quinta-feira, 29 de novembro de 2018

TEOLOGIA SISTEMÁTICA DE GRUDEN [Resenha]


Grudem, Wayne. Teologia Sistemática. Vida Nova: São Paulo, 2000[1]


Pretende-se na presente resenha observar virtudes e deficiências encontradas na primeira parte do livro de Teologia Sistemática de Wayne Grudem. O conteúdo que a caracteriza está relacionado à Bibliologia, Teologia Própria, Antropologia, Angelologia, Cristologia e Pneumatologia. O livro tem como características uma linguagem moderna e simples, e também, uma visão atual acerca do que é proposto pela teologia, tanto ortodoxa, quanto àquela que sai dos limites desta.

O autor do livro declara desde o início de sua obra seu entendimento ortodoxo ao descrever sua visão acerca das Escrituras e da Pessoa de Deus, e destes dois pressupostos inicia sua exposição das doutrinas que aborda. Tendo em vista a suficiência destes dados introdutórios, dar-se-á início à avaliação crítica da obra de Grudem.

É elogiável a perspectiva do autor, quando escreve sobre a importância da Teologia Sistemática, pois mostra de maneira convincente a razão básica de se fazê-la e sua importância para a vida do cristão, dando uma ampla base bíblica para isto. Argumenta de maneira inteligente e coerente a favor do estudo sistematizado da Bíblia e sua relevância para o estudo bíblico moderno. De modo completo explica a maneira de se fazer teologia sistemática e é coerente com sua visão ortodoxa.

A abordagem da autoridade bíblica é muito convincente. O argumento da auto corroboração das palavras das Escrituras deve ser destacado como uma observação inteligente ao indicar que como fonte última de autoridade, devemos recorrer a ela para estarmos certos de sua autoridade. Além disso, assegura também a própria inerrância e infalibilidade das Escrituras quando aponta para o fato de que elas são o padrão definitivo de verdade, tendo como base João 17.17.

Quanto à inerrância bíblica, os argumentos em prol desta, são amplos e fortes. Apenas, na parte em que se destaca o combate a afirmação de que a Bíblia contém erros, carece um pouco mais de base escristurística, demonstrando a solução de alguns dos possíveis erros que mais são ressaltados. Ao abordar a necessidade da Bíblia, o autor expõe corretamente a realidade da revelação geral e o que ela manifesta com respeito à existência de Deus e de Seu caráter conforme a exposição de Romanos 1 e 2 e Salmo 19.

Grudem é feliz ao ressaltar a suficiência da Palavra de Deus, algo que não se enfatiza tanto na sistemática e que é visto de maneira acertada por ele, quando a encaixa com o propósito salvífico e de tornar o homem de Deus apto para a boa obra, e que nada mais se torna necessário, no que diz respeito à irrepreensibilidade do homem perante Deus. No entanto, quando trata das aplicações práticas da suficiência, é deficiente em seu embasamento bíblico.

A Teologia Própria é tratada de modo muito completo no livro. Quando fala da existência de Deus traz muito convenientemente (no bom sentido da palavra) a ressalva da posição ortodoxa de que somente Deus é capaz de, realmente, nos convencer de Sua existência.

É muito interessante a divisão que Grudem faz no que diz respeito aos atributos comunicáveis e incomunicáveis de Deus, mostrando a interação desses atributos com o próprio ser humano e deixando o esclarecimento de que tais definições não são absolutas, pois atributos incomunicáveis poderão ser experimentados em certa medida pelos homens e os comunicáveis, não são totalmente absorvidos pela humanidade e nem dentro da humanidade, pelos cristãos.

A explanação com respeito à doutrina da Trindade é clara e fortemente convincente. O autor fazendo uso de vários textos bíblicos demonstra de modo inegável a crença do Deus Triúno na Bíblia. Aqui cabe uma ressalva de que o texto apontado por ele em 48.16, é de difícil interpretação e não se pode afirmar de que é fato o seu ensino acerca da Trindade, até porque a pessoa enviada por Deus pode ser o próprio profeta Isaías que traz a revelação de Deus no texto.

É altamente louvável a exposição teológico-científica que Grudem faz concernente à criação. Traz o pensamento das teorias modernas e trata da teoria da evolução pela própria perspectiva científica, mostrando a fragilidade de tal teoria. Ao versar sobre as duas possíveis interpretações, coloca de modo muito completo os dois entendimentos, seus argumentos favoráveis e contrários, mesmo declarando a teoria para a qual se inclina.

Ainda abordando a Teologia Própria do livro, no que diz respeito à Providência divina, o calvinismo de Grudem demonstra não ser apenas uma escolha teológica, mas uma evidência daquilo que é o ensinamento bíblico, expondo por toda a Bíblia a realidade da providência divina com respeito à Sua cooperação.

A angelologia do autor precisa de questionamento, especialmente quando trata da possessão de crentes por demônios. O autor redefine possessão como sendo o fato de que a pessoa “tem demônio”, mas que este não possui a pessoa a tal ponto que ela inevitavelmente renda-se a ele. Dentro disso afirma a possibilidade de um crente ser influenciado por um demônio de maneira forte, usa o exemplo de Lucas 13.11, 16 e no último parágrafo em que aborda o assunto diz que não se pode concluir que é impossível o fato do crente “ter demônio”, o que chamaríamos de possessão demoníaca. Portanto, abre-se um espaço para que o crente possa ter dentro de si a habitação de um demônio.

Um texto chave para isso é 1 João 5.18, onde o apóstolo afirma a impossibilidade de Satanás tocar no cristão, contrastando no verso 19, onde o mundo é governado pelo Diabo. A palavra grega usada no texto tem um sentido léxico forte, onde “tocar” pode significar também “atacar alguém” ou de “aderir-se a algo”. Esse verbo é usado por João referindo-se ao diálogo que Jesus teve com Maria Madalena ao dizer-lhe para não o “deter”, porque Ele voltaria para o Pai (Jo 20.17). No entanto, deve-se afirmar que outros textos das Escrituras não requerem um toque forte ou influência forte sobre a pessoa que recebe o “toque” (cf. Mt 8.3; Mc 5.27-30; Lc 8.45-17; 18.15). Parece, portanto, que João está falando de um poder que Satanás exerce sobre o crente de modo forte, por haver essa possibilidade exegética da palavra, e porque devido ao contexto mais amplo das epístolas vemos a possibilidade de Satanás causar até mesmo dano externo (“esbofetear”) sobre um crente, sem necessariamente tocá-lo (2 Co 12.7-9). O entendimento mais plausível para a palavra tocar parece ser possessão ou “ter demônio”, pois isto se encaixa com o seu contexto próximo da liberdade de atuação de Satanás sobre aqueles que não são salvos, pelo significado amplo exegético que a palavra possui, trazendo a possibilidade de um ataque forte de Satanás, e também, por ser plausível à luz de outros textos das Escrituras.

Além disso, Grudem abre uma possibilidade diante de um período onde o Espírito de Deus ainda não havia sido derramado, como o foi em Pentecostes, ao referir-se à mulher do texto de Lucas que é chamada de filha de Abraão. Fato que é, até mesmo, admitido pelo autor.

No que diz respeito à antropologia o livro apresenta um forte embasamento bíblico quanto à essência da natureza do homem. O dicotomismo é claramente exposto mostrando como as palavras “alma” e “espírito” podem ser supridas uma pelo outra, através da alternância que os usos são feitos indistintamente, tanto no que se refere a sentimentos, como a morte, pecabilidade, ações e na composição da natureza humana. E refutação é razoável, mas não se usa argumentos linguísticos que poderiam ser usados tanto em Hebreus 4.12 como em 1 Ts 5.23. A resposta para o texto de 1 Co 14.14, pareceu ser insuficiente, pois não explica o texto, mas simplesmente nega-se a existência da palavra “alma” nele.

É na cristologia que Grudem torna-se confuso e pende para um Jesus esquizofrênico, onde experiências que a natureza humana de Cristo passa, não são as mesmas que a natureza divina passa. Isto afeta de modo muito forte a identificação completa do Deus-homem conosco e a obra salvífica de Cristo. Por mais que Grudem não negue diretamente o fato da natureza divina ter recebido a ira de Deus com respeito aos nossos pecados, ele tem uma certa dificuldade em afirmar o fato de que a natureza divina morreu, assim como a humana. Nega o fato de que a natureza divina foi tentada juntamente com a humana, criando uma esquizofrenia, onde a natureza humana foi tentada, mas a divina, não. Tornando até mesmo questionável a obra expiatória de Cristo, pois parte dela incluía Sua identificação conosco por meio da tentação, se apenas a natureza humana de Cristo identificou-se conosco na tentação, então, a suficiência do sacrifício dEle, torna-se questionável.

O autor procura entender o mistério de Cristo e acaba chegando a conclusões quase nestorianas. Diz que em Mateus 8.24-27, era a natureza humana de Jesus que dormia pelo cansaço, e foi Sua natureza divina que acalmou o mar. Afirma, também, que foi a natureza humana que não sabia a respeito dos eventos futuros (Mc 13.32), pois em Sua natureza divina, Jesus sabia (Jo 2.25). É inevitável, então, perceber um erro crasso do autor ao fazer distinção das duas naturezas, tornando as duas naturezas de Cristo quase que em duas pessoas dentro de uma mesma. Cada hora uma manifestava sua existência, enquanto a outra ficava oculta pela que se dava a conhecer.

Outras questões bastante interessantes para se avaliar é que diz respeito às doutrinas referentes à salvação, à igreja e às últimas coisas.

Grudem fez uma abordagem sintética, porém, profunda daquilo que significa ser graça comum e como, de fato, as Escrituras apoiam a realidade desta doutrina tanto no domínio moral quanto no físico e social. Trouxe com uma perspicácia interessante a relação da graça comum com a maneira que os crentes devem agir frente aos incrédulos.

No que tange à soteriologia, as questões são tratadas de modo amplo e completo. É digno de elogio o tratamento que é dado à questão da regeneração, pois aborda de maneira bem extensa e, também, com boa fundamentação bíblica o fato de a regeneração vir antes da fé e os resultados que a regeneração produz na vida dos crentes, onde os textos bíblicos são claros e convincentes. No entanto, em sua abordagem quanto à eleição, o autor peca em sua explicação acerca da vontade revelada e vontade secreta. Ele simplesmente diz que no texto de 1 Timóteo 2.4 e 2 Pedro 3.9 a solução é dizer que existe uma vontade revelada (o que Deus quer que façamos) e uma vontade secreta (seus planos eternos sobre o que irá ocorrer) de Deus, e que nestes textos é apresentada a vontade revelada. Isso pareceu como o próprio autor afirmou, que ele diz isso devido à perspectiva reformada que tem e não devido a uma análise exegética mais profunda do texto. Até porque o texto de 2 Pedro 3.9 parece estar falando de crentes, pois diz: “... Ao contrário, ele é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento”. Em seguida, Pedro traz advertências de como os irmãos deveriam viver diante da realidade da vinda do Senhor e diz que uma vida santa e piedosa apressaria a vinda dEle, contrastando com a idéia da paciência de Deus no verso 9 que tinha a finalidade de não permitir que os crentes perecessem, mas chegassem ao arrependimento.

Ao abordar a perseverança dos santos, o livro apresenta uma base bíblica extensa e forte, demonstrando que Deus preserva o crente da perda de sua salvação, como este, também, persevera em obedecer-lhe. É importante destacar que a interpretação apresentada acerca de Hebreus 6.4-6 é muito fraca e se dá um valor excessivo ao estudo dos vocábulos do texto, sem sequer respeitar o próprio uso de alguns destes vocábulos pelo próprio autor de Hebreus. A análise se inclina mais a uma eisegese do que a uma exegese propriamente dita.

Como alguém que claramente tem uma formação pentecostal (vide dedicatória e p. 859-929), o autor demonstra grande equilíbrio ao tratar da questão do batismo e plenitude do Espírito Santo. Reconhece à luz das Escrituras que o evento ocorrido com muitos pentecostais de hoje deveriam ser chamado de enchimento do Espírito Santo e não batismo. Apresenta uma boa análise de textos e alerta sobre o perigo das categorias “crentes batizados” e “crentes não-batizados”.

Na parte de eclesiologia o estudo apresentado é suficiente e auxilia num entendimento correto da igreja e de suas implicações. A primeira parte que analisa a natureza, características e propósitos da igreja se trabalha muito bem com a questão da realidade da igreja local e universal e aborda satisfatoriamente com simplicidade as metáforas que dizem respeito à igreja. Erra ao não saber diferenciar Israel de Igreja, porém apresenta bons argumentos bíblicos em prol de seu entendimento, mesmo que estes necessitem de uma observação mais acurada dentro de seus próprios contextos.

Um capítulo a se questionar é o que trata sobre igrejas mais puras e menos puras. A pergunta que deve ser levantada é se é legítimo fazer esta diferenciação, já que todas as igrejas são uma só como igreja universal. Quanto à questão do governo da igreja, Grudem apresenta uma visão equilibrada e demonstra convincentemente de que o governo congregacional é aquele que melhor se adequa numa práxis eclesiástica.

No trato do batismo, o livro apresenta uma base sólida escriturística demonstrando que o ensino bíblico daqueles que devem ser batizados diz respeito somente aos salvos e deixa clara a fragilidade do pedobatismo como sinal da comunidade da aliança. Porém, ao abordar o caso de uma pessoa que foi batizada numa igreja reformada quando criança e passa a fazer parte de uma igreja que crê no batismo pós-conversão, erra por dizer que essa igreja que recebe tal pessoa deveria entender como válido seu batismo, pois, vai contra àquilo que o próprio autor acabou de demonstrar.

É admirável a exposição feita pelo autor no que diz respeito ao dom de línguas, porque apresenta um exame hermenêutico profundo e uma aplicação equilibrada quanto à continuidade deste dom e na validação do uso dele, analisando detalhadamente o texto de 1 Coríntios 14. Foi razoável, porém, necessitou de um estudo maior a descrição bíblica do que vem a ser o “falar em línguas” apresentada na obra, sem uma observação mais profunda de Atos 2 e 1 Coríntios 14.21.

Na escatologia, o escritor inicia bem, expondo a iminência do retorno de Cristo como sendo uma doutrina ensinada diversas vezes nas Escrituras, especialmente fazendo citações de textos cujos contextos são escatológicos e de outros em que a iminência da volta de cristo reforça um ensino ou exortação. Entretanto, a solução que apresenta de como conciliar a iminência do segundo advento com os sinais que o precedem o escritor é infantil hermenêuticamente e traz explicações rasas, tendenciosas e confusas na busca para entender a concretização de tais sinais.

As explanações das posições acerca do milênio são bem feitas, Grudem, primeiramente, expõe as posições e suas defesas bíblicas e depois contra-argumenta, permitindo que os leitores reflitam a respeito das outras perspectivas. Cabe aqui fazer uma consideração quanto à posição milenar do autor. Em sua defesa do pré-milenismo histórico o autor diz que as promessas feitas por Deus dizem respeito a um estágio futuro da história, apontando para textos proféticos vétero-testamentários que alegam isso. Todavia, ele se torna incoerente ao dizer que os textos exigem um cumprimento na história e, enquanto isso, ignora o literalismo que compete ao povo com quem essas promessas se cumprem. Interpretando literalmente o evento, mas não literalmente o povo que diz respeito a esses eventos.

Finalmente, é bom destacar que o livro é completo ao trazer em seu escopo, credos e confissões que ajudam o leitor a conhecer a teologia dentro da própria história eclesiástica e de mais de uma perspectiva teológica. É muito positiva a inclusão da declaração de Chicago sobre a inerrância da Bíblia, pois responde a problemas atuais trazidos pelo liberalismo e neo-ortodoxia. Traz, também, uma bibliografia sugerida que auxiliará o estudante de teologia sistemática e que inclui obras de autores que possuem pensamentos diferentes de Grudem.


A teologia de Wayne Grude é publicado pela Edições Vida Nova.
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[1] Texto de Tiago Abdalla T. Neto. Publicado originalmente in:

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