LÉONARD, É-G. O Protestantismo Brasileiro.
3. ed. rev. São Paulo: ASTE, 2002.[1] 387p.
A agradável leitura da obra do
professor, pesquisador e historiador francês Émile-Guillaume Léonard, objeto desta
resenha, traz um minucioso panorama da história do protestantismo em nosso
país.
Léonard foi professor de História na
Universidade de São Paulo por quase três anos, na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, lecionando a disciplina História Moderna e Contemporânea. Esse
período em que esteve no Brasil suscitou no autor o desejo de fazer uma
investigação histórica a fim de “compreender e fazer compreendida a história do
protestantismo” [p.75].
O contexto histórico europeu do século
XVI, do qual se originou a Reforma Protestante, era muito semelhante ao
contexto brasileiro (e católico) do final do século XIX. Esta era a tese de
Léonard. Os acontecimentos que fizeram emergir a Reforma na Europa estavam
acontecendo aqui também, mas alguns séculos depois, obviamente. O nosso
protestantismo ainda é recente, nem completou dois séculos de existência, mas Léonard
nos ensina que já se podem ver as suas influências nas mais diversas áreas da
vida do povo brasileiro.
A obra é dividia em dez capítulos.
Além dos pré-textuais, que chamam a atenção do leitor. Em “Fontes e
bibliografias”, Léonard nos dá uma “aula” sobre como fazer história. Situa o leitor
sobre as principais obras utilizadas em sua vasta pesquisa, bem como mostra a
importância de utilizar outras fontes, como investigação de jornais (seculares
e das igrejas), arquivos de igrejas (atas, listas de membros), de instituições
federativas e presbitérios, documentos familiares, monografias e até pesquisas pessoais
(como testemunhos).
O CAPÍTULO
1 relata a situação eclesiástica que se encontrava no Brasil do Iº Império
e da Regência. A falta de padres no clero brasileiro refletiu na fraqueza
espiritual do povo da época. Léonard explica que o principal motivo para a
insuficiência numérica de padres jazia na pouca remuneração que recebiam.
Nessa época, estava no Brasil o
reverendo Kidder (pastor metodista norte-americano, considerado o pioneiro do
protestantismo em terras brasileiras), que, no século XIX, percorreu o nosso
país distribuindo Bíblias. É por meio das narrativas desse pastor-viajante que
o autor discorre sobre a vida social, geográfica e econômica de nosso país.
Nesse capítulo, ainda vemos como ocorreu a primeira propaganda protestante,
realizada pelo regente Feijó. Munido pela motivação de “elevar o nível
espiritual do país” [p.45], Feijó pede ao marquês de Barbacena que enviasse ao
Brasil duas corporações de Irmãos Morávios (comunidade protestante com uma
atividade missionária bem organizada), a fim de educar os índios brasileiros.
Sua proposta não foi aprovada, mas ficou registrada como a primeira tentativa
de fazer uma propaganda protestante em território brasileiro.
A chegada dos primeiros missionários
estrangeiros e as circunstâncias que favoreceram tal vinda (as disposições do Imperador
D. Pedro II e a necessidade de imigrantes para trabalhar no Brasil) são
narradas no CAPÍTULO 2 Dom Pedro II sabia
que a imigração tão necessária ao desenvolvimento do Brasil de veria vir de
países protestantes. Mas, para isso, era necessário “assegurar aos mais
‘evoluídos’ desses colonos esperados, pertencentes a nações protestantes, a
possibilidade de exercer seu culto e de nele educar seus filhos” [p.54]. Para
tal feito, seria necessário rever o artigo 5º da Constituição vigente: “A
religião Católica Apostólica Romana continuará a ser religião oficial. Todas as
demais serão admitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas
destinadas a esse fim, que não possuam forma exterior de templos [p.54].
E foi assim que o protestantismo
ganhou terreno para começar a fazer seus prosélitos: chegou ao território
brasileiro o reverendo James Cooley Fletcher, pastor presbiteriano,
representante da Sociedade Bíblica Americana e secretário da legação dos
Estados Unidos (cargo que atraiu a atenção e os benefícios de D. Pedro). Foi
pela “amizade” de Fletcher (e por sua insistência também) que Robert Reid
Kalley (fundador da primeira igreja protestante do Brasil) aportou em
território nacional, em maio de 1855.
