque preferimos uma em vez da outra – nossas preferências pessoais não fazem algo ser bom ou mau. Para dizermos que uma força é boa e a outra má, devemos estar comparando essas forças a um padrão maior e mais alto.
C. S. Lewis diz: “Mas no momento em que você diz isso, estará inserindo no universo um terceiro elemento em aditamento aos dois poderes: uma lei, um padrão ou regra do Bem, um dos poderes se conforma e outro deixa de se conformar. Mas já que os dois poderes são julgados por esse padrão, o mesmo tem de estar além de qualquer um deles, e ele será o verdadeiro Deus. Na verdade, o que queremos dizer ao chama-los de bem e mal acaba sendo que um deles está numa relação harmoniosa com o Deus definitivo e o outro, em uma relação equivocada" [p.76].
Em contraste ao materialismo e ao dualismo, o teísmo cristão afirma que Deus originariamente criou o mundo bom e que o mau é uma corrupção e distorção subsequentes de algo bom. Lewis, mais uma vez, deixa isso muito claro: “A bondade é o que é, por assim dizer; a maldade não passa de bondade corrompida. [...] E será que agora você está entendendo por que o cristianismo sempre disse que o diabo é um anjo caído? Essa não é apenas uma historinha para boi dormir. Trata-se do reconhecimento real do fato de que o mal é um parasita nada original” [p.77-78].
Algo que é especialmente importante a ser ressaltado é que, quando Lewis e Tolkien desenvolveram suas cosmovisões ficcionais – os mundos de Nárnia e da Terra-média –, eles as basearam não no materialismo ou no dualismo; mas, sim, no teísmo cristão. São mundos fictícios que uma vez foram completamente bons mas que, posteriormente, foram corrompidos pelo mal.
3. A TEORIA DA EVOLUÇÃO
Faço apenas uma observação, de cunho criacionista e por consequência bíblico: o autor, infelizmente influenciado pelo forte crescimento da filosofia naturalista da época, ainda que revestida de “ciência” (como ainda podemos ver hoje), acabou levando-se pelos equívocos da teoria da evolução [lê-se macroevolução], quando que por alguns momentos utilizou-se deste meio para exemplificar alguns conceitos encontrados no livro IV, no capítulo 11 que termina belamente, porém o início do capítulo é comprometido pelas comparações com a teoria evolucionista.
O articulista e blogueiro Yury Stasyuk escreveu que C. S. Lewis abertamente aceitou que a evolução era uma teoria científica válida das origens. Na verdade, seu livro mais famoso Cristianismo Puro e Simples inclui o conceito de evolução científica como um exemplo de crescimento espiritual no grande final do livro. [4]
Ele cita um trecho do livro em pauta: Há milhares séculos, criaturas imensas e pesadamente encouraçadas evoluíram. Se alguém daquela época estivesse observando o curso da evolução, provavelmente teria esperado que ela partiria para couraças cada vez mais pesadas, mas teria se enganado redondamente. O futuro tinha uma carta na manga, a qual, naquele tempo, ninguém poderia prever. Era para despontarem nele pequenos animais nus, desprovidos de couraças, dotados de cérebros aprimorados, com os quais iriam conquistar o planeta todo. Eles não apenas teriam mais poder do que os monstros pré-históricos, como também teriam um novo tipo de poder. O próximo passo não seria apenas diferente, mas assumiria um novo tipo de diferença. O fluxo da evolução não correria na direção em que todos a viam correr: na verdade, ela entraria numa curva acentuada. (...) Ora, se podemos nos atrevera continuar falando nesses termos, a visão cristã diz precisamente que o próximo passo já foi dado, e ele é realmente novo. Não se trata da mutação de seres humanos dotados de cérebro para seres humanos dotados de mais massa encefálica: trata-se de uma mutação que se desvia para uma direção totalmente diferente – uma transformação que se dá do estado de criaturas de Deus para o de filhos de Deus. [p.277-278].
Em defesa do autor, como cidadão do início do Século XX, ainda que um abençoado cristão e sobremaneira culto, foi exposto à má ciência evolucionista da época, da qual hoje há material vasto para ser refutada, seja no campo da teologia, filosofia ou da ciência. Fica fácil enxergar, através de uma leitura leal e compassiva, que Lewis fala dentro de seu conhecimento disponível para seus dias e que, em nenhum momento, duvida do poder criador e mantenedor de Deus e ainda fala sobre a falácia da teoria da evolução no sentido extirpar Deus de suas vidas.
Uma razão por que muitas pessoas julgam a Evolução Criativa (Teoria da Evolução) tão atraente é que ela nos dá muito conforto emocional de crer em Deus sem assumir as consequências menos agradáveis disso. Quando você estiver se sentindo bem-disposto, o sol estiver brilhando a você não quiser acreditar que o universo todo seja uma mera dança mecânica de átomos, é reconfortante pensar nessa grande Força misteriosa agindo ao longo dos séculos e carregando-o em sua crista. Se, por outro lado, você desejar fazer algo um tanto desprezível, a Força Vital, sendo apenas uma força cega, sem moral e desprovida de intelecto, nunca irá interferir na sua vida da mesma forma que aquele Deis inquietante, sobre o qual aprendemos quando éramos crianças. A Força Vital é uma espécie de Deus domesticado. Você pode acioná-lo quando bem entender sem que ele o incomode. Você tem todas as emoções da religião e nenhum custo. Será a Força Vital a maior obra do desejo reprimido que o mundo já viu? [p.57-58].
4. JESUS E O CRISTIANISMO
Acerca de Jesus, C. S. Lewis popularizou o argumento de que Jesus ou era um mentiroso, um lunático ou o Senhor. Contudo, como Kyle Barton demonstrou, não foi Lewis quem o inventou. Em meados do século XIX, o pregador cristão escocês, “Rabbi” John Duncan (1796-1870) elaborou o que ele chamou de “trilema”. Em Colloquia Peripatetica (p. 109) [5] vemos esse argumento de Duncan a partir de 1859-1860. Cristo (1) enganou a humanidade com uma fraude de forma intencional, (2) Ele próprio era iludido e enganado sobre si mesmo ou (3) Ele era Divino. Não há como livrar-se desse trilema. Ele é inevitável.
Contudo, foi C. S. Lewis, que deu ao argumento a sua formulação mais memorável: Quero evitar aqui que alguém diga a enorme tolice que muitos costumam dizer a respeito dele: “Estou pronto para aceitar Jesus como um grande mestre de moral, mas não aceito sua reivindicação de ser Deus”. Esse é o tipo de coisa que não se deve dizer. Um homem que fosse meramente um ser humano e dissesse o tipo de coisa que Jesus disse não seria um grande mestre de moral. De duas uma, ou ele seria um lunático – do nível de alguém que afirmasse ser um ovo frito – ou então seria o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de deus; ou então um louco ou algo pior. Você poderá descartá-lo como sendo um tolo ou pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou então, poderá cair de joelhos a seus pés e chama-lo de Senhor e Deus. Mas, não me venha com essa conversa mole de ele ter sido um grande mestre de moral, pois ele não nos deu essa alternativa e nem tinha pretensão. [p.86]
Este é um bom argumento? Podemos colocá-lo da seguinte forma:
(1) Se Jesus não fosse Senhor, ele seria um mentiroso ou um lunático.
(2) Jesus não era um mentiroso nem um lunático.
(3) Portanto, Jesus é Senhor.
Para determinar se este argumento é consistente, temos que fazer três perguntas: (1) Os termos são claros?
(2) É logicamente válido?
(3) As premissas são verdadeiras?
Eu daria as seguintes respostas:
(1) Sim, os termos são claros.
(2) Sim, é logicamente válido; a premissa 3 se segue das premissas 1 e 2 conforme as regras da lógica (Modus Tollens: a negação do antecedente da premissa 1 pode ser inferida pela negação de seu consequente).
(3) Mas não, o argumento não é consistente, pois nem todas as premissas dele são necessariamente verdadeiras.
Como William Lane Craig observa em seu livro “A veracidade da fé cristã”, a primeira premissa deixa de fora/omite outras opções possíveis e, portanto, é falsa[6]. Há outra alternativa: talvez o Jesus apresentado na Bíblia não seja o verdadeiro Jesus da história. É possível que o Jesus da Bíblia não seja um mentiroso, um lunático ou o Senhor, mas sim uma lenda. Em outras palavras, o Jesus da Bíblia não é o Jesus da história e, assim sendo, suas afirmações acerca do que deve ser creditado ao Jesus da Bíblia não conduzem a conclusões a respeito do real senhorio do Jesus da história.
(2) Jesus não era um mentiroso nem um lunático.
(3) Portanto, Jesus é Senhor.
Para determinar se este argumento é consistente, temos que fazer três perguntas: (1) Os termos são claros?
(2) É logicamente válido?
(3) As premissas são verdadeiras?
Eu daria as seguintes respostas:
(1) Sim, os termos são claros.
(2) Sim, é logicamente válido; a premissa 3 se segue das premissas 1 e 2 conforme as regras da lógica (Modus Tollens: a negação do antecedente da premissa 1 pode ser inferida pela negação de seu consequente).
(3) Mas não, o argumento não é consistente, pois nem todas as premissas dele são necessariamente verdadeiras.
Como William Lane Craig observa em seu livro “A veracidade da fé cristã”, a primeira premissa deixa de fora/omite outras opções possíveis e, portanto, é falsa[6]. Há outra alternativa: talvez o Jesus apresentado na Bíblia não seja o verdadeiro Jesus da história. É possível que o Jesus da Bíblia não seja um mentiroso, um lunático ou o Senhor, mas sim uma lenda. Em outras palavras, o Jesus da Bíblia não é o Jesus da história e, assim sendo, suas afirmações acerca do que deve ser creditado ao Jesus da Bíblia não conduzem a conclusões a respeito do real senhorio do Jesus da história.
Portanto, temos um problema em dar qualquer outro nome a Cristo que não seja “O Filho de Deus”. Eu sei que ele tinha personalidade e características humanas. Mas todas as demais coisas que podemos enxergar em Jesus não sobrepõem este fato impar em seu ser. As Escrituras revelam a Salvação dos homens através deste Cristo e tê-lo como qualquer outra coisa, ao invés de quem realmente Ele é, nos separará dele para sempre.
As dimensões históricas e mito-poéticas do mito tornado fato fizeram da obra de Jesus Cristo o evento central na cosmovisāo de C.S.Lewis, e que realmente não é possível encontrar uma gota do seu pensamento que não tenha sido inundada pelo oceano da cristologia do Novo Testamento. Como J.I.Packer bem definiu, Lewis tornou-se um homem especificamente centrado em Jesus Cristo.
Lewis apresenta o cristianismo como o título do livro se propõe a fazer: de forma pura e simples. Sem tomar partido para qualquer denominação religiosa, ou fazer defesas de doutrinas particulares, de forma clara, concisa e brilhante, Lewis aborda os temas mais basilares da religião cristã; a começar pela própria defesa da existência de Deus como uma mente consciente e agente formulador da distinção entre certo e errado, por meio do que os teólogos chamam de "o Argumento Moral". No texto abaixo ele mostra qual é o principal propósito do cristianismo.
O cristianismo diz às pessoas que devem se arrepender e lhes promete perdão, por isso ele não tem nada a dizer (até onde sei) àquelas pessoas que acham que não têm do que se arrepender e que não sentem que precisam de perdão. Somente depois que você percebe que existe uma Lei Moral real e um poder por trás dessa lei, é se dá conta de que violou tal lei e cometeu alguns erros contra esse Poder – é só depois de tudo isso, e nenhum instante antes disso, que o cristianismo começa a falar a sua língua. Quando você sabe que está doente, dá ouvidos ao médico. Quando tiver se dado conta de que nossa condição é desesperadora, começará a compreender do que os cristãos estão falando. Eles explicam como chegamos ao nosso estado presente de tanto de ódio quanto de amor à bondade, além de também explicar como Deus pode ser essa mente impessoal por trás da Lei Moral e, ainda assim, ser ao mesmo tempo uma pessoa. Eles lhes contam como as exigências dessa lei, que nem eu nem você conseguimos cumprir, foram cumpridas no nosso lugar, como o próprio Deus se tornou um ser humano para salvar a humanidade da desaprovação de Deus [p.63-64].
5. DESIGREJADOS
C. S.Lewis não escreveu este livro com o objetivo de atrair fiéis para a denominação religiosa que frequentava. Em uma sociedade onde a arrogância marca presença dentro das religiões, por consequência, é comum vermos pessoas levantarem a bandeira, não da Bíblia e tampouco do cristianismo, mas sim das interpretações de líderes religiosos sobre o certo e o errado. Portanto, o objetivo do autor funciona como um grande diferencial, o que faz, entre outros fatores, “Cristianismo Puro e Simples” ser plausível e confiável.
Ele escreve sobre já no prefácio da obra: “Aqui cabe um aviso ao leitor: não oferecerei qualquer tipo de ajuda a ninguém que esteja em dúvida entre duas “denominações” cristãs; em outras palavras, não espere de mim qualquer orientação no sentido no sentido de você se tornar um anglicano, católico romano, metodista ou presbiteriano. Essa omissão intencional (até mesmo a lista que acabei de apresentar está em ordem alfabética), e também não faço mistério sobre a minha posição pessoal. Sou um leigo dos mais convencionais da Igreja Anglicana, sem preferência especial pela “Alta” ou pela “Baixa” Igreja, tampouco por qualquer outra coisa” [p.10].
Lewis amava a Igreja da Inglaterra. Era a sua casa denominacional. Mas ele não via a sua chamada como sendo uma advocacia do Anglicanismo. Sua chamada era levar pessoas a entrar na sala de estar do Cristianismo. E ele sabia que o saguão não era um lugar no qual deveríamos viver. Esse é o equívoco que muitos cometem a respeito de Lewis. Ele não era ecumênico no sentido de liderar as pessoas na saída dos quartos denominacionais em direção a sala de unidade. Seu espírito ecumênico consistia, como veremos mais adiante, no amor entre os quartos e não no esvaziamento dos quartos em direção ao saguão de entrada.
“Espero que nenhum leitor suponha que o cristianismo “puro e simples” aqui proposto deva ser entendido com uma alternativa aos credos das comunidades existentes – como se uma pessoa pudesse adotá-lo preferencialmente ao congregacionalismo ou à Igreja Ortodoxa Grega ou a qualquer outra igreja. O cristianismo puro e simples é, antes como um saguão de entrada a partir do qual várias portas se abrem para diversos cômodos. Se eu puder conduzir alguém ao saguão, terei alcançado meu objetivo, mas é nos cômodos, e não saguão, que há lareiras, cadeiras e refeições. O saguão é uma sala de espera, um lugar a partir do qual se pode experimentar as várias portas, não um local para se morar” [p.19].
John Piper escreveu: “Os quartos denominacionais são onde estão a chaminé, as cadeiras e as refeições. Em outras palavras, se você tentar viver no saguão de entrada, você vai ficar sem aquecimento, descanso e comida. Cristianismo Puro e Simples não é um Cristianismo vivido. Tentar fazer dele uma vida é como tentar comer mera comida sem comer verduras, frutas nem carne.” [7]
“O cristianismo concorda com o dualismo na acepção de que esse universo está em guerra, mas discorda que essa seja uma guerra entre poderes independentes. Ele a considera, antes, uma guerra civil, uma rebelião, e que estamos vivendo em uma parte do universo que está ocupada pelos rebeldes. Um território ocupado pelo inimigo — eis o que é o mundo. E o cristianismo é a história de como o rei legítimo aportou, você poderia dizer até que aportou disfarçado, e nos chama para participar da grande campanha de sabotagem. Quando você vai à igreja, na verdade está captando ondas secretas da rádio de nossos aliados: eis porque o inimigo está tão ansioso por nos impedir de ir até lá” [p.79].
6. CONCLUSÃO DA RESENHA
Uma das mais importantes características da abordagem teológica de Lewis neste livro é sua capacidade de penetrar no cerne das questões. A maioria de seus argumentos não circulam pela superfície das controvérsias entre católicos e protestantes ou entre liberais e fundamentalistas – apesar de ser bem claro alguns de seus posicionamentos – mas penetram na veia mais profunda do cristianismo, uma contribuição imaginativa, histórica e filosófica que sem sombra de dúvidas permeia todos os cômodos do grande edifício histórico das tradições cristãs, um rastro de grandes marcas deixadas pelo dinossauro de Belfast. Esse é o seu legado.
A leitura criou em mim a impressão de que o autor falou de Deus com propriedade de conhecimento, como quem fala de alguém com quem se convive; como quem enaltece alguém por quem o amor que se sente é indescritível. Além disso, a forma como o autor fala sobre a vida eterna é maravilhosa, quem dera se víssemos todos os cristãos anunciando com clareza e obstinação o fato de existir um céu e uma vida eterna, uma vez que a queda do homem nos custou uma breve vida aqui, mas a graça, felizmente, nos possibilitou fazer desta vida apenas uma peregrinação e não um fim.
Como alguém escreveu, Cristianismo Puro e Simples não é o tipo de livro para se ler ao fim de um dia estressante com a finalidade de distração, pelo contrário, esse é um livro para ser estudado e lido com mente descansada e tempo livre, visto que sua leitura exige atenção do leitor, e as reflexões por ela instigadas merecem tempo para serem analisadas.
Contudo, eu o indico sem medo de errar. Se você é cristão leia esse livro! Se você é ateu leia esse livro, talvez você veja o cristianismo com outro olhar depois da leitura. Se você não sabe no que acreditar em relação a Deus, então leia esse livro! Sim, pode parecer que estou fazendo propaganda, mas não é isso que fazemos quando falamos sobre algo de que muito gostamos? Creio eu que sim e é por isso que indico Cristianismo Puro e Simples explicitamente.
Livro publicado pela Thomas Nelson Brasil
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[1] Janes Biro in: https://goo.gl/DqXny9
[2] O termo cosmovisão, quer dizer o modo pelo qual uma pessoa vê ou interpreta uma realidade. A palavra alemã é Weltanschau-ung, que significa um “mundo e uma visão de vida”, ou “um paradigma”. É a estrutura por meio da qual a pessoa entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mal, natureza humana, valores e destino. Francis Schaeffer disse que a comosvisão: é o filtro através do qual uma pessoa enxerga o mundo”.
[3] O niilismo está quase que onipresente em nossa cultura. Ele é a concepção de um mundo que não faz sentido, de uma vida que nada mais é do que o caminhar para a morte e da inexistência de valores morais absolutos.
[4] C. S. Lewis - O mais amado de todos os hereges - Yuriy Stasyuk, in: https://goo.gl/NeQF5b
[5] Duncan, John. Collquia Peripatetica. Washington D. C. Fb&c Limited, 2016.
[6] Esse ponto suscitado por Taylor sobre a obra de Craig foi corrigido na segunda edição pelo próprio autor. A segunda edição recebeu o título “Apologética contemporânea: A veracidade da fé cristã” e foi publicada pela editora Vida Nova.
[7] PIPER, John. “Cristianismo Puro e Simples” significa “sem denominações”? in: https://goo.gl/KqPWUT
[2] O termo cosmovisão, quer dizer o modo pelo qual uma pessoa vê ou interpreta uma realidade. A palavra alemã é Weltanschau-ung, que significa um “mundo e uma visão de vida”, ou “um paradigma”. É a estrutura por meio da qual a pessoa entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mal, natureza humana, valores e destino. Francis Schaeffer disse que a comosvisão: é o filtro através do qual uma pessoa enxerga o mundo”.
[3] O niilismo está quase que onipresente em nossa cultura. Ele é a concepção de um mundo que não faz sentido, de uma vida que nada mais é do que o caminhar para a morte e da inexistência de valores morais absolutos.
[4] C. S. Lewis - O mais amado de todos os hereges - Yuriy Stasyuk, in: https://goo.gl/NeQF5b
[5] Duncan, John. Collquia Peripatetica. Washington D. C. Fb&c Limited, 2016.
[6] Esse ponto suscitado por Taylor sobre a obra de Craig foi corrigido na segunda edição pelo próprio autor. A segunda edição recebeu o título “Apologética contemporânea: A veracidade da fé cristã” e foi publicada pela editora Vida Nova.
[7] PIPER, John. “Cristianismo Puro e Simples” significa “sem denominações”? in: https://goo.gl/KqPWUT
Um comentário:
“Todos queremos progresso, mas se você está no caminho errado, progresso significa dar uma reviravolta, retornando ao caminho certo; neste caso, o homem que mais cedo retorna é que mais progride.”
Um ótimo texto sobre um livro fantástico.
Cheguei até a escrever algo sobre ele em outra oportunidade: https://www.narnianoexistencialista.com/2019/01/voce-ja-leu-cristianismo-puro-e-simples.html
Meus parabéns!
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