terça-feira, 21 de maio de 2019

A MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO [Resenha]


CARSON, D. A. A Manifestação do Espírito: A contemporaneidade dos dons à luz de 1 Coríntios 12-14. São Pulo, SP: Edições Vida Nova, 2013. 232p.


O AUTOR E O SEU LIVRO

Donald Arthur Carson é professor pesquisador do Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School onde leciona desde 1978. Obteve o grau de bacharel em Química pela Universidade McGill o de mestre em Divindade pelo Central Baptist Seminary, em Toronto, e o de Ph.D. em Novo Testamento pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Carson escreveu ou editou mais de 50 livros, entre eles alguns publicados por Vida Nova e Shedd Publicações: Igreja emergente: o movimento e suas implicações; Cristo e cultura: uma releitura; Introdução ao Novo Testamento; Os perigos da interpretação bíblica; Teologia bíblica ou teologia sistemática?; O Deus amordaçado: o cristianismo confronta o pluralismo; O comentário de Mateus; O comentário de João.


Para termos uma ideia do livro que temos em mãos, precisamos antes de tudo compreender, que nesta obra, D. A. Carson analisa minuciosamente a questão da contemporaneidade dos dons de uma perspectiva bíblica, sem deixar, porém, de dialogar com a longa tradição da teologia cristã. Trata-se de um estudo cuidadoso e diligente que visa extrair de um dos textos bíblicos mais célebres sobre o assunto, I Coríntios 12-14, uma interpretação consistente e precisa que seja capaz de unir carismáticos e não carismáticos por meio de uma compreensão bíblica e teológica do assunto. A exegese do autor é exemplar. Seu domínio da literatura especializada em exegese, dogmática, linguística, antropologia social e história é impressionante. Sua habilidade em integrar teologia bíblica e teologia sistemática é digna de nota. Sua sabedoria espiritual permeia quase todos os seus comentários pastorais! [1]

O livro nos traz sólida reflexão e análise sobre os dons, tema mais do que efervescente no contexto evangélico brasileiro. Com base numa exegese fundamentada do texto l Coríntios 12—14, o autor faz uma exposição teológica bem definida e inquietante. A sensibilidade com que Carson lida com a questão será valiosa tanto para carismáticos como para não carismáticos, já que é equilibrada e interage com as principais doutrinas cristãs, ao mesmo tempo que confronta as crenças e práticas populares equivocadas presentes na igreja cristã. Todavia, nem sempre o posicionamento de Carson deixará de incomodar a muitos. Mas, com certeza, mesmo os incomodados poderão aprender a interpretar as línguas, começando com o grego do Novo Testamento! [2]

Sobre este livro Russell Shedd, escreveu: Os dons espirituais têm sido motivo de intermináveis discussões. Por isso, não são poucos mas muitos os que gostariam de saber o que, de fato, as Escrituras afirmam sobre o assunto. A partir de um cuidadoso e profundo estudo exegético, D. A, Carson se propõe a apresentar o que o texto bíblico realmente diz sobre os dons espirituais. Acredito que tanto carismáticos como tradicionais serão tremendamente enriquecidos com a leitura desta obra. [3]

Em todo o campo da teologia cristã contemporânea e da experiência pessoal, poucos assuntos em voga são mais importantes do que os que estão associados com o que tem sido chamado comumente de “movimento carismático”. O movimento abrange não somente as denominações “pentecostais” tradicionais, mas também minorias consideráveis em muitas das denominações da cristandade; e, em algumas partes do mundo - América do Sul, por exemplo -, o movimento é a principal voz do protestantismo, ao mesmo tempo que é um invasor bem-sucedido na Igreja Católica Romana. Sejam quais forem seus compromissos teológicos, jovens clérigos lutarão com questões levantadas pelo movimento carismático de forma tão frequente e, em algumas ocasiões, tão dolorosa quanto qualquer outra questão que surgir em seu caminho.

À medida que o movimento carismático tem crescido, também tem se tornado mais diversificado, fazendo, portanto, que muitas generalizações a seu respeito sejam notavelmente reducionistas. Contudo, é justo dizer que os dois grupos, carismáticos e não carismáticos, se alegram em usar ótimos estereótipos a respeito dos que pertencem ao partido oposto. É interessante a forma explicita como o autor mostra o que pensa os carismáticos e os não carismáticos: Na opinião dos carismáticos, os não carismáticos tendem a ser teimosamente tradicionalistas que não creem na Bíblia e que não têm verdadeira fome pelo Senhor. São pessoas que têm medo de experiências espirituais profundas, são muito orgulhosas para se entregarem completamente a Deus, estão mais preocupadas com o ritual do que com a realidade e são mais apaixonadas pela verdade proposicional do que pela verdade encarnada. Eles são melhores na escrita de tratados teológicos do que no evangelismo; são beligerantes na argumentação, defensivos na postura, entediantes na adoração e desprovidos do poder do Espírito em sua experiência pessoal. 

Os não carismáticos, por sua vez, tendem obviamente a ver as coisas de forma um pouco diferente. Na opinião deles, os carismáticos sucumbiram ao amor atual pela “experiência”, mesmo que às custas da verdade. São vistos como pessoas profundamente não bíblicas, especialmente quando elevam suas experiências com o falar em línguas ao patamar de um xibolete teológico e espiritual pelo qual todo o restante é julgado. Se eles têm crescido, grande parte de sua força se deve ao seu triunfalismo destemido, seu elitismo populista e suas promessas de atalhos para santidade e poder. São melhores em dividir igrejas e roubar ovelhas do que são em evangelismo, mais conquistados pela exaltação espiritual de um único líder diante dos outros crentes do que pelo serviço humilde e fiel. São imperialistas na argumentação (somente eles têm o “evangelho todo”), abrasivos na postura, descontrolados na adoração e destituídos de qualquer entendimento real da Bíblia que vá além da mera citação de versículos.

Obviamente os dois grupos admitem exceções notáveis às caricaturas que foram apresentadas; todavia, a profunda suspeita mútua faz com que o diálogo genuíno seja extremamente difícil. Isso é especialmente doloroso, até vergonhoso, diante do compromisso assumido pela maioria dos crentes de cada grupo em relação à autoridade da Bíblia.

As posições estereotipadas dos dois lados são tão antagônicas, ainda que ambas se digam bíblicas, que devemos concluir uma destas três possibilidades: 
a) um dos grupos está correto em sua interpretação da Escritura sobre essas questões, e o outro está correspondentemente errado;
b) ambos, até certo ponto, estão errados, e é necessário encontrar uma forma melhor de entender a Escritura;
c) ou a Bíblia simplesmente não fala com clareza e coerência sobre esses assuntos, e os dois grupos em disputa extrapolaram os ensinos da Bíblia a fim de entrincheirarem-se em posições que não são defensáveis pela Escritura.

O autor defende diante das três possibilidades acima é que - seja qual for o caso, devemos voltar para a Escritura. Esse é o fundamento das exposições que serão realizadas neste livro. Não tenho a ilusão de que o que escrevo é particularmente inovador ou de que se provará perfeitamente convincente para todos os que têm pensado sobre essas questões; e a limitação do material a ser estudado - somente três capítulos do Novo Testamento - necessariamente restringe minhas conclusões. Ainda assim, espero que o capítulo conclusivo integre suficientemente outras porções do material bíblico, especialmente do livro de Atos, e que as conclusões não pareçam distorcidas. Além disso, por mais que grande parte de minha atenção esteja no texto de I Coríntios 12-14, minha preocupação em tornar este estudo uma exposição teológica; me forçará a interagir um pouco com outras doutrinas cristãs, bem como com conclusões de linguistas, antropólogos sociais e historiadores e também com crenças práticas e populares da igreja contemporânea, mesmo quando tais considerações extrapolarem o domínio do estudante do Novo Testamento; isso porque estou convencido de que, se a igreja deseja encontrar paz quanto a esses assuntos, precisamos considerar, imparcialmente, todas as evidências relevantes, ainda que insistamos que a autoridade da Escritura deva prevalecer. Essa autoridade, obviamente, não deve ser transferida a mim, como intérprete da Escritura; por isso, em alguns momentos, indicarei o nível de certeza com o qual faço julgamentos interpretativos, a fim de que, mesmo não concordando em todos os detalhes, talvez a maioria de nós possa chegar à concordância na maior parte das questões centrais.

O livro contém, além do prefácio e introdução, cinco capítulos com ricas divisões. O livro é teológico e fica impossível trabalhar uma resenha, sem que em algum momento, tenhamos de tentar contradizer o que está escrito, fundamentados em nossas convicções. Contudo, o que faremos aqui é um resumo da posição do autor. O livro está assim dividido:


1. A UNIDADE DO CORPO E A DIVERSIDADE DOS DONS (12.1-30)
Considerações sobre o contexto da argumentação em I Coríntios 12-14
O significado da confissão cristã central sobre o que é ser espiritual (12.1-3)
A abundante diversidade dos dons da graça (12.4-11).
O batismo no Espírito Santo e a metáfora do corpo: a dependência mútua dos crentes (12.12-26)
Conclusão (12.27-30)

2. O CAMINHO MUITO SUPERIOR, OU QUANDO VIRÁ A PERFEIÇÃO? (12.31-13.13)
O contexto do capítulo 13
A indispensabilidade do amor (13.1-3)
Algumas características do amor (13.4-7)
A permanência do amor (13.8-13)

3. PROFECIA E LÍNGUAS: BUSCANDO O QUE É MELHOR (14.1-19)
Considerações sobre a natureza de vários dos χαρίσματα (charismata)
A superioridade da profecia sobre o falar em línguas (14.1-19)

4. ORDEM E AUTORIDADE: LIMITANDO DONS ESPIRITUAIS (14.20-40)
A relação de línguas e profecias com os descrentes (14.20-25)
Ordem na adoração pública (14.26-36)
Alerta (14.37,38)
Síntese (14.39,40)
Considerações finais

5. PODER LIVRE E RESTRIÇÕES DISCIPLINARES: EM BUSCA DE UMA TEOLOGIA DOS DONS ESPIRITUAIS
Considerações sobre línguas, milagres e batismo no Espírito em Atos
Considerações sobre a teologia da segunda bênção
Considerações sobre revelação
Considerações sobre a evidência da história
Considerações sobre o movimento carismático
Considerações de uma perspectiva pastoral

Sobre esta disputa teológica, Carson escreveu: “Um dia, todos os carismáticos e não carismáticos que conhecem o Senhor não terão mais motivo algum para contender, pois os chamados dons carismáticos passarão para sempre. Naquele momento, esses dois grupos de crentes olharão para trás e contemplarão conscientemente o fato de que não é o dom de línguas nem a animosidade para com esse dom que os liga ao mundo passado, mas sim o amor que eles conseguiram demonstrar um para com o outro, apesar do dom de línguas”.


1. A UNIDADE DO CORPO E A DIVERSIDADE DOS DONS (12.1-30)

O autor no primeiro capítulo ele trabalha o contexto da argumentação do texto em I Coríntios 12-14. A partir do capítulo 7, Paulo parece responder a uma série de perguntas feitas a ele em uma carta escrita pelos coríntios: “Agora, quanto às coisas sobre as quais escrevestes...” (7.1). Isso explica por que os assuntos mudam radicalmente: em um momento Paulo lida com o assunto das relações entre os sexos (cap. 7), em outro, com o da carne sacrificada aos ídolos (8.1ss.). Ele passa a tratar da questão de as mulheres orarem e profetizarem na congregação (11.2-16) e prossegue para outras questões, tais como a Santa Ceia (11.17-34), os dons da graça e do amor (caps. 12—14), e a ressurreição (cap. 15). Às vezes (como aqui em 12.1) ele introduz um novo assunto fazendo uso de uma expressão padrão, Περί δέ (per; de, a respeito de...).

Todavia, três aspectos principais se destacam em sua argumentação.

Primeiro aspecto: um dos denominadores comuns identificados nos problemas em Corinto era uma escatologia ultrarrealizada.2 E lugar-comum o entendimento de que Paulo estabelece a igreja numa tensão dinâmica entre uma visão do que Deus “já” realizou e uma visão daquilo que ele “ainda não” efetuou. O Reino de Deus já despontou e o Messias está reinando, a vitória crucial já foi conquistada, a ressurreição final dos mortos já começou na ressurreição de Jesus, o Espírito Santo já foi derramado sobre a igreja como garantia da herança prometida e dos primei- ros frutos da colheita escatológica de bênçãos.

Segundo aspecto: a igreja de Corinto é uma igreja dividida. Isso pode ser visto não somente nos emblemas partidários mencionados em 1.12 (“O que quero dizer com isso é que um de vós afirma: Eu sou de Paulo; outro, Eu sou de Apoio; outro, Eu sou de Cefas; outro ainda, Eu sou de Cristo”.) e apresentados nos quatro primeiros capítulos do livro, mas também em um estilo de argumentação que permeia grande parte dos capítulos 7—12.

Terceiro aspecto: o foco dominante desses capítulos é a conduta da igreja quando está reunida. Claro que isso é igualmente verdadeiro em relação ao capítulo 11; contudo, a observação se torna especialmente importante quando tenta- mos integrar essa postura na sequência do argumento em diversos pontos cruciais (e.g., “na igreja”, 14.19; “quando vos reunis”, 14.26). [p.17-20]

Para uma definição sobre o que ser espiritual, ele vai trabalhar dois termos: Charisma e pneumatikon. Em seguida vem a divisão sobre “A abundante diversidade dos dons da graça” (12.4-11). E aquela tradicional tabela com a “lista dos dons espirituais do Novo Testamento” é apresentado e estudado pelo autor. Textos como: I Co 12.8-11; I Co 12.28; Rm 12.6-8; Ef 4.11 e I Pe 4.11, são comentados em todo este capítulo com exceção, como escreveu o autor: “Por enquanto, não falarei nada sobre profecia, variedade de línguas e interpretação de línguas ou, da segunda lista, sobre apóstolos e mestres, deixando essa questão para o terceiro capítulo.” [p.40]

Com respeito a questão do Batismo no Espírito Santo, o autor apresenta a versão carismática contemporânea e mostra a sua posição:

Carismáticos contemporâneos: No que diz respeito a esse versículo, porém, a evidência para essa posição tem sido agora fundamentada com menos frequência no versículo 13a do que era anteriormente; em vez disso, apela-se para o versículo 13b.8b Mesmo que possamos admitir que o batismo no Espírito no versículo 13a esteja relacionado com a conversão, como eles de fato dizem, ainda assim cremos que há fortes motivos para pensar que a segunda parte do versículo 13 — “a todos nós foi dado de beber de um só Espírito” (seja qual for a tradução do grego) — se refere a uma segunda ação do Espírito. Afinal, escreve um autor carismático, “a imagem do beber para adentrar no corpo é mais que uma mistura curiosa de metáforas”.9'1 Contudo, obviamente não é isso o que Paulo diz. A ideia de ser dado a beber de um Espírito, na perspectiva não carismática, não é paralela ao “batismo no Espírito”, mas ao “batismo no Espírito para ser um só corpo”. Em outras palavras, Paulo acrescenta uma metáfora a outra e espera que seus leitores não as misturem. Outro estudioso da tradição carismática compara Gálatas 3.27 e o par “batizados em Cristo”/ “revestidos com Cristo”, e argumenta que, uma vez que palavras relacionadas a “revestimento” são “prontamente identificáveis com o espírito carismático”, uma transferência similar da iniciação em 12.13a para um revesti- mento carismático em 12.13b é totalmente defensável. Todavia, Gálatas 3.27b fala de ser revestido com Cristo, e não com o Espírito; além disso, simplesmente não há, no Novo Testamento, nenhuma conexão entre palavras relacionadas a “ser revestido” com qualquer tipo de revestimento carismático (conforme o sentido atual).

O autor apresenta a argumentação: Estudiosos das principais denominações tendem a focar sua atenção na relação entre batismo do Espírito e outros ritos, como o batismo nas águas, a ceia do Senhor e a confirmação. Grande parte dos argumentos é reconhecidamente especulativa, pois todos concordam que Paulo não escreve essas palavras com o propósito de esclarecer tais questões. A relação entre batismo do Espírito e batismo nas águas, em minha opinião, é muito bem resumida por Bruce: A união em fé com Cristo trouxe seu povo à membresia da comunidade batizada no Espírito, obtendo para eles os benefícios do derramamento do Espírito ocorrido de uma vez por todas no surgimento da nova era, enquanto que o batismo nas águas foi mantido como um sinal externo e visível de sua incorporação “em Cristo” (cf. Gl 3.27). E como foi em um só Espírito que todos foram batizados, portanto foi em um só corpo que todos foram batizados.

Finalmente, a conclusão deste capítulo: Seria prematuro tentar traçar em conjunto conclusões teológicas e práticas; além do mais, ainda não busquei identificar as características admiráveis do movimento carismático. Contudo, devo oferecer pelo menos uma sugestão. Se o movimento carismático firmemente renunciasse, com fundamentos bíblicos, não o dom de variedade de línguas, mas a ideia de que as línguas constituem um sinal especial de uma segunda bênção, uma parcela muito substancial da barreira entre carismáticos e não carismáticos desmoronaria. Será que 1 Coríntios 12 exige algo menos que isso? Graças a Deus que, para além de todos charismata, há ainda um caminho muito superior. [p.17-52]


2. O CAMINHO MUITO SUPERIOR, OU QUANDO VIRÁ A PERFEIÇÃO? (12.31-13.13)

O autor afirma que o capítulo 13, como veremos, é uma parte integrante do argumento de Paulo. O capítulo não somente faz comparações entre o amor e outros dons, como profecia e línguas — questões obviamente importantes para o capítulo 14 —, como também parece que, mesmo no centro do hino, versículos 4-7, a descrição do que o amor é e o que ele não é parece ser colocada em categorias criadas para combater problemas específicos na igreja de Corinto.

Veremos algumas características que o autor nos mostra acerca do amor. Nesses versículos, o amor é mais descrito do que definido; e até mesmo essa descrição é mais prática do que teórica. Nenhum elemento é sentimental nessa lista sucinta. Paulo vai e volta para falar sobre o que o amor é e sobre o que ele não é: o primeiro par de características é positivo; em seguida, apresentam-se quatro pares de características negativas (o último da lista é reafirmado positivamente), seguido por dois outros pares de características positivas. Em todo o trecho, o amor é personificado: é o próprio amor que é benigno, ou que não se orgulha, ou algo assim, e não a pessoa que demonstra amor; isso é prova do quanto o amor toma conta do pensamento de Paulo de forma poderosa no capítulo em estudo.

Quando o amor está ausente, o que acontece? A falta de amor cria milhares de variações de complexos de inferioridade e superioridade. Até parece que os versículos 4 e 5 respondem diretamente a tais características. O amor é paciente: a palavra geralmente sugere não somente a disposição de esperar por longo tempo ou suportar sofrimento sem desistir, mas também a disposição de suportar prejuízo sem retaliar. O amor é benigno — não somente paciente e longânimo diante das injúrias, mas pronto a pagar de volta com bondade o que foi recebido em sofrimento.

Nas construções negativas, o amor não é invejoso: os não carismáticos devem aprender essa lição. Não se vangloria: os carismáticos devem aprender essa lição. O verbo específico que Paulo usa é encontrado somente aqui no Novo Testamento, mas é identificado em outras fontes com insinuações de uma ostentação esnobe. De forma mais geral, o amor não se orgulha (lit. “inchado”, uma palavra que Paulo já teve que aplicar aos coríntios antes [4.6, 18, 19; 5.2; 8.1]). O amor não é grosseiro, ou seja, não se porta com indecência para com os outros, como em 7.36 (em que a mesma palavra é usada), texto em que um homem estaria se comportando indecentemente ao provocar os sentimentos de uma jovem e então se recusar a casar com ela. Dizem corretamente que você conhece um cavalheiro não pelo modo como se dirige ao seu rei, mas pelo modo como se dirige aos seus servos. O primeiro caso pode ser praticado não necessariamente por cortesia, mas, na verdade, por mero interesse próprio. Mais fundamentalmente, o amor não busca os próprios interesses: “O amor não somente não busca aquilo que não lhe pertence; também está pronto a se desfazer até daquilo que é seu para o bem de outros”. Em relações pessoais, o amor não se enfurece; ou seja, não é supersensível, com um temperamento irascível que mal se pode esconder sob uma fachada respeitável, simplesmente à espera de uma ofensa, real ou imaginada, diante da qual ficará ressentido.

No entanto, imagine que uma injúria real tenha ocorrido. O que deve ser feito? A resposta de Paulo é que o amor “não guarda ressentimento do mal”, não há uma lista negra de ofensas pessoais que pode ser consultada e nutrida diante da possibilidade de algum novo deslize. Sua postura, diante do mal genuíno, exclui tal recordação; pois, em um nível bem profundo, o amor não consegue agir com censura ou hipocrisia: o amor “não se alegra com a injustiça” (v. 6), como a falsa autojustiça que finge uma indignação moral diante da lascívia, embora se revele secretamente na crueldade e na vulgaridade. Não se alegra em discussões infindáveis sobre o que há de errado com as igrejas e as instituições que servimos, e somente adentra em tais assuntos quando exigências concorrentes de justiça requerem isso. Se há alguma notícia de algo justo ou verdadeiro acontecendo, o amor rapidamente se alegrará por isso, ou, se o verbo composto usado não for somente intensivo, o amor se unira a outros em regozijo pela verdade. “O amor não busca se mostrar como algo distinto, rastreando para apontar o que é errado; ele de bom grado rebaixa sua própria identidade, para se alegrar com outros pelo que é certo”.

O versículo 7 resume a questão e é caracterizado pela palavra tudo?* Wischmeyer, de forma convincente, demonstra que a repetição da palavra (oito vezes em 13.1-7, traduzida por “tudo” ou “sempre”) é polêmica. Paulo dá uma resposta ao profundo comprometimento dos coríntios com a escatologia ultrarrealizada mencionada no primeiro capítulo deste livro. Eles seguem o ponto de vista de que “tudo é permitido” (v. 4.8; 6.12) visto que o reinado escatológico começou. Contudo, em 13.7, Paulo responde, o amor cristão ainda tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta: essa é parte da voluntária restrição da liberdade pessoal que o amor exige, já discutida por Paulo anteriormente na epístola (especialmente nos capítulos 8 e 9). O amor cristão tudo sofre (ou possivelmente “sempre sofre”); tudo crê — o que não significa que ele é ingênuo, mas que prefere ser generosamente aberto e receptivo em vez de ser cínico e desconfiado. O amor espera pelo melhor, mesmo quando frustrado por repetido abuso pessoal, esperando contra a esperança e “sempre pronto a dar uma segunda chance a um ofensor e a perdoá-lo até ‘setenta vezes sete’ (Mt 18.22)”. O amor tudo suporta: “Quando a evidência é adversa, [o amor] espera pelo melhor. E, quando as esperanças são repetidamente frustradas, ele ainda espera corajosamente”.

No que diz respeito a esse capítulo de I Coríntios, o amor descrito aqui tem provocado longos debates acadêmicos para saber se o amor em vista aqui é o direcionado a Deus ou aos homens — como se o evangelho cristão pregado por Paulo permitisse escolher entre os dois. Outro famoso trabalho coloca esse amor em oposição a eros: esse amor cristão, concluem, é essencialmente o amor de Deus dado ao homem, quase que um equivalente da graça. Mas os primeiros três versículos falam insistentemente do amor que você e eu deveríamos exercer. Uma avaliação mais sábia seria a seguinte: “Talvez a verdadeira distinção em l Coríntios 13 é aquela entre amor egocêntrico e altruísta. A linha divisória não é traçada entre o amor de Deus e o amor do homem, mas sim entre o amor e o amor próprio. E nisso que consiste o cristianismo; na caridade que domina o egoísmo”. Até mesmo isso é, de certa forma, inadequado, pois 13.3 pode considerar aquele raro altruísmo que desiste de todas as posses pessoais, e mesmo da própria vida, existindo sem amor!

O autor conclui este capítulo da seguinte forma: “Dois séculos atrás, Jonathan Edwards apresentou a questão sobre o que torna a igreja parecida com o céu. Sua resposta: o amor. A manifestação, por parte da igreja, dos tempos da glória que ainda estão por vir não é alcançada pelo dom de línguas, nem mesmo pela profecia, pela contribuição ou pelo ensino. E alcançada pelo amor. Um dia, todos os carismáticos que conhecem o Senhor e todos os não carismáticos que conhecem o Senhor não terão motivo algum para contender, pois os assim chamados dons carismáticos passarão para sempre. Naquele momento, esses dois grupos de crentes olharão para trás e contemplarão conscientemente o fato de que o que os liga ao mundo passado não é o dom de línguas, nem a animosidade para com o dom de línguas, mas o amor que eles conseguiram demonstrar um para com o outro, apesar do dom de línguas. A maior evidência de que o céu invadiu nossa dimensão, de que o Espírito foi derramado sobre nós e de que somos cidadãos de um reino ainda não consumado é o amor cristão” [p. 54-78]


3. PROFECIA E LÍNGUAS: BUSCANDO O QUE É MELHOR (14.1-19)

Neste capítulo, irei resumir ao máximo as ideias e argumentações do autor sobre Profecias e línguas. Ele afirma que: “Desejo usar a maior parte do espaço deste capítulo para responder a uma questão que até aqui tenho evitado: o que, precisamente são os dons de profecia, línguas e interpretação de línguas? Assim, pretendo explorar essas questões neste momento, antes de me voltar para uma exposição resumida do texto em si”.

Línguas - As línguas em Corinto eram “idiomas existentes” ou algo diferente? Reformulando a questão em termos técnicos, o fenômeno de I Coríntios é um exemplo de xenoglossia (ou seja, falar em um idioma humano sem aprendizado prévio) ou glossolalia (ou seja, falar em padrões vocálicos que não podem ser identificados em nenhum idioma humano)? Essa é uma pergunta extremamente difícil de responder de forma convincente a cada uma dessas propostas, apesar das afirmações dogmáticas feitas por muitos de seus proponentes. A maior parte dos atuais carismáticos ficaria satisfeita com a definição de “línguas” oferecida por Christensen: “Uma manifestação sobrenatural do Espírito Santo, por meio da qual o crente fala em um idioma que ele nunca aprendeu e que não lhe é compreensível". ״ Isto, é claro, simplesmente empurra a questão de volta do significado de "língua" para o significado de “idioma”. Provavelmente, a maioria dos carismáticos está convencida de que suas falas são idiomas existentes, como também acredita que elas transmitem algo: elas são línguas de homens ou de anjos. Uma pergunta um tanto diferente é se eles creem se tratar de idiomas humanos que ocorrem naturalmente no mundo, mas que não foram aprendidos por aqueles que os falam. Um número crescente de carismáticos e vários observadores que simpatizam com o movimento carismático, no entanto, pressionados por análises linguísticas atuais, feitas com gravações de pessoas falando em línguas (das quais falarei logo), argumentam que as línguas atuais, assim como as línguas em Corinto, não são como os idiomas existentes (por exemplo, Cardeal Suenens, H. Mühlen, que vê o falar em línguas primariamente como uma experiência de oração mais intensa na adoração do Deus inexprimível, e Green, que sugere que algumas línguas podem ser idiomas existentes e outras não).

Profecias e profetas - A abrangência de fenômenos do primeiro século que se incluem nesse grupo de palavras é enorme. Mas o que estava incluído sob o rótulo de “profecia” no Novo Testamento? As respostas a essa pergunta são bastante numerosas. Às vezes, elas são formuladas menos em termos do que e profecia e mais em termos do que ela faz. Por exemplo, um comentarista escreveu: “Profetizar era o poder de ver e tornar conhecida a natureza e a vontade de Deus, um dom de percepção da verdade e de poder para compartilhá-la, e, portanto, uma capacidade de edificar o caráter de homens, estimular suas vontades e encorajar seu espírito”. É claro que isso é verdade; contudo, uma vez que é colocado em termos de função, poderia ser aplicado igualmente à pregação proveniente do dom — esses mesmos comentaristas fazem precisamente essa associação em outro lugar. Quando Paulo diz que a profecia é para “edificação, exortação e consolação” (14.3) da congregação, não está, desse modo, definindo profecia, pois pregação, oração e ensino podem servir para esses mesmos fins. Além do mais, não fica claro (como demonstra Turner) que 14.3 nos forneça um critério necessário de profecia; pois tal visão, de forma inevitável, marginaliza um tanto quanto arbitrariamente profecias como a de Ágabo (e.g., At 21.11).

O autor escreve sobre a definição de David E. Aune e Gruden. Aune define profecia como “uma forma específica de divinação que consiste de mensagens verbais inteligíveis, cridas ser originadas em Deus e comunicadas por meio de intermediários humanos inspirados”. Grudem baseia sua definição de profecia em Paulo, em um detalhado estudo de I Coríntios 14.29,30: profecia é a recepção e subsequente transmissão de uma revelação espontânea e divinamente originada. O verbo profetizar denota esse processo. Bem semelhante é a definição de Panagopoulos. No entanto, a tese de Grudem sobre a profecia do Novo Testamento é inovadora. Em geral, eu simpatizo com ela, apesar de ter algumas reservas em dois ou três pontos críticos. Não defenderei essa tese, pois isso seria escrever um livro que já foi escrito, mas vou resumir alguns de seus argumentos, indicar minha leve discordância, aqui e ali, e mostrar como a tese se aplica aos capítulos em estudo.

Sobre a definição de Gruden, o autor diz: Para mim, está claro que Grudem delineou corretamente algumas limitações importantes da profecia do Novo Testamento. Não é válido questionar toda sua síntese por termos questionamentos quanto a algumas de suas formulações. No último capítulo, oferecerei algumas sugestões sobre como resolver algumas dessas tensões — em especial, como podemos falar de profecia como revelação, e ainda evitar colocar o cânon em risco, e como podemos distinguir melhor entre a autoridade da profecia apostólica e a autoridade de (outras) profecias do Novo Testamento. Ao mesmo tempo, avaliarei brevemente reivindicações carismáticas atuais quanto à profecia.

Sobre a superioridade da Profecia sobre o falar em línguas - O fato de Paulo, em geral, restringir seu foco de discussão acerca dos charismatas a somente dois deles, profecia e falar em línguas, sugere fortemente que havia alguma disputa ou incerteza quanto aos dois na igreja em Corinto. É até possível que os coríntios tenham agrupado ambos os dons sob o rótulo de profecia, e que foi Paulo quem fez a distinção entre eles.

Se Paulo foi ou não o primeiro a fazer distinção entre profecia e falar em línguas, se o contexto em Corinto é parecido com o que descrevi, há uma importante dedução a ser feita. Apesar de alguns dos argumentos de Paulo nesse capítulo serem generalizantes, aplicáveis a todos os dons espirituais, a principal preocupa- ção de Paulo é o peso relativo dado à profecia e ao falar em línguas. Isso significa que Paulo pode não estar dizendo que o falar em línguas é o pior dos dons em uma escala absoluta, mas somente que é menos importante do que a profecia de acordo com a escala de referência adotada; do mesmo modo, pode ser que Paulo não esteja falando que a profecia é o melhor dos dons em uma escala absoluta, mas somente que é mais importante do que o falar em línguas, de acordo com a escala de referência. O valor relativo da profecia em relação ao apostolado, ao ensino ou à contribuição, por exemplo, não é a questão principal. Tal observação não fica comprometida por 12.31a, que encoraja os coríntios a desejarem os melhores dons. Essa exortação obviamente assume que os dons espirituais podem ser classificados; todavia, em vez de providenciar tal classificação, Paulo se antecipa para transcender totalmente os dons espirituais com seu capítulo sobre o amor. Voltando ao seu argumento em 14.1, ele não tenta classificar todos os dons listados no capítulo 12. Em vez disso, assumindo que os crentes espiritualmente conscientes desejarão os melhores dons e encorajando-os dessa maneira, ele prossegue para distinguir qual é o melhor dentre os dois — os dois que aparentemente estão no centro do debate em Corinto.

Essa ideia, com certeza, é uma consequência natural da exposição sobre o amor no capítulo anterior. A importância do amor não implica que ele deva ser buscado ho lugar dos dons espirituais: estes também devem ser buscados intensamente. Já notamos (no segundo capítulo) que não há nenhuma contradição entre esse encorajamento e a insistência de Paulo de que os dons espirituais são distribuídos soberanamente. Aqui o apóstolo se torna mais específico de imediato. Deseje intensamente os dons espirituais, diz ele, mas principalmente o dom de profecia. A expressão por trás do termo “principalmente”, usado em várias traduções, significa “de preferência” ou “mas de preferência”. Isso não afirma que o melhor dom espiritual é a profecia; simplesmente especifica que os coríntios devem buscar esse dom em especial. As razões para essa especificidade só podem ser percebidas pelo contexto; tais motivos, como já demonstrei, são apresentados na forma de um contínuo contraste entre a profecia e o falar em línguas.

O autor conclui: Uma lição flui com grande força desses primeiros versículos de I Coríntios 14. Seja qual for o lugar da profunda experiência pessoal e da emotiva experiência corporativa, a igreja reunida é um lugar de inteligibilidade. Nosso Deus é um Deus que fala e pensa; e, se quisermos conhecê-lo, devemos aprender a pensar como ele. Não estou invalidando de forma sorrateira o que Paulo se recusou a invalidar. Estou somente tentando refletir sua convicção de que a edificação na igreja depende supremamente de inteligibilidade, entendimento, coerência. Ambas as igrejas, carismática e não carismática, precisam ser lembradas dessa verdade com bastante frequência. [p.79-108]


4. ORDEM E AUTORIDADE: LIMITANDO DONS ESPIRITUAIS (14.20-40)

Neste capítulo, o autor além de enfatizar a questão da ordem, autoridade e relação entre línguas e profecias, ele trabalha três outras questões que inter-relaciona entre si: Os descrentes, Ordem na adoração pública (inteligibilidade) e restrições às mulheres.

O autor escreve: Em certo sentido, o contraste entre os dons de profecia e o falar em línguas, desenvolvido por Paulo nos primeiros dezenove versículos do capítulo 14, continua na segunda parte do capítulo. Certamente, o falar em línguas e a profecia são colocados em oposição nos versículos 20-25. Ainda que o versículo 26 liste vários dos charismata, sua função primária é preparar o terreno para uma nova discussão sobre o falar em línguas (v. 27,28) e a profecia (v. 29-33). Mesmo os versículos 33b-36, de acordo com o que acredito ser a interpretação mais provável, não deixam de estar relacionados com o dom de profecia. Os versículos finais incluem um alerta (v. 37,38) e um incisivo contraste final entre profecia e falar em línguas (v. 39,40).

Continua: Mesmo assim, várias características notáveis distanciam essa parte do capítulo daquilo que a precede. O tom de Paulo se torna um tanto mais estridente, o que se evidencia já de início com as seguintes palavras: Irmãos, não sejais como crianças no entendimento (14.20). O contraste entre a profecia e o falar em línguas, nos versículos 20-25, mesmo que ainda esteja relacionado com o tema da inteligibilidade e edificação, introduz os descrentes como um novo fator. Aqui Paulo cita Escrituras anteriores como precedentes para o próprio propósito do falar em línguas. Os versículos 26-40 assumem que os valores da inteligibilidade e da edificação foram adotados e buscam implementar esses valores com regras simples e práticas, moldadas por uma convicção abrangente de que a adoração pública deve refletir a ordem e a paz do Deus a quem adoramos.

Como síntese do capítulo 14, o autor fazendo comentários sobre os versículos 39-40, ele escreve: Paulo conclui. No que diz respeito às reivindicações da profecia e do dom de línguas, a profecia é totalmente encorajada, e as línguas não devem ser proibidas.

Algum tempo atrás, um pastor na Inglaterra discutiu algumas dessas questões com um clérigo carismático bem conhecido. O carismático, certamente pensando nas palavras de Paulo “não proibais o falar em línguas”, perguntou ao meu amigo o que ele faria se alguém começasse a falar em línguas em um dos cultos em que ele ministrasse. O pastor replicou: “Deixaria que a pessoa terminasse e não teria nenhuma objeção a fazer, se houvesse uma interpretação na sequência e se não houvesse nenhuma tentativa de formar prosélitos nas semanas seguintes”.

Então, o pastor parou por um momento e perguntou em seguida: “O que você faria se não houvesse pessoas falando em línguas publicamente em sua igreja, por seis meses ou algo assim?”. “Puxa”, respondeu o carismático, “eu ficaria arrasado”. “Aqui está a diferença entre nós”, disse o pastor, “você pensa que o falar em línguas é indispensável. Eu o vejo como dispensável, mas não como proibido”. E essa, com certeza, é a distinção de Paulo.

E claro que mais coisas podem ser ditas de um ponto de vista pastoral; e oferecerei algumas sugestões práticas no final do capítulo. Certamente, Paulo quer que as reuniões públicas da igreja sejam conduzidas “com decência e ordem” (v. 40); para ele, isso significa a observância das regras anunciadas por ele na segunda parte do capítulo 14. “Porque Deus não é Deus de desordem, mas sim de paz” (14.33a).

E conclui: Não me aventurarei a ir além desses comentários. É suficiente observar que o principal objetivo de Paulo, nesses versículos, não é apresentar uma lista exaustiva de ingredientes necessários para a adoração comunitária, mas insistir que o livre poder do Espírito Santo, característico dessa nova era, deve ser exercido em um ambiente de ordem, inteligibilidade, pertinência, decência, dignidade e paz. Afinal, essa é a natureza do Deus a quem adoramos. [p.110-138]


5. PODER LIVRE E RESTRIÇÕES DISCIPLINARES: EM BUSCA DE UMA TEOLOGIA DOS DONS ESPIRITUAIS

Este é o último capítulo e para mim foi o mais difícil tanto traçar resumos como escolher textos apropriados. Já para o autor esse foi o mais difícil de escrever: Em muitos aspectos, este capítulo foi o mais difícil de elaborar. Não estou mais limitado a um único texto, mas devo escolher e selecionar aquilo que parece ser mais importante para o assunto; além disso, devo articular conclusões sem ter um espaço adequado para justificá-las. Minha única desculpa é que esse tipo de síntese preliminar parece preferível a deixar um grande número de pendências no ar. Ao adicionar o subtítulo deste último capítulo, “em busca de uma teologia dos dons espirituais”, devo logo dizer que isso é de uma presunção imperdoável. A verdade é que grande parte do que será lido aqui está mais para a "busca" do que para a “teologia”. O que proponho oferecer são considerações sobre uma variedade de assuntos relacionados a I Coríntios 12—14, em uma tentativa final de integrar os quatro capítulos anteriores e relacionar as conclusões com uma corrente mais ampla do pensamento bíblico e da experiência contemporânea.

Neste capítulo o autor traça considerações sobre línguas, milagres e batismo no Espírito em Atos; sobre a teologia da segunda bênção; sobre revelação; sobre a evidência da história; sobre o movimento carismático e considerações de uma perspectiva pastoral sobre todos os assuntos aqui citados.

Com o propósito de não defraudar o texto e fomentar no leitor o desejo por este livro, coloco aqui um resumo das considerações de uma perspectiva pastoral, onde o autor mostra a sua posição como pastor, a forma como enfrentou uma quase divisão em sua igreja e convive com os carismáticos sob o seu pastoreio.

Considerações de uma perspectiva pastoral - Apesar de alguns protestos contrários não há nenhuma evidência concreta de que o falar em línguas é caracteristicamente danoso em termos psicológicos. Até mais ou menos 1966 era comum, nos estudos de psicologia, tratar o fenômeno como fundamentalmente escapista, entretanto, em retrospecto, suspeita-se que tais julgamentos foram feitos porque a maioria dos participantes pertencia a vários grupos minoritários — normalmente desprivilegiados. No entanto, uma vez que o pentecostalismo cresceu para se transformar no movimento carismático, e praticamente toda a esfera da sociedade foi afetada de um jeito ou de outro, a antiga análise se mostrou inadequada.

Hoje, outras abordagens predominam. Alguns sugeriram que o movimento de falar em línguas é um tipo de antídoto para as influências de uma sociedade crescentemente secular. Alguns dos estudos estão mais interessados em fatores fisiológicos e culturais do que em fatores psicológicos: “Quero propor”, escreve um autor, “que a glossolalia deveria ser definida como um padrão de vocalização, um automatismo de discurso, que é produzido no substrato de dissociação do hiperdespertamento, refletindo diretamente, em sua estrutura segmentai e suprassegmental, processos neurofisiológicos presentes nesse estado mental”. Todavia, a maioria dos estudos reconhece que o falar em línguas, que geralmente é reconhecido como comportamento aprendido, muitas vezes proporciona uma leve sensação de bem-estar, integração e poder. Não é perigoso em si mesmo, mas pode ser psicologicamente danoso em alguns dos usos que se fazem dele (por exemplo, quando é usado como instrumento de destruição de uma comunidade). Pessoas que falam em línguas não são, comprovadamente, menos equilibradas mentalmente que outras pessoas. Elas têm um pouco mais de tendência a seguir modelos, sejam líderes, sejam grupos; e sua experiência tende a ser, para a maioria deles, de certa forma libertadora.

Uma grande preocupação pastoral surge da tensão percebida entre o ofício institucional e o dom espiritual. Como, podemos perguntar, Cristo opera em sua igreja? Será que ele age principalmente por meio de líderes, estruturas e padrões oficiais, ou será que ele age principalmente por meio de situações inesperadas, principalmente por meio de pessoas “que possuem dons?”

A literatura sobre o assunto é numerosa e nos leva para muito além dos limites do debate sobre o movimento carismático. Não temos como averiguar essas questões aqui, porém, seguindo de perto Fung, talvez seja possível dizer algumas coisas. Primeiro, há ampla evidência de que a igreja reconheceu certos ofícios/funções em um período bem primitivo, notavelmente, de um lado, os presbíteros, supervisores(bispos), pastores e, do outro, os diáconos; todavia, esperava-se que as pessoas que ocupavam esses postos fossem capacitadas pelo Espírito para tanto. Afinal, não há incongruência ou incompatibilidade intrínseca entre estruturas e dom, ofício e dom espiritual. Segundo, a igreja primitiva, de forma alguma, confinou dons espirituais ao ofício eclesiástico. Afinal, acreditava-se que todo cristão tinha algum dom, e alguns dons associados a ofícios específicos (e.g., ensino e presbiterato) sem dúvida foram dispensados em alguns contextos, de maneira informal e sem reconhecimento eclesiástico. O ofício sem o dom da graça apropriado é estéril e até perigoso; no entanto, o dom da graça sem o ofício é meramente trivial. Terceiro, quanto mais público for o dom, mais a igreja deve dispensar sua responsabilidade para testar o dom e para confirmar a pessoa dotada em um ofício, quando for esse o caso. E precisamente essa responsabilidade corporativa que deve idealmente limitar o direito da pessoa que se sente dotada para exigir o ofício sem a sanção da igreja. No entanto, o ideal desmorona quando o ofício é ocupado por aqueles que não foram capacitados com o dom da graça requisitado, ou quando a igreja falha em exercer sua responsabilidade de colocar à prova aqueles que servem como líderes, ou de mantê-los sob prestação de contas. Quarto, a maioria dos dons da graça, até onde podemos dizer, nunca foi associada a um ofício específico. Isso é verdade não somente para os charismata, tais como o de encorajamento, o de contribuição e o falar em línguas, mas também para a profecia. De forma interessante, algumas denominações africanas hoje reconhecem um lugar para os profetas na vida da igreja, os quais não têm uma relação necessária com a liderança da igreja. Esses profetas geralmente transmitem mensagens de encorajamento, repreensão ou exortação.

Talvez eu deva terminar com um comentário mais pessoal. Para muitos clérigos jovens, de tradições não carismáticas, uma de suas primeiras grandes crises acontecerá quando algumas vozes fortes na igreja reivindicarem liberdade para falar em línguas no culto público, ou para começar a discipular membros em relação a isso nos estudos bíblicos realizados nos lares. E exatamente essa situação que tem gerado as divisões que racharam inúmeras igrejas. O que deve ser feito? [p.139-191]

No final do livro, o autor apresenta uma lista muita rica de livros que segundo ele: Foram incluídas aqui as obras citadas neste livro e um pequeno número de outras obras mais técnicas e semipopulares, que representam o espectro de opiniões sobre o movimento carismático. Não consegui obter uma ou duas das obras citadas antes de ter enviado o manuscrito para impressão — especificamente a dissertação de F. Grau e o livro Charisma und Agape, editado por P. Benoit et al. Quanto a este último, consegui obter uma cópia do artigo de James D. G. Dunn e as respostas a ele. Comentários são referidos no texto pelo sobrenome do autor; páginas específicas de referência para os comentários são desnecessárias.

Portanto, o livro é bom. Para adquirir é só clicar na imagem do livro acima.

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[1] Sinopse
[2] Luiz Sayão, bacharel em Linguística e Hebraico e mestre em hebraico pela Universidade de São Paulo. Professor da área bíblica e de hebraico do Seminário Servo de Cristo, em São Paulo e da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
[3] Russell R Shedd, doutor em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo, Escócia. Fundador das Edições Vida Nova.

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