Além do Posfácio e Apêndices, o livro possui sete partes, cada uma composta por vários capítulos. Capa parte corresponde a uma etapa da vida Tolkien. Autor do livro, Humprey Carpenter informa que “este livro baseia-se nas cartas, nos diários e em outros escritos do finado professor J. R. R. Tolkien e nas reminiscências de sua família e de seus amigos. [...] Tentei, no entanto, delinear algumas das influências, literárias e outras, que agiram sobre a imaginação de Tolkien, na esperança de que isso possa lançar alguma luz sobre seus livros” [p.7].
PARTE I – Uma visita.
A primeira parte é única e descreve o encontro do autor com o professor Tolkien em uma manhã de primavera no ano de 1967 no centro Oxford, Londres. Para mim, além de descrever o professor Tolkien com um homem de estatura mediana, a descrição mais interessante é sobre aonde o professor Tolkien o recebeu: “O escritório é na verdade a garagem, há muito destituída de qualquer carro – ele explica que não tem carro desde o começo da Segunda Guerra Mundial -; desde que se aposentou, a garagem foi tornada habitável e passou a abrigar livros e papéis antes guardados em sua sala na universidade. As prateleiras estão atulhadas de dicionários, obras de etimologia e filologia, e edições de textos em muitas línguas, entre as quais predominam o antigo e o médio inglês, e o antigo norueguês; mas há também uma seção dedicada a traduções de O Senhor dos Anéis em polonês, holandês, dinamarquês, sueco e japonês; o mapa da “Terra-média” inventada por ele está preso por alfinetes ao peitoril da janela. No chão há uma arca antiquíssima cheia de cartas, e sobre a escrivaninha há tinteiros, penas, e canetas, e duas máquinas de escrever. A sala recende a livros e fumaça de tabaco.” [p.12]
A primeira parte é única e descreve o encontro do autor com o professor Tolkien em uma manhã de primavera no ano de 1967 no centro Oxford, Londres. Para mim, além de descrever o professor Tolkien com um homem de estatura mediana, a descrição mais interessante é sobre aonde o professor Tolkien o recebeu: “O escritório é na verdade a garagem, há muito destituída de qualquer carro – ele explica que não tem carro desde o começo da Segunda Guerra Mundial -; desde que se aposentou, a garagem foi tornada habitável e passou a abrigar livros e papéis antes guardados em sua sala na universidade. As prateleiras estão atulhadas de dicionários, obras de etimologia e filologia, e edições de textos em muitas línguas, entre as quais predominam o antigo e o médio inglês, e o antigo norueguês; mas há também uma seção dedicada a traduções de O Senhor dos Anéis em polonês, holandês, dinamarquês, sueco e japonês; o mapa da “Terra-média” inventada por ele está preso por alfinetes ao peitoril da janela. No chão há uma arca antiquíssima cheia de cartas, e sobre a escrivaninha há tinteiros, penas, e canetas, e duas máquinas de escrever. A sala recende a livros e fumaça de tabaco.” [p.12]
PARTE II – 1982-1916: Os Primeiros Anos
Capítulo 1 - John Ronald Reuel Tolkien, conhecido como J. R. R. Tolkien, nasceu em Bloemfontein, África do Sul, no dia 3 de janeiro de 1892. Filho do inglês Arthur Tolkien, bancário que trabalhava no Bank of África, e de Mabel Suffield Tolkien, viveu na África do Sul até a morte de seu pai em 1896, ano em que se mudou com sua mãe e seu irmão para a cidade de Birminghan, na Inglaterra.
Capítulo 1 - John Ronald Reuel Tolkien, conhecido como J. R. R. Tolkien, nasceu em Bloemfontein, África do Sul, no dia 3 de janeiro de 1892. Filho do inglês Arthur Tolkien, bancário que trabalhava no Bank of África, e de Mabel Suffield Tolkien, viveu na África do Sul até a morte de seu pai em 1896, ano em que se mudou com sua mãe e seu irmão para a cidade de Birminghan, na Inglaterra.
Capítulo 2 – “O pequeno Ronald já sabia ler aos 4 anos de idade e logo aprenderia a escrever com perfeição e quando tinha uns 7 anos, começo a compor a sua própria história” [p.34-35].
A conversão de sua mãe da Igreja Anglicana para o catolicismo lhe marcou profundamente, tornando-se também um católico fervoroso. Contudo, a conversão de sua mãe ao catolicismo romano não foi algo muito fácil – “Imediatamente a ira da família desabou sobre elas. O pai, John Suffield, fora educado numa escola metodista, e era agora um unitário[1]. Para ele era um ultraje inacreditável que as filhas se tornassem papistas. O marido de May, Walter lncledon, considerava-se um dos esteios da igreja anglicana local, e estava simplesmente fora de cogitação permitir que May se associasse à Igreja de Roma. Quando voltou a Birmingham, ele a proibiu de voltar a entrar em uma igreja católica, e ela teve de obedecer; no entanto, por consolo – ou foi por vingança? – voltou-se para o espiritualismo” [p.38].
A conversão de sua mãe da Igreja Anglicana para o catolicismo lhe marcou profundamente, tornando-se também um católico fervoroso. Contudo, a conversão de sua mãe ao catolicismo romano não foi algo muito fácil – “Imediatamente a ira da família desabou sobre elas. O pai, John Suffield, fora educado numa escola metodista, e era agora um unitário[1]. Para ele era um ultraje inacreditável que as filhas se tornassem papistas. O marido de May, Walter lncledon, considerava-se um dos esteios da igreja anglicana local, e estava simplesmente fora de cogitação permitir que May se associasse à Igreja de Roma. Quando voltou a Birmingham, ele a proibiu de voltar a entrar em uma igreja católica, e ela teve de obedecer; no entanto, por consolo – ou foi por vingança? – voltou-se para o espiritualismo” [p.38].
Em 1902, a família de Ronald ao se mudar para Edgbaston, a sua fé católica foi fundamentada através do “padre Francis Xavier Morgan, com quarenta e três anos, que, logo após a mudança dos Tolkiens, assumiu o cargo de pároco e foi visitá-los. Mabel encontrou nele não apenas um sacerdote compreensivo, mas também um valioso amigo. Meio galês e meio anglo-espanhol (a família de sua mãe era proeminente no comércio de xerez), Francis Morgan não era um homem de grande intelecto, mas possuía um imenso estoque de bondade e humor e uma personalidade exuberante, muitas vezes atribuída ao seu sangue espanhol” [p41].
Este Padre esteve presente na vida J. R. R. Tolkien durante quase toda a sua vida. Em 1903, aos 8 anos, ao ingressar na Escola King Edwards, ele começo aprender grego e tomou conhecimento das peças de Shakespeare, das quais Ronald logo descobriu que “cordialmente não gostava”. O seu vício de fumar cachimbo, segundo tem uma origem: “O padre Francis visitava-os com frequência. Ele tinha um cão em Rednal chamado “Lord Roberts”, e costuma sentar-se na varanda coberta de hera da Casa do Oratório fumando um grande cachimbo de cerejeira – “mais notável”, relembraria Ronald, “porque ele nunca fumava em nenhum outro lugar. É possível que o meu vício de fumar cachimbo venha daí” [p.46]. Em 14 de novembro de 1904, morre a sua mãe – Mabel.
Capítulo 3 - Em 1904, após a morte de sua mãe, Tolkien e seu irmão foram entregues aos cuidados do padre jesuíta Francis Xavier Morgan que Tolkien mais tarde o descreveu como um segundo pai. Sobre a sua mãe, assim escreveu: “Minha querida mãe foi de fato uma mártir, e não é a qualquer um que Deus concede um acesso tão fácil às suas grandes dádivas como concedeu a Hilary e a mim, dando-nos uma mãe que se matou de trabalho e preocupação para assegurar que mantivéssemos a fé. Ronald Tolkien escreveu isto nove anos após a morte da mãe. De certo modo, indica a forma como ele associava a figura da mãe à sua condição de católico. De fato, pode-se dizer que depois da sua morte, a religião ocupou em suas afeições o espaço antes ocupado pela mãe. A religião proporcionou-lhe consolo não apenas espiritual, mas também emocional. Talvez sua morte também tenha contribuído para consolidar o estudo de idiomas. Foi ela, afinal, a primeira professora, aquela que o encorajou a interessar-se pelas palavras. Agora que ela se fora, ele seguiria esse caminho imperturbavelmente” [p.47].
Com respeito ao estudo de idiomas, Carpenter assim o descreve: “Uma coisa era saber latim, grego, francês e alemão; outra era compreender por que essas línguas eram o que eram. Tolkien começava a procurar os ossos, os elementos comuns a todas as línguas – começava, na verdade, a estudar filologia, a ciência das palavras; e sentiu-se mais encorajado ainda quando travou conhecimento com o anglo-saxão. [...] lsto ocorreu graças a George Brewerton, o mestre que preferia muck a manure. Sob sua tutela, Ronald Tolkien mostrara-se interessado pelo inglês de Chaucer. Brewerton gostou e ofereceu-lhe emprestado um livro elementar de anglo-saxão. A oferta foi aceita avidamente. Abrindo, Tolkien viu-se frente a frente com a língua falada pelos ingleses antes que os primeiros normandos pusessem os pés na sua terra. O anglo-saxão, também denominado antigo inglês, como antepassado da sua própria língua, era-lhe familiar e reconhecível e, no entanto, era ao mesmo tempo remoto e obscuro. O livro explicava a língua claramente em termos que ele podia entender com facilidade, e, pouco depois, ele já conseguia traduzir com facilidade os exemplos em prosa do final da obra. [...] O verdadeiro entusiasmo começou quando deixou os textos simples e voltou-se para o grande poema Beowulf. Ao lê-lo, primeiro em tradução e depois no antigo inglês, percebeu que era um dos poemas mais extraordinários de todos os tempos: a história do guerreiro Beowulf, sua luta com dois monstros, e sua morte após a batalha contra um dragão” [p.51-52].
Quando Tolkien tinha dezesseis anos, ele se apaixonou por Edith Bratt que então tinha 19 anos e também era órfã. Seu guardião tinha providenciado sua convivência na mesma casa em que Tolkien e seu irmão embarcaram porque a dona da casa amava a música e permitiria que a jovem praticasse piano. O romance dois dois é um ponto importante neste capítulo. Carpenter assim a descreve: “Era bastante bonita, baixa, esguia, de olhos cinzentos, um rosto firme e límpido e cabelos curtos e escuros. [...] ela era elegante, baixinha e excepcionalmente bonita” [p.56-57]. Sobre este romance, o autor conclui: “Entre duas pessoas com tais personalidades e em tais circunstâncias, era inevitável que nascesse um romance. Ambos eram órfãos com carências afetivas, e descobriram que podiam dar afeto um ao outro. Durante o verão de 1909, chegaram à conclusão de que estavam apaixonados” [p.58]. Seu tutor, o Padre Francis Morgan, visualizando Edith como uma distração dos trabalhos escolares de Tolkien e horrorizado que Tolkien foi seriamente envolvida com uma menina protestante, proibiu-o de reunir e conversar com ela. Ele obedeceu a proibição à carta, com uma notável exceção que fez o Padre Morgan de ameaçar a cortar sua curta carreira universitária, se ele não parasse.
Capítulo 4 – Circunstancialmente separado de Edith, Tolkien se voltara totalmente para os estudos. Passava também um bom tempo estudando línguas, tanto históricas como inventadas. No período da Quaresma de 1910, ele proferiu diante da primeira classe da King Edward’s uma preleção com o grave título: “As Línguas Modernas da Europa – Derivações e Potencialidades.” Gastou três aulas de uma hora cada para lê-la, e, mesmo assim, o mestre encarregado deteve-o antes que chegasse às “Potencialidades”. Dedicava também muito tempo à Sociedade de Debates. Havia na King Edward’s o costume de conduzir um debate inteiramente em latim, mas isso era fácil demais para Tolkien, e, certa vez, durante um debate, quando desempenhava o papel do embaixador grego no Senado, falou apenas em grego. Em outra ocasião, deixou atônitos os colegas quando, caracterizado como um emissário bárbaro, largou a falar em gótico fluente; numa terceira ocasião falou em anglo-saxão. Estas atividades ocupavam muitas horas, e ele não podia realmente dizer que estudara o suficiente para obter a bolsa. Não obstante, partiu para Oxford em dezembro de 1910, bem mais confiante quanto às suas chances. No final deste capítulo temos algo bastante curioso – Origem de Gandalf – “Antes de voltar à Inglaterra, Tolkien comprou alguns cartões-postais ilustrados. Entre eles havia uma reprodução de um quadro do artista alemão J. Madelener. Chamava-se Der Berggeist, o espírito da montanha, e mostrava um velho sentado numa rocha sob um pinheiro. Tinha uma barba branca e usava um chapéu redondo de abas largas e uma longa capa. Falava a uma corça branca que roçava o focinho nas palmas de suas mãos; sua expressão era jocosa, porém compassiva; podiam-se entrever montanhas rochosas ao longe. Tolkien guardou cuidadosamente este cartão-postal, e muito tempo depois escreveu no envelope onde o guardava: “Origem de Gandalf.” [p.74].
Capítulo 5 – Este capítulo inicia com a seguinte declaração do Carpenter: “Desde o momento em que o carro entrara em Oxford, ele decidira que seria feliz ali. Aquela era uma cidade que podia amar e venerar, após a esqualidez e monotonia de Birmingham. É certo que, aos olhos de um observador ocasional, seu colégio, Exeter, não era dos mais belos. A fachada insípida de George Gilbert Scott e a capela, uma cópia sem gosto da Sainte Chapelle, não eram mais notáveis que a imitação de gótico da escola de Barry em Birmingham. Contudo, alguns metros adiante estava o Fellows’ Garden, onde bétulas prateadas erguiam-se acima dos telhados e plátanos e castanheiras estendiam seus ramos por sobre o muro, debruçando-se por sobre a Brasenose Lane e a Radcliffe Square. E, para Ronald Tolkien, aquele era o seu colégio, o seu lar, o primeiro lar verdadeiro que conhecia desde a morte da mãe. Ao pé da escadaria, seu nome estava pintado numa tabuleta, e, depois dos degraus irregulares de madeira, do largo corrimão negro, estavam os seus aposentos, um dormitório e uma sala de estar, simples mas bonita, com vista para a estreita Turl Street. Era perfeito” [p.77].
O hábito do padre Francis, agora era bem assimilado por Tolkien. Ele sentia-se mais feliz em rodas onde havia boa conversa, bastante tabaco (era agora um firme adepto do cachimbo, e vez ou outra fumava cigarros caros) e companhia masculina. Esse capítulo termina com uma decepção. Em 1912, Ronald comemoraria seu vigésimo primeiro aniversário pretendia reencontrar-se com Edith Bratt, por quem esperara durante quase três anos, e que, ele tinha toda a certeza, esperara por ele. Quando o relógio deu meia-noite, marcando o começo de 3 de janeiro de 1913, sua maioridade, sentou-se na cama e escreveu uma carta, renovando sua declaração de amor e perguntando-lhe: “Quanto tempo mais até que possamos nos unir diante de Deus e do mundo?” Mas quando Edith escreveu em resposta, foi para dizer-lhe que estava noiva e iria casar-se com George Field, irmão de sua colega de escola Molly.
Capítulo 6 - Edith fora seu ideal nos últimos três anos, sua inspiração e sua esperança para o futuro. Ele acalentara e cultivara seu amor por ela; esse amor crescera em segredo, alimentado apenas pelas lembranças do romance adolescente e de algumas fotografias dela quando criança. Ele entrevia agora uma única atitude possível: tinha de ir a Cheltenham, persuadi-la a desistir de George Field, e pedir-lhe que se casasse com ele. O Padre Francis foi informado através de carta, mas a resposta do padre foi calma e resignada, apesar de nenhum pouco entusiasmada. Contudo, o marco desse capítulo é o modo como Tolkien a questão religiosa de Edith. Carpenter assim descreve: “Nos meses que se seguiram ao seu reencontro, o problema da religião de Edith causou certa preocupação a ela e a Ronald. Para que o casamento fosse abençoado pela igreja dele, ela teria de tornar-se católica. Teoricamente, faria isso com satisfação – na verdade, acreditava que sua família fora católica muito tempo antes. Agora Ronald queria que renunciasse a tudo isso e fosse para uma igreja onde ninguém a conhecia; e, vista por este prisma, a perspectiva não lhe agradava. Além disso, temia que o “tio” Jessop, em cuja casa morava, se enfurecesse, pois, como muitos outros da sua idade e classe, ele era um anticatólico ferrenho. Se ela se tornasse papista, ele permitiria que ela continuasse vivendo sob seu teto até o casamento? A situação era desconfortável, e ela propôs a Ronald que o assunto fosse adiado até que o noivado fosse oficializado ou até que a data do casamento estivesse próxima. Mas ele não concordou. Queria que ela agisse rapidamente. Desprezava a Igreja da Inglaterra, dizia que era uma “patética e sombria miscelânea de tradições semiesquecidas e crenças mutiladas”. E se Edith fosse perseguida em virtude de sua decisão de tornar-se católica, ora, fora precisamente isso que acontecera à sua querida mãe, e ela o suportara. “Creio fervorosamente”, escreveu a Edith, “que nem a indiferença nem o temor mundano devem nos impedir de seguir resolutamente a luz. (Ele voltara a frequentar a missa regularmente e talvez tenha resolvido esquecer os lapsos do ano anterior.) Claramente, a conversão de Edith se tornara para ele uma questão emocional; em parte, embora ele não o admitisse, é possível também que quisesse pôr à prova o amor de Edith após a infidelidade do noivado com George Field” [p.94-95].
Finalmente “Edith foi instruída na fé católica pelo padre Murphy, o pároco de Warwick, que se desincumbiu apenas adequadamente do serviço. No futuro, Ronald atribuiria a culpa por muitas contrariedades à qualidade insuficiente dos ensinamentos que ela recebeu nessa época. Mas ele próprio não a ajudou. Achava difícil comunicar-lhe a profunda e apaixonada natureza de sua própria fé, inextricavelmente ligada à lembrança de sua falecida mãe.
Em 8 de janeiro de 1914, Edith foi recebida na Igreja Católica Romana. A data, deliberadamente escolhida por ela e Ronald, era o primeiro aniversário de seu reencontro. Logo após a conversão, Edith e Ronald foram declarados oficialmente noivos pelo padre Murphy. Edith fez a primeira confissão e a primeira comunhão, eventos que ela considerou “uma grande e maravilhosa felicidade” [p.98]. No final deste capítulo, Capenter registra um dos primeiros escritos de Tolkien - “A Viagem de Earendel, a Estrela Vespertina”
Capítulo 7 – Este capítulo inicia-se com a preparação de Tolkien para a guerra e termina com o seu casamento. Na época em que Tolkien escrevia “A Viagem de Earendel”, no fim do verão de 1914, a Inglaterra declarou guerra à Alemanha. Os jovens já se alistavam aos milhares, respondendo ao apelo de Kitchener por soldados. Os sentimentos de Tolkien, porém, eram bem diferentes: queria ficar em Oxford até graduar-se, e tinha esperanças de classificar-se na Primeira Classe. Assim, embora seus tios e tias esperassem que ele se alistasse (seu irmão Hilary já o havia feito – era agora corneteiro), Tolkien voltou à universidade para o “Michaelmas term” [p.103].
Carpenter registra: “No início de 1916, decidiu especializar-se em sinalização, pois a perspectiva de trabalhar com palavras, mensagens e códigos era mais animadora que a fadiga e a responsabilidade de comandar um pelotão. Assim, aprendeu código Morse, sinalização com bandeiras e discos, a transmissão de mensagens por heliógrafo e lanterna, o uso de foguetes de sinalização e telefones de campanha, e mesmo como utilizar pombos-correios (que às vezes eram usados no campo de batalha). Por fim, foi nomeado oficial de sinalização do batalhão” [p.112]. E finalmente, Ronald Tolkien e Edith Bratt foram casados pelo padre Murphy após a missa matinal da quartafeira, 22 de março de 1916. Haviam escolhido uma quarta-feira porque fora nesse dia da semana, em 1913, que se haviam reencontrado [p.113].
Capítulo 8 – Este capítulo é ultimo da Parte 2 deste livro. Este capítulo mostra dois fatos doloridos na vida Tolkien, ou seja, como entrou na guerra e como de lá saiu e O rompimento da Sociedade T.C.B.S. Um fato também interessante é que “juntamente com vários outros oficiais, foi transferido para o 11º Batalhão, onde encontrou pouca companhia que fosse do seu agrado. Os oficiais novatos eram todos recrutas como ele, alguns com menos de vinte e um anos; já os comandantes de companhia e ajudantes mais velhos eram, em muitos casos, soldados profissionais desenterrados da reforma, homens de mente estreita e histórias intermináveis sobre a Índia ou a Guerra dos Boêres [...] Muitos anos mais tarde, ao comentar um dos principais personagens de O Senhor dos Anéis, Tolkien escreveu: “Meu ‘Sam Gamgee’ é, na verdade, um reflexo do soldado inglês, dos soldados rasos e ordenanças que conheci na guerra de 1914, e reconheci como tão superiores a mim” [p.116-117].
Tolkien entrou em combate pela primeira vez durante uma importante ofensiva planejada pelo comando aliado; sua companhia uniu-se à 7ª Brigada de Infantaria para um ataque ao arruinado vilarejo de Ovillers, ainda em poder dos alemães. O ataque fracassou, pois, mais uma vez, o arame farpado das linhas inimigas não fora totalmente cortado, e muitos homens do batalhão de Tolkien foram mortos pelo fogo de metralhadora. Ele sobreviveu ileso, e, depois de quarenta e oito horas sem descanso, finalmente pôde dormir um pouco no abrigo de uma trincheira. Vinte e quatro horas depois sua companhia foi dispensada” [p.120]. Embora os combates já não fossem tão intensos quanto nos primeiros dias da Batalha do Somme, as forças britânicas continuaram a sofrer graves perdas, e muitos do batalhão de Tolkien foram mortos. Nessa batalha, só no primeiro dia de combate, houve 30.000 soldados britânicos feridos e quase 20.000 mortes. Contudo, Tolkien não sofreu nenhum ferimento, mas, quanto mais tempo permanecia nas trincheiras, maiores eram as chances de figurar entre as baixas. A possibilidade de uma licença era sempre iminente, mas nunca concedida. Quem o salvou foi uma “pirexia de origem desconhecida”, como diziam os médicos. Para os soldados era simplesmente a “febre das trincheiras”. Transmitida por piolhos, causava elevação de temperatura e outros sintomas febris, e milhares de homens já haviam dado baixa por causa desse mal. Em 27 de outubro, sexta-feira, foi a vez de Tolkien. Na época estava aquartelado em Beauval, dezenove quilômetros atrás das linhas. Quando adoeceu foi transportado a um hospital não muito distante dali. Um dia depois, estava num trem-enfermaria com destino à costa, e, no domingo à noite, num leito do hospital de Le Touquet, onde permaneceu por uma semana. Mas a febre não cedeu, e, em 8 de novembro, foi posto a bordo de um navio com destino à Inglaterra. Ao chegar foi de trem para Birmingham e internado num hospital. Assim, em alguns dias, viu-se transportado do horror das trincheiras para os lençóis brancos e a visão da cidade que conhecia tão bem. [p.122].
Em seu retorno ele toma conhecimento da morte nas trincheiras de Rob Gilson e G. B. Smith. Por causa disso a Sociedade Tea Club Barrovian Society foi dissovida. As impressões dessa batalha povoaram a imaginação de Tolkien por muitos anos. As visões de homens dilacerados, mutilados, de rosto deformado e corpos apodrecidos conduziram-no anos mais tarde à elaboração da imagem do lago dos mortos, em O Senhor dos Anéis, e também à imagem dos orcs, com sua deformidade física acentuada.
PARTE III – 1917 A 1925: A CRIAÇÃO DE UMA MITOLOGIA
Capítulo 1 – Na capa de um caderno barato, Tolkien escreveu com um grosso lápis azul o título que escolhera para seu ciclo mitológico: “O Livro dos Contos Perdidos”. No interior do caderno começou a compor o que acabaria por ser conhecido como O Silmarillion. Quando Tolkien começou a escrever, recorreu a um veio de sua imaginação muito mais profundo, muito mais rico, do que qualquer outro que explorara até então; e esse veio continuaria a produzir pelo resto de sua vida.
As primeiras “lendas” que compõem o Silmarillion falam da criação do universo e do estabelecimento do mundo conhecido, que Tolkien, relembrando o Midgard nórdico e as palavras equivalentes no inglês primitivo, chama “Middle-earth” (Terra-média). Alguns leitores interpretaram isto como uma referência a outro planeta, mas Tolkien não teve tal intenção. “A Terra-média é o nosso mundo”, escreveu. “Localizei a ação (é claro) num período puramente imaginário (mas não totalmente impossível) da Antiguidade, quando a forma das massas continentais era diferente.
Histórias posteriores do ciclo tratam principalmente da feitura dos “Silmarilli” (as três grandes joias dos elfos que dão nome ao livro), de como foram roubados do reino afortunado de Valinor pelo poder maligno Morgoth, e das guerras subsequentes em que os elfos tentam reconquistá-los. A primeira história a ser colocada no papel – foi escrita no começo de 1917, durante a convalescença de Tolkien em Great Haywood – ocupa, na verdade, um lugar próximo ao fim do ciclo. É “A Queda de Gondolin”, que relata o ataque de Morgoth, o principal poder maligno, ao último reduto élfico.
Quanto aos nomes de pessoas e lugares em “A Queda de Gondolin” e as outras histórias do Silmarillion, foram construídos a partir das línguas inventadas por Tolkien. Já que a existência dessas línguas fora uma raison d’être de toda a mitologia, não é de surpreender que tenha dedicado tanta atenção à criação de nomes a partir delas. Tolkien esboçou uma grande quantidade de línguas inventadas quando era adolescente, e muitas delas chegaram a atingir certo nível de complexidade. Contudo, apenas uma dessas experiências foi do seu agrado e conseguiu expressar o seu gosto linguístico pessoal: uma língua com uma forte influência do finlandês, que ele denominou “Quenya”. Além do Quenya e do Sindarin, Tolkien inventou muitas outras línguas élficas. Embora existissem apenas como esboço, as complexidades das suas inter-relações e a elaboração de uma “árvore” linguística ocuparam bastante a sua mente. Contudo, os nomes élficos no Silmarillion foram construídos quase que exclusivamente a partir do Quenya e do Sindarin.
Tolkien ainda compôs outra grande narrativa para “O Livro dos Contos Perdidos" – a história do infeliz Túrin, que acabou por receber o título de “Os Filhos de Húrin”. Novamente podem-se perceber certas influências literárias: a luta do herói contra um grande dragão inevitavelmente sugere uma comparação com os feitos de Sigurd e Beowulf, enquanto o incesto involuntário com a irmã e o subsequente suicídio foram conscientemente inspirados na história de Kullervo no Kalevala. Novamente, porém, estas “influências” são apenas superficiais. “Os Filhos de Húrin” é uma vigorosa fusão de tradições islandesas e finlandesas, mas vai muito além, e atinge um grau de complexidade dramática e uma sutileza de caracterização raramente encontradas nas antigas lendas.
Neste capítulo, dois outros fatos são muito importantes. Primeiro é a origem do romance “Beren e Lúthien” (Recém lançado pela Harper Collins), que é descrito por Carpenter da seguinte forma: “Quando conseguia uma licença, Ronald e Edith passeavam no campo. Perto de Roos acharam um pequeno bosque com uma vegetação rasteira de cicuta, e lá perambularam. Mais tarde, Ronald relembraria a imagem de Edith nessa época: “Seus cabelos eram negros, sua pele clara, seus olhos brilhantes, e sabia cantar – e dançar.” E ela cantou e dançou para ele no bosque, e daí veio a história que seria o centro do Silmarillion: a história do mortal Beren, apaixonado pela jovem élfica Lúthien Tinúviel, que ele vê pela primeira vez em um bosque, dançando entre a cicuta. De todas as suas lendas, o conto de Beren e Lúthien era o mais amado por Tolkien, se não por outro motivo, porque, em certo nível, identificava Lúthien com sua esposa. Segundo, é o registro do nascimento de seu primeiro filho. “Em 16 de novembro de 1917, num hospital de Cheltenham, nasceu o filho de Ronald e Edith Tolkien. Foi um parto difícil, e a vida de Edith esteve em perigo. No entanto, apesar de ter recebido alta do hospital, Ronald foi obrigado a permanecer no quartel e, para seu grande pesar, só conseguiu uma licença para viajar para o sul quase uma semana após o nascimento, quando Edith já começava a se recuperar. Decidiram chamar o bebê John Francis Reuel – “Francis” em homenagem ao padre Francis Morgan, que veio de Birmingham para batizá-lo.” [p.128-140]
Capítulo 2 – Neste capítulo temos referências a um diário. “Tolkien começou (no dia de Ano Novo de 1919) a escrever um diário onde registrava os acontecimentos importantes e seus pensamentos a respeito deles. Apesar de tê-lo iniciado em letra normal, passou a usar um notável alfabeto que acabara de inventar, que parecia uma mistura de hebraico, grego e taquigrafia Pitman. Logo decidiu envolvê-lo na sua mitologia, e chamou-o “O Alfabeto de Rúmil”, nome de um sábio élfico das suas histórias” [p.141]
Capítulo 3 – Registra-se o nascimento do seu segundo e terceiro filho. “Em outubro de 1920, Edith deu à luz o segundo filho, que foi batizado Michael Hilary Reuel” [p.145]. “No começo de 1924, Edith descobriu perturbada que engravidara novamente. Esperava ter uma menina, mas, em novembro, deu à luz outro menino, que foi batizado Christopher Reuel, em homenagem a Christopher Wiseman. O bebê nasceu e tornou-se especialmente encantador ao pai, que escreveu em seu diário: “Agora eu não ficaria sem o que Deus mandou” [p.151-152].
“O Livro dos Contos Perdidos” estava quase completo. Em Oxford e Leeds Tolkien havia composto as histórias que relatam a criação do universo, a feitura dos Silmarilli e seu roubo do reino afortunado de Valinor por Morgoth. O ciclo ainda não tinha um final definido – a conclusão deveria ser a viagem da nave-estrela de Earendel, o primeiro elemento da mitologia a surgir na mente de Tolkien – e algumas histórias existiam apenas em forma de sinopse; mas um pouco mais de esforço seria o suficiente para completá-lo. Não obstante, Tolkien não se esforçou – em vez disso começou a reescrever. Era quase como se não quisesse terminá-lo. [p.150] Assim, não completou o Silmarillion (como veio a chamar o livro), mas voltou atrás, alterando, polindo e revendo. Também começou a redigir em forma de poema duas das histórias principais, uma indicação de que ainda aspirava tanto à poesia como à prosa. Para a história de Túrin escolheu um equivalente moderno do sistema aliterativo encontrado em Beowulf e para a história de Beren e Luthien adotou dísticos rimados. Chamou este último poema “A Gesta de Beren e Lúthien”; mais tarde rebatizou-o como “A Balada de Leithian”. [p.151]
No início de 1925, chegou a notícia de que a cátedra de Anglo-Saxão em Oxford vagaria brevemente. O cargo foi anunciado, e Tolkien candidatou-se. E Assumiu a catédra. Carpenter conclui esse capítulo, escrevendo: “A partir daí, pode-se dizer que nada mais realmente aconteceu. Tolkien voltou a Oxford, foi professor Rawlison e Bosworth de Angão-Saxão durante 20 anos. Depois, foi eleito professor Merton de Língua e Literatura Inglesa, foi morar em um subúrbio convencional de Oxford, onde passou o começo da aposentadoria, mudou-se para uma estância á beira-mar, voltou a Oxford após a morte da esposa e teve ele mesmo uma morte pacífica, aos 81 anos de idade. Foi a vida comum e na notável de incontáveis outros estudiosos. Uma vida de brilho acadêmico, certamente, mas apenas em um campo profissional muito restrito, que na verdade pouco interessa aos leigos. E teria sido só isso – não fosse pelo estranho fato de que, durante esses anos em que “na aconteceu”, ele escreveu dois livros que se tornaram sucessos mundiais, livros que cativaram a imaginação e influenciaram o pensamento de vários milhões de leitores. É um estranho paradoxo o fato de que O Hobbit e O Senhor dos Anéis sejam obra de um obscuro professor de Oxford, cuja especialidade era o dialeto medieval do centro-oeste inglês, e que vivia uma vida comum e suburbana, criando os filhos e cuidando do jardim” [p.152]
PARTE IV – 1925 A 1949 (I): “NUMA TOCA NO CHÃO VIVIA UM HOBBIT”
Capítulo 1 – Aqui temos o registro do nascimento do quarto filho em 1929 e a última criança do casal, a filha que Edith tanto esperara, e que foi batizada Priscilla Mary Reuel. [p.158].
Neste capítulo, o seu grande amigo C. S. Lewis é citado em quatro momentos. Primeiro, acerca da opinião que ambos possuem acerca de notícias jornalísticas, “Ele, como o amigo C. S. Lewis, considera as “notícias”, de modo geral, triviais e indignas de atenção, e ambos argumentam (para a irritação de muitos dos seus amigos) que a única “verdade” só pode ser encontrada na literatura. No entanto, ambos gostam das palavras-cruzadas” [p.160]. Segundo, Eles dão aulas na mesma Escola (East Schol), sendo que “C. S. Lewis receberá um bom número de pessoas para a sua série de aulas sobre estudos medievais” [p.162]. Terceiro, “No corredor, alcança C. S. Lewis e mantém com ele uma conversa rápida. Gostaria que fosse segunda-feira, dia em que regularmente toma um quartilho de cerveja com Lewis e conversa com ele durante mais ou menos uma hora, mas nenhum dos dois tem tempo hoje, e Tolkien precisa fazer algumas compras antes de ir para casa almoçar” [p.163]. Quarto, “Os Kolbítar, para usar o título islandês (significa aqueles que no inverno descansam tão perto do fogo que “mordem o carvão”), são um clube informal de leitura fundado por Tolkien [...] Reúnem-se à noite, várias vezes em cada período, para ler sagas islandesas. A frequência hoje está boa: George Gordon, presidente do Magdalen College, Nevill Coghill do Exeter College, C. T. Onions do Dicionário, Dawkins, professor de grego bizantino e moderno, o próprio Bryson e – Tolkien nota com satisfação – C. S. Lewis, que o repreende ruidosamente pelo atraso. [...] São mais de onze horas quando se separam. Tolkien caminha com Lewis até o fim da Broad Street, e então cada um segue seu caminho, Lewis segue pela Holywell Street em direção ao Magdalen College (ele é solteiro e normalmente pernoita no colégio durante o período letivo) e Tolkien volta de bicicleta à Northmoor Road” [p.166-167]
Capítulo 2 – Carpenter, com o propósito de fazer Tolkien conhecido, enfatiza alguns traços importantes da sua vida, mesmo sabendo que nada disso diz sobre o homem que escreveu o Silmarillion, O Hobbit e O Senhor dos Anéis, em nada contribui para explicar a natureza de sua mente e a maneira como sua imaginação era influenciada pelo seu ambiente.
São estes, portanto, alguns dos aspectos externos de sua vida, como por exemplo: Fotografias de Tolkien na meia-idade não revelam virtualmente nada. Diante da câmera está um inglês comum de classe média, de compleição delicada e estatura mediana. Não é muito bonito, e tem um rosto comprido – é praticamente tudo que se pode dizer. Sem dúvida, tem um olhar penetrante, que sugere uma mente vivaz, mas nada mais se revela – nada exceto seus trajes, que são excepcionalmente comuns [p.170].
As suas roupas de homem na meia-idade era também sinal de aversão pelo dandismo, sentimento que compartilhava com C. S. Lewis. Nenhum deles suportava qualquer afetação no vestir, que lhes parecia algo pouco masculino e, portanto, censurável. Lewis levou esta postura ao extremo, não somente comprando roupas indiferentes mas também usando-as com indiferença. [...] Esta preferência por roupas masculinas simples talvez fosse em parte uma reação ao excessivo dandismo e ao homossexualismo implícito dos “estetas”, que deixaram sua primeira marca em Oxford na época de Wilde e ainda tinham sucessores na década de 1920 e no começo da década de 1930, adeptos dos tons delicados no vestuário e das nuances ambíguas nas suas maneiras [p.170-171].
Ele morava em uma casa no norte de Oxford que, tanto por dentro como por fora, era quase que indistinguível de muitas centenas de outras naquele bairro – na verdade, era mais discreta que muitas das suas vizinhas. Nas férias, ele levava a família a locais comuns [p.171].
Na verdade, nunca ostentou a marca do homem verdadeiramente egoísta, do homem que não escuta mais ninguém. Tolkien sempre escutou, sempre teve uma profunda consideração pelas alegrias e tristezas alheias. Assim, embora fosse sob muitos aspectos um homem tímido, fazia amigos com facilidade. Gostava de puxar conversa com um refugiado da Europa Central num trem, o garçom de um restaurante favorito, ou um porteiro de hotel. Na companhia de tais pessoas sempre se sentia inteiramente feliz [p.175-176]. Não havia nenhum elemento de condescendência nessas amizades; ele simplesmente gostava de companhia, e essas pessoas eram as que estavam mais próximas. Não que lhe faltasse consciência de classe: pelo contrário. Mas era precisamente por causa da certeza de sua própria posição na vida que nada havia nele de presunção intelectual ou social. Sua visão do mundo, segundo a qual cada homem ocupava ou deveria ocupar uma “posição” específica, fosse alta ou baixa, implica, por um lado, que era um conservador antiquado. Mas, por outro, tornava-o extremamente compreensivo para com o próximo, pois, verdadeiramente cruéis são aqueles que estão inseguros quanto à sua posição no mundo, que sentem a necessidade de se afirmar e, se necessário, de rebaixar outros homens para tanto [p.176-177].
E por último, a sua fé católica é por demais interessante: Seu compromisso com o cristianismo, e em particular com a Igreja Católica, era total. Não que a prática da fé fosse sempre uma fonte de consolo – ele se impunha um rigoroso código de conduta, especialmente no que dizia respeito a confessar-se antes da comunhão, e quando (como acontecia frequentemente) não tinha condições de se confessar, negava a si mesmo a comunhão e vivia um patético estado de depressão espiritual. Outra fonte de infelicidade em seus últimos anos foi a introdução da missa em vernáculo, pois o uso do inglês na liturgia, em lugar do latim que conhecera e amara desde a infância, causava-lhe profunda mágoa. Contudo, mesmo durante uma missa em inglês na despojada igreja moderna de Headington, que passou a frequentar durante a aposentadoria, onde às vezes se irritava com o canto do coro infantil e o choro dos bebês, ao receber a comunhão ele experimentava uma profunda alegria espiritual, um estado de contentamento que não podia atingir de outra forma. Sua religião, portanto, era um dos elementos mais profundos e vigorosos da sua personalidade [p.177-178].
Carpenter conclui: “Era um homem estranho e complexo, e esta tentativa de estudar sua personalidade não nos ensinou muito. Mas, nas palavras que C. S. Lewis atribui a um personagem de um de seus romances, “acontece que acredito que não se pode estudar os homens, pode-se apenas conhecê-los, o que é uma coisa bem diferente” [p.180].
Capítulo 3 – Quem se interessa por Tolkien principalmente como o autor de O Senhor dos Anéis pode assustar-se com a perspectiva de um capítulo que discute “Tolkien, o erudito e o professor”. A primeira coisa a ser compreendida é por que ele gostava de línguas. Em Leeds e, mais tarde, em Oxford, demonstrou ser um bom professor. Não era perfeito na sala de aula, onde sua maneira rápida de falar e sua articulação pouco clara obrigavam os alunos a um enorme esforço de concentração para ouvi-lo. Também não era invariavelmente bom quando se tratava de explicar algo em termos claros, pois achava difícil deixar de lado tudo o que sabia sobre um tema e simplificá-lo para que seus alunos pudessem compreender tudo que dizia. Invariavelmente, porém, ele dava vida ao tema e demonstrava o quanto importava para ele. Um dos motivos para a eficácia de Tolkien como professor era o fato de, além de filólogo, ser também escritor e poeta, um homem que não apenas estudava as palavras, mas que as usava para fins poéticos. Tolkien era obcecado pela perfeição em obras escritas de qualquer espécie, fossem elas narrativas ou trabalhos de filologia. Essa paixão nascia de seu envolvimento emocional com seu trabalho, que lhe permitia tratá-lo apenas com a mais absoluta seriedade. Nada chegava ao prelo sem ter sido antes revisto, reconsiderado e polido – e, nesse aspecto, ele era o oposto de C. S. Lewis, que enviava manuscritos para serem publicados sem ao menos uma segunda leitura. Este era Tolkien falando, não primariamente como filólogo ou mesmo como crítico literário, mas como contador de histórias. Assim como Lewis, ao falar sobre seu trabalho como filólogo, disse que “Ele esteve dentro da língua”, poderíamos também observar que, quando falava do dragão de Beowulf, Tolkien falava como autor do Silmarillion e – na época – de O Hobbit. Ele esteve no covil do dragão. [p.181-192]
Capítulo 4 – Este é um dos capítulos deste livro que muito me emocionou. Trata-se da amizade de Tolkien com C. S. Lewis. O capítulo é muito rico em detalhes, mas faço menção somente a este texto escrito por Carpenter: Em 11 de maio de 1926, Tolkien participou de uma reunião da Faculdade de Inglês no Merton College. Em meio aos rostos familiares, destacava-se um recém-chegado, um homem de compleição robusta, de vinte e sete anos, usando roupas folgadas, que fora recentemente eleito membro e tutor de Língua e Literatura Inglesa no Magdalen College. Era Clive Staples Lewis, conhecido entre os amigos como “Jack”.
A princípio os dois mantiveram-se cautelosamente arredios. Tolkien sabia que Lewis, apesar de medievalista, fazia parte da facção “literária” e, portanto, era um adversário em potencial, ao passo que Lewis escreveu em seu diário que Tolkien era “um sujeitinho liso, pálido, fluente”, acrescentando que “não há mal nele: só precisa de um ou dois socos”. Lewis, porém, logo veio a sentir uma profunda afeição por aquele homem de rosto comprido e olhos penetrantes, que gostava de boa conversa, risada e cerveja, ao passo que Tolkien tornou-se acessível à mente ágil de Lewis e ao seu espírito generoso, enorme como as suas disformes calças de flanela. Em maio de 1927, Tolkien havia introduzido Lewis no grupo dos Mordedores de Carvão, para participar das leituras de sagas islandesas. Começava uma longa e complexa amizade.
Quem quiser saber algo sobre a importância dessa amizade nas vidas de Tolkien e Lewis deveria ler o ensaio de Lewis sobre a Amizade em seu livro Os Quatro Amores. Está tudo lá, o relato de como dois companheiros se tornam amigos quando descobrem uma percepção compartilhada, como sua amizade não é ciumenta mas busca a companhia de outros, como tais amizades são quase que uma necessidade entre os homens, como o maior prazer de todos é um grupo de amigos chegar a uma estalagem após um dia de dura caminhada: “São as sessões douradas”, escreve Lewis, “quando estamos de chinelos, pés estendidos diante do fogo, as bebidas ao lado; quando o mundo todo, e algo além do mundo, se abre às nossas mentes enquanto conversamos; e nenhum tem qualquer direito ou responsabilidade perante os outros; são todos homens livres e iguais como se nos tivéssemos encontrado pela primeira vez uma hora antes, e, no entanto, ao mesmo tempo, um Afeto amadurecido pelos anos nos envolve. A vida – a vida natural – não tem melhor dádiva para conceder.”
Era disso que se tratava, dos anos de companheirismo, das excursões a pé, dos amigos reunidos nos aposentos de Lewis nas noites de quinta-feira. Era em parte o espírito da época – como o companheirismo masculino encontrado nos escritos de Chesterton; e era um sentimento compartilhado, se bem que com menos autoconsciência, por muitos homens da época. Tem precedentes nas civilizações antigas e, mais próximo de nós, como decorrência, em parte, da Primeira Guerra Mundial, onde tantos amigos haviam morrido que os sobreviventes sentiam a necessidade de ficar bem próximos. Este tipo de amizade era notável, e ao mesmo tempo inteiramente natural e inevitável. Não era homossexual (Lewis rejeita essa sugestão com merecido ridículo) e, no entanto, excluía as mulheres. É o grande mistério da vida de Tolkien, e pouco compreenderemos se tentarmos analisá-lo. Ao mesmo tempo, quem houver desfrutado uma amizade dessa espécie, saberá exatamente de que se tratava. E, mesmo que isso nos seja negado, poderemos encontrar algo assim em O Senhor dos Anéis. [p.197-198]
Capítulo 5 – Este capítulo é dedicado a Edith Tolkien e traça três aspectos desta mulher formidável.
A vida doméstica - Edith Tolkien recebeu uma educação apenas limitada em um internato de meninas que, apesar do bom nível no ensino de música, era apenas medíocre nas outras matérias. Passou alguns anos numa pensão de Birmingham, depois um período em Cheltenham, num lar de classe média, marcadamente não intelectual, e, finalmente, um longo tempo morando com Jennie, uma prima de meia-idade com pouquíssima instrução. Não teve oportunidade de continuar sua educação nem de cultivar sua mente. Mais do que isso, perdeu uma grande parte da sua independência. Preparara-se para uma carreira de professora de piano e, quem sabe, de solista, mas a perspectiva simplesmente se esvanecera, primeiro porque não sentira a necessidade imediata de ganhar a vida, e depois porque se casara com Ronald Tolkien [p.209].
Acerca de mudança de religião - Havia também o problema da atitude de Edith frente ao catolicismo. Antes de se casarem, Ronald a persuadira a deixar a Igreja da Inglaterra e tornar-se católica, e na época ela se melindrara um pouco com isso. Nos anos subsequentes, ela quase desistira de ir à missa. Na segunda década de casamento, seus sentimentos anticatólicos tornaram-se mais exacerbados e, quando a família retornou a Oxford em 1925, ela não escondia o seu ressentimento quando Ronald levava as crianças à igreja. Em parte, isso se devia ao fato de Ronald insistir em confissões frequentes de forma rígida, quase medieval, e Edith sempre detestara confessar seus pecados a um padre. Ele também não conseguia discutir o assunto racionalmente com ela, certamente não com a lucidez que demonstrava nas suas argumentações teológicas com Lewis; mostrava-lhe apenas a sua ligação emocional com a religião, que ela não conseguia compreender. Ocasionalmente, a raiva contida explodia em ataques de fúria; mas, finalmente, após uma dessas explosões em 1940, houve uma reconciliação verdadeira entre Edith e Ronald, quando ela explicou seus sentimentos e até disse que desejava retomar a prática da sua religião. Ela não voltou a frequentar a igreja regularmente, mas, pelo resto da vida, não exibiu mais nenhum sinal de ser contrária ao catolicismo, demonstrando mesmo um grande interesse pelos assuntos da igreja, de modo que até aos amigos católicos dava a impressão de ser uma ativa frequentadora [p.214-215].
O afeto e o amor do casal Tolkien - Estes amigos, e outros que conheceram Ronald e Edith Tolkien ao longo dos anos, nunca duvidaram do profundo afeto que os unia, visível, por um lado, nas pequenas coisas – na preocupação quase absurda que cada um demonstrava pela saúde do outro, no cuidado com que escolhiam e embrulhavam seus respectivos presentes de aniversário; e, por outro lado, nos assuntos importantes, no modo como Ronald voluntariamente abandonou tamanha parcela de sua vida de aposentado para dar a Edith os derradeiros anos em Bournemouth, que ele achava que ela merecia, no orgulho que ela demonstrava pela fama de seu marido como autor.
Uma importante fonte de alegria era a família que partilhavam, uma força, talvez a mais poderosa em seu casamento, que os manteve unidos até o fim de suas vidas. Eles adoravam discutir e ruminar cada detalhe da vida dos filhos e, mais tarde, dos netos. Ficaram muito orgulhosos quando Michael ganhou a Medalha George na Segunda Guerra Mundial pela ação como artilheiro antiaéreo, defendendo aeroportos na Batalha da Grã-Bretanha; e sentiram um orgulho semelhante quando John foi ordenado sacerdote pela Igreja Católica, logo após a guerra. Tolkien era imensamente bondoso e compreensivo como pai, nunca se envergonhando de beijar os filhos em público, mesmo depois que se tornaram homens feitos, e nunca reprimindo suas demonstrações de afeto e amor [p.216-217].
Capítulo 6 – Tolkien como um contador de histórias. Essas histórias haviam começado nos anos passados em Leeds. John, o filho mais velho, muitas vezes tinha dificuldades para pegar no sono. Quando isso acontecia, seu pai sentava-se na beira da cama e contava-lhe uma história sobre “Carrots”, um menino ruivo que entrava num relógio-cuco e vivia uma série de estranhas aventuras.
Tolkien compôs uma longa história para John e Michael. Michael havia perdido um cachorro de brinquedo na praia, e para consolá-lo o pai começou a inventar e a narrar as aventuras de Rover, um cãozinho que aborrece um feiticeiro, é transformado num brinquedo e depois perdido na praia por um garotinho. Mas isto é apenas o começo, pois Rover é encontrado pelo mago da areia, Psamatos Psamatides, que lhe devolve o poder de mover-se e o envia para visitar a Lua, onde vive muitas estranhas aventuras, especialmente um encontro com o Dragão Branco. Tolkien escreveu esta história com o título de “Roverandom”.
“As Aventuras de Tom Bombadil”, publicado na Oxford Magazine em 1934. Relata os encontros de Tom com “Goldberry, filha da Mulher do Rio”, com o “Velho Salgueiro” que o encerra no seu tronco oco (uma ideia, disse Tolkien certa vez, provavelmente inspirada nos desenhos de árvores de Arthur Rackham), com uma família de texugos, e com um “Espectro da Tumba”, o fantasma de um túmulo pré-histórico do tipo encontrado nas colinas de Berkshire, próximas a Oxford.
Em 1932, a compra de um carro e os subsequentes infortúnios de Tolkien ao volante levaram-no a escrever outra história infantil, “Mr. Bliss”. E um conto sobre um homem alto e magro que vive numa casa alta e estreita, e que compra um automóvel amarelo-vivo por cinco xelins, e sofre notáveis consequências (e um bom número de colisões). A história foi abundantemente ilustrada por Tolkien com tinta e lápis de cor, o texto foi escrito em uma bela caligrafia, e o trabalho foi encadernado em um pequeno volume. “Mr. Bliss” deve um pouco a Beatrix Potter pelo seu humor irônico e a Edward Lear pelo estilo de seus desenhos, embora a abordagem de Tolkien seja menos grotesca e mais delicada que a de Lear. [p.221-223]
O talento de Tolkien como contador de histórias e como ilustrador combinavam-se no mês de dezembro, quando chegava uma carta de Papai Noel para as crianças. Criado em várias circunstâncias, as “Cartas de Papai Noel” tornaram-se maiores e vieram a incluir muitos personagens, como o Urso Polar que mora com Papai Noel, o Homem de Neve que é o seu jardineiro, um elfo chamado Ilbereth que é seu secretário, elfos da neve, gnomos, e uma legião de malévolos duendes que vivem nas cavernas sob a casa de Papai Noel. [p.225]
Há menos mistérios em torno das origens de outra história que Tolkien escreveu nos anos trinta, em parte talvez para divertir os filhos, mas principalmente para agradar a si mesmo. Trata-se de Mestre Gil de Ham, cujo território, “O Pequeno Reino”, é Oxfordshire e Buckinghamshire, e que evidentemente surgiu das implicações do topônimo Worminghall (que significa “salão do réptil” ou “salão do dragão”), um vilarejo alguns quilômetros a leste de Oxford. A primeira versão da história, consideravelmente mais curta do que o texto finalmente publicado, é um simples conto cujo humor vem mais dos acontecimentos que do estilo da narrativa. [p.226-227]
Carpenter escreve que Tolkien Escreveu outros poemas bastante longos durante os anos trinta, nem todos diretamente ligados à sua própria mitologia. Um deles, inspirado nas lendas célticas da Bretanha, era “Aotrou e Itroun” (“Senhor e Senhora” em bretão), cujo manuscrito mais antigo data de setembro de 1930. [...] Há outro importante poema neste período, composto em versos aliterativos, mas sem rimas. É A Queda de Arthur, a única incursão de Tolkien no ciclo arturiano, cujas lendas apreciava desde a infância, apesar de considerá-las “pródigas, fantásticas, incoerentes e repetitivas demais”. A lenda de Tolkien sobre Númenor, a grande ilha no Ocidente dada aos homens que auxiliaram os Elfos nas guerras contra Morgoth, foi provavelmente composta algum tempo antes de “A Estrada Perdida”, no fim dos anos vinte ou no início dos trinta. E finalmente, “A Estrada Perdida” (ao contrário do conto de Númenor ao qual devia servir de introdução) é claramente uma espécie de autobiografia idealizada. Seus protagonistas são um pai e seu filho. [p.230-234]
PARTE V – 1925 A 1949 (II): A TERCEIRA ERA.
Capítulo 1 – O sentimento arraigado de que seu lar era a zona rural do centro-oeste inglês havia definido, desde os tempos de estudante, a natureza do trabalho erudito de Tolkien. Os mesmos motivos que o haviam levado a estudar Beowulf, Gawain e o Ancrene Wisse criaram então um personagem que incorporava tudo que amava no centro-oeste da Inglaterra: o Sr. Bilbo Bolseiro, o hobbit. O próprio Tolkien tinha plena consciência da semelhança entre o criador e a criação. “Sou de fato um hobbit”, escreveu certa vez, “em tudo exceto no tamanho. Gosto de jardins, árvores e fazendas não mecanizadas; fumo cachimbo, gosto de comida simples (sem refrigeração), mas detesto a cozinha francesa; gosto, e até ouso vesti-los nestes dias aborrecidos, de coletes ornamentais. Aprecio cogumelos (colhidos no campo); tenho um senso de humor muito simples (que cansa até mesmo os críticos que me são favoráveis); deito-me tarde e levanto-me tarde (quando possível). Não viajo muito.”
Contudo, precisamos entender que os hobbits não devem suas origens meramente a paralelos pessoais. Tolkien certa vez disse a um entrevistador: “Os hobbits são apenas gente rústica inglesa, que criei pequenos de tamanho porque isso reflete o alcance geralmente pequeno da sua imaginação – não o alcance pequeno da sua coragem ou dos seus poderes latentes.” Dito de outra maneira, os hobbits representam a combinação de imaginação reduzida e grande coragem que (como Tolkien vira nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial) frequentemente conduzia à sobrevivência a despeito de todas as probabilidades. “Sempre fiquei impressionado”, disse certa vez, “com o fato de que estamos aqui, vivos, por causa da indômita coragem de gente bem pequena frente a probabilidades impossíveis.”
Embora possamos perceber com clareza por que Tolkien começou a escrever a história, é impossível determinar exatamente quando o fez. O manuscrito não fornece nenhuma indicação da data, e o próprio Tolkien era incapaz de lembrar-se das origens precisas do livro. Em um relato disse: “Não tenho certeza, mas acho que “Uma festa inesperada” (o primeiro capítulo) foi escrito às pressas antes de 1935, mas certamente após 1930, quando me mudei para a Northmoor Road 20.” Em outro lugar escreveu: “Sobre uma folha em branco rabisquei ‘Numa toca no chão vivia um hobbit’. Eu não sabia e não sei por quê. Não fiz nada a respeito por um bom tempo e durante alguns anos não fiz mais nada além do mapa de Thror. Mas transformou-se no Hobbit no começo dos anos 30.” Estas declarações levam a concluir que o livro foi iniciado em 1930 ou 1931 (quando John, o menino mais velho, tinha treze anos); certamente existia um texto datilografado completo (ao qual faltavam somente os capítulos finais) a tempo de ser mostrado a C. S. Lewis no fim de 1932.
O Hobbit foi publicado em 21 de setembro de 1937. Tolkien estava um pouco apreensivo com a reação de Oxford, especialmente por ser na época detentor de uma bolsa de pesquisa Leverhulme, e observou: “Agora será muito difícil fazer as pessoas acreditarem que este não é o principal fruto da ‘pesquisa’ 1936-7.” Não precisava ter-se preocupado: a princípio, Oxford quase não prestou atenção. Alguns dias após sua publicação, o livro recebeu uma homenagem nas colunas do Times. “Todos os que apreciam a espécie de livro infantil que pode ser lido e relido pelos adultos”, escreveu o autor da resenha, “devem tomar nota de que uma nova estrela apareceu nessa constelação. Ao olho treinado alguns personagens parecerão quase mitopeicos.” O olho em questão era de C. S. Lewis, na época crítico regular do Times Literary Supplement, que conseguira inserir no jornal-matriz esta observação sobre o livro do amigo. [p.239-249]
Capítulo 2 – Em 19 de dezembro de 1937, Tolkien escreveu a Charles Furth, membro da equipe editorial de Allen & Unwin: Escrevi o primeiro capítulo de uma nova história sobre hobbits – ‘Uma festa muito esperada’. A nova história começava de modo muito semelhante ao primeiro conto sobre hobbits. O sr. Bilbo Bolseiro da Vila dos Hobbits dá uma festa para comemorar seu aniversário e, após discursar para seus convidados, coloca o anel mágico que conseguiu em O Hobbit e desaparece. A razão para seu desaparecimento nesse primeiro rascunho é que Bilbo “não tinha mais nenhum dinheiro ou joias” e estava partindo em busca de mais ouro de dragões. Neste ponto a primeira versão do capítulo de abertura se interrompe, inacabada.
Tolkien ainda não tinha uma ideia clara do tema da nova história. No fim de O Hobbit afirmara que Bilbo “permaneceu muito feliz até o fim dos seus dias, e esses foram extraordinariamente longos”. Assim, como podia o hobbit viver novas aventuras dignas desse nome, sem contradizer essa afirmativa? E ele não explorara a maior parte das possibilidades do caráter de Bilbo? Tolkien decidiu então introduzir um novo hobbit, filho de Bilbo – e dar- lhe o nome de uma família de coalas de brinquedo pertencente a seus filhos, “Os Bingos”. Riscou “Bilbo” no primeiro rascunho, e por cima escreveu “Bingo”. Ocorreu-lhe então outra ideia e ele anotou um lembrete (como faria muitas vezes durante a invenção desta nova história): “Fazer da devolução do anel um motivo.”
Não obstante, pôs-se de novo a trabalhar, e escreveu um segundo capítulo que intitulou “Três não é Demais”. Contava como Bingo, com seus primos Odo e Frodo, partia sob as estrelas numa jornada pelo campo. “As histórias tendem a descontrolar-se”, Tolkien escreveu a seu editor algumas semanas mais tarde, “e esta deu uma reviravolta não premeditada.” Ele se referia à aparição, que ele não planejara, de um sinistro “Cavaleiro Negro” que evidentemente está procurando pelos hobbits. Era na verdade a primeira de várias reviravoltas não premeditadas que a história sofreria. Inconscientemente, e normalmente sem antecipação, Tolkien desviava seu conto do estilo jovial de O Hobbit em direção a algo mais sombrio e grandioso, e mais próximo em concepção ao Silmarillion. [...]Agora tudo se encaixava, e a história ascendeu do nível “juvenil” de O Hobbit à esfera do romance grandioso e heroico. Havia até um nome para ela: quando escreveu novamente a respeito para a Allen & Unwin, Tolkien referiu-se ao livro como “O Senhor dos Anéis”. Somente no outono de de 1949 tudo ficou concluído. [p.254-280].
PARTE VI – 1949 A 1966: SUCESSO.
Capítulo 1 – Tolkien levara doze anos para escrever O Senhor dos Anéis. Ao terminá-lo, não estava longe do seu sexagésimo aniversário. Agora naturalmente queria ver impresso o enorme livro. Mas não sabia exatamente se queria que fosse publicado pela Allen & Unwin, apesar de tê-lo discutido com os editores enquanto estava sendo escrito e de ter recebido o seu incentivo e a sua aprovação.
Capítulo 2 - Em 19 de setembro de 1952, Rayner Unwin veio a Oxford e apanhou o texto datilografado de O Senhor dos Anéis. Após cálculos e discussões nos escritórios da Allen & Unwin, chegou-se à conclusão de que seria melhor dividir o livro em três volumes, que poderiam ser vendidos com um preço acessível. Entre os amigos de Tolkien, logo espalhou-se a notícia de que o livro finalmente fora aceito. C. S. Lewis escreveu para lhe dar os parabéns, observando: “Penso que a gestação prolongada esgotou um pouco da sua vitalidade: haverá nova maturidade e liberdade quando o livro sair.”
Apesar de o livro ser uma história contínua e não uma trilogia – um fato que Tolkien sempre fez questão de enfatizar –, a editora achava melhor que os volumes fossem publicados um por um e sob diferentes títulos, procedimento que faria a obra merecer três conjuntos de resenhas em vez de um, e talvez disfarçasse o tamanho incomum do livro. Tolkien nunca se sentiu inteiramente satisfeito com a divisão, e insistiu em manter O Senhor dos Anéis como título global. Mas, após muita discussão, ele e Rayner acabaram chegando a um acordo quanto aos títulos: A Sociedade do Anel, As Duas Torres e O Retorno do Rei, se bem que Tolkien realmente preferisse “A Guerra do Anel” para o terceiro volume, um título que revelava menos da história.
O primeiro volume de O Senhor dos Anéis deveria ser publicado no verão de 1954, e os dois volumes restantes deveriam segui-lo depois de breves intervalos. O pedido de impressão foi bem modesto: três mil e quinhentos exemplares do primeiro volume e um pouco menos dos outros dois, que os editores consideravam suficientes para saciar o interesse moderado que o livro despertaria. Quanto à publicidade, Rayner Unwin entrou em pânico ao pensar em escrever o texto para a quarta capa do livro, já que este desafiava descrições convencionais. Assim, ele e o pai solicitaram o auxílio de três autores que provavelmente teriam algo que valesse a pena dizer: Naomi Mitchison, que era admiradora de O Hobbit, Richard Hughes, que muito tempo antes elogiara o primeiro livro, e C. S. Lewis. Todos eles responderam com elogios eloquentes, a sra. Mitchison comparando O Senhor dos Anéis à ficção científica e a Malory, e Lewis traçando um paralelo com Ariosto. Aproximava-se o dia da publicação do primeiro volume. Fazia mais de dezesseis anos que Tolkien começara a escrever o livro. “Tenho pavor da publicação”, contou a seu amigo, o padre Robert Murray, “pois será impossível ficar indiferente ao que for dito. Expus meu coração para levar tiros.” [p.292-297]
Capítulo 3 – “Este livro é como um relâmpago no céu azul. Dizer que nele o romance heroico, esplêndido, eloquente e desembaraçado retorna inesperadamente, num período de anti-romantismo quase patológico, é inadequado. Para nós, que vivemos nesse período singular, o retorno – e o puro alívio que traz – é sem dúvida o mais importante. Mas na própria história do romance – uma história que se estende desde a Odisseia e ainda antes – ocorreu não um retorno, mas sim um avanço ou uma revolução: a conquista de um novo território.” Esta resenha de A Sociedade do Anel (o primeiro volume de O Senhor dos Anéis) foi publicada em Time & Tide em 14 de agosto de 1954, alguns dias depois da publicação do livro. Seu autor era C. S. Lewis.
Todas as resenhas foram boas o bastante para promover as vendas, e logo ficou evidente que os três mil e quinhentos exemplares do primeiro volume seriam insuficientes para satisfazer a procura. Seis semanas após o lançamento foi pedida uma reimpressão. O segundo volume, As Duas Torres, foi publicado em meados de novembro. O terceiro volume era agora ansiosamente esperado, pois a história se interrompera com Frodo aprisionado na Torre de Cirith Ungol e, como declarou o crítico do Illustrated London News, “O suspense é cruel”. Nos Estados Unidos, Houghton Mifflin publicara A Sociedade do Anel em outubro e, pouco tempo depois, As Duas Torres. Contudo, foi somente em 20 de outubro, quase um ano após a publicação de As Duas Torres, que O Retorno do Rei chegou às livrarias. Agora que todos os três volumes estavam publicados, os críticos foram capazes de avaliar globalmente O Senhor dos Anéis. C. S. Lewis prestou-lhe outro tributo em Time & Tide: “O livro é por demais original e opulento para que se possa formar um julgamento final na primeira leitura. Mas sabemos imediatamente que ele nos alterou. Não somos exatamente os mesmos homens.”
A Allen & Unwin começara a negociar traduções de O Senhor dos Anéis em línguas estrangeiras. O primeiro resultado foi a edição holandesa, publicada em 1956, depois das ásperas críticas de Tolkien às primeiras tentativas do tradutor para verter em sua própria língua a complexa série de nomes da história. No final, Tolkien ficou satisfeito com a versão holandesa, mas não tanto com uma tradução sueca do livro, publicado três anos depois.
Nos anos que se seguiram O Senhor dos Anéis foi traduzido para todas as principais línguas europeias, e para muitas outras, e, consequentemente, Tolkien recebeu diversos convites para viajar ao exterior e receber homenagens. As vendas de O Hobbit e O Senhor dos Anéis continuaram a subir continuamente, e, apesar de ser impossível dar um número preciso, parece que no final de 1968 aproximadamente três milhões de exemplares de O Senhor dos Anéis haviam sido vendidos no mundo todo. Numerosas traduções saíram em várias línguas. [p.299-316]
PARTE VII – 1959 A 1973: ÚLTIMOS ANOS.
Capítulo 1 – À medida que Tolkien envelhecia, muitas de suas características tornavam-se mais marcantes. A maneira apressada de falar, a má articulação e as frases parentéticas ficaram mais pronunciadas. De certa maneira, achava a velhice profundamente penosa, enquanto, sob outros aspectos, ela revelava o que ele tinha de melhor. Entristecia-se com a consciência do declínio do seu vigor, e em 1965 escreveu: “Acho difícil trabalhar – começando a me sentir velho, o fogo se extinguindo.” Vez por outra isto o fazia mergulhar no desespero, e nos seus últimos anos tornou-se especialmente propenso à melancolia que sempre caracterizara sua vida; a própria sensação de isolamento era suficiente para destacar este lado da sua natureza. Mas o outro lado da sua personalidade, a capacidade para a alegria e a camaradagem, permaneceu igualmente forte, e até cresceu para equilibrar a crescente melancolia. A velhice caiu-lhe bem fisicamente, e, à medida que a angularidade do rosto comprido e delgado abrandava-se em rugas e dobras, e uma suspeita de barriga insinuava-se por detrás do colete colorido que agora usava quase que invariavelmente, os amigos observavam que o amadurecimento assentava-lhe bem. Com certeza sua capacidade de apreciar a companhia dos outros parecia aumentar com o passar dos anos; os olhos brilhantes, o modo entusiástico de falar, a risada explosiva, a cordialidade fácil e as atitudes expansivas, à mesa do jantar ou em um bar, faziam dele o mais agradável dos companheiros.
Imediatamente após a aposentadoria, Tolkien teve uma porção de arranjos domésticos para ocupa-lo. Tinha de retirar todos os livros da sua sala no colégio e encontrar espaço para eles em casa, e, como seu estúdio-dormitório no andar superior da casa já estava apinhado, decidiu converter a garagem (desocupada, pois não havia carro) em uma biblioteca-escritório. A mudança dos livros levou muitos meses, e não contribuiu para melhorar o lumbago de que vinha se queixando. Mas, finalmente, estava tudo em seu lugar e ele pôde iniciar a importante tarefa de rever e completar o Silmarillion.
Neste capítulo, encontra-se registrado a morte de C. S. Lewis. C. S. Lewis faleceu em 22 de novembro de 1963 com sessenta e quatro anos. Alguns dias mais tarde, Tolkien escreveu à sua filha Priscilla: “Até aqui senti as sensações normais de um homem da minha idade – como uma velha árvore que perde todas as suas folhas, uma a uma: sinto isto como um golpe de machado perto das raízes.”
Capítulo 2 – O final de 1971, teve um fim abrupto. Edith, com oitenta e dois anos de idade, teve uma inflamação na vesícula biliar em meados de novembro. Foi removida para um hospital e, após alguns dias de grave enfermidade, faleceu na manhã da segunda-feira, 29 de novembro.
Capítulo 3 - Depois que Tolkien começou a recuperar-se do choque da morte de Edith, tornou-se óbvio que a sua permanência em Bournemouth estava fora de cogitação. Sem dúvida, voltaria a morar em Oxford. Assim, seu modo de vida em 1972 e 1973 era inteiramente do seu agrado. Sofrera muito com a perda de Edith, e agora era essencialmente um homem solitário; no entanto, estava livre como nunca, e podia levar a vida como bem entendesse.
Quanto ao Silmarillion, mais uma vez os meses passaram sem muitos resultados concretos. Houve um atraso inevitável enquanto Tolkien reorganizava seus livros e papéis após mudar-se de Bournemouth; e, quando finalmente retomou o trabalho, encontrou-se de novo enredado em problemas técnicos. Alguns anos antes decidira que, caso morresse antes de terminar o livro, Christopher (que naturalmente conhecia bem a obra) deveria completá-lo. Ele e Christopher frequentemente discutiam o livro, considerando os inúmeros problemas que precisam ser resolvidos. Os avanços, porém, foram poucos.
É quase certo que Tolkien não esperava morrer tão cedo. Ele disse à sua ex-aluna Mary Salu que havia uma tradição de longevidade entre seus antepassados, e que acreditava que viveria por muitos anos mais. Contudo, no final de 1972, houve sinais premonitórios. Contudo, seu fim foi repentino. Na noite de 28 agosto, durante a noite sentiu dores, e na manhã seguinte foi levado a um hospital particular onde foi diagnosticada uma úlcera gástrica com hemorragia aguda. Inicialmente os relatórios sobre o seu estado foram otimistas, mas, no sábado, manifestou-se uma infecção no peito, e, na manhã de domingo, 2 de setembro de 1973, ele faleceu com oitenta e um anos.
Finalmente, finalmente, com muita tristeza, eu conclui a biografia de Tolkien escrita pelo Carpenter. Considerada a melhor biografia do professor. Essa é realmente a melhor. Seu perfeccionismo, seu amor por Edith, sua amizade com C. S. Lewis e finalmente a morte de ambos. Estou maravilhado e ao mesmo triste pelo fato de que conclui esta leitura e o resumo de todo este magnifico livro.
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