terça-feira, 17 de julho de 2018

TEOLOGIA DOS REFORMADORES [Resenha]


GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova,
2013. 339p.


AUTOR E OBRA A obra de George em sua sexta impressão é muito bem-vinda. Publicada originalmente em inglês (Theology of the Reformers, 1988) foi traduzida e publicada em português em 1994. De lá para cá saíram oito reimpressões, sendo que tenho em mãos sétima, de 2013. No ano passado (2017) esta obra passou por uma segunda edição revisada e ampliada.

A obra é preciosa. George, que tem mestrado e doutorado em teologia em Harvard, é um teólogo de tradição batista com profunda convicção calvinista (seus filhos que o digam, p. 13). Entre outras atividades acadêmicas ele é diretor-fundador e professor de teologia da Beeson Divinity School, sendo o atual deão. Timothy George também é palestrante e conferencista. Como autor já escreveu mais de vinte livros e escreve artigos regularmente para revistas teológicas. Teologia dos Reformadores é seu principal livro. Já foi traduzido em diversas línguas e tem sido usado como livro texto em muitas escolas e seminários. “Trechos deste livro foram apresentados originalmente como palestras a estudantes de teologia e pastores em diversos contextos” [p.12]. Como historiador, George é bem sincero em admitir um grande perigo para todos que tratam assuntos do passado. Ele diz que uma interpretação do passado está limitada a pelo menos dois fatores: “pelas fontes em si e também pelo historiados que as seleciona e interpreta” [p. 17].

Além disso, sua obra é agradável de ser lida. O autor concilia erudição e simplicidade, sendo bastante didático em sua apresentação. É o resultado aperfeiçoado de palestras ministradas e textos publicados ao longo de seu ministério. Ele pôde reunir todo o material e ampliá-lo significativamente durante o ano que permaneceu de licença na Suíça [p.12].


Na INTRODUÇÃO e CAPITULO 2, o autor faz considerações esclarecedoras sobre a Idade Média como uma época carente de Deus, estando os fiéis angustiados, “sedentos por Deus”. Faz recortes da Reforma, explicando inicialmente os antecedentes da reforma dentro da igreja Católica e as teologias dominantes: o escolasticismo, misticismo e humanismo. Todo este clima é representado e expresso pela palavra Anfechtungen que indicava a ansiedade e a angústia (angst) religiosa da época. Ao descrever o contexto da época da Reforma no século XVI o autor diz que aqueles dias eram caracterizados por violência e intolerância, desta forma, os próprios reformadores “não eram destituídos de fanatismo e intolerância” [p. 12]. Porém, não podemos tratar de eventos passados a partir de aspectos e padrões da época presente. Temos que respeitar o contexto cultural [p.20]. No período da denominada Baixa Idade Média, véspera da Reforma, a realidade da morte era algo muito marcante. Diversas doenças matavam a muitos naqueles dias. Daí a atenção voltada para a religião, para a vida pós-morte. Consequentemente, tudo o que podia assegurar uma boa vida com Deus era bem enfatizado: indulgências, peregrinações, relíquias, rezas repetidas. Notamos nisto tudo o esforço humano em tentar garantir seu futuro, em obter méritos. Tudo isto foi preparando o caminho para a Reforma.

George analisa alguns dos personagens basilares da Reforma que representam tradições distintas, dedicando um capítulo aos pontos mais relevantes da teologia de cada um (Lutero, Zuínglio, Calvino, Simons). Os três primeiros ligados à Reforma Magisterial e o último à Reforma Radical. A cada um destes vultos da Reforma é dedicado um capítulo, onde se expõe os aspectos teológicos mais relevantes de suas contribuições na Reforma: a relação da igreja com o Estado, a erudição, os comentários, os principais livros, a eclesiologia, principalmente quanto à ceia e ao batismo; a relação com a igreja católica e o debate entre os próprios Reformadores, entre outros detalhes.


O CAPÍTULO 3 é dedicado a Martinho Lutero. Lutero é apresentado como um dos maiores teólogos da história da igreja, não para os católicos que dizem que ele era um monge louco que atacava os pilares da Igreja Mãe, mas para os protestantes, uma vez que a principal doutrina defendida por Lutero foi a justificação pela fé. Lutero também defendia a inspiração verbal e plenária das Escrituras [p.83] e batalhou para que o povo pudesse ter a Bíblia na sua própria língua alemã. Neste ponto, a invenção da imprensa foi de grande ajuda. Ele também enfatizou a interpretação da Bíblia de forma histórica-gramatical e as pregações nos cultos públicos para todos. É importante dizer que Lutero era um teólogo bíblico que observava seu mundo e procurava as respostas bíblicas para as situações particulares de seu contexto. Ele não valoriza as tendências escolásticas, mas é chamado neste livro de existencialista, pois para ele “o interesse por Deus era questão de vida ou morte, envolvendo não apenas o intelecto de um homem, mas sua existência como um todo” [p.60]. 