Em junho de 1858, Kalley batizou o
primeiro protestante brasileiro, ato que causou certo impacto no clero católico.
A obstinação do médico escocês, foragido da Ilha da Madeira, ainda conquistou
outras vitórias aos protestantes brasileiros, tais como: a regularização e
validação de casamentos (contrato privado acompanhado de bênção pastoral),
coleção de cânticos, os salmos e hinos (utilizados até pouco tempo atrás nas
igrejas presbiterianas do Brasil inteiro), a constituição de assembleias administrativas
mensais e até a eleição de quatro presbíteros para cuidar do rebanho de
cinquenta membros professos.
Ainda no CAPÍTULO 2, lemos sobre a vinda do missionário presbiteriano Ashbel
Green Simonton em agosto de 1859, a história de vida e luta do “apóstolo
brasileiro” José Manoel da Conceição e também sobre a origem da Igreja
Presbiteriana de Brotas, interior do Estado de São Paulo.
No CAPÍTULO 3, o autor apresenta as diversas missões estrangeiras,
seus missionários e suas características de pregação: Richard Holden e a teoria
darbista da “ruína da Igreja”, a Missão Presbiteriana, a Missão Metodista
Episcopal, a Missão Batista, a Missão Episcopal e a “Help for Brazil”.
Apesar dos esforços dos missionários
estrangeiros e de suas igrejas-mães em evangelizar o Brasil, Léonard [p.94-95] surpreende
ao dizer que “a atividade intensa destes propagandistas não foi de forma alguma
o fator principal da expansão protestante no Brasil”. Para o autor, as
conversões ocorriam de forma autônoma, sem ajuda de missionários, por meio
apenas da leitura da Bíblia. Foi assim, pelo simples ato de ler as Escrituras, que
muitas comunidades protestantes se formavam no final do século XIX: “[...]
quando uma população está pronta ao conhecimento e aceitação de uma nova
ideologia, ela se propaga como um incêndio na floresta, por faíscas dispersas
levada pelo acaso dos ventos, ou do Espírito” [p. 101].
Ainda nesse capítulo, o autor
demonstra que o corpo protestante do Brasil era composto de todas as classes e
profissões. Mas foi a adesão de “ilustres” e intelectuais que contribuiu para a
formação de universidades no país.
Como não poderia deixar de acontecer,
a reação católica ao movimento protestante foi iminente. As manifestações do clero
e fiéis católicos são apresentadas no CAPÍTULO
4. Os exemplos citados na obra são muitos e variados, desde cultos
que foram interrompidos, passando pela criação de corinhos e fogueiras feitas
com as bíblias (tidas como falsas), até a proibição do enterro de uma criança
em um cemitério da cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo. E os
protestantes respondiam a esses insultos não atacando os católicos e o
catolicismo, mas apenas “apresentando o evangelho na sua simplicidade” [p.117].
E foi talvez, na lembrança de tais atentados e insultos, que o corpo
protestante brasileiro ia ganhando força e aumentando a sua fé.
O CAPÍTULO
5 apresenta a relação entre as denominações existentes no Brasil que, na
opinião de Léonard [p.142], mantinham uma “amizade fraternal”. No decorrer do
capítulo, Léonard [p.145] apresenta os motivos que levaram à nacionalização das
igrejas presbiterianas brasileiras e a forma como isso aconteceu,
“eventualidade prevista e mesmo desejada”. Tal emancipação não foi bem-vista
pelas igrejas-mães estrangeiras que relutaram em aceitar tal feito, mas que,
enfim, ocorreu mediante a garantia de subsistência financeira.
Nesse capítulo, o autor relata como se
deu a formação dos colégios americanos, que tinham como objetivo propagar, mesmo
de forma indireta, o Reino de Deus na terra e “atrair as elites nacionais para
os meios protestantes, submetendo-as, então à influência protestante por
ocasião da educação geral” [p.148].
Apresentam-se, em riqueza de detalhes,
a formação da Escola Americana (hoje Colégio Presbiteriano Mackenzie) e história
de Eduardo Carlos Pereira e de como a questão maçônica influenciou na
constituição da Igreja Presbiteriana Independente. De acordo com Léonard [p.170],
essa igreja dissidente estabeleceu como base uma “[...] colaboração amiga entre
a Igreja Presbiteriana [...] e os missionários. A estes, renunciado o intento
de dirigir a igreja e de apoiar os colégios estrangeiros e a pretensão de
monopolizar todo o ensino presbiteriano, ficaria ainda a importantíssima tarefa
– a única verdadeiramente missionária – de abrir novos campos de evangelização
como postos avançados do presbiterianismo brasileiro.”
As demais denominações protestantes do
Brasil também passaram pelo processo de emancipação de suas igrejas--mães,
relatado no CAPÍTULO 6 da obra. Há
uma ênfase no relato da história de emancipação da igreja batista. Os batistas
brasileiros do Norte também queriam ter a direção do ensino de seus colégios,
assim como ocorreu com os presbiterianos anos antes, pois “é no campo da
educação que o evangelho produz os seus frutos seletos e superiores, homens
preparados para falar com poder à consciência nacional” [p.192]. Para tal
feito, os batistas inovaram ao criarem em Recife uma Escola de Trabalhadoras
Cristãs, que deve ria “assegurar aos batistas [...] colaboradoras
experimentadas de que as igrejas, em seu trabalho social e de ensino que
deveria acompanhar a evangelização, não poderiam prescindir” [p.197].
O nosso recente protestantismo não se
preocupou muito com a evangelização no exterior, mas sim no interior do país. A
primeira tentativa de evangelização no exterior (mais precisamente em Portugal)
ocorreu por iniciativa da Igreja Fluminense, no Rio de Janeiro, como é mostrado
no CAPÍTULO 7. Em 1919, foi criada a
“Missão Evangelizadora do Brasil e de Portugal”, que visava “converter todas as
terras de origem de língua portuguesa, de ambos os lados do Atlântico” (p.213].
Com a falta de pastores para cuidar da nova igreja portuguesa, a Igreja Presbiteriana
pediu ajuda às outras denominações para geri-la. Tal ação resultou em uma
“congregacionalização” da Igreja Presbiteriana de Lisboa, o que foi resolvido apenas
em julho de 1910, com chegada do reverendo Álvaro Reis a Portugal. Em pouco
tempo (e depois de muitos acontecimentos), as igrejas-filhas portuguesas
começavam a preocupar as suas igrejas-mães brasileiras. O problema era o bom e
velho nacionalismo: as igrejas portuguesas também queriam ser independentes das
igrejas brasileiras.
Os três últimos capítulos (8, 9 e 10)
tratam dos problemas atuais do protestantismo brasileiro. O CAPÍTULO 8 traz ao leitor dados da
reação católica ante o crescimento protestante: algumas igrejas foram abertas,
e padres, ordenados. Léonard também mostra a influência de padres estrangeiros
no corpo de fiéis católicos no Brasil. Também nesse capítulo, o autor relata
problemas no corpo protestante, no âmbito financeiro. Com o aumento crescente
de prosélitos de todas as classes sociais, em especial de classes mais pobres, as
igrejas começaram a padecer financeiramente. Os dízimos (um décimo do salário do
trabalhador que, por ordem bíblica, deve ser entregue na Casa do Senhor) eram
cada vez menores, uma vez que os fiéis que mais frequentavam as igrejas eram de
origem pobre.
Ainda nesse capítulo, o autor aborda
aspectos relacionados à formação do corpo protestante (pastores, oficiais e
fiéis). Apesar de todas as denominações hoje terem suas faculdades de teologia
para formar seus líderes, os salários pagos nesse “ministério”, segundo Léonard
[p.256], é muito baixo, igualando-se ao “salário dos trabalhadores”. Com
relação aos oficiais não remunerados nas igrejas, Léonard [p. 262] testifica: “Na
sua maior parte os leigos que secundam os pastores na maioria das igrejas
protestantes são, pois, verdadeiros leigos, simples fiéis ou “oficiais”
instituídos, nas igrejas presbiterianas, como “presbíteros” ou “diáconos”.
Enquanto estes últimos se ocupam da atividade beneficente e social da
comunidade, os primeiros a dirigem, quer ao lado do pastor, quer nas igrejas
que não possuem pastor residente, ou nas congregações, em seu lugar.”
Vale lembrar que, para ser presbítero
nas igrejas, não há necessidade de formação teológica. O autor ainda ressalta a
importância das escolas dominicais, que servem para instruir religiosamente
seus fiéis nas doutrinas da igreja.
O CAPÍTULO
9 conta as lutas das igrejas brasileiras para se tornarem totalmente
autônomas de suas igrejas-mães. Léonard [p.285) lembra que, para se tornar
independente, a igreja deve possuir uma “completa independência financeira, e em
condições tais que esta independência não limite seu desenvolvimento, mas o
mantenha e aumente”. É fundamental que os fiéis se mantenham praticantes dos
dízimos e das ofertas à igreja. Nesse capítulo, o autor trata das
características dos regimes eclesiásticos das igrejas protestantes no Brasil:
episcopal, congregacional e presbiteriano.
E, finalmente, no CAPÍTULO 10, Léonard lida com os novos campos de ação e as novas
formas que o protestantismo brasileiro apresenta na atualidade. Há relatos e
dados sobre a importância da Escola Dominical na ação missionária e
evangelística das igrejas. Com o crescente aumento do êxodo urbano, as igrejas
resolveram apostar na evangelização de massa: programas de rádio, alto-falantes
e, na atualidade, os inúmeros programas de televisão.
Já, na década de 1960, data de
publicação da obra, Léonard [p.367] faz um relato sobre o crescimento do
“cristianismo do Espírito” ou das igrejas pentecostais e neopentecostais, que
enfatizam muito mais a experiência e a emoção do que a própria leitura da
Bíblia e o aprendizado desta.
A obra de Émile-Guillaume Léonard
retrata fielmente o surgimento e crescimento do protestantismo no Brasil. O
autor parece não ter perdido os detalhes, as pistas de como tal fenômeno
ocorreu. Hoje, pesquisas mostram que 49% da população brasileira de grandes
centros urbanos é evangélica (GARCEZ, 2009).[2] Isso significa que, nos
centros urbanos, um em cada dois brasileiros é evangélico. E as estimativas
futuras podem ser surpreendentes. O Serviço de Evangelização para a América
Latina (Sepal) estima que em 2020 metade dos brasileiros será evangélica
(FERNANDES, 2009).[3]
Em 1960, data da publicação da obra, os evangélicos representavam apenas 4% da
população brasileira. Hoje, estima-se que sejam quase 24%. Mas os pesquisadores
do Sepal estimam que esse número irá dobrar em menos de doze anos. Se de fato a
população evangélica aumentar, teremos uma boa diminuição do consumo de álcool
(uma vez que todas as denominações são contra ele), a educação será bem mais
valorizada (já que, para ler a Bíblia, ela será necessária) e o índice de
divórcios e lares desfeitos poderá também diminuir, uma vez que as igrejas dão muito
valor às famílias.
O futuro do Brasil protestante é ainda
incerto. Mas conhecer seu passado é fundamental para qualquer brasileiro. Um
passado emaranhado de lutas e vitórias. Aspirações e também alguns fracassos.
Por isso, é imprescindível conhecer esse passado por intermédio da obra do
“minerador” Léonard.
Este livro é uma peça que está se
tornando rara. Os únicos lugares possíveis de encontrar algum exemplar são:
Editora ASTE
Estante Virtual
https://www.estantevirtual.com.br/animalivros/emile-g-leonard-o-protestantismo-brasileiro-1067272912
[2] GARCEZ, B.
Evangélicos e carismáticos chegam a 49% da população urbana. Disponível em:
. Acesso em: 6 maio 2018.
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