GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova,
2013.
339p.
AUTOR E OBRA - A obra de George em sua sexta impressão
é muito bem-vinda. Publicada originalmente em inglês (Theology of the
Reformers, 1988) foi traduzida e publicada em português em 1994. De lá para
cá saíram oito reimpressões, sendo que tenho em mãos sétima, de 2013. No ano
passado (2017) esta obra passou por uma segunda edição revisada e ampliada.
A obra é preciosa. George, que tem
mestrado e doutorado em teologia em Harvard, é um teólogo de tradição batista
com profunda convicção calvinista (seus filhos que o digam, p. 13). Entre
outras atividades acadêmicas ele é diretor-fundador e professor de teologia da
Beeson Divinity School, sendo o atual deão. Timothy
George também é palestrante e conferencista. Como autor já escreveu mais de
vinte livros e escreve artigos regularmente para revistas teológicas. Teologia
dos Reformadores é seu principal livro. Já foi traduzido em diversas línguas e
tem sido usado como livro texto em muitas escolas e seminários. “Trechos deste
livro foram apresentados originalmente como palestras a estudantes de teologia
e pastores em diversos contextos” [p.12]. Como historiador, George é bem sincero
em admitir um grande perigo para todos que tratam assuntos do passado. Ele diz
que uma interpretação do passado está limitada a pelo menos dois fatores:
“pelas fontes em si e também pelo historiados que as seleciona e interpreta” [p.
17].
Além disso, sua obra é agradável de
ser lida. O autor concilia erudição e simplicidade, sendo bastante didático em
sua apresentação. É o resultado aperfeiçoado de palestras ministradas e textos
publicados ao longo de seu ministério. Ele pôde reunir todo o material e
ampliá-lo significativamente durante o ano que permaneceu de licença na Suíça [p.12].
Na INTRODUÇÃO e CAPITULO 2,
o autor faz considerações esclarecedoras sobre a Idade Média como uma época
carente de Deus, estando os fiéis angustiados, “sedentos por Deus”. Faz recortes da Reforma, explicando inicialmente os
antecedentes da reforma dentro da igreja Católica e as teologias dominantes: o
escolasticismo, misticismo e humanismo. Todo este clima é representado e
expresso pela palavra Anfechtungen que indicava a
ansiedade e a angústia (angst) religiosa da
época. Ao descrever o contexto da época da Reforma no século XVI o autor
diz que aqueles dias eram caracterizados por violência e intolerância, desta
forma, os próprios reformadores “não eram destituídos de fanatismo e
intolerância” [p. 12]. Porém, não podemos tratar de eventos passados a partir
de aspectos e padrões da época presente. Temos que respeitar o contexto
cultural [p.20]. No período da denominada Baixa Idade Média, véspera da
Reforma, a realidade da morte era algo muito marcante. Diversas doenças matavam
a muitos naqueles dias. Daí a atenção voltada para a religião, para a vida
pós-morte. Consequentemente, tudo o que podia assegurar uma boa vida com Deus
era bem enfatizado: indulgências, peregrinações, relíquias, rezas repetidas.
Notamos nisto tudo o esforço humano em tentar garantir seu futuro, em obter
méritos. Tudo isto foi preparando o caminho para a Reforma.
George analisa alguns dos personagens
basilares da Reforma que representam tradições distintas, dedicando um capítulo
aos pontos mais relevantes da teologia de cada um (Lutero, Zuínglio, Calvino,
Simons). Os três primeiros ligados à Reforma
Magisterial e o último à Reforma Radical. A cada um destes vultos da Reforma é
dedicado um capítulo, onde se expõe os aspectos teológicos mais relevantes de
suas contribuições na Reforma: a relação da igreja com o Estado, a erudição, os
comentários, os principais livros, a eclesiologia, principalmente quanto à ceia
e ao batismo; a relação com a igreja católica e o debate entre os próprios Reformadores,
entre outros detalhes.
O CAPÍTULO 3 é dedicado a Martinho
Lutero. Lutero é apresentado como um dos maiores teólogos da história da
igreja, não para os católicos que dizem que ele era um monge louco que atacava
os pilares da Igreja Mãe, mas para os protestantes, uma vez que a principal
doutrina defendida por Lutero foi a justificação pela fé. Lutero
também defendia a inspiração verbal e plenária das Escrituras [p.83] e batalhou
para que o povo pudesse ter a Bíblia na sua própria língua alemã. Neste ponto,
a invenção da imprensa foi de grande ajuda. Ele também enfatizou a
interpretação da Bíblia de forma histórica-gramatical e as pregações nos cultos
públicos para todos. É importante dizer que Lutero era um teólogo
bíblico que observava seu mundo e procurava as respostas bíblicas para as
situações particulares de seu contexto. Ele não valoriza as tendências
escolásticas, mas é chamado neste livro de existencialista, pois para ele “o
interesse por Deus era questão de vida ou morte, envolvendo não apenas o
intelecto de um homem, mas sua existência como um todo” [p.60].
No CAPÍTULO 4 nos é apresentado um outro
reformador da primeira geração, mas com uma visão mais social e política, foi
Zuínglio. Zuínglio era pastor, patriota, teólogo, mesmo que não tenha recebido
o título de doutorado, e político. Uma combinação um pouco estranha a primeira
vista. Tanto que ele que detestava guerra, não foi “absolutamente um pacifista
radical” [p.112] e morreu após ser ferido em batalha. Zuínglio também
destacou as Escrituras. Ele abordou a importância de pregar diretamente da
Bíblia, de aprender apenas das Escrituras e a necessidade dos pastores usarem
uma cópia do Novo Testamento grego. “Sola Scriptura” - bandeira de todos os
reformadores. Ele destacava uma lealdade absoluta somente a Deus, porém
era notável seu desligamento “parcial” do catolicismo quando ele ainda defendia
a virgindade perpétua de Maria [p.130]. A eleição também é defendida por
Zuínglio. Ele ensinava que o homem salvo, o cristão, não tinha crédito nenhum
por sua própria salvação. Porém, o que era estranho era sua afirmação de que
mesmo sem ter ouvido o evangelho alguns poderiam ter sido eleitos por Deus [p.124-125].
Isto tem algo parecido com a valorização da razão de Tomás de Aquino, mas
contraditório com a ênfase de que Cristo é o único meio de salvação.
No CAPÍTULO 5, Calvino é bem descrito a
partir de sua obra principal (As Institutas) em paralelo com os seus
comentários das Escrituras. É notório como Timothy George sintetiza bem a
teologia do grande Reformador, demonstrando erudição e habilidade didática. Calvino
é o terceiro reformador tratado neste livro de Timothy George. Ele é um
reformador de segunda geração e admitiu ser influenciado por Lutero, mesmo
nunca tendo o encontrado pessoalmente. Calvino era um pastor, que a partir de
seus escritos notamos uma capacidade de aplicações práticas que edificavam e
edificam o rebanho do Senhor, um professor influenciado por Agostinho e Lutero,
um escritor, um estadista da igreja e tornou-se um marido. “A grande
realização de Calvino foi tomar os conceitos clássicos da Reforma (sola gratia,
sola fide, sola scriptura) e dar-lhes uma exposição clara e sistemática, que
nem Lutero, nem Zuínglio jamais fizeram, adaptando-os ao contexto civil de
Genebra” [p.166].
No CAPÍTULO 6, é interessante a forma
coerente como ele descreve a vida de Menno Simons sem menosprezá-lo ou
ridicularizá-lo como anabatista. George aponta a ênfase de Simons no batismo
por imersão (que ele não considerava rebatismo, tendo em vista que o
pedobatismo não era um verdadeiro batismo), na disciplina eclesiástica, que
tendia ao separatismo, e na sua recorrência “exclusiva” às Escrituras, sem
passar por consulta a credos, concílios e confissões ao longo da história da
Igreja. Porém, de forma interessante, boa parte de seus escritos voltou-se para
uma temática conciliar (a encarnação do Redentor), a qual ele cria não ter
herdado sua humanidade de Maria, apesar de ter sido nutrido por Maria. O Filho
de Deus é de procedência celestial (e com isto ele não se aproxima do
docetismo, mas deseja resguardar a impossibilidade da transmissão do pecado de
Maria a Jesus).
UMA ANÁLISE - George buscou o equilíbrio na
avaliação dos personagens da Reforma, propondo-se a não “canonizar os
reformadores”, ilustrando falhas de cada um. Contudo, seu entusiasmo por esses
homens é compreensível: “... o que é notável nos reformadores é que, apesar de
seus pontos fracos, pecados e setores cegos, eles foram capazes de apreender
com muita perspicuidade o caráter paradoxal da condição humana e a grande
possibilidade de redenção humana mediante Jesus Cristo” [p.12].
Daí o seu desafio
para que os ouçamos. O seu propósito não é apologético [p.15-23].
Seguindo o modelo de Ranke,[1] propõe-se a um uso “escrupuloso
das fontes” [p.17], ainda que reconheça, corretamente, que uma história
completamente objetivo não pode ser escrita. “A história nunca é o simples
recontar do passado como realmente foi. É, inevitavelmente, uma interpretação
do passado, uma visão retrospectiva do passado limitada tanto pelas fontes em
si quanto pelo historiador que as seleciona e interpreta” [p.17].[2] Ele se vale com habilidade
de fontes primárias e secundárias. No final de cada capítulo apresenta uma útil
bibliografia selecionada e comentada.
Ainda que sustente que a Reforma foi
um movimento essencialmente religioso [p.20], admite que ela foi “uma era de
transição, caracterizada pelo surgimento de um novo tipo de cultura que estava
se esforçando para nascer enquanto o velho tipo de cultura ainda estava
morrendo” [p.19]. No entanto, foi “a um tempo reavivamento e revolução” [p.21].
O autor observa corretamente que,
“embora acolhessem entusiasticamente os esforços dos eruditos humanistas, tais
como Erasmo, por recuperar o primeiro texto bíblico e submetê-lo a uma rigorosa
análise filológica, [os reformadores] não viam a Bíblia meramente como um livro
entre muitos outros. Eles eram irrestritos em sua aceitação da Bíblia como a
única e divinamente inspirada Palavra do Senhor” [p.31]. Os
reformadores foram “grandes exegetas das Escrituras Sagradas” [p.313].
O humanismo sendo útil à Reforma,
jamais chegou ao cerne da questão a vital que distanciava a igreja de sua
origem e propósito: “A despeito da importância do humanismo como uma preparação
para a Reforma, a maioria dos humanistas, e principalmente Erasmo entre eles,
nunca alcançou nem a gravidade da condição humana, nem o triunfo da graça
divina, o que marcou os reformadores. O humanismo, assim como o misticismo, foi
parte da estrutura que possibilitou aos reformadores questionar certas
suposições da tradição recebida, mas que em si mesma não era suficiente para
fornecer uma resposta duradoura às obsessivas perguntas da época” [p.50].
A Reforma foi um movimento progressista:
“Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo Testamento e
da época patrística, A Reforma consistiu essencialmente num movimento visando
ao futuro. Foi um movimento dos ‘últimos dias’, vivido numa forte tensão
escatológica entre o ‘não mais’ da antiga dispensação e o ‘ainda não’ do reino
perfeito de Deus” [p.319].
A Reforma, no entanto, não foi
autogerada; antes, digamos, foi o movimento que teve êxito numa sucessão de
tentativas frustradas ao longo dos séculos: “A reforma do século XVI,
portanto, foi uma continuação da busca pela igreja verdadeira que havia começado
muito antes que Lutero, Calvino ou os padres de Trento entrassem na lista” [p.34].
Ele termina sua jornada com um
capítulo – CAPÍTULO 7 - sobre “A
Validade permanente da Reforma”, destacando alguns pontos: Soberania e
Cristologia, Escrituras e Eclesiologia, Culto e Espiritualidade e Ética e
Escatologia.
a) Soberania e Cristologia - O tema da
soberania de Deus ressoa inequivocamente ao longo dos escritos dos quatro
reformadores. À primeira vista, poderia parecer que essa ênfase era peculiar
aos reformadores principais, com sua insistência na liberdade e na decisão
eterna de Deus na eleição. Contudo, a seu modo, Menno e os anabatistas não eram
menos enfáticos quanto ao governo absoluto de Deus sobre o mundo e a história.
Pelo menos, sua oposição às normas culturais da época e sua disposição de
seguir Jesus, chegando a ponto de viver sem defesa numa sociedade violenta,
refletia uma confiança ainda mais firme na prioridade e na vitória derradeira
do comando de Deus. Entretanto, a doutrina reformada básica da eleição ou da
predestinação sobressaía-se como uma testemunha inequívoca da soberania de Deus
na salvação humana. Essa era, e continuou a ser, uma pedra de tropeço
importante para aqueles que viam nisso uma restrição prejudicial da liberdade e
da moralidade humanas. Os reformadores, porém, encontraram nesse ensino uma
libertação formidável do insuportável fardo da auto justificação. Eles viam os
seres humanos tão profundamente escravizados pelo pecado que somente a graça
soberana de Deus poderia verdadeiramente libertá-los. Dois famosos tratados de
Lutero, A Liberdade do Cristão, de 1520, e A Escravidão da Vontade, de 1525,
constituem dois lados da mesma moeda. A eleição merecida e incompreensível de
Deus é a única base real para a liberdade humana!
b) Escrituras e Eclesiologia - O princípio da
sola scriptura tem sido tradicionalmente mencionado como o "princípio
formal" da Reforma, em oposição ao "princípio material" da
justificação pela fé somente. Essa distinção, contudo, é ilusória, na medida em
que leva a supor que os reformadores consideravam a Bíblia um axioma teológico
ou um prolegômeno filosófico, e não o vivo e poderoso oráculo de Deus. No
século XVI, a inspiração e a autoridade das Escrituras Sagradas não era um
ponto de debate entre católicos e protestantes. Todos os reformadores, até
mesmo os radicais, aceitavam a origem divina e o caráter infalível da Bíblia. A
questão que surgiu na Reforma foi sobre o modo como a autoridade divinamente
comprovada das Escrituras Sagradas estava relacionada à autoridade da igreja e
da tradição eclesiástica (católicos romanos), por um lado, e ao poder da
experiência pessoal (espiritualistas), pelo outro. O sola do sola scriptura não
pretendia desprezar completamente o valor da tradição da igreja, mas sim
subordiná-la à primazia das Escrituras Sagradas. Enquanto a Igreja Romana
recorria ao testemunho da igreja a fim de validar a autoridade das Escrituras
canônicas, os reformadores protestantes insistiam em que a Bíblia era
autolegitimadora, isto é, considerada fidedigna com base em sua própria
perspicuidade (cf. Klarheit, de Zuínglio), comprovada pelo testemunho íntimo do
Espírito Santo. O Artigo V da Confissão Belga (1561) levanta a questão de como
uma pessoa chega a aceitar a dignidade e a autoridade dos livros canônicos. A
resposta apresentada é a seguinte: "... não tanto porque a igreja os
receba e aprove como tais, porém mais especialmente porque o Espírito Santo
testifica em nossos corações que são de Deus, a respeito do que trazem a prova
em si mesmos".[3]
Na
perspectiva da Reforma, então, a igreja de Jesus Cristo é aquela comunhão de
santos e congregação dos fiéis que ouviram a Palavra de Deus nas Escrituras
Sagradas e que, com o serviço obediente a seu Senhor, prestam testemunho dessa
Palavra ao mundo. Devemos lembrar-nos de que a igreja não começou com a
Reforma. Os reformadores pretendiam voltar à concepção neotestamentária de
igreja, expurgar e purificar a igreja de seus dias segundo a norma das
Escrituras Sagradas. Até os anabatistas, os quais sentiam que um começo
absolutamente novo era necessário, conservaram - mesmo enquanto se transmudavam
- mais da tradição e da teologia dos pais e dos credos do que pensavam. Embora
não devamos ser privados das difíceis vitórias conquistadas pelos reformadores
no interesse de um ecumenismo simplificado, celebramos e participamos da busca
pela unidade cristã justamente porque consideramos com seriedade o conceito
reformado da igreja - ecclesia semper reformanda, não simplesmente numa igreja
reformada de uma vez por todas, mas sim uma igreja a ser continuamente
reformada, uma igreja sempre necessitando de uma reforma a mais com base na
Palavra de Deus.
c) Culto e Espiritualidade - Ao longo da
história da igreja, tem havido intensa correlação entre o desenvolvimento da
doutrina cristã e a prática do culto cristão. De acordo com um dito popular na
igreja primitiva, "a regra da oração deve estabelecer a regra da fé".
A Reforma lembra-nos de que tal processo é uma estrada em dois sentidos: não só
o culto tem efeito moldador sobre a teologia, mas também a renovação teológica
pode levar a uma revisão litúrgica. No século XVI, a ênfase renovada na graça
soberana de Deus fez surgir a reação de gratidão que os reformadores procuravam
incorporar em suas revisões da liturgia medieval. Como parte de seu protesto
contra o domínio clerical da igreja, os reformadores visavam a uma participação
total no culto. Sua reintrodução da língua do povo era em si mesma
revolucionária, pois exigia que o culto divino fosse oferecido ao Deus
Todo-Poderoso na língua usada por negociantes, no mercado, e por maridos e
esposas, na privacidade de seus quartos. A intenção dos reformadores não era
tanto secularizar o culto, quanto santificar a vida comum. Vimos como os
reformadores reduziram os sacramentos medievais de sete para dois. Observamos
também como, em relação a esses dois, o batismo e a ceia do Senhor, as
diferenças entre os reformadores tornaram-se um obstáculo fundamental para a
unidade entre eles. Os anabatistas insistiam em que o batismo era conseqüente à
fé e negavam ainda que os bebês pudessem recebê-la adequadamente, seja a fé
pressuposta (Lutero), paterna (Zuínglio) ou parcial (Calvino). Cada um dos
reformadores que estudamos incorporou um tema de espiritualidade diferente, se
não insólito, o qual tanto moldou a expressão teológica particular adotada
quanto foi por ela moldado. Para Lutero, era a sensação de júbilo e liberdade
com o perdão dos pecados; para Zuínglio, era a religião pura e o serviço
obediente ao único Deus verdadeiro. A espiritualidade de Calvino estava
concentrada naquele senso de temor e de admiração perante a glória de Deus,
essencial à piedade adequada; a de Menno enfocava o discipulado fiel, que
significava seguir a Jesus compartilhando de seu sofrimento. Para cada um
deles, a vida em si era litúrgica. A pregação, a oração, o louvor e os
sacramentos eram expressões comuns de fé e da devoção, originárias das vidas
transformadas de homens e mulheres que haviam sido apanhados pela graça de
Deus. O culto cristão contemporâneo é motivado e julgado por padrões diversos:
seu valor de entretenimento, seu suposto apelo evangélico, sua fascinação
estética, até mesmo, talvez, seu rendimento econômico. A herança litúrgica da Reforma
faz-nos recordar a convicção de que, acima de tudo, o culto deve servir para o
louvor do Deus vivo.
d) Ética
e Escatologia - Há um tipo de adulação dos reformadores do século XVI que
separa sua teologia de sua ética. Essa perspectiva reconhece corretamente os
reformadores como grandes heróis da fé, mas deixa de discernir seu papel
profético e seu impacto revolucionário na sociedade. Entretanto, a fé reformada
preocupava-se com o todo da vida, não simplesmente com o âmbito religioso ou
espiritual. Isso era verdade porque o Deus soberano da Reforma estava
interessado no ser humano inteiro, corpo, alma, mente, instintos, relações sociais
e adesões políticas. Retomando as quatro personagens que estudamos, podemos
resumir suas principais contribuições à ética sob o aspecto de três temas que
se sobrepõem. Apesar de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo
Testamento e da época patrística, a Reforma consistiu essencialmente num
movimento visando ao futuro. Foi um movimento dos "últimos dias",
vividos numa forte tensão escatológica entre o "não mais" da antiga
dispensação e o "ainda não" do reino perfeito de Deus. Nenhum dos
reformadores que estudamos esteve muito envolvido com as escatologias
apocalípticas radicais que floresceram no século XVI. Nenhum deles escreveu um
comentário sobre o Livro do Apocalipse. Mas cada um deles estava convencido de
que o reino de Deus irrompia na história nos eventos em que ele foi levado a
desempenhar um papel. Inundado por essa percepção de urgência escatológica,
Calvino, em 1543, escreveu ao Santo Imperador Romano Carlos V: "A Reforma
da igreja é obra de Deus, sendo tão independente da vida e do pensamento
humanos quanto a ressurreição dos mortos, ou quanto qualquer obra assim".
Hoje, reconhecemos a verdade da declaração de Calvino e agradecemos a Deus o
modo como sua glória e o poder de sua Palavra resplandeceram na teologia dos
reformadores, muito embora também confessemos com John Robinson, pastor dos
imigrantes puritanos ingleses nos Estados Unidos, que "o Senhor ainda tem
mais verdade e luz para irromper de sua santa Palavra".
CONCLUINDO - Desde a primeira edição, a editora
Vida Nova fez um trabalho cuidadoso de tradução e edição, apresentando um
índice remissivo de grande importância, ainda mais em livros como este, com
grande riqueza de informações.
Ao ler, estudar e
analisar a teologia dos reformadores este assunto aprofundou-me mais um pouco
sobre estes grandes mestres e executores do movimento de renovação espiritual,
e voltei-me aos rudimentos básicos da fé e da verdade de Deus. Roger Olson no
seu livro sobre história da teologia cristã,[4] fala
intensamente sobre a contribuição que os quatro maiores reformadores deram para
a sistematização da teologia da igreja atual. E Timothy George neste livro fala
com essa mesma intensidade de espírito da vida e objetivos dos reformadores de
Deus. O autor foi muito coerente com a história dos reformadores e não deixou
dúvidas sobre a vida e a obra de cada um deles. A herança bem explanada pelo
autor faz-nos recordar a convicção de que, acima de tudo, o culto deve servir
para adorar e louvar o único Deus e Senhor de todos.
A obra é recomendável. Depois da sua
leitura, por sua relevante amostragem, o pensamento da Reforma lhe parecerá
muito mais claro e significativo. Deste modo, poderá ser compreendido como e
por que a cosmovisão da Reforma partindo das Escrituras mudou a história do
Ocidente, colocando, no dizer de Machen, “o mundo em chamas”.[5]
Livro Disponível em:
https://vidanova.com.br/898-teologia-dos-reformadores-2-edicao-ampliada.html
Livro Disponível em:
https://vidanova.com.br/898-teologia-dos-reformadores-2-edicao-ampliada.html
[1] Leopold Von Ranke
(1795-1886), historiador alemão de tradição luterana.
[2] Para uma visão mais
ampla desta questão, ver: COSTA, Hermisten M. P. Raízes da teologia
contemporânea. São Paulo: Cultura
Cristã, 2004, p. 16-26.
[3]
Philip Schaff, ed.
Creeds of Christendom (Nova Iorque: Harper and Bros., 1877), III, pp. 307-308.
[4] OLSON, Roger. História
da Teologia Cristã. São Paulo: Editora Vida, 2001.
[5] MACHEN, J. Gresham. Cristianismo
e liberalismo. São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 83.
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