No CAPÍTULO 4 nos é apresentado um outro reformador da primeira geração, mas com uma visão mais social e política, foi Zuínglio. Zuínglio era pastor, patriota, teólogo, mesmo que não tenha recebido o título de doutorado, e político. Uma combinação um pouco estranha a primeira vista. Tanto que ele que detestava guerra, não foi “absolutamente um pacifista radical” [p.112] e morreu após ser ferido em batalha. Zuínglio também destacou as Escrituras. Ele abordou a importância de pregar diretamente da Bíblia, de aprender apenas das Escrituras e a necessidade dos pastores usarem uma cópia do Novo Testamento grego. “Sola Scriptura” - bandeira de todos os reformadores. Ele destacava uma lealdade absoluta somente a Deus, porém era notável seu desligamento “parcial” do catolicismo quando ele ainda defendia a virgindade perpétua de Maria [p.130]. A eleição também é defendida por Zuínglio. Ele ensinava que o homem salvo, o cristão, não tinha crédito nenhum por sua própria salvação. Porém, o que era estranho era sua afirmação de que mesmo sem ter ouvido o evangelho alguns poderiam ter sido eleitos por Deus [p.124-125]. Isto tem algo parecido com a valorização da razão de Tomás de Aquino, mas contraditório com a ênfase de que Cristo é o único meio de salvação. 


No CAPÍTULO 5, Calvino é bem descrito a partir de sua obra principal (As Institutas) em paralelo com os seus comentários das Escrituras. É notório como Timothy George sintetiza bem a teologia do grande Reformador, demonstrando erudição e habilidade didática. Calvino é o terceiro reformador tratado neste livro de Timothy George. Ele é um reformador de segunda geração e admitiu ser influenciado por Lutero, mesmo nunca tendo o encontrado pessoalmente. Calvino era um pastor, que a partir de seus escritos notamos uma capacidade de aplicações práticas que edificavam e edificam o rebanho do Senhor, um professor influenciado por Agostinho e Lutero, um escritor, um estadista da igreja e tornou-se um marido. “A grande realização de Calvino foi tomar os conceitos clássicos da Reforma (sola gratia, sola fide, sola scriptura) e dar-lhes uma exposição clara e sistemática, que nem Lutero, nem Zuínglio jamais fizeram, adaptando-os ao contexto civil de Genebra” [p.166]. 


No CAPÍTULO 6, é interessante a forma coerente como ele descreve a vida de Menno Simons sem menosprezá-lo ou ridicularizá-lo como anabatista. George aponta a ênfase de Simons no batismo por imersão (que ele não considerava rebatismo, tendo em vista que o pedobatismo não era um verdadeiro batismo), na disciplina eclesiástica, que tendia ao separatismo, e na sua recorrência “exclusiva” às Escrituras, sem passar por consulta a credos, concílios e confissões ao longo da história da Igreja. Porém, de forma interessante, boa parte de seus escritos voltou-se para uma temática conciliar (a encarnação do Redentor), a qual ele cria não ter herdado sua humanidade de Maria, apesar de ter sido nutrido por Maria. O Filho de Deus é de procedência celestial (e com isto ele não se aproxima do docetismo, mas deseja resguardar a impossibilidade da transmissão do pecado de Maria a Jesus). 


UMA ANÁLISE  - George buscou o equilíbrio na avaliação dos personagens da Reforma, propondo-se a não “canonizar os reformadores”, ilustrando falhas de cada um. Contudo, seu entusiasmo por esses homens é compreensível: “... o que é notável nos reformadores é que, apesar de seus pontos fracos, pecados e setores cegos, eles foram capazes de apreender com muita perspicuidade o caráter paradoxal da condição humana e a grande possibilidade de redenção humana mediante Jesus Cristo” [p.12]. 

Daí o seu desafio para que os ouçamos. O seu propósito não é apologético [p.15-23]. Seguindo o modelo de Ranke,[1] propõe-se a um uso “escrupuloso das fontes” [p.17], ainda que reconheça, corretamente, que uma história completamente objetivo não pode ser escrita. “A história nunca é o simples recontar do passado como realmente foi. É, inevitavelmente, uma interpretação do passado, uma visão retrospectiva do passado limitada tanto pelas fontes em si quanto pelo historiador que as seleciona e interpreta” [p.17].[2] Ele se vale com habilidade de fontes primárias e secundárias. No final de cada capítulo apresenta uma útil bibliografia selecionada e comentada. 

Ainda que sustente que a Reforma foi um movimento essencialmente religioso [p.20], admite que ela foi “uma era de transição, caracterizada pelo surgimento de um novo tipo de cultura que estava se esforçando para nascer enquanto o velho tipo de cultura ainda estava morrendo” [p.19]. No entanto, foi “a um tempo reavivamento e revolução” [p.21]. 

O autor observa corretamente que, “embora acolhessem entusiasticamente os esforços dos eruditos humanistas, tais como Erasmo, por recuperar o primeiro texto bíblico e submetê-lo a uma rigorosa análise filológica, [os reformadores] não viam a Bíblia meramente como um livro entre muitos outros. Eles eram irrestritos em sua aceitação da Bíblia como a única e divinamente inspirada Palavra do Senhor” [p.31]. Os reformadores foram “grandes exegetas das Escrituras Sagradas” [p.313].

O humanismo sendo útil à Reforma, jamais chegou ao cerne da questão a vital que distanciava a igreja de sua origem e propósito: “A despeito da importância do humanismo como uma preparação para a Reforma, a maioria dos humanistas, e principalmente Erasmo entre eles, nunca alcançou nem a gravidade da condição humana, nem o triunfo da graça divina, o que marcou os reformadores. O humanismo, assim como o misticismo, foi parte da estrutura que possibilitou aos reformadores questionar certas suposições da tradição recebida, mas que em si mesma não era suficiente para fornecer uma resposta duradoura às obsessivas perguntas da época” [p.50].

A Reforma foi um movimento progressista: “Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo Testamento e da época patrística, A Reforma consistiu essencialmente num movimento visando ao futuro. Foi um movimento dos ‘últimos dias’, vivido numa forte tensão escatológica entre o ‘não mais’ da antiga dispensação e o ‘ainda não’ do reino perfeito de Deus” [p.319].

A Reforma, no entanto, não foi autogerada; antes, digamos, foi o movimento que teve êxito numa sucessão de tentativas frustradas ao longo dos séculos: “A reforma do século XVI, portanto, foi uma continuação da busca pela igreja verdadeira que havia começado muito antes que Lutero, Calvino ou os padres de Trento entrassem na lista” [p.34].


Ele termina sua jornada com um capítulo – CAPÍTULO 7 - sobre “A Validade permanente da Reforma”, destacando alguns pontos: Soberania e Cristologia, Escrituras e Eclesiologia, Culto e Espiritualidade e Ética e Escatologia.


a) Soberania e Cristologia - O tema da soberania de Deus ressoa inequivocamente ao longo dos escritos dos quatro reformadores. À primeira vista, poderia parecer que essa ênfase era peculiar aos reformadores principais, com sua insistência na liberdade e na decisão eterna de Deus na eleição. Contudo, a seu modo, Menno e os anabatistas não eram menos enfáticos quanto ao governo absoluto de Deus sobre o mundo e a história. Pelo menos, sua oposição às normas culturais da época e sua disposição de seguir Jesus, chegando a ponto de viver sem defesa numa sociedade violenta, refletia uma confiança ainda mais firme na prioridade e na vitória derradeira do comando de Deus. Entretanto, a doutrina reformada básica da eleição ou da predestinação sobressaía-se como uma testemunha inequívoca da soberania de Deus na salvação humana. Essa era, e continuou a ser, uma pedra de tropeço importante para aqueles que viam nisso uma restrição prejudicial da liberdade e da moralidade humanas. Os reformadores, porém, encontraram nesse ensino uma libertação formidável do insuportável fardo da auto justificação. Eles viam os seres humanos tão profundamente escravizados pelo pecado que somente a graça soberana de Deus poderia verdadeiramente libertá-los. Dois famosos tratados de Lutero, A Liberdade do Cristão, de 1520, e A Escravidão da Vontade, de 1525, constituem dois lados da mesma moeda. A eleição merecida e incompreensível de Deus é a única base real para a liberdade humana!


b) Escrituras e Eclesiologia - O princípio da sola scriptura tem sido tradicionalmente mencionado como o "princípio formal" da Reforma, em oposição ao "princípio material" da justificação pela fé somente. Essa distinção, contudo, é ilusória, na medida em que leva a supor que os reformadores consideravam a Bíblia um axioma teológico ou um prolegômeno filosófico, e não o vivo e poderoso oráculo de Deus. No século XVI, a inspiração e a autoridade das Escrituras Sagradas não era um ponto de debate entre católicos e protestantes. Todos os reformadores, até mesmo os radicais, aceitavam a origem divina e o caráter infalível da Bíblia. A questão que surgiu na Reforma foi sobre o modo como a autoridade divinamente comprovada das Escrituras Sagradas estava relacionada à autoridade da igreja e da tradição eclesiástica (católicos romanos), por um lado, e ao poder da experiência pessoal (espiritualistas), pelo outro. O sola do sola scriptura não pretendia desprezar completamente o valor da tradição da igreja, mas sim subordiná-la à primazia das Escrituras Sagradas. Enquanto a Igreja Romana recorria ao testemunho da igreja a fim de validar a autoridade das Escrituras canônicas, os reformadores protestantes insistiam em que a Bíblia era autolegitimadora, isto é, considerada fidedigna com base em sua própria perspicuidade (cf. Klarheit, de Zuínglio), comprovada pelo testemunho íntimo do Espírito Santo. O Artigo V da Confissão Belga (1561) levanta a questão de como uma pessoa chega a aceitar a dignidade e a autoridade dos livros canônicos. A resposta apresentada é a seguinte: "... não tanto porque a igreja os receba e aprove como tais, porém mais especialmente porque o Espírito Santo testifica em nossos corações que são de Deus, a respeito do que trazem a prova em si mesmos".[3]

Na perspectiva da Reforma, então, a igreja de Jesus Cristo é aquela comunhão de santos e congregação dos fiéis que ouviram a Palavra de Deus nas Escrituras Sagradas e que, com o serviço obediente a seu Senhor, prestam testemunho dessa Palavra ao mundo. Devemos lembrar-nos de que a igreja não começou com a Reforma. Os reformadores pretendiam voltar à concepção neotestamentária de igreja, expurgar e purificar a igreja de seus dias segundo a norma das Escrituras Sagradas. Até os anabatistas, os quais sentiam que um começo absolutamente novo era necessário, conservaram - mesmo enquanto se transmudavam - mais da tradição e da teologia dos pais e dos credos do que pensavam. Embora não devamos ser privados das difíceis vitórias conquistadas pelos reformadores no interesse de um ecumenismo simplificado, celebramos e participamos da busca pela unidade cristã justamente porque consideramos com seriedade o conceito reformado da igreja - ecclesia semper reformanda, não simplesmente numa igreja reformada de uma vez por todas, mas sim uma igreja a ser continuamente reformada, uma igreja sempre necessitando de uma reforma a mais com base na Palavra de Deus.


c) Culto e Espiritualidade - Ao longo da história da igreja, tem havido intensa correlação entre o desenvolvimento da doutrina cristã e a prática do culto cristão. De acordo com um dito popular na igreja primitiva, "a regra da oração deve estabelecer a regra da fé". A Reforma lembra-nos de que tal processo é uma estrada em dois sentidos: não só o culto tem efeito moldador sobre a teologia, mas também a renovação teológica pode levar a uma revisão litúrgica. No século XVI, a ênfase renovada na graça soberana de Deus fez surgir a reação de gratidão que os reformadores procuravam incorporar em suas revisões da liturgia medieval. Como parte de seu protesto contra o domínio clerical da igreja, os reformadores visavam a uma participação total no culto. Sua reintrodução da língua do povo era em si mesma revolucionária, pois exigia que o culto divino fosse oferecido ao Deus Todo-Poderoso na língua usada por negociantes, no mercado, e por maridos e esposas, na privacidade de seus quartos. A intenção dos reformadores não era tanto secularizar o culto, quanto santificar a vida comum. Vimos como os reformadores reduziram os sacramentos medievais de sete para dois. Observamos também como, em relação a esses dois, o batismo e a ceia do Senhor, as diferenças entre os reformadores tornaram-se um obstáculo fundamental para a unidade entre eles. Os anabatistas insistiam em que o batismo era conseqüente à fé e negavam ainda que os bebês pudessem recebê-la adequadamente, seja a fé pressuposta (Lutero), paterna (Zuínglio) ou parcial (Calvino). Cada um dos reformadores que estudamos incorporou um tema de espiritualidade diferente, se não insólito, o qual tanto moldou a expressão teológica particular adotada quanto foi por ela moldado. Para Lutero, era a sensação de júbilo e liberdade com o perdão dos pecados; para Zuínglio, era a religião pura e o serviço obediente ao único Deus verdadeiro. A espiritualidade de Calvino estava concentrada naquele senso de temor e de admiração perante a glória de Deus, essencial à piedade adequada; a de Menno enfocava o discipulado fiel, que significava seguir a Jesus compartilhando de seu sofrimento. Para cada um deles, a vida em si era litúrgica. A pregação, a oração, o louvor e os sacramentos eram expressões comuns de fé e da devoção, originárias das vidas transformadas de homens e mulheres que haviam sido apanhados pela graça de Deus. O culto cristão contemporâneo é motivado e julgado por padrões diversos: seu valor de entretenimento, seu suposto apelo evangélico, sua fascinação estética, até mesmo, talvez, seu rendimento econômico. A herança litúrgica da Reforma faz-nos recordar a convicção de que, acima de tudo, o culto deve servir para o louvor do Deus vivo.


d) Ética e Escatologia - Há um tipo de adulação dos reformadores do século XVI que separa sua teologia de sua ética. Essa perspectiva reconhece corretamente os reformadores como grandes heróis da fé, mas deixa de discernir seu papel profético e seu impacto revolucionário na sociedade. Entretanto, a fé reformada preocupava-se com o todo da vida, não simplesmente com o âmbito religioso ou espiritual. Isso era verdade porque o Deus soberano da Reforma estava interessado no ser humano inteiro, corpo, alma, mente, instintos, relações sociais e adesões políticas. Retomando as quatro personagens que estudamos, podemos resumir suas principais contribuições à ética sob o aspecto de três temas que se sobrepõem. Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo Testamento e da época patrística, a Reforma consistiu essencialmente num movimento visando ao futuro. Foi um movimento dos "últimos dias", vividos numa forte tensão escatológica entre o "não mais" da antiga dispensação e o "ainda não" do reino perfeito de Deus. Nenhum dos reformadores que estudamos esteve muito envolvido com as escatologias apocalípticas radicais que floresceram no século XVI. Nenhum deles escreveu um comentário sobre o Livro do Apocalipse. Mas cada um deles estava convencido de que o reino de Deus irrompia na história nos eventos em que ele foi levado a desempenhar um papel. Inundado por essa percepção de urgência escatológica, Calvino, em 1543, escreveu ao Santo Imperador Romano Carlos V: "A Reforma da igreja é obra de Deus, sendo tão independente da vida e do pensamento humanos quanto a ressurreição dos mortos, ou quanto qualquer obra assim". Hoje, reconhecemos a verdade da declaração de Calvino e agradecemos a Deus o modo como sua glória e o poder de sua Palavra resplandeceram na teologia dos reformadores, muito embora também confessemos com John Robinson, pastor dos imigrantes puritanos ingleses nos Estados Unidos, que "o Senhor ainda tem mais verdade e luz para irromper de sua santa Palavra".


CONCLUINDODesde a primeira edição, a editora Vida Nova fez um trabalho cuidadoso de tradução e edição, apresentando um índice remissivo de grande importância, ainda mais em livros como este, com grande riqueza de informações.

Ao ler, estudar e analisar a teologia dos reformadores este assunto aprofundou-me mais um pouco sobre estes grandes mestres e executores do movimento de renovação espiritual, e voltei-me aos rudimentos básicos da fé e da verdade de Deus. Roger Olson no seu livro sobre história da teologia cristã,[4] fala intensamente sobre a contribuição que os quatro maiores reformadores deram para a sistematização da teologia da igreja atual. E Timothy George neste livro fala com essa mesma intensidade de espírito da vida e objetivos dos reformadores de Deus. O autor foi muito coerente com a história dos reformadores e não deixou dúvidas sobre a vida e a obra de cada um deles. A herança bem explanada pelo autor faz-nos recordar a convicção de que, acima de tudo, o culto deve servir para adorar e louvar o único Deus e Senhor de todos.

A obra é recomendável. Depois da sua leitura, por sua relevante amostragem, o pensamento da Reforma lhe parecerá muito mais claro e significativo. Deste modo, poderá ser compreendido como e por que a cosmovisão da Reforma partindo das Escrituras mudou a história do Ocidente, colocando, no dizer de Machen, “o mundo em chamas”.[5]

Livro Disponível em:
https://vidanova.com.br/898-teologia-dos-reformadores-2-edicao-ampliada.html



[1] Leopold Von Ranke (1795-1886), historiador alemão de tradição luterana.
[2] Para uma visão mais ampla desta questão, ver: COSTA, Hermisten M. P. Raízes da teologia
contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 16-26.
[3] Philip Schaff, ed. Creeds of Christendom (Nova Iorque: Harper and Bros., 1877), III, pp. 307-308.
[4] OLSON, Roger. História da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001.
[5] MACHEN, J. Gresham. Cristianismo e liberalismo. São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 83.

Nenhum comentário: