quarta-feira, 18 de julho de 2018

O PROTESTANTISMO BRASILEIRO [Resenha]


LÉONARD, É-G. O Protestantismo Brasileiro. 3. ed. rev.  São Paulo: ASTE, 2002.[1] 387p.

A agradável leitura da obra do professor, pesquisador e historiador francês Émile-Guillaume Léonard, objeto desta resenha, traz um minucioso panorama da história do protestantismo em nosso país.

Léonard foi professor de História na Universidade de São Paulo por quase três anos, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, lecionando a disciplina História Moderna e Contemporânea. Esse período em que esteve no Brasil suscitou no autor o desejo de fazer uma investigação histórica a fim de “compreender e fazer compreendida a história do protestantismo” [p.75].

O contexto histórico europeu do século XVI, do qual se originou a Reforma Protestante, era muito semelhante ao contexto brasileiro (e católico) do final do século XIX. Esta era a tese de Léonard. Os acontecimentos que fizeram emergir a Reforma na Europa estavam acontecendo aqui também, mas alguns séculos depois, obviamente. O nosso protestantismo ainda é recente, nem completou dois séculos de existência, mas Léonard nos ensina que já se podem ver as suas influências nas mais diversas áreas da vida do povo brasileiro.

A obra é dividia em dez capítulos. Além dos pré-textuais, que chamam a atenção do leitor. Em “Fontes e bibliografias”, Léonard nos dá uma “aula” sobre como fazer história. Situa o leitor sobre as principais obras utilizadas em sua vasta pesquisa, bem como mostra a importância de utilizar outras fontes, como investigação de jornais (seculares e das igrejas), arquivos de igrejas (atas, listas de membros), de instituições federativas e presbitérios, documentos familiares, monografias e até pesquisas pessoais (como testemunhos).

O CAPÍTULO 1 relata a situação eclesiástica que se encontrava no Brasil do Iº Império e da Regência. A falta de padres no clero brasileiro refletiu na fraqueza espiritual do povo da época. Léonard explica que o principal motivo para a insuficiência numérica de padres jazia na pouca remuneração que recebiam.

Nessa época, estava no Brasil o reverendo Kidder (pastor metodista norte-americano, considerado o pioneiro do protestantismo em terras brasileiras), que, no século XIX, percorreu o nosso país distribuindo Bíblias. É por meio das narrativas desse pastor-viajante que o autor discorre sobre a vida social, geográfica e econômica de nosso país. Nesse capítulo, ainda vemos como ocorreu a primeira propaganda protestante, realizada pelo regente Feijó. Munido pela motivação de “elevar o nível espiritual do país” [p.45], Feijó pede ao marquês de Barbacena que enviasse ao Brasil duas corporações de Irmãos Morávios (comunidade protestante com uma atividade missionária bem organizada), a fim de educar os índios brasileiros. Sua proposta não foi aprovada, mas ficou registrada como a primeira tentativa de fazer uma propaganda protestante em território brasileiro.

A chegada dos primeiros missionários estrangeiros e as circunstâncias que favoreceram tal vinda (as disposições do Imperador D. Pedro II e a necessidade de imigrantes para trabalhar no Brasil) são narradas no CAPÍTULO 2 Dom Pedro II sabia que a imigração tão necessária ao desenvolvimento do Brasil de veria vir de países protestantes. Mas, para isso, era necessário “assegurar aos mais ‘evoluídos’ desses colonos esperados, pertencentes a nações protestantes, a possibilidade de exercer seu culto e de nele educar seus filhos” [p.54]. Para tal feito, seria necessário rever o artigo 5º da Constituição vigente: “A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser religião oficial. Todas as demais serão admitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas destinadas a esse fim, que não possuam forma exterior de templos [p.54].

E foi assim que o protestantismo ganhou terreno para começar a fazer seus prosélitos: chegou ao território brasileiro o reverendo James Cooley Fletcher, pastor presbiteriano, representante da Sociedade Bíblica Americana e secretário da legação dos Estados Unidos (cargo que atraiu a atenção e os benefícios de D. Pedro). Foi pela “amizade” de Fletcher (e por sua insistência também) que Robert Reid Kalley (fundador da primeira igreja protestante do Brasil) aportou em território nacional, em maio de 1855.

Em junho de 1858, Kalley batizou o primeiro protestante brasileiro, ato que causou certo impacto no clero católico. A obstinação do médico escocês, foragido da Ilha da Madeira, ainda conquistou outras vitórias aos protestantes brasileiros, tais como: a regularização e validação de casamentos (contrato privado acompanhado de bênção pastoral), coleção de cânticos, os salmos e hinos (utilizados até pouco tempo atrás nas igrejas presbiterianas do Brasil inteiro), a constituição de assembleias administrativas mensais e até a eleição de quatro presbíteros para cuidar do rebanho de cinquenta membros professos.

Ainda no CAPÍTULO 2, lemos sobre a vinda do missionário presbiteriano Ashbel Green Simonton em agosto de 1859, a história de vida e luta do “apóstolo brasileiro” José Manoel da Conceição e também sobre a origem da Igreja Presbiteriana de Brotas, interior do Estado de São Paulo.

No CAPÍTULO 3, o autor apresenta as diversas missões estrangeiras, seus missionários e suas características de pregação: Richard Holden e a teoria darbista da “ruína da Igreja”, a Missão Presbiteriana, a Missão Metodista Episcopal, a Missão Batista, a Missão Episcopal e a “Help for Brazil”.

Apesar dos esforços dos missionários estrangeiros e de suas igrejas-mães em evangelizar o Brasil, Léonard [p.94-95] surpreende ao dizer que “a atividade intensa destes propagandistas não foi de forma alguma o fator principal da expansão protestante no Brasil”. Para o autor, as conversões ocorriam de forma autônoma, sem ajuda de missionários, por meio apenas da leitura da Bíblia. Foi assim, pelo simples ato de ler as Escrituras, que muitas comunidades protestantes se formavam no final do século XIX: “[...] quando uma população está pronta ao conhecimento e aceitação de uma nova ideologia, ela se propaga como um incêndio na floresta, por faíscas dispersas levada pelo acaso dos ventos, ou do Espírito” [p. 101].

Ainda nesse capítulo, o autor demonstra que o corpo protestante do Brasil era composto de todas as classes e profissões. Mas foi a adesão de “ilustres” e intelectuais que contribuiu para a formação de universidades no país.

Como não poderia deixar de acontecer, a reação católica ao movimento protestante foi iminente. As manifestações do clero e fiéis católicos são apresentadas no CAPÍTULO 4. Os exemplos citados na obra são muitos e variados, desde cultos que foram interrompidos, passando pela criação de corinhos e fogueiras feitas com as bíblias (tidas como falsas), até a proibição do enterro de uma criança em um cemitério da cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo. E os protestantes respondiam a esses insultos não atacando os católicos e o catolicismo, mas apenas “apresentando o evangelho na sua simplicidade” [p.117]. E foi talvez, na lembrança de tais atentados e insultos, que o corpo protestante brasileiro ia ganhando força e aumentando a sua fé.

O CAPÍTULO 5 apresenta a relação entre as denominações existentes no Brasil que, na opinião de Léonard [p.142], mantinham uma “amizade fraternal”. No decorrer do capítulo, Léonard [p.145] apresenta os motivos que levaram à nacionalização das igrejas presbiterianas brasileiras e a forma como isso aconteceu, “eventualidade prevista e mesmo desejada”. Tal emancipação não foi bem-vista pelas igrejas-mães estrangeiras que relutaram em aceitar tal feito, mas que, enfim, ocorreu mediante a garantia de subsistência financeira.

Nesse capítulo, o autor relata como se deu a formação dos colégios americanos, que tinham como objetivo propagar, mesmo de forma indireta, o Reino de Deus na terra e “atrair as elites nacionais para os meios protestantes, submetendo-as, então à influência protestante por ocasião da educação geral” [p.148].

Apresentam-se, em riqueza de detalhes, a formação da Escola Americana (hoje Colégio Presbiteriano Mackenzie) e história de Eduardo Carlos Pereira e de como a questão maçônica influenciou na constituição da Igreja Presbiteriana Independente. De acordo com Léonard [p.170], essa igreja dissidente estabeleceu como base uma “[...] colaboração amiga entre a Igreja Presbiteriana [...] e os missionários. A estes, renunciado o intento de dirigir a igreja e de apoiar os colégios estrangeiros e a pretensão de monopolizar todo o ensino presbiteriano, ficaria ainda a importantíssima tarefa – a única verdadeiramente missionária – de abrir novos campos de evangelização como postos avançados do presbiterianismo brasileiro.”

As demais denominações protestantes do Brasil também passaram pelo processo de emancipação de suas igrejas--mães, relatado no CAPÍTULO 6 da obra. Há uma ênfase no relato da história de emancipação da igreja batista. Os batistas brasileiros do Norte também queriam ter a direção do ensino de seus colégios, assim como ocorreu com os presbiterianos anos antes, pois “é no campo da educação que o evangelho produz os seus frutos seletos e superiores, homens preparados para falar com poder à consciência nacional” [p.192]. Para tal feito, os batistas inovaram ao criarem em Recife uma Escola de Trabalhadoras Cristãs, que deve ria “assegurar aos batistas [...] colaboradoras experimentadas de que as igrejas, em seu trabalho social e de ensino que deveria acompanhar a evangelização, não poderiam prescindir” [p.197].

O nosso recente protestantismo não se preocupou muito com a evangelização no exterior, mas sim no interior do país. A primeira tentativa de evangelização no exterior (mais precisamente em Portugal) ocorreu por iniciativa da Igreja Fluminense, no Rio de Janeiro, como é mostrado no CAPÍTULO 7. Em 1919, foi criada a “Missão Evangelizadora do Brasil e de Portugal”, que visava “converter todas as terras de origem de língua portuguesa, de ambos os lados do Atlântico” (p.213]. Com a falta de pastores para cuidar da nova igreja portuguesa, a Igreja Presbiteriana pediu ajuda às outras denominações para geri-la. Tal ação resultou em uma “congregacionalização” da Igreja Presbiteriana de Lisboa, o que foi resolvido apenas em julho de 1910, com chegada do reverendo Álvaro Reis a Portugal. Em pouco tempo (e depois de muitos acontecimentos), as igrejas-filhas portuguesas começavam a preocupar as suas igrejas-mães brasileiras. O problema era o bom e velho nacionalismo: as igrejas portuguesas também queriam ser independentes das igrejas brasileiras.

Os três últimos capítulos (8, 9 e 10) tratam dos problemas atuais do protestantismo brasileiro. O CAPÍTULO 8 traz ao leitor dados da reação católica ante o crescimento protestante: algumas igrejas foram abertas, e padres, ordenados. Léonard também mostra a influência de padres estrangeiros no corpo de fiéis católicos no Brasil. Também nesse capítulo, o autor relata problemas no corpo protestante, no âmbito financeiro. Com o aumento crescente de prosélitos de todas as classes sociais, em especial de classes mais pobres, as igrejas começaram a padecer financeiramente. Os dízimos (um décimo do salário do trabalhador que, por ordem bíblica, deve ser entregue na Casa do Senhor) eram cada vez menores, uma vez que os fiéis que mais frequentavam as igrejas eram de origem pobre.

Ainda nesse capítulo, o autor aborda aspectos relacionados à formação do corpo protestante (pastores, oficiais e fiéis). Apesar de todas as denominações hoje terem suas faculdades de teologia para formar seus líderes, os salários pagos nesse “ministério”, segundo Léonard [p.256], é muito baixo, igualando-se ao “salário dos trabalhadores”. Com relação aos oficiais não remunerados nas igrejas, Léonard [p. 262] testifica: “Na sua maior parte os leigos que secundam os pastores na maioria das igrejas protestantes são, pois, verdadeiros leigos, simples fiéis ou “oficiais” instituídos, nas igrejas presbiterianas, como “presbíteros” ou “diáconos”. Enquanto estes últimos se ocupam da atividade beneficente e social da comunidade, os primeiros a dirigem, quer ao lado do pastor, quer nas igrejas que não possuem pastor residente, ou nas congregações, em seu lugar.”

Vale lembrar que, para ser presbítero nas igrejas, não há necessidade de formação teológica. O autor ainda ressalta a importância das escolas dominicais, que servem para instruir religiosamente seus fiéis nas doutrinas da igreja.

O CAPÍTULO 9 conta as lutas das igrejas brasileiras para se tornarem totalmente autônomas de suas igrejas-mães. Léonard [p.285) lembra que, para se tornar independente, a igreja deve possuir uma “completa independência financeira, e em condições tais que esta independência não limite seu desenvolvimento, mas o mantenha e aumente”. É fundamental que os fiéis se mantenham praticantes dos dízimos e das ofertas à igreja. Nesse capítulo, o autor trata das características dos regimes eclesiásticos das igrejas protestantes no Brasil: episcopal, congregacional e presbiteriano.

E, finalmente, no CAPÍTULO 10, Léonard lida com os novos campos de ação e as novas formas que o protestantismo brasileiro apresenta na atualidade. Há relatos e dados sobre a importância da Escola Dominical na ação missionária e evangelística das igrejas. Com o crescente aumento do êxodo urbano, as igrejas resolveram apostar na evangelização de massa: programas de rádio, alto-falantes e, na atualidade, os inúmeros programas de televisão.

Já, na década de 1960, data de publicação da obra, Léonard [p.367] faz um relato sobre o crescimento do “cristianismo do Espírito” ou das igrejas pentecostais e neopentecostais, que enfatizam muito mais a experiência e a emoção do que a própria leitura da Bíblia e o aprendizado desta.

A obra de Émile-Guillaume Léonard retrata fielmente o surgimento e crescimento do protestantismo no Brasil. O autor parece não ter perdido os detalhes, as pistas de como tal fenômeno ocorreu. Hoje, pesquisas mostram que 49% da população brasileira de grandes centros urbanos é evangélica (GARCEZ, 2009).[2] Isso significa que, nos centros urbanos, um em cada dois brasileiros é evangélico. E as estimativas futuras podem ser surpreendentes. O Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal) estima que em 2020 metade dos brasileiros será evangélica (FERNANDES, 2009).[3] Em 1960, data da publicação da obra, os evangélicos representavam apenas 4% da população brasileira. Hoje, estima-se que sejam quase 24%. Mas os pesquisadores do Sepal estimam que esse número irá dobrar em menos de doze anos. Se de fato a população evangélica aumentar, teremos uma boa diminuição do consumo de álcool (uma vez que todas as denominações são contra ele), a educação será bem mais valorizada (já que, para ler a Bíblia, ela será necessária) e o índice de divórcios e lares desfeitos poderá também diminuir, uma vez que as igrejas dão muito valor às famílias.

O futuro do Brasil protestante é ainda incerto. Mas conhecer seu passado é fundamental para qualquer brasileiro. Um passado emaranhado de lutas e vitórias. Aspirações e também alguns fracassos. Por isso, é imprescindível conhecer esse passado por intermédio da obra do “minerador” Léonard.

Este livro é uma peça que está se tornando rara. Os únicos lugares possíveis de encontrar algum exemplar são:

Editora ASTE

Estante Virtual


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[1] http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/1395/3556
[2] GARCEZ, B. Evangélicos e carismáticos chegam a 49% da população urbana. Disponível em: . Acesso em: 6 maio 2018.
[3] FERNANDES, N. Metade do Brasil será evangélica? Época, n. 575, p. 122, 25 maio 2009.

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