terça-feira, 21 de maio de 2019

A MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO [Resenha]


CARSON, D. A. A Manifestação do Espírito: A contemporaneidade dos dons à luz de 1 Coríntios 12-14. São Pulo, SP: Edições Vida Nova, 2013. 232p.


O AUTOR E O SEU LIVRO

Donald Arthur Carson é professor pesquisador do Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School onde leciona desde 1978. Obteve o grau de bacharel em Química pela Universidade McGill o de mestre em Divindade pelo Central Baptist Seminary, em Toronto, e o de Ph.D. em Novo Testamento pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Carson escreveu ou editou mais de 50 livros, entre eles alguns publicados por Vida Nova e Shedd Publicações: Igreja emergente: o movimento e suas implicações; Cristo e cultura: uma releitura; Introdução ao Novo Testamento; Os perigos da interpretação bíblica; Teologia bíblica ou teologia sistemática?; O Deus amordaçado: o cristianismo confronta o pluralismo; O comentário de Mateus; O comentário de João.


Para termos uma ideia do livro que temos em mãos, precisamos antes de tudo compreender, que nesta obra, D. A. Carson analisa minuciosamente a questão da contemporaneidade dos dons de uma perspectiva bíblica, sem deixar, porém, de dialogar com a longa tradição da teologia cristã. Trata-se de um estudo cuidadoso e diligente que visa extrair de um dos textos bíblicos mais célebres sobre o assunto, I Coríntios 12-14, uma interpretação consistente e precisa que seja capaz de unir carismáticos e não carismáticos por meio de uma compreensão bíblica e teológica do assunto. A exegese do autor é exemplar. Seu domínio da literatura especializada em exegese, dogmática, linguística, antropologia social e história é impressionante. Sua habilidade em integrar teologia bíblica e teologia sistemática é digna de nota. Sua sabedoria espiritual permeia quase todos os seus comentários pastorais! [1]

O livro nos traz sólida reflexão e análise sobre os dons, tema mais do que efervescente no contexto evangélico brasileiro. Com base numa exegese fundamentada do texto l Coríntios 12—14, o autor faz uma exposição teológica bem definida e inquietante. A sensibilidade com que Carson lida com a questão será valiosa tanto para carismáticos como para não carismáticos, já que é equilibrada e interage com as principais doutrinas cristãs, ao mesmo tempo que confronta as crenças e práticas populares equivocadas presentes na igreja cristã. Todavia, nem sempre o posicionamento de Carson deixará de incomodar a muitos. Mas, com certeza, mesmo os incomodados poderão aprender a interpretar as línguas, começando com o grego do Novo Testamento! [2]

Sobre este livro Russell Shedd, escreveu: Os dons espirituais têm sido motivo de intermináveis discussões. Por isso, não são poucos mas muitos os que gostariam de saber o que, de fato, as Escrituras afirmam sobre o assunto. A partir de um cuidadoso e profundo estudo exegético, D. A, Carson se propõe a apresentar o que o texto bíblico realmente diz sobre os dons espirituais. Acredito que tanto carismáticos como tradicionais serão tremendamente enriquecidos com a leitura desta obra. [3]

Em todo o campo da teologia cristã contemporânea e da experiência pessoal, poucos assuntos em voga são mais importantes do que os que estão associados com o que tem sido chamado comumente de “movimento carismático”. O movimento abrange não somente as denominações “pentecostais” tradicionais, mas também minorias consideráveis em muitas das denominações da cristandade; e, em algumas partes do mundo - América do Sul, por exemplo -, o movimento é a principal voz do protestantismo, ao mesmo tempo que é um invasor bem-sucedido na Igreja Católica Romana. Sejam quais forem seus compromissos teológicos, jovens clérigos lutarão com questões levantadas pelo movimento carismático de forma tão frequente e, em algumas ocasiões, tão dolorosa quanto qualquer outra questão que surgir em seu caminho.

À medida que o movimento carismático tem crescido, também tem se tornado mais diversificado, fazendo, portanto, que muitas generalizações a seu respeito sejam notavelmente reducionistas. Contudo, é justo dizer que os dois grupos, carismáticos e não carismáticos, se alegram em usar ótimos estereótipos a respeito dos que pertencem ao partido oposto. É interessante a forma explicita como o autor mostra o que pensa os carismáticos e os não carismáticos: Na opinião dos carismáticos, os não carismáticos tendem a ser teimosamente tradicionalistas que não creem na Bíblia e que não têm verdadeira fome pelo Senhor. São pessoas que têm medo de experiências espirituais profundas, são muito orgulhosas para se entregarem completamente a Deus, estão mais preocupadas com o ritual do que com a realidade e são mais apaixonadas pela verdade proposicional do que pela verdade encarnada. Eles são melhores na escrita de tratados teológicos do que no evangelismo; são beligerantes na argumentação, defensivos na postura, entediantes na adoração e desprovidos do poder do Espírito em sua experiência pessoal. 

Os não carismáticos, por sua vez, tendem obviamente a ver as coisas de forma um pouco diferente. Na opinião deles, os carismáticos sucumbiram ao amor atual pela “experiência”, mesmo que às custas da verdade. São vistos como pessoas profundamente não bíblicas, especialmente quando elevam suas experiências com o falar em línguas ao patamar de um xibolete teológico e espiritual pelo qual todo o restante é julgado. Se eles têm crescido, grande parte de sua força se deve ao seu triunfalismo destemido, seu elitismo populista e suas promessas de atalhos para santidade e poder. São melhores em dividir igrejas e roubar ovelhas do que são em evangelismo, mais conquistados pela exaltação espiritual de um único líder diante dos outros crentes do que pelo serviço humilde e fiel. São imperialistas na argumentação (somente eles têm o “evangelho todo”), abrasivos na postura, descontrolados na adoração e destituídos de qualquer entendimento real da Bíblia que vá além da mera citação de versículos.

Obviamente os dois grupos admitem exceções notáveis às caricaturas que foram apresentadas; todavia, a profunda suspeita mútua faz com que o diálogo genuíno seja extremamente difícil. Isso é especialmente doloroso, até vergonhoso, diante do compromisso assumido pela maioria dos crentes de cada grupo em relação à autoridade da Bíblia.

As posições estereotipadas dos dois lados são tão antagônicas, ainda que ambas se digam bíblicas, que devemos concluir uma destas três possibilidades: 
a) um dos grupos está correto em sua interpretação da Escritura sobre essas questões, e o outro está correspondentemente errado;
b) ambos, até certo ponto, estão errados, e é necessário encontrar uma forma melhor de entender a Escritura;
c) ou a Bíblia simplesmente não fala com clareza e coerência sobre esses assuntos, e os dois grupos em disputa extrapolaram os ensinos da Bíblia a fim de entrincheirarem-se em posições que não são defensáveis pela Escritura.

O autor defende diante das três possibilidades acima é que - seja qual for o caso, devemos voltar para a Escritura. Esse é o fundamento das exposições que serão realizadas neste livro. Não tenho a ilusão de que o que escrevo é particularmente inovador ou de que se provará perfeitamente convincente para todos os que têm pensado sobre essas questões; e a limitação do material a ser estudado - somente três capítulos do Novo Testamento - necessariamente restringe minhas conclusões. Ainda assim, espero que o capítulo conclusivo integre suficientemente outras porções do material bíblico, especialmente do livro de Atos, e que as conclusões não pareçam distorcidas. Além disso, por mais que grande parte de minha atenção esteja no texto de I Coríntios 12-14, minha preocupação em tornar este estudo uma exposição teológica; me forçará a interagir um pouco com outras doutrinas cristãs, bem como com conclusões de linguistas, antropólogos sociais e historiadores e também com crenças práticas e populares da igreja contemporânea, mesmo quando tais considerações extrapolarem o domínio do estudante do Novo Testamento; isso porque estou convencido de que, se a igreja deseja encontrar paz quanto a esses assuntos, precisamos considerar, imparcialmente, todas as evidências relevantes, ainda que insistamos que a autoridade da Escritura deva prevalecer. Essa autoridade, obviamente, não deve ser transferida a mim, como intérprete da Escritura; por isso, em alguns momentos, indicarei o nível de certeza com o qual faço julgamentos interpretativos, a fim de que, mesmo não concordando em todos os detalhes, talvez a maioria de nós possa chegar à concordância na maior parte das questões centrais.

O livro contém, além do prefácio e introdução, cinco capítulos com ricas divisões. O livro é teológico e fica impossível trabalhar uma resenha, sem que em algum momento, tenhamos de tentar contradizer o que está escrito, fundamentados em nossas convicções. Contudo, o que faremos aqui é um resumo da posição do autor. O livro está assim dividido:


1. A UNIDADE DO CORPO E A DIVERSIDADE DOS DONS (12.1-30)
Considerações sobre o contexto da argumentação em I Coríntios 12-14
O significado da confissão cristã central sobre o que é ser espiritual (12.1-3)
A abundante diversidade dos dons da graça (12.4-11).
O batismo no Espírito Santo e a metáfora do corpo: a dependência mútua dos crentes (12.12-26)
Conclusão (12.27-30)

2. O CAMINHO MUITO SUPERIOR, OU QUANDO VIRÁ A PERFEIÇÃO? (12.31-13.13)
O contexto do capítulo 13
A indispensabilidade do amor (13.1-3)
Algumas características do amor (13.4-7)
A permanência do amor (13.8-13)

3. PROFECIA E LÍNGUAS: BUSCANDO O QUE É MELHOR (14.1-19)
Considerações sobre a natureza de vários dos χαρίσματα (charismata)
A superioridade da profecia sobre o falar em línguas (14.1-19)

4. ORDEM E AUTORIDADE: LIMITANDO DONS ESPIRITUAIS (14.20-40)
A relação de línguas e profecias com os descrentes (14.20-25)
Ordem na adoração pública (14.26-36)
Alerta (14.37,38)
Síntese (14.39,40)
Considerações finais

5. PODER LIVRE E RESTRIÇÕES DISCIPLINARES: EM BUSCA DE UMA TEOLOGIA DOS DONS ESPIRITUAIS
Considerações sobre línguas, milagres e batismo no Espírito em Atos
Considerações sobre a teologia da segunda bênção
Considerações sobre revelação
Considerações sobre a evidência da história
Considerações sobre o movimento carismático
Considerações de uma perspectiva pastoral

Sobre esta disputa teológica, Carson escreveu: “Um dia, todos os carismáticos e não carismáticos que conhecem o Senhor não terão mais motivo algum para contender, pois os chamados dons carismáticos passarão para sempre. Naquele momento, esses dois grupos de crentes olharão para trás e contemplarão conscientemente o fato de que não é o dom de línguas nem a animosidade para com esse dom que os liga ao mundo passado, mas sim o amor que eles conseguiram demonstrar um para com o outro, apesar do dom de línguas”.


1. A UNIDADE DO CORPO E A DIVERSIDADE DOS DONS (12.1-30)

O autor no primeiro capítulo ele trabalha o contexto da argumentação do texto em I Coríntios 12-14. A partir do capítulo 7, Paulo parece responder a uma série de perguntas feitas a ele em uma carta escrita pelos coríntios: “Agora, quanto às coisas sobre as quais escrevestes...” (7.1). Isso explica por que os assuntos mudam radicalmente: em um momento Paulo lida com o assunto das relações entre os sexos (cap. 7), em outro, com o da carne sacrificada aos ídolos (8.1ss.). Ele passa a tratar da questão de as mulheres orarem e profetizarem na congregação (11.2-16) e prossegue para outras questões, tais como a Santa Ceia (11.17-34), os dons da graça e do amor (caps. 12—14), e a ressurreição (cap. 15). Às vezes (como aqui em 12.1) ele introduz um novo assunto fazendo uso de uma expressão padrão, Περί δέ (per; de, a respeito de...).

Todavia, três aspectos principais se destacam em sua argumentação.

Primeiro aspecto: um dos denominadores comuns identificados nos problemas em Corinto era uma escatologia ultrarrealizada.2 E lugar-comum o entendimento de que Paulo estabelece a igreja numa tensão dinâmica entre uma visão do que Deus “já” realizou e uma visão daquilo que ele “ainda não” efetuou. O Reino de Deus já despontou e o Messias está reinando, a vitória crucial já foi conquistada, a ressurreição final dos mortos já começou na ressurreição de Jesus, o Espírito Santo já foi derramado sobre a igreja como garantia da herança prometida e dos primei- ros frutos da colheita escatológica de bênçãos.

Segundo aspecto: a igreja de Corinto é uma igreja dividida. Isso pode ser visto não somente nos emblemas partidários mencionados em 1.12 (“O que quero dizer com isso é que um de vós afirma: Eu sou de Paulo; outro, Eu sou de Apoio; outro, Eu sou de Cefas; outro ainda, Eu sou de Cristo”.) e apresentados nos quatro primeiros capítulos do livro, mas também em um estilo de argumentação que permeia grande parte dos capítulos 7—12.

Terceiro aspecto: o foco dominante desses capítulos é a conduta da igreja quando está reunida. Claro que isso é igualmente verdadeiro em relação ao capítulo 11; contudo, a observação se torna especialmente importante quando tenta- mos integrar essa postura na sequência do argumento em diversos pontos cruciais (e.g., “na igreja”, 14.19; “quando vos reunis”, 14.26). [p.17-20]

Para uma definição sobre o que ser espiritual, ele vai trabalhar dois termos: Charisma e pneumatikon. Em seguida vem a divisão sobre “A abundante diversidade dos dons da graça” (12.4-11). E aquela tradicional tabela com a “lista dos dons espirituais do Novo Testamento” é apresentado e estudado pelo autor. Textos como: I Co 12.8-11; I Co 12.28; Rm 12.6-8; Ef 4.11 e I Pe 4.11, são comentados em todo este capítulo com exceção, como escreveu o autor: “Por enquanto, não falarei nada sobre profecia, variedade de línguas e interpretação de línguas ou, da segunda lista, sobre apóstolos e mestres, deixando essa questão para o terceiro capítulo.” [p.40]

Com respeito a questão do Batismo no Espírito Santo, o autor apresenta a versão carismática contemporânea e mostra a sua posição:

Carismáticos contemporâneos: No que diz respeito a esse versículo, porém, a evidência para essa posição tem sido agora fundamentada com menos frequência no versículo 13a do que era anteriormente; em vez disso, apela-se para o versículo 13b.8b Mesmo que possamos admitir que o batismo no Espírito no versículo 13a esteja relacionado com a conversão, como eles de fato dizem, ainda assim cremos que há fortes motivos para pensar que a segunda parte do versículo 13 — “a todos nós foi dado de beber de um só Espírito” (seja qual for a tradução do grego) — se refere a uma segunda ação do Espírito. Afinal, escreve um autor carismático, “a imagem do beber para adentrar no corpo é mais que uma mistura curiosa de metáforas”.9'1 Contudo, obviamente não é isso o que Paulo diz. A ideia de ser dado a beber de um Espírito, na perspectiva não carismática, não é paralela ao “batismo no Espírito”, mas ao “batismo no Espírito para ser um só corpo”. Em outras palavras, Paulo acrescenta uma metáfora a outra e espera que seus leitores não as misturem. Outro estudioso da tradição carismática compara Gálatas 3.27 e o par “batizados em Cristo”/ “revestidos com Cristo”, e argumenta que, uma vez que palavras relacionadas a “revestimento” são “prontamente identificáveis com o espírito carismático”, uma transferência similar da iniciação em 12.13a para um revesti- mento carismático em 12.13b é totalmente defensável. Todavia, Gálatas 3.27b fala de ser revestido com Cristo, e não com o Espírito; além disso, simplesmente não há, no Novo Testamento, nenhuma conexão entre palavras relacionadas a “ser revestido” com qualquer tipo de revestimento carismático (conforme o sentido atual).

O autor apresenta a argumentação: Estudiosos das principais denominações tendem a focar sua atenção na relação entre batismo do Espírito e outros ritos, como o batismo nas águas, a ceia do Senhor e a confirmação. Grande parte dos argumentos é reconhecidamente especulativa, pois todos concordam que Paulo não escreve essas palavras com o propósito de esclarecer tais questões. A relação entre batismo do Espírito e batismo nas águas, em minha opinião, é muito bem resumida por Bruce: A união em fé com Cristo trouxe seu povo à membresia da comunidade batizada no Espírito, obtendo para eles os benefícios do derramamento do Espírito ocorrido de uma vez por todas no surgimento da nova era, enquanto que o batismo nas águas foi mantido como um sinal externo e visível de sua incorporação “em Cristo” (cf. Gl 3.27). E como foi em um só Espírito que todos foram batizados, portanto foi em um só corpo que todos foram batizados.

Finalmente, a conclusão deste capítulo: Seria prematuro tentar traçar em conjunto conclusões teológicas e práticas; além do mais, ainda não busquei identificar as características admiráveis do movimento carismático. Contudo, devo oferecer pelo menos uma sugestão. Se o movimento carismático firmemente renunciasse, com fundamentos bíblicos, não o dom de variedade de línguas, mas a ideia de que as línguas constituem um sinal especial de uma segunda bênção, uma parcela muito substancial da barreira entre carismáticos e não carismáticos desmoronaria. Será que 1 Coríntios 12 exige algo menos que isso? Graças a Deus que, para além de todos charismata, há ainda um caminho muito superior. [p.17-52]


2. O CAMINHO MUITO SUPERIOR, OU QUANDO VIRÁ A PERFEIÇÃO? (12.31-13.13)

O autor afirma que o capítulo 13, como veremos, é uma parte integrante do argumento de Paulo. O capítulo não somente faz comparações entre o amor e outros dons, como profecia e línguas — questões obviamente importantes para o capítulo 14 —, como também parece que, mesmo no centro do hino, versículos 4-7, a descrição do que o amor é e o que ele não é parece ser colocada em categorias criadas para combater problemas específicos na igreja de Corinto.

Veremos algumas características que o autor nos mostra acerca do amor. Nesses versículos, o amor é mais descrito do que definido; e até mesmo essa descrição é mais prática do que teórica. Nenhum elemento é sentimental nessa lista sucinta. Paulo vai e volta para falar sobre o que o amor é e sobre o que ele não é: o primeiro par de características é positivo; em seguida, apresentam-se quatro pares de características negativas (o último da lista é reafirmado positivamente), seguido por dois outros pares de características positivas. Em todo o trecho, o amor é personificado: é o próprio amor que é benigno, ou que não se orgulha, ou algo assim, e não a pessoa que demonstra amor; isso é prova do quanto o amor toma conta do pensamento de Paulo de forma poderosa no capítulo em estudo.

Quando o amor está ausente, o que acontece? A falta de amor cria milhares de variações de complexos de inferioridade e superioridade. Até parece que os versículos 4 e 5 respondem diretamente a tais características. O amor é paciente: a palavra geralmente sugere não somente a disposição de esperar por longo tempo ou suportar sofrimento sem desistir, mas também a disposição de suportar prejuízo sem retaliar. O amor é benigno — não somente paciente e longânimo diante das injúrias, mas pronto a pagar de volta com bondade o que foi recebido em sofrimento.

Nas construções negativas, o amor não é invejoso: os não carismáticos devem aprender essa lição. Não se vangloria: os carismáticos devem aprender essa lição. O verbo específico que Paulo usa é encontrado somente aqui no Novo Testamento, mas é identificado em outras fontes com insinuações de uma ostentação esnobe. De forma mais geral, o amor não se orgulha (lit. “inchado”, uma palavra que Paulo já teve que aplicar aos coríntios antes [4.6, 18, 19; 5.2; 8.1]). O amor não é grosseiro, ou seja, não se porta com indecência para com os outros, como em 7.36 (em que a mesma palavra é usada), texto em que um homem estaria se comportando indecentemente ao provocar os sentimentos de uma jovem e então se recusar a casar com ela. Dizem corretamente que você conhece um cavalheiro não pelo modo como se dirige ao seu rei, mas pelo modo como se dirige aos seus servos. O primeiro caso pode ser praticado não necessariamente por cortesia, mas, na verdade, por mero interesse próprio. Mais fundamentalmente, o amor não busca os próprios interesses: “O amor não somente não busca aquilo que não lhe pertence; também está pronto a se desfazer até daquilo que é seu para o bem de outros”. Em relações pessoais, o amor não se enfurece; ou seja, não é supersensível, com um temperamento irascível que mal se pode esconder sob uma fachada respeitável, simplesmente à espera de uma ofensa, real ou imaginada, diante da qual ficará ressentido.

No entanto, imagine que uma injúria real tenha ocorrido. O que deve ser feito? A resposta de Paulo é que o amor “não guarda ressentimento do mal”, não há uma lista negra de ofensas pessoais que pode ser consultada e nutrida diante da possibilidade de algum novo deslize. Sua postura, diante do mal genuíno, exclui tal recordação; pois, em um nível bem profundo, o amor não consegue agir com censura ou hipocrisia: o amor “não se alegra com a injustiça” (v. 6), como a falsa autojustiça que finge uma indignação moral diante da lascívia, embora se revele secretamente na crueldade e na vulgaridade. Não se alegra em discussões infindáveis sobre o que há de errado com as igrejas e as instituições que servimos, e somente adentra em tais assuntos quando exigências concorrentes de justiça requerem isso. Se há alguma notícia de algo justo ou verdadeiro acontecendo, o amor rapidamente se alegrará por isso, ou, se o verbo composto usado não for somente intensivo, o amor se unira a outros em regozijo pela verdade. “O amor não busca se mostrar como algo distinto, rastreando para apontar o que é errado; ele de bom grado rebaixa sua própria identidade, para se alegrar com outros pelo que é certo”.

O versículo 7 resume a questão e é caracterizado pela palavra tudo?* Wischmeyer, de forma convincente, demonstra que a repetição da palavra (oito vezes em 13.1-7, traduzida por “tudo” ou “sempre”) é polêmica. Paulo dá uma resposta ao profundo comprometimento dos coríntios com a escatologia ultrarrealizada mencionada no primeiro capítulo deste livro. Eles seguem o ponto de vista de que “tudo é permitido” (v. 4.8; 6.12) visto que o reinado escatológico começou. Contudo, em 13.7, Paulo responde, o amor cristão ainda tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta: essa é parte da voluntária restrição da liberdade pessoal que o amor exige, já discutida por Paulo anteriormente na epístola (especialmente nos capítulos 8 e 9). O amor cristão tudo sofre (ou possivelmente “sempre sofre”); tudo crê — o que não significa que ele é ingênuo, mas que prefere ser generosamente aberto e receptivo em vez de ser cínico e desconfiado. O amor espera pelo melhor, mesmo quando frustrado por repetido abuso pessoal, esperando contra a esperança e “sempre pronto a dar uma segunda chance a um ofensor e a perdoá-lo até ‘setenta vezes sete’ (Mt 18.22)”. O amor tudo suporta: “Quando a evidência é adversa, [o amor] espera pelo melhor. E, quando as esperanças são repetidamente frustradas, ele ainda espera corajosamente”.

No que diz respeito a esse capítulo de I Coríntios, o amor descrito aqui tem provocado longos debates acadêmicos para saber se o amor em vista aqui é o direcionado a Deus ou aos homens — como se o evangelho cristão pregado por Paulo permitisse escolher entre os dois. Outro famoso trabalho coloca esse amor em oposição a eros: esse amor cristão, concluem, é essencialmente o amor de Deus dado ao homem, quase que um equivalente da graça. Mas os primeiros três versículos falam insistentemente do amor que você e eu deveríamos exercer. Uma avaliação mais sábia seria a seguinte: “Talvez a verdadeira distinção em l Coríntios 13 é aquela entre amor egocêntrico e altruísta. A linha divisória não é traçada entre o amor de Deus e o amor do homem, mas sim entre o amor e o amor próprio. E nisso que consiste o cristianismo; na caridade que domina o egoísmo”. Até mesmo isso é, de certa forma, inadequado, pois 13.3 pode considerar aquele raro altruísmo que desiste de todas as posses pessoais, e mesmo da própria vida, existindo sem amor!

O autor conclui este capítulo da seguinte forma: “Dois séculos atrás, Jonathan Edwards apresentou a questão sobre o que torna a igreja parecida com o céu. Sua resposta: o amor. A manifestação, por parte da igreja, dos tempos da glória que ainda estão por vir não é alcançada pelo dom de línguas, nem mesmo pela profecia, pela contribuição ou pelo ensino. E alcançada pelo amor. Um dia, todos os carismáticos que conhecem o Senhor e todos os não carismáticos que conhecem o Senhor não terão motivo algum para contender, pois os assim chamados dons carismáticos passarão para sempre. Naquele momento, esses dois grupos de crentes olharão para trás e contemplarão conscientemente o fato de que o que os liga ao mundo passado não é o dom de línguas, nem a animosidade para com o dom de línguas, mas o amor que eles conseguiram demonstrar um para com o outro, apesar do dom de línguas. A maior evidência de que o céu invadiu nossa dimensão, de que o Espírito foi derramado sobre nós e de que somos cidadãos de um reino ainda não consumado é o amor cristão” [p. 54-78]


3. PROFECIA E LÍNGUAS: BUSCANDO O QUE É MELHOR (14.1-19)

Neste capítulo, irei resumir ao máximo as ideias e argumentações do autor sobre Profecias e línguas. Ele afirma que: “Desejo usar a maior parte do espaço deste capítulo para responder a uma questão que até aqui tenho evitado: o que, precisamente são os dons de profecia, línguas e interpretação de línguas? Assim, pretendo explorar essas questões neste momento, antes de me voltar para uma exposição resumida do texto em si”.

Línguas - As línguas em Corinto eram “idiomas existentes” ou algo diferente? Reformulando a questão em termos técnicos, o fenômeno de I Coríntios é um exemplo de xenoglossia (ou seja, falar em um idioma humano sem aprendizado prévio) ou glossolalia (ou seja, falar em padrões vocálicos que não podem ser identificados em nenhum idioma humano)? Essa é uma pergunta extremamente difícil de responder de forma convincente a cada uma dessas propostas, apesar das afirmações dogmáticas feitas por muitos de seus proponentes. A maior parte dos atuais carismáticos ficaria satisfeita com a definição de “línguas” oferecida por Christensen: “Uma manifestação sobrenatural do Espírito Santo, por meio da qual o crente fala em um idioma que ele nunca aprendeu e que não lhe é compreensível". ״ Isto, é claro, simplesmente empurra a questão de volta do significado de "língua" para o significado de “idioma”. Provavelmente, a maioria dos carismáticos está convencida de que suas falas são idiomas existentes, como também acredita que elas transmitem algo: elas são línguas de homens ou de anjos. Uma pergunta um tanto diferente é se eles creem se tratar de idiomas humanos que ocorrem naturalmente no mundo, mas que não foram aprendidos por aqueles que os falam. Um número crescente de carismáticos e vários observadores que simpatizam com o movimento carismático, no entanto, pressionados por análises linguísticas atuais, feitas com gravações de pessoas falando em línguas (das quais falarei logo), argumentam que as línguas atuais, assim como as línguas em Corinto, não são como os idiomas existentes (por exemplo, Cardeal Suenens, H. Mühlen, que vê o falar em línguas primariamente como uma experiência de oração mais intensa na adoração do Deus inexprimível, e Green, que sugere que algumas línguas podem ser idiomas existentes e outras não).

Profecias e profetas - A abrangência de fenômenos do primeiro século que se incluem nesse grupo de palavras é enorme. Mas o que estava incluído sob o rótulo de “profecia” no Novo Testamento? As respostas a essa pergunta são bastante numerosas. Às vezes, elas são formuladas menos em termos do que e profecia e mais em termos do que ela faz. Por exemplo, um comentarista escreveu: “Profetizar era o poder de ver e tornar conhecida a natureza e a vontade de Deus, um dom de percepção da verdade e de poder para compartilhá-la, e, portanto, uma capacidade de edificar o caráter de homens, estimular suas vontades e encorajar seu espírito”. É claro que isso é verdade; contudo, uma vez que é colocado em termos de função, poderia ser aplicado igualmente à pregação proveniente do dom — esses mesmos comentaristas fazem precisamente essa associação em outro lugar. Quando Paulo diz que a profecia é para “edificação, exortação e consolação” (14.3) da congregação, não está, desse modo, definindo profecia, pois pregação, oração e ensino podem servir para esses mesmos fins. Além do mais, não fica claro (como demonstra Turner) que 14.3 nos forneça um critério necessário de profecia; pois tal visão, de forma inevitável, marginaliza um tanto quanto arbitrariamente profecias como a de Ágabo (e.g., At 21.11).

O autor escreve sobre a definição de David E. Aune e Gruden. Aune define profecia como “uma forma específica de divinação que consiste de mensagens verbais inteligíveis, cridas ser originadas em Deus e comunicadas por meio de intermediários humanos inspirados”. Grudem baseia sua definição de profecia em Paulo, em um detalhado estudo de I Coríntios 14.29,30: profecia é a recepção e subsequente transmissão de uma revelação espontânea e divinamente originada. O verbo profetizar denota esse processo. Bem semelhante é a definição de Panagopoulos. No entanto, a tese de Grudem sobre a profecia do Novo Testamento é inovadora. Em geral, eu simpatizo com ela, apesar de ter algumas reservas em dois ou três pontos críticos. Não defenderei essa tese, pois isso seria escrever um livro que já foi escrito, mas vou resumir alguns de seus argumentos, indicar minha leve discordância, aqui e ali, e mostrar como a tese se aplica aos capítulos em estudo.

Sobre a definição de Gruden, o autor diz: Para mim, está claro que Grudem delineou corretamente algumas limitações importantes da profecia do Novo Testamento. Não é válido questionar toda sua síntese por termos questionamentos quanto a algumas de suas formulações. No último capítulo, oferecerei algumas sugestões sobre como resolver algumas dessas tensões — em especial, como podemos falar de profecia como revelação, e ainda evitar colocar o cânon em risco, e como podemos distinguir melhor entre a autoridade da profecia apostólica e a autoridade de (outras) profecias do Novo Testamento. Ao mesmo tempo, avaliarei brevemente reivindicações carismáticas atuais quanto à profecia.

Sobre a superioridade da Profecia sobre o falar em línguas - O fato de Paulo, em geral, restringir seu foco de discussão acerca dos charismatas a somente dois deles, profecia e falar em línguas, sugere fortemente que havia alguma disputa ou incerteza quanto aos dois na igreja em Corinto. É até possível que os coríntios tenham agrupado ambos os dons sob o rótulo de profecia, e que foi Paulo quem fez a distinção entre eles.

Se Paulo foi ou não o primeiro a fazer distinção entre profecia e falar em línguas, se o contexto em Corinto é parecido com o que descrevi, há uma importante dedução a ser feita. Apesar de alguns dos argumentos de Paulo nesse capítulo serem generalizantes, aplicáveis a todos os dons espirituais, a principal preocupa- ção de Paulo é o peso relativo dado à profecia e ao falar em línguas. Isso significa que Paulo pode não estar dizendo que o falar em línguas é o pior dos dons em uma escala absoluta, mas somente que é menos importante do que a profecia de acordo com a escala de referência adotada; do mesmo modo, pode ser que Paulo não esteja falando que a profecia é o melhor dos dons em uma escala absoluta, mas somente que é mais importante do que o falar em línguas, de acordo com a escala de referência. O valor relativo da profecia em relação ao apostolado, ao ensino ou à contribuição, por exemplo, não é a questão principal. Tal observação não fica comprometida por 12.31a, que encoraja os coríntios a desejarem os melhores dons. Essa exortação obviamente assume que os dons espirituais podem ser classificados; todavia, em vez de providenciar tal classificação, Paulo se antecipa para transcender totalmente os dons espirituais com seu capítulo sobre o amor. Voltando ao seu argumento em 14.1, ele não tenta classificar todos os dons listados no capítulo 12. Em vez disso, assumindo que os crentes espiritualmente conscientes desejarão os melhores dons e encorajando-os dessa maneira, ele prossegue para distinguir qual é o melhor dentre os dois — os dois que aparentemente estão no centro do debate em Corinto.

Essa ideia, com certeza, é uma consequência natural da exposição sobre o amor no capítulo anterior. A importância do amor não implica que ele deva ser buscado ho lugar dos dons espirituais: estes também devem ser buscados intensamente. Já notamos (no segundo capítulo) que não há nenhuma contradição entre esse encorajamento e a insistência de Paulo de que os dons espirituais são distribuídos soberanamente. Aqui o apóstolo se torna mais específico de imediato. Deseje intensamente os dons espirituais, diz ele, mas principalmente o dom de profecia. A expressão por trás do termo “principalmente”, usado em várias traduções, significa “de preferência” ou “mas de preferência”. Isso não afirma que o melhor dom espiritual é a profecia; simplesmente especifica que os coríntios devem buscar esse dom em especial. As razões para essa especificidade só podem ser percebidas pelo contexto; tais motivos, como já demonstrei, são apresentados na forma de um contínuo contraste entre a profecia e o falar em línguas.

O autor conclui: Uma lição flui com grande força desses primeiros versículos de I Coríntios 14. Seja qual for o lugar da profunda experiência pessoal e da emotiva experiência corporativa, a igreja reunida é um lugar de inteligibilidade. Nosso Deus é um Deus que fala e pensa; e, se quisermos conhecê-lo, devemos aprender a pensar como ele. Não estou invalidando de forma sorrateira o que Paulo se recusou a invalidar. Estou somente tentando refletir sua convicção de que a edificação na igreja depende supremamente de inteligibilidade, entendimento, coerência. Ambas as igrejas, carismática e não carismática, precisam ser lembradas dessa verdade com bastante frequência. [p.79-108]


4. ORDEM E AUTORIDADE: LIMITANDO DONS ESPIRITUAIS (14.20-40)

Neste capítulo, o autor além de enfatizar a questão da ordem, autoridade e relação entre línguas e profecias, ele trabalha três outras questões que inter-relaciona entre si: Os descrentes, Ordem na adoração pública (inteligibilidade) e restrições às mulheres.

O autor escreve: Em certo sentido, o contraste entre os dons de profecia e o falar em línguas, desenvolvido por Paulo nos primeiros dezenove versículos do capítulo 14, continua na segunda parte do capítulo. Certamente, o falar em línguas e a profecia são colocados em oposição nos versículos 20-25. Ainda que o versículo 26 liste vários dos charismata, sua função primária é preparar o terreno para uma nova discussão sobre o falar em línguas (v. 27,28) e a profecia (v. 29-33). Mesmo os versículos 33b-36, de acordo com o que acredito ser a interpretação mais provável, não deixam de estar relacionados com o dom de profecia. Os versículos finais incluem um alerta (v. 37,38) e um incisivo contraste final entre profecia e falar em línguas (v. 39,40).

Continua: Mesmo assim, várias características notáveis distanciam essa parte do capítulo daquilo que a precede. O tom de Paulo se torna um tanto mais estridente, o que se evidencia já de início com as seguintes palavras: Irmãos, não sejais como crianças no entendimento (14.20). O contraste entre a profecia e o falar em línguas, nos versículos 20-25, mesmo que ainda esteja relacionado com o tema da inteligibilidade e edificação, introduz os descrentes como um novo fator. Aqui Paulo cita Escrituras anteriores como precedentes para o próprio propósito do falar em línguas. Os versículos 26-40 assumem que os valores da inteligibilidade e da edificação foram adotados e buscam implementar esses valores com regras simples e práticas, moldadas por uma convicção abrangente de que a adoração pública deve refletir a ordem e a paz do Deus a quem adoramos.

Como síntese do capítulo 14, o autor fazendo comentários sobre os versículos 39-40, ele escreve: Paulo conclui. No que diz respeito às reivindicações da profecia e do dom de línguas, a profecia é totalmente encorajada, e as línguas não devem ser proibidas.

Algum tempo atrás, um pastor na Inglaterra discutiu algumas dessas questões com um clérigo carismático bem conhecido. O carismático, certamente pensando nas palavras de Paulo “não proibais o falar em línguas”, perguntou ao meu amigo o que ele faria se alguém começasse a falar em línguas em um dos cultos em que ele ministrasse. O pastor replicou: “Deixaria que a pessoa terminasse e não teria nenhuma objeção a fazer, se houvesse uma interpretação na sequência e se não houvesse nenhuma tentativa de formar prosélitos nas semanas seguintes”.

Então, o pastor parou por um momento e perguntou em seguida: “O que você faria se não houvesse pessoas falando em línguas publicamente em sua igreja, por seis meses ou algo assim?”. “Puxa”, respondeu o carismático, “eu ficaria arrasado”. “Aqui está a diferença entre nós”, disse o pastor, “você pensa que o falar em línguas é indispensável. Eu o vejo como dispensável, mas não como proibido”. E essa, com certeza, é a distinção de Paulo.

E claro que mais coisas podem ser ditas de um ponto de vista pastoral; e oferecerei algumas sugestões práticas no final do capítulo. Certamente, Paulo quer que as reuniões públicas da igreja sejam conduzidas “com decência e ordem” (v. 40); para ele, isso significa a observância das regras anunciadas por ele na segunda parte do capítulo 14. “Porque Deus não é Deus de desordem, mas sim de paz” (14.33a).

E conclui: Não me aventurarei a ir além desses comentários. É suficiente observar que o principal objetivo de Paulo, nesses versículos, não é apresentar uma lista exaustiva de ingredientes necessários para a adoração comunitária, mas insistir que o livre poder do Espírito Santo, característico dessa nova era, deve ser exercido em um ambiente de ordem, inteligibilidade, pertinência, decência, dignidade e paz. Afinal, essa é a natureza do Deus a quem adoramos. [p.110-138]


5. PODER LIVRE E RESTRIÇÕES DISCIPLINARES: EM BUSCA DE UMA TEOLOGIA DOS DONS ESPIRITUAIS

Este é o último capítulo e para mim foi o mais difícil tanto traçar resumos como escolher textos apropriados. Já para o autor esse foi o mais difícil de escrever: Em muitos aspectos, este capítulo foi o mais difícil de elaborar. Não estou mais limitado a um único texto, mas devo escolher e selecionar aquilo que parece ser mais importante para o assunto; além disso, devo articular conclusões sem ter um espaço adequado para justificá-las. Minha única desculpa é que esse tipo de síntese preliminar parece preferível a deixar um grande número de pendências no ar. Ao adicionar o subtítulo deste último capítulo, “em busca de uma teologia dos dons espirituais”, devo logo dizer que isso é de uma presunção imperdoável. A verdade é que grande parte do que será lido aqui está mais para a "busca" do que para a “teologia”. O que proponho oferecer são considerações sobre uma variedade de assuntos relacionados a I Coríntios 12—14, em uma tentativa final de integrar os quatro capítulos anteriores e relacionar as conclusões com uma corrente mais ampla do pensamento bíblico e da experiência contemporânea.

Neste capítulo o autor traça considerações sobre línguas, milagres e batismo no Espírito em Atos; sobre a teologia da segunda bênção; sobre revelação; sobre a evidência da história; sobre o movimento carismático e considerações de uma perspectiva pastoral sobre todos os assuntos aqui citados.

Com o propósito de não defraudar o texto e fomentar no leitor o desejo por este livro, coloco aqui um resumo das considerações de uma perspectiva pastoral, onde o autor mostra a sua posição como pastor, a forma como enfrentou uma quase divisão em sua igreja e convive com os carismáticos sob o seu pastoreio.

Considerações de uma perspectiva pastoral - Apesar de alguns protestos contrários não há nenhuma evidência concreta de que o falar em línguas é caracteristicamente danoso em termos psicológicos. Até mais ou menos 1966 era comum, nos estudos de psicologia, tratar o fenômeno como fundamentalmente escapista, entretanto, em retrospecto, suspeita-se que tais julgamentos foram feitos porque a maioria dos participantes pertencia a vários grupos minoritários — normalmente desprivilegiados. No entanto, uma vez que o pentecostalismo cresceu para se transformar no movimento carismático, e praticamente toda a esfera da sociedade foi afetada de um jeito ou de outro, a antiga análise se mostrou inadequada.

Hoje, outras abordagens predominam. Alguns sugeriram que o movimento de falar em línguas é um tipo de antídoto para as influências de uma sociedade crescentemente secular. Alguns dos estudos estão mais interessados em fatores fisiológicos e culturais do que em fatores psicológicos: “Quero propor”, escreve um autor, “que a glossolalia deveria ser definida como um padrão de vocalização, um automatismo de discurso, que é produzido no substrato de dissociação do hiperdespertamento, refletindo diretamente, em sua estrutura segmentai e suprassegmental, processos neurofisiológicos presentes nesse estado mental”. Todavia, a maioria dos estudos reconhece que o falar em línguas, que geralmente é reconhecido como comportamento aprendido, muitas vezes proporciona uma leve sensação de bem-estar, integração e poder. Não é perigoso em si mesmo, mas pode ser psicologicamente danoso em alguns dos usos que se fazem dele (por exemplo, quando é usado como instrumento de destruição de uma comunidade). Pessoas que falam em línguas não são, comprovadamente, menos equilibradas mentalmente que outras pessoas. Elas têm um pouco mais de tendência a seguir modelos, sejam líderes, sejam grupos; e sua experiência tende a ser, para a maioria deles, de certa forma libertadora.

Uma grande preocupação pastoral surge da tensão percebida entre o ofício institucional e o dom espiritual. Como, podemos perguntar, Cristo opera em sua igreja? Será que ele age principalmente por meio de líderes, estruturas e padrões oficiais, ou será que ele age principalmente por meio de situações inesperadas, principalmente por meio de pessoas “que possuem dons?”

A literatura sobre o assunto é numerosa e nos leva para muito além dos limites do debate sobre o movimento carismático. Não temos como averiguar essas questões aqui, porém, seguindo de perto Fung, talvez seja possível dizer algumas coisas. Primeiro, há ampla evidência de que a igreja reconheceu certos ofícios/funções em um período bem primitivo, notavelmente, de um lado, os presbíteros, supervisores(bispos), pastores e, do outro, os diáconos; todavia, esperava-se que as pessoas que ocupavam esses postos fossem capacitadas pelo Espírito para tanto. Afinal, não há incongruência ou incompatibilidade intrínseca entre estruturas e dom, ofício e dom espiritual. Segundo, a igreja primitiva, de forma alguma, confinou dons espirituais ao ofício eclesiástico. Afinal, acreditava-se que todo cristão tinha algum dom, e alguns dons associados a ofícios específicos (e.g., ensino e presbiterato) sem dúvida foram dispensados em alguns contextos, de maneira informal e sem reconhecimento eclesiástico. O ofício sem o dom da graça apropriado é estéril e até perigoso; no entanto, o dom da graça sem o ofício é meramente trivial. Terceiro, quanto mais público for o dom, mais a igreja deve dispensar sua responsabilidade para testar o dom e para confirmar a pessoa dotada em um ofício, quando for esse o caso. E precisamente essa responsabilidade corporativa que deve idealmente limitar o direito da pessoa que se sente dotada para exigir o ofício sem a sanção da igreja. No entanto, o ideal desmorona quando o ofício é ocupado por aqueles que não foram capacitados com o dom da graça requisitado, ou quando a igreja falha em exercer sua responsabilidade de colocar à prova aqueles que servem como líderes, ou de mantê-los sob prestação de contas. Quarto, a maioria dos dons da graça, até onde podemos dizer, nunca foi associada a um ofício específico. Isso é verdade não somente para os charismata, tais como o de encorajamento, o de contribuição e o falar em línguas, mas também para a profecia. De forma interessante, algumas denominações africanas hoje reconhecem um lugar para os profetas na vida da igreja, os quais não têm uma relação necessária com a liderança da igreja. Esses profetas geralmente transmitem mensagens de encorajamento, repreensão ou exortação.

Talvez eu deva terminar com um comentário mais pessoal. Para muitos clérigos jovens, de tradições não carismáticas, uma de suas primeiras grandes crises acontecerá quando algumas vozes fortes na igreja reivindicarem liberdade para falar em línguas no culto público, ou para começar a discipular membros em relação a isso nos estudos bíblicos realizados nos lares. E exatamente essa situação que tem gerado as divisões que racharam inúmeras igrejas. O que deve ser feito? [p.139-191]

No final do livro, o autor apresenta uma lista muita rica de livros que segundo ele: Foram incluídas aqui as obras citadas neste livro e um pequeno número de outras obras mais técnicas e semipopulares, que representam o espectro de opiniões sobre o movimento carismático. Não consegui obter uma ou duas das obras citadas antes de ter enviado o manuscrito para impressão — especificamente a dissertação de F. Grau e o livro Charisma und Agape, editado por P. Benoit et al. Quanto a este último, consegui obter uma cópia do artigo de James D. G. Dunn e as respostas a ele. Comentários são referidos no texto pelo sobrenome do autor; páginas específicas de referência para os comentários são desnecessárias.

Portanto, o livro é bom. Para adquirir é só clicar na imagem do livro acima.

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[1] Sinopse
[2] Luiz Sayão, bacharel em Linguística e Hebraico e mestre em hebraico pela Universidade de São Paulo. Professor da área bíblica e de hebraico do Seminário Servo de Cristo, em São Paulo e da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
[3] Russell R Shedd, doutor em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo, Escócia. Fundador das Edições Vida Nova.

quarta-feira, 8 de maio de 2019

O ZELO EVANGELÍSTICO DE GEORGE WHITEFIELD [Resenha]


LAWSON, Steven J. O zelo evangelístico de George Whitefield. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014. 160p.


O AUTOR

Dr. Steven J. Lawson é o pastor da Christ Fellowship Baptist Church em Mobile, Alabama e serviu por vinte e cinco anos como pastor em Arkansas e Alabama. Ele formou-se Bacharel em Administração de Empresas na Universidade Tecnológica do Texas, em Mestre em Teologia no Seminário Teológico de Dallas, e em Doutor em Ministérios no Seminário Teológico Reformado.

Dr. Lawson escreveu treze livros, sendo os mais recentes Foundations of Grace e Psalms - Volume II (Salmos 76-150), na série Holman Comentários no Antigo Testamento. Seus outros livros incluem Famine in the Land: A Passionate Call for Expository Preaching; Psalms - Volume I (Salmos 1-75), e Job, na série Holman Comentários no Antigo Testamento; Made in Our Image; Absolutely Sure; The Legacy; e Faith Under Fire. Seus livros têm sido traduzidos em várias línguas, em várias partes do mundo, incluindo russo, italiano, português, espanhol e a língua Indonésia.


O LIVRO

Na apresentação do livro, escrita pelo próprio autor da obra, intitulada “Seguidores dignos de serem seguidos”, ele nos diz que através dos séculos, Deus providencialmente tem levantado uma longa linha de homens piedosos, os quais têm usado de modo poderoso em momentos estratégicos na história da igreja. Estes valorosos soldados da cruz vieram de todos os tipos de vida - desde os prédios cobertos de hera das melhores escolas de elite até as empoeiradas salas dos fundos de pequenos artesãos. Surgiram de todos os pontos deste mundo - desde locais de alta visibilidade, em cidades densamente populosas, a obscuros vilarejos dos mais remotos lugares. A despeito dessas diferenças, essas figuras fundamentais têm muito em comum.

Cada um desses homens possuía não somente uma fé inabalável no Senhor Jesus Cristo, mas também, tinham profundas convicções sobre as verdades que exaltam a Deus, conhecidas como doutrinas da graça. Embora tivessem diferenças secundárias em questões de teologia, andavam ombro a ombro na defesa dos ensinamentos bíblicos que engrandecem a soberana graça de Deus na salvação. Eles sustentavam a verdade fundamental de que "a Salvação é do Senhor" (Jonas 2.9; SI 3.8).

Qualquer avaliação de história da igreja revela que aqueles que assumiram estas verdades reformadas tiveram confiança extraordinária no seu Deus. Longe de paralisar esses gigantes espirituais, as verdades da soberana graça lhes deram coragem para levantar e avançar a causa de Cristo sobre a terra. Com visão ampliada de sua graça salvadora, com ousadia, eles deram passos adiante e realizaram, muitas vezes, a obra de vinte homens. Subiram com asas como águias e sobrevoaram o seu tempo. As doutrinas da graça os fortificaram para que servissem a Deus na hora divinamente determinada, deixando uma influência piedosa sobre gerações futuras.


SERIE UM PERFIL DE HOMENS PIEDOSOS

Esta série, Um Perfil de Homens Piedosos, destaca personagens principais da procissão de homens da graça soberana através dos séculos. O propósito da série é examinar como essas personagens utilizaram os dons e habilidades dados por Deus para impactar seu tempo e difundir o reino do céu. Sendo eles corajosos seguidores de Cristo, os seus exemplos são dignos de serem imitados hoje.

O presente volume enfoca o grande evangelista britânico George Whitefield. No século XVIII, tempo infestado pela ortodoxia morta, Whitefield rompeu no cenário com poder e paixão. Em dias marcados por grande declínio espiritual, Whitefield pregava com unção sobrenatural e intensa ousadia, tornando-se o principal catalisador da entrada de dois reavivamentos simultâneos, um no Reino Unido e o outro nas colônias da América do Norte. À medida que o

Senhor lhe dava forças, a voz de clarim de Whitefield conclamava homens e mulheres aos pés da cruz. Quem sabe não tenha havido outro arauto do evangelho que fosse usado tão efetivamente, em tantos lugares, durante período tão extenso de tempo. Por estas e inúmeras outras razões, George Whitefield permanece eminentemente digno de ter seu perfil nesta série.

O autor conclui: Que o Senhor use grandemente este livro para dar coragem a uma nova geração de líderes, a fim de que eles, como Whitefield, deixem uma indelével marca por Deus neste mundo. Por meio deste perfil, que você se fortaleça para andar de modo digno de seu chamado. Que você seja cheio da Escritura e, portanto, zeloso em seu empenho evangelístico, para a exaltação de Cristo e o avanço de seu reino.


RAIOS DE UM CÉU SEM NUVEM

O autor diz: Se eu pudesse ser qualquer figura da história da igreja, desejaria ser George Whitefield. Digo isso, não por sua grande habilidade de oratória nem sua fama mundial, mas principalmente por seu ardente zelo evangelístico. Preeminentemente, Whitefield instilou em mim uma paixão pela pregação. Fui motivado a buscar maior ousadia pela verdade por meio de Martinho Lutero. Adquiri maior desejo de pregar a Escritura de maneira sequencial, expositiva, através de João Calvino. Fui desafiado em termos de disciplina na vida cristã por meio de Jonathan Edwards. Aprendi a necessidade de um intenso foco no evangelho em cada sermão através de Charles Spurgeon. Mas, quando chego a George Whitefield, sou cativado por seu zelo ímpar na proclamação da mensagem do evangelho até os confins da terra.

Aqui temos o propósito do livro. Neste livro, é meu desejo desvendar o coração de um homem que ardia por realizar a obra de Deus. Minha sincera esperança é que o exemplo de George Whitefield renove a sua paixão por levar o nome de Cristo às nações. Oro para que este livro mova uma nova geração de pregadores do evangelho, que avancem nos campos do mundo, brancos para a colheita. Mas, antes de examinar a vida e o ministério desse homem extraordinário, permita-me estabelecer primeiramente o ambiente histórico no qual ele viveu.


O CONTEXTO EM QUE GEORGE WHITEFIELD VIVIA

Para o mundo de língua inglesa, o século XVIII foi um período monumental de despertamento espiritual. Martyn Lloyd-Jones chamou este tempo de "a maior manifestação do poder do Espírito Santo desde os dias apostólicos".^ Essa era provou ser tempo sem precedentes de esforços evangelísticos e renovação espiritual. Seus efeitos se estenderam por dois continentes e foram especialmente dramáticos, dada a letargia espiritual que permeava a igreja e a cultura da época. Este tempo provou ser nada menos que uma "segunda reforma".

Desde o século XVII a pregação do evangelho havia se esfriado em toda a Europa, mas especialmente na Inglaterra. A igreja estatal já estava em declínio espiritual. O presbiterianismo havia se enfraquecido, e os batistas gerais começavam uma escorregadia descida do arminianismo para o unitarianismo.

Diversos fatores causaram tais dias de sequidão. Muitas igrejas não exigiam mais uma membresia regenerada e eram descuidadas quanto a quem admitiam à Mesa do Senhor. O puritanismo sofreu um golpe devastador quando o parlamento aprovou o Ato de Uniformidade em 1662, que dividiu permanentemente a Igreja da Inglaterra de todas as demais igrejas protestantes, dali em diante conhecidas como "Dissidentes". Debaixo de Carlos II, este decreto determinou uma forma mais católica de orações públicas, o sacerdócio, os sacramentos, e outros ritos na Igreja da Inglaterra. Pastores puritanos foram obrigados a abandonar as suas ordenações originais e serem reordenados sob essa nova forma da igreja do estado.

A crise que se fomentava chegou ao ápice em 24 de agosto de 1662, no dia de São Bartolomeu, quando dois mil ministros puritanos foram enxotados de suas igrejas. Em um só dia, a maior geração de pregadores do evangelho foi despedida do púlpito e proibida de pregar. Esses pastores puritanos sofreram restrições ainda maiores com a aprovação do Ato De Conventicle, em 1664. Foram banidos da pregação em campos ou condução de cultos particulares de adoração nos lares dos párocos. Restrições ainda maiores vieram com o Ato das Cinco Milhas, em 1665, que proibia os pastores expulsos de chegar mais perto que cinco milhas das suas antigas igrejas, bem como de qualquer cidade ou vilarejo em que tivessem pastoreado anteriormente.

Essa perseguição foi retirada em 1689 pelo Ato de Tolerância, sob Guilherme e Maria [William e Mary], mas até chegar esse tempo, a maioria dos principais pastores puritanos já havia morrido. Proibidos de serem enterrados em cemitérios adjacentes às igrejas inglesas, muitos pastores puritanos foram sepultados em um cemitério separado, não conformista, em Bunhill Fields, fora de Londres. Incluídos nesse cemitério desprezado estavam pessoas de renome como John Bunyan, John Owen, Isaac Watts e Thomas Goodwin. Considerados párias indignos, estes homens de Deus eram sepultados fora dos limites da cidade. A influência puritana havia declinado fortemente.

Ao mesmo tempo, muitos púlpitos anglicanos altamente estimados ensinavam uma corrupção moralista e legalista da justificação pela fé. Tal declínio doutrinário deixava a igreja inglesa com pouco apetite pela pregação da Palavra. Havia desvanecido qualquer interesse pelos perdidos. Como os apóstolos no jardim de Getsêmane, os pastores ingleses tinham deixado de vigiar e eram acalantados em profundo sono. As convicções bíblicas foram substituídas pelas filosofias seculares prevalecentes. Havia verdadeira fome na terra por ouvir a Palavra de Deus.

Foi nesse vazio espiritual que Deus levantou o evangelista inglês George Whitefield. Como um raio vindo de um céu sem nuvens, Whitefield subiu ao palco mundial como o mais eloquente arauto do evangelho desde os dias do Novo Testamento. Deus deu poder a Whitefield para se tornar como uma lâmpada de chamas fortes, colocada sobre uma montanha, no meio do negro império de Satanás.

Esta figura poderosa, de incomum fervor evangélico, encabeçou um ressurgimento cristão sem precedentes. Sua retumbante voz foi catalisadora de despertamento espiritual, à medida que sua pregação tomou conta das Ilhas Britânicas como tempestade, dando choques elétricos às colônias americanas. Através de seu zelo evangelístico, Whitefield atiçou as chamas do avivamento até que se espalhassem no coração de incontáveis homens e mulheres. Pode-se afirmar que mediante a sua pregação, as Ilhas Britânicas foram salvas do que seria equivalente à Revolução Francesa. E do outro lado do Atlântico, uma nação nasceria com o despertar de sua proclamação do evangelho.

Dados os muitos males que contaminam a igreja de hoje, a presente geração necessita uma forte dose de George Whitefield. Ao olharmos o cristianismo dos dias atuais, existe muito pelo qual ser grato, especialmente à luz do ressurgimento reformado dos anos recentes. Contudo, tem se tornado uma tendência para muitos deste movimento se afastar em uma clausura calvinista, tendo pouco impacto sobre o mundo a seu redor. Whitefield, mediante seu intenso envolvimento com o mundo e sua fervorosa proclamação do evangelho, tem muito a nos ensinar sobre aquilo que tem de ser desesperadamente recobrado.

Temos muitos apologetas pobres, dando palestras inócuas em nossos púlpitos hoje em dia. A necessidade da hora é de calorosos proclamadores de Deus e de sua graça salvadora - não apenas explanadores filosóficos. E muito fácil nos emaranharmos nas teias das pressões sociais e políticas que deslocam nosso dever principal de pregar a Cristo. Na presente hora, é necessário recuperar a profunda crença de Whitefield na soberana graça de Deus, junto com um desejo zeloso de chamar os perdidos ao arrependimento e fé em Cristo. Whitefield via como maior necessidade do ser humano o estar bem diante de Deus. Whitefield cumpria o chamado de Deus, de conclamar com paixão a um mundo perdido que perecia, para que cressem no evangelho. Nós também precisamos fazer o mesmo.

Este livro além da apresentação, prefácio e conclusão possui seis capítulos, que iremos trabalhar com pequenos recortes com o propósito de levar os leitores a conhecer homens piedosos que foram usados por Deus e fomentar seguidores de Cristo que venham a ser dignos de serem igualmente seguidos.


CAPITULO 1: UMA FORÇA PARA O EVANGELHO

Aos vinte e um anos de idade, Whitefield foi regenerado pelo Santo Espírito, e depositou sua fé em Cristo. Confessou: “Um homem pode frequentar a igreja, fazer suas orações, receber o Sacramento, e, no entanto, [...] não ser cristão. [...] Senhor, se eu não for cristão, se eu não for um cristão autêntico, por amor de Jesus Cristo, mostra-me o que é o cristianismo, para que eu não seja condenado em última instância. Leio um pouco adiante, e o engano foi descoberto. Oh, diz o autor, os que conhecem alguma coisa da religião sabem que é uma união vital com o Filho de Deus, Cristo formado no coração. Oh, que raio de vida divina rompeu então sobre minha pobre alma”.

Uma sofrida busca por aceitação da parte de Deus, que durou cinco anos, agora foi cumprida. Nascer de novo seria o tema repetido de todo seu futuro ministério. Ele declarou: Finalmente, Deus se agradou de remover o pesado fardo, de fazer com que eu me apropriasse de seu amado Filho com viva fé, e dar-me o Espírito de adoção, selar-me, conforme humildemente espero, para aquele dia de eterna redenção. Mas, oh! Com que alegria — alegria indizível — mesmo a alegria plena e grande de glória, minha alma se encheu, quando o peso do pecado foi removido.

Whitefield, totalmente convertido, estava tomado por um desejo que consumia tudo: conhecer a Cristo mais intimamente. Em humilde submissão, começou a ler sua Bíblia de joelhos e devorava a Exposição do Antigo e do Novo Testamento, de Matthew Henry. Esse saturar da verdade bíblica imediatamente o fundamentou na fé reformada, a qual moldaria profundamente a sua pregação. [p.24-25]


CAPÍTULO 2: UMA VIDA DE DEDICAÇÃO SINGULAR

Ao observar essa profunda paixão por Deus, J. C. Ryle descreveu Whitefield como "homem de surpreendente falta de interesse em si mesmo, e singularidade de visão. Parece que ele vivia apenas com dois objetivos — a glória de Deus e a salvação das almas”. O ministério evangelístico mundial de Whitefield jorrava de sua cordial busca da glória de Deus. Ele era consumido por fervoroso desejo de conhecer o próprio Deus. Esse desejo acendeu um fogo contagioso na alma, e isso por sua vez levou outros a um conhecimento de Cristo para a salvação.

Whitefield era, conforme Lloyd-Jones identificou, “um pietista, ou seja, alguém que via a devoção pessoal e prática ao Pai e ao Filho por meio do Espírito sempre como prioridade máxima do cristão”. Mark Noll explica: "Os pietistas estão sérios quanto à vida de santidade e gastam todos os esforços para obedecer a lei de Deus”. Com este fim. Whitefield orava sinceramente: "Deus, dá-me profunda humildade, zelo bem dirigido, ardente amor, e olhar somente a ti, e que homens ou diabos façam seu pior!”

Lloyd-Jones descreveu ainda a vida de Whitefield como sendo caracterizada por "uma mui surpreendente piedade". Essa piedade autêntica se manifestava através das cartas pessoais de Whitefield, nos comentários do seu diário, nos encontros que tinha diariamente com inúmeras pessoas, e em sua proclamação pública. Não há dúvida da razão porque Deus honrou de modo incomum o seu ministério de pregação. Whitefield era capaz de colocar-se de pé diante dos homens, porque primeiramente se ajoelhara diante de Deus.

A devoção espiritual de Whitefield foi estabelecida sobre seu compromisso inabalável com a Bíblia. Uma vez que se converteu, a Escritura imediatamente tornou-se seu alimento necessário e acendeu o fogo de sua alma por Deus. Quanto mais se imergia na Bíblia, mais profunda era sua dedicação por conhecer a Deus e promover o seu reino

O biógrafo Arnold Dallimore descreve os primeiros dias de Whitefield como crente, quando a única luz visível na cidade vinha de sua janela do segundo andar, enquanto ele ingeria as verdades da Escritura Sagrada. Dallimore escreve: “Podemos vê-lo às cinco da manhã em seu quarto, acima da livraria Harris. Ele está de joelhos, com sua Bíblia, seu Novo Testamento grego, e um volume de Matthew Henry espalhados diante dele”. De livros abertos diante de um coração disposto, Whitefield olha da Bíblia em língua inglesa para o grego e então para o comentário de Matthew Henry, procurando discernir e digerir as verdades divinas da Escritura.

A Palavra de Deus tornou-se de tal forma consumidora na vida diária de Whitefield, que ele confessava ter pouco tempo para ler qualquer outra coisa: “Adquiri mais verdadeiro conhecimento pela leitura do Livro de Deus em um mês do que eu poderia jamais ter obtido de todos os escritos dos homens.

Enquanto vivia para Cristo, a Palavra de Deus tornou-se autoridade regente de sua vida. Marcava a trilha sobre a qual Whitefield constantemente descobria belas vistas de redenção, sacrifício, amor e alegria. A Escritura fez com que ele amasse ainda mais a seu Deus. “Estude para conhecê-lo cada vez mais, porque quanto mais o conhecer, mais você o amara”, disse ele. Whitefield desejava tornar-se mais como seu Senhor com cada palavra que lia, e foi forjado sobre a bigorna da Escritura. Sua grande devoção à Escritura tornou-se a comunhão de Deus que descia sobre ele. [p.44-47]


CAPÍTULO 3: UMA TEOLOGIA DE GRAÇA SOBERANA

Pode-se defender que George Whitefield fosse o mais prolixo evangelista desde o tempo dos apóstolos. No entanto, ao mesmo tempo, ele era firme calvinista. Por baixo de sua pregação apaixonada do evangelho havia uma inabalável crença na soberania de Deus na salvação do homem. (a) Foram as doutrinas da graça que incendiaram sua alma com a santa compulsão de alcançar o mundo com a mensagem de Cristo. Alguns defendem que essas duas realidades — soberana graça e zelo evangelístico — não podem coexistir. Mas nada podia estar mais longe da verdade. Graça e zelo se encontram perfeitamente na Escritura, e existiam lado a lado no ministério de Whitefield. Nenhuma pregação será mais forte que a doutrina sobre a qual ela se baseia, e as verdades da graça soberana provaram ser forte fundamento para o ministério desse prolixo evangelista.

Whitefield possuía, de acordo com J. I. Packer, um “clássico arcabouço agostiniano da graça soberana”. O historiador Lee Gatiss, compilador dos sermões de Whitefield, escreveu que ele era “um crente fiel da doutrina reformada da salvação e da teologia bíblica reformada.” Outro historiador da igreja, Mark Noll, concorda: “Ele pregava sobre a vontade escravizada pelo pecado, o poder eletivo de Deus, e a expiação limitada — todos temas do calvinismo tradicional”. Embora fosse calvinista restrito, Whitefield derivava as suas convicções teológicas, não da leitura dos escritos de João Calvino, mas pelo estudo da própria Escritura. As horas investidas no estudo da Palavra o levaram a abraçar com paixão o ensino claro das Escrituras sobre a graça soberana de Deus.

"Abraço o sistema calvinista, não por Calvino, mas porque Jesus Cristo o ensinou para mim”. Whitefield dizia. De fato, era raro ele mencionar Calvino em suas cartas ou sermões. Em vez disso, ele dependia, primeira e principalmente, do claro testemunho da Escritura. Numa de suas primeiras cartas a João Wesley, em 1740, Whitefield escreveu: “Infelizmente eu nunca li nada que Calvino escreveu; minhas doutrinas eu as recebi de Cristo e de seus apóstolos; deles eu aprendi sobre Deus”. Whitefield lia e estudava a Palavra de Deus, e dela obteve essas profundas convicções — as mesmas crenças centrais que Calvino também sustentava.

De acordo com E. A. Johnston: “Para entender George Whitefield e o que o motivava, temos de conhecer a sua teologia”. Além do mais, “É o motivo que o movia. [...] As doutrinas da graça deram-lhe fogo no púlpito, para clamar e advertir aos homens sobre a ira vindoura, para que dela fugissem e viessem aos amorosos braços de um maravilhoso Salvador”. As convicções teológicas de Whitefield lhe davam coragem em tudo que ele praticava e proclamava. Desde o inicio de seu ministério, a sua aderência às doutrinas da graça lançou o fundamento sobre o qual construiria todo o seu ministério. [p.61-63]


CAPÍTULO 4: UM EVANGELHO SEM COMPROMETIMENTOS

Como ganhador de almas, Whitefield viveu para glorificar a Jesus Cristo e chamar pecadores perdidos ao arrependimento e fé nele. O foco de seu ministério extraordinário foi a simples proclamação do evangelho e o apelo aos não convertidos para que entrassem pelo caminho estreito. Onde quer que estivesse — em uma igreja, em campo aberto, na praça de uma cidade, em um navio, numa casa e com quem estivesse — quer fosse da realeza, carvoeiros simples, os mais cultos, os mais rudes — Whitefield, corajosamente, sempre estava exaltando a Cristo e chamando com fervor por seu veredicto. Ele tinha o propósito de não estar com ninguém por mais de quinze minutos sem confrontá-lo com as reivindicações de Cristo.

No coração do prolixo ministério de Whitefield estava a mensagem do evangelho. Ele se deleitava nas verdades da livre graça de Deus na expiação substitutiva de Cristo. O próprio coração de Whitefield fora cativado pelo evangelho enquanto ainda estudante em Oxford, e ele havia resolvido levar essa mesma mensagem transformadora de vida para as massas. Escolheu não esperar que os nãos conversos viessem a ele. Como um que vai atrás de uma ovelha perdida que se desviou do aprisco, Whitefield ardentemente buscava os perdidos, necessitados de Cristo. Era este o cerne de sua pregação e a alma de seu ministério.

Neste capítulo, o leitor encontra os principais elementos que definiam as atividades evangelísticas deste notável avivalista. O autor se concentra no fato de que, em seu ministério evangelístico, ele continuamente expunha o pecado, exaltava a cruz, requeria a regeneração, convocava a vontade e apontava para a eternidade. Aqui estavam as forças motivadoras por trás dos esforços de Whitefield como ganhador de almas. Entender essas verdades essenciais é compreender a dinâmica do ministério que se estendia dos dois lados do oceano. [p.80-81]


CAPÍTULO 5: UMA PAIXÃO QUE CONSUMIA

A paixão de Whitefield surgia das profundezas de suas convicções bíblicas. As fortes crenças foram acesas primeiramente em seu coração no momento de sua conversão. Essas verdades firmemente cridas foram cultivadas com o passar dos anos por meio de intensa oração e diligente estudo da Palavra. Muitos pregadores têm convicções fracas, e, portanto, pouca paixão. George Whitefield, porém, possuía uma profunda persuasão quanto à verdade, o que por sua vez, alimentava a sua paixão na pregação. Sua crença no evangelho da graça soberana atiçou as chamas do coração a ponto de tornarem--se uma fornalha ardente.

J. C. Ryle declarou corretamente: "[Whitefield] teve sucesso em demonstrar às pessoas que ele cria em tudo aquilo que estava dizendo, e que seu coração, sua alma, sua mente e sua força estavam todos propensos a fazer com que eles também viessem a crer." Mesmo sob pancada de tomates podres jogados enquanto pregava, gatos mortos jogados contra o palanque, e a barulheira odiosa de interrupções, Whitefield era impelido adiante em todo seu ministério, por seu convencimento da verdade, que era sólido como rocha. Quer em campo aberto, numa casa ou em um navio, Whitefield acreditava estar pregando por chamado divino. A reputação de sua coragem e convicção ia adiante dele, e o avivamento seguia no seu encalço.

Sempre que estava de pé atrás de uma Bíblia aberta. Whitefield era inteiramente convicto de estar entregando a verdade de Deus. Acreditava firmemente estar alimentando pão da vida a mendigos famintos. Tal convicção interior criava uma paixão ardente em sua pregação. Como árvore arraigada em solo rico, Whitefield era inabalável. Permaneceu firme nas doutrinas cardeais que cria serem essenciais para a salvação. Quando falava, usava palavras simples para se dirigir a toda ordem e condição entre seus ouvintes. Ele o fazia com a certeza de que era porta-voz divinamente comissionado por Deus, e trazia a verdade divina em seu favor: “Agradeço a Deus, por estar tão longe de mudar meus princípios, dos quais tenho certeza que fui ensinado pela palavra e pelo Espírito de Deus, que sou cada vez mais confirmado, de que se eu tiver de morrer neste exato momento, espero ter a força e coragem que me foi dada a dizer: Estou mais convencido da eficácia e do poder destas verdades que eu pregava quando tinha vinte anos, do que quando primeiro as preguei”.

Essas convicções faziam de Whitefield uma autoridade de Deus. Ele cria ter sido enviado por Deus a levar a mensagem divina documentada pelas infalíveis Escrituras. Tal crença aprofundava sua paixão quando ele falava. Ele não pregava suas próprias opiniões, mas a própria sabedoria de Deus, que abalava e sacudia seus ouvintes de qualquer enfado: “Se eu viesse falar-vos em meu próprio nome, poderíeis repousar os cotovelos sobre os joelhos, a cabeça sobre as mãos e dormir, e de vez em quando levantar a cabeça para dizer ‘Do que fala esse tagarela?’ Mas eu não vim no meu próprio nome. Não, eu venho em nome do Senhor Deus dos Exércitos", e — aqui ele de repente batia a mão e o pé, fazendo a casa inteira ressoar — "e tenho se ser ouvido, e serei ouvido! Todos na casa deram um sobressalto, até o velho pai, que sempre ficava dormindo com os outros. "Sim, sim," continuou o pregador, olhando para ele: "Eu te acordei, não foi? Foi de propósito. Não vim pregar a paus e pedras; vim até vós em nome do Senhor Deus dos Exércitos. “Tenho de ter ouvintes e eu os terei.”

Tais convicções de Whitefield dominavam o coração de seus ouvintes. Até mesmo os descrentes eram atraídos à força de sua firme fé na verdade. David Hume, filósofo e céptico escocês, foi desafiado ao ser visto indo ouvir George Whitefield pregar: "Pensei que você não acreditasse no evangelho", alguém lhe disse. Hume replicou: "Não acredito, mas ele acredita". Era essa pujante convicção na verdade da Palavra de Deus que atraía, como ímã, as grandes multidões para ouvir sua pregação. [p.99-101]


CAPÍTULO 6: UM MANDADO DO SENHOR

Whitefield acreditava que muitos pastores na Igreja da Inglaterra não eram convertidos nem chamados. Esses pregadores não regenerados não tinham sido designados por Deus ao ministério, e pregavam sermões vazios e sem vida. J. I. Packer disse: “O clero anglicano escrevia e lia sermões chatos, da espécie levemente moralista e apologética”.

Em forte contraste a essa retórica vazia. Whitefield pregava, de maneira mais semelhante à pregação dos apóstolos. Packer explicou ainda: “Whitefield pregava de improviso sobre céu e inferno, pecado e salvação, o amor de Cristo até a morte, e o novo nascimento, revestindo seus simples esboços expositivos com brilhante e dramática retórica, que desafiava as consciências, reforçando suas alterações vocálicas de suavizar e cutucar com grande quantidade de movimentos e gestos corporais, assim acrescentando grande energia às coisas que dizia”.

Era o Santo Espírito que estimulava a mente de Whitefield, colocava fogo em sua alma, inflamava seu coração, alimentava sua paixão e fortalecia seu corpo. A sua pregação reintroduziu as verdades antigas da Escritura à atmosfera seca da pregação do evangelho. Ele empregava todos os seus dons e talentos a essa tarefa sagrada. Mas somente o chamado e a dotação do Espírito podem explicar a extensão do impacto de Whitefield.

A produtividade de Whitefield se estendia além da sua pregação. Whitefield dava miríades de entrevistas pessoais a indivíduos que procuravam seus conselhos, mantendo um prodigioso ministério de escrever cartas. Fundou três igrejas e uma escola, e fundou e assumiu a responsabilidade por um orfanato em Savannah. na Geórgia. Disse ele: “Tenho de me dedicar mais e mais ao esforço de fazer o bem às almas preciosas e imortais”. Seu coração era de tal maneira inundado em favor dos outros que ele sentia-se compelido a levar-Ihes a Palavra de Deus. Era essa a determinação de Whitefield. [p.118-119]

A vida de Whitefield demonstra que nem mera concordância com a verdade nem a correção doutrinária basta para exercer influência evangelística efetiva. Tem de haver o poder do Espírito acompanhando essa verdade, tanto no pregador quanto no ouvinte. Como escreveu Whitefield: “Ah, como as verdades divinas encontram seu próprio caminho quando atendidas pelo poder divino”. Qualquer poder que Whitefield possuísse não era proveniente de suas capacidades humanas natas, mas do Espírito que nele habitava.

"A ortodoxia não basta". Martyn Lloyd-Jones escreveu. "Havia pessoas ortodoxas no tempo de Whitefield, mas eram comparativamente inúteis. É possível exibir uma ortodoxia morta”. Refletindo sobre a obra do Espírito em Whitefield. Lloyd-Jones acrescentou: “O poder do Espírito é essencial. Temos de ser ortodoxos, mas Deus nos livre de repousar em nossa ortodoxia. Temos de buscar o mesmo poder do Espírito que foi dado a George Whitefield. Esse nos dará uma tristeza pelas almas, uma profunda preocupação com elas, e o zelo necessário para nos capacitar a pregar com poder e convicção a todas as classes e todos os tipos de homens”. [p.121]


CONCLUSÃO

Na conclusão deste magnífico livro o autor escreve: É virtualmente impossível ler sobre a vida e ministério de George Whitefield sem se impressionar com seu zelo evangelístico. Temos nele um homem que se entregou inteiramente ao chamado mais nobre de todos — a pregação para as almas dos homens. Sem truques e acessórios, sem fumaça e espelhos, aqui está um humilde mensageiro, armado apenas com o evangelho, encorajado pelo Espírito, buscando reavivar a igreja e ganhar os perdidos para Cristo. Temos aqui uma alma em fogo e uma vida zelosa por proclamar o glorioso evangelho. Whitefield jamais perdeu de vista o fato de que era vil pecador, salvo pela incomparável graça do Redentor, jamais promoveu a si mesmo, mas desejava simplesmente que Cristo fosse glorificado por meio de seus muitos labores. Ele não permitiu que nenhuma instituição cristã ou movimento religioso recebesse seu nome. Era modelo de humildade retraída, até mesmo quando estava entre dolorosas controvérsias. Jamais defendia sua própria causa, nem buscava a atenção do público. Em vez disso, Whitefield buscava apenas a honra de Deus na salvação das almas perdidas. O que mais aprendemos da vida de George Whitefield? Entre suas muitas qualidades que vale à pena imitar, vemos a primazia do evangelho em sua pregação. Ele vivia para proclamar a mensagem salvadora de Jesus Cristo. Nos dias atuais em que muitos no ministério tentam ser muitas coisas, tais quais empresários, marqueteiros, estrategistas, comunicadores, atores, dramaticistas, organizadores, promotores, e coisas semelhantes, nos deparar face a face com alguém como Whitefield é um desafio.

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Leia as resenhas de outros livros da coleção “Um Perfil de homens piedosos” publicados me nosso blog:
As Firmes Resoluções de Jonathan Edwards
O Foco Evangélico de Charles Spurgeon

A Arte expositiva de João Calvino


segunda-feira, 6 de maio de 2019

ESTEVÃO - O PRIMEIRO APOLOGISTA DO EVANGELHO [Resenha}


ZIBORDI, Ciro Sanches. Estevão: O primeiro apologista do Evangelho. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2018.


Este livro é o segundo de uma série de sete livros, intitulado “Pregadores da Bíblia”, que tem como objetivo fazer uma análise da pregação contemporânea, dando destaque para os acertos do pregador bem-sucedido, isto é, aquele que tem compromisso com a palavra de Deus e com o Deus da Palavra. Nesse caso visando uma abordagem positiva, o autor selecionou sete pregadores neotestamentários aprovados por Deus, a fim de discorrer sobre as suas principais características. Os setes personagens são: João Batista, Jesus Cristo, Pedro, Estevão, Filipe, Barnabé e Paulo.

Em Estevão: O Primeiro Apologista do Evangelho, a ênfase recai sobre a defesa da fé cristã. E o personagem escolhido para protagonizar esta obra é um diácono que não somente foi o protomártir (primeiro mártir) do cristianismo, como também o primeiro grande apologista do evangelho, um pregador a quem o Senhor Deus usou para mudar a História da Igreja. À luz das informações disponíveis em Atos dos Apóstolos, o autor faz uma análise da pregação contemporânea, valendo-se de muitos outros dados relevantes, que foram selecionados a partir de uma pesquisa exaustiva.

Concordo com o autor quando o mesmo afirma que esta obra é inédita em língua portuguesa. Ate a sua conclusão, não havia nenhuma outra que tratasse especificamente da vida do pregador Estevão e sua pregação. Além do ineditismo alusivo ao personagem bíblico, a abordagem de Estevão como primeiro grande apologista do evangelho também torna esta obra única. [p.20]

O Livro além do prefácio e introdução possui 7 capítulos, onde o autor procura tratar de sete diferentes enfoques — histórico, prático, teológico, homilético, apologético, exegético e inspirativo — com o propósito de não tornar a leitura cansativa. O autor justifica tais enfoques, afirmando que, esses sete elementos aparecem ao longo de todo o livro; ao escrevê-lo, porém, cada capítulo foi naturalmente “escolhendo” o tipo de abordagem que prevaleceria.


CAPÍTULO 1 - ATOS DOS NÃO APÓSTOLOS

No primeiro capítulo, o autor trabalha o ponto de vista histórico, procurando apresentar ao leitor o contexto dos acontecimentos relativos a Estevão. Isso nos ajuda a compreender melhor a importância desse diácono-apologista para a História da Igreja. Pois para o autor em Atos dos Apóstolos, há muito mais feitos de não apóstolos! E estes começam a ser narrados logo nos primeiros versículos, em que algumas mulheres e os irmãos do Senhor oram com os 11 integrantes galileus do colégio apostólico (1.13,14). E acrescenta afirmando que o primeiro de todos os atos citados nesse livro é o do não apóstolo Lucas, aludindo ao Evangelho que leva seu nome (v. 1). Teófilo, seu destinatário, foi, possivelmente, um cristão de Roma a quem o mencionado autor dedicou seus dois tratados (cf. Lc 1.3). De acordo com Atos 2.1-4, mais de cem crentes são cheios do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Nos versículos seguintes, vemos que milhares de salvos vão sendo agregados à Igreja (v. 41; 4.4), tornando impossível a menção das obras de cada um deles. O título do capítulo é justificado quando o autor faz menção de dois desses não apóstolos, ambos excepcionalmente dotados: Estevão, que se destacava no debate teológico, e Filipe, ativo como evangelista. [p.32-33]

Esse primeiro mártir do cristianismo, cujo nome significa "coroa", não se limita a cuidar das viúvas. Antes, dominado pelo Espírito Santo, "cheio de graça e poder", bem como de fé e sabedoria, faz "prodígios e grandes sinais entre o povo" (At 6.3-8, ARA). Estevão foi tão usado por Deus para mudar os rumos da Igreja, que até sua morte ainda estava circunscrita a Jerusalém (8.1-4). Ele, com certeza, receberá a coroa da vida naquele grande Dia (Ap 2.10). Estevão, todavia, não se torna protagonista ao oferecer-se para pregar, desobedecendo aos apóstolos. Deus, de fato, chama-o para ser um apologista do evangelho. [37-38]


CAPÍTULO 2 - CANDIDATO APROVADO

No segundo capítulo, Candidato Aprovado, a ênfase recai sobre a parte prática, alusiva à vida do obreiro, com destaque para o bom testemunho. Neste capítulo observamos que os Doze estabeleceram três qualidades imprescindíveis para os candidatos ao diaconato da Igreja em Jerusalém, as quais deveriam ser percebidas pela multidão. Estevão foi escolhido democraticamente como o primeiro da lista nessa eleição, em razão de ser, pelo que tudo indica, o que melhor atendia às exigências dos apóstolos. É importante observar que não se trata três características simples; cada uma delas era apenas o resultado de várias outras virtudes de ordem espiritual e moral. Boa reputação, na verdade, é a síntese de fidelidade, vigilância, irrepreensibilidade, sobriedade, honestidade, desapego dos bens materiais, etc. Meditemos nisto: toda a multidão deu bom testemunho de Estevão, reconhecendo que ele tinha boa reputação! [p.45]

O autor nos chama a atenção para a correlação das três qualidades exigidas. Na verdade, o que aprendemos quando estudamos as três qualidades exigidas pelos apóstolos é que elas estão inter-relacionadas. É impossível alguém dominado pelo Espírito não ter uma boa reputação. Da mesma forma, a sabedoria do alto só é dada a quem é cheio do Espírito Santo. [p.46]

No caso de Estevão, como era cheio do Espírito, recebia, em seu coração, o bom testemunho do Paráclito (cf. Rm 8.16). E, também, o do povo de Deus e o da sociedade, uma vez que foi escolhido em razão de sua boa reputação e por ser cheio do Espírito e de sabedoria (At 6.1-5). Entretanto, momentos antes de sua morte, recebeu o maior de todos os testemunhos, embora silencioso: o olhar aprovador e autenticador do Filho do Homem, que estava em pé, à destra de Deus (7.55). [p.62]


CAPÍTULO 3 - PROCURAM-SE PREGADORES CHEIOS DO ESPÍRITO

O terceiro Procuram-se Pregadores Cheios do Espírito, na opinião do autor é um capítulo mais teológico, uma vez que aborda, a partir do exemplo de Estevão, as ministrações do Espírito Santo (paracletologia). O autor nos diz que no pensamento dos apóstolos, com a eleição dos servidores da mesa, o ministério da Palavra ficaria reservado exclusivamente a eles. Deus, no entanto, quis que o diácono Estevão proclamasse a

Palavra de modo mais destacado que eles, a ponto de dar testemunho com a sua própria vida! Na verdade, Estevão, que não deveria estar pregando de maneira alguma, fez o mais longo sermão de todo o livro de Atos! A Palavra de Deus afirma que "elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo" (At 6.5). Ele foi escolhido por ter bom testemunho de toda a multidão; porém, a manutenção dessa qualidade tão especial só foi possível mediante a graça de Deus e ajuda permanente do Consolador (Paráclito), que o capacitava e controlava a sua vida. [p.64]

Estevão é o pregador que mais vezes recebe o adjetivo "cheio do Espírito" no Novo Testamento. E ele manteve-se assim até o seu último dia na terra (At 6.3,5; 7.55). Além disso, Estevão não foi chamado apenas de cheio do Espírito Santo. De acordo com Atos 6.3-8, ele era um homem cheio de "sabedoria", "fé", "graça" e "poder". Essas quatro qualidades, contudo, decorriam de sua comunhão com o Paráclito e devem ser interpretadas como "manifestações particulares [...] que o Espírito concede". Quando estudamos sobre Estevão e seus companheiros (At 6-8), aprendemos que os diáconos da Igreja têm de ser mais que meros bons gerentes ou administradores de recursos. Precisam ser "capacitados pelo Espírito na ordem dos discípulos no dia de Pentecostes. Quer dizer, eles devem ter o poder de uma fé que faz milagres"; mas, sobretudo, devem ser cheios do Espírito Santo. [p.65]


CAPÍTULO 4 - ESSE PREGADOR TEM CONTEÚDO

O quarto capítulo, Esse Pregador Tem Conteúdo, é voltado à homilética, mais precisamente às qualificações do pregador bem-sucedido. Neste capítulo, o autor nos mostra que Estevão era um pregador que, de fato, tinha conteúdo! Além de ser cheio da Palavra de Deus — assunto do próximo capítulo — e do Espírito Santo, ele foi eleito para ser diácono porque era cheio de sabedoria (At 6.3). Ele também era um "homem cheio de fé [...], de graça e poder" (w. 5-8, ARA). Que conteúdo tinha Estevão! Ele não era um mero exibicionista, um animador de plateia ou artista. Quem olhava para ele não via um showman, uma celebridade vestida com roupa reluzente, e sim um pregador cujo rosto estava radiante como o de um anjo (At 6.15). Essa é a aparência do pregador cheio do Espírito Santo, de sabedoria, fé, graça, poder e da Palavra de Deus! [p.81]

Antes de começar a tratar sobre – ser cheio do Espírito Santo, de sabedoria, fé, graça, poder e da Palavra de Deus – o autor nos fornece um esboço, uma orientação à aqueles que desejam ser cheio de sabedoria do alto. Qualquer crente pode ter a sabedoria celestial para realizar a obra do Senhor. No entanto, para receber e manter essa dádiva do Senhor, são necessárias algumas condições.

Primeira. Ser cheio do Espírito Santo (Ef 5.18), pois somente o crente que cultiva o seu relacionamento com o Paráclito pode ser igualmente cheio de sabedoria, fé, graça e poder (cf. Jó 32.4-8; 1 Co 2.1-10).

Segunda. Buscar a Deus com grande contrição (SI 51.6; Jr 29.13), pedindo-lhe sabedoria. E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não o lança em rosto; e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé, não duvidando; porque o que duvida é semelhante à onda do mar, que é levada pelo vento e lançada de uma para outra parte (Tg 1.5,6; cf. 1 Rs 3.1-15).

Terceira. Temer ao Senhor e submeter-se a Ele, pois o "temor do Senhor é o princípio da sabedoria" (SI 111,10) e, também, "o princípio da ciência" (Pv 1.7). Em outras palavras, a pessoa mais sábia é a "que conhece mais sobre o Deus — a pessoa que percebe que a resposta à criação, à vida e à eternidade é uma resposta teológica e não científica!"

Quarta. Amar a Palavra de Deus e meditar nela em todo o tempo (SI 1.1 -3; cf. 119.130). Não por acaso, o profeta Jeremias afirmou: "Os sábios foram envergonhados, foram espantados e presos; eis que rejeitaram a palavra do Senhor; que sabedoria, pois, teriam?" (8.9). [p.85-86]


CAPÍTULO 5 - DEFENSOR DO EVANGELHO

No quinto, Defensor do Evangelho, a ênfase recai principalmente sobre a apologética. Depois de traçar um histórico sobre o desenvolvimento da teologia apologética, o autor afirma que Estevão, sem dúvida, foi o primeiro grande apologista do evangelho. Quando Estevão - cheio do Espírito Santo, de sabedoria, fé, graça e poder, fazendo prodígios e grandes sinais entre o povo - começou a pregar o evangelho, enfrentou grande oposição: "levantaram-se alguns que eram da sinagoga chamada dos Libertos, e dos cireneus, e dos alexandrinos, e dos que eram da Cilícia e da Ásia, e disputavam com Estevão. E não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que falava" (At 6.9,10). Ao mencionar a disputa entre Estevão e seus inimigos, dando ênfase para sua sabedoria, o autor de Atos dos Apóstolos, Lucas, quis dizer que esse pregador e apologista, ao ser confrontado, respondia com mansidão e temor a qualquer que lhe pedia a razão da sua esperança (cf. 1 Fe 3.15). Aqui, o verbo "responder" (gr. apologia) diz respeito a uma defesa verbal, um discurso em defesa de algo ou alguém. [p.105-106]

O autor escreve que os adversários de Estevão ficaram enfurecidos porque não esperavam que ele tivesse tanta sabedoria para responder-lhes de modo tão convincente. Eles, na verdade, não sabiam que isso ocorria principalmente em razão de esse diácono-apologista ser cheio de poder. Ele também era capacitado pelo Paráclito com dons espirituais (cf. 1 Co 12.1-11), à medida que pregava ou respondia às indagações dos que se lhe opunham (At 6.10). Não podendo vencer o debate aberto com Estevão, os judeus gregos da sinagoga dos Libertos — possivelmente, unidos aos de outras sinagogas ou congregações —, chegaram à conclusão de que deviam calá-lo a qualquer custo. Não há dúvida de que Estevão estava pronto para pregar e defender o evangelho ao ser escolhido como um dos diáconos, uma vez que ele é descrito como um homem de fé, dependente do Espírito Santo e sobremodo sábio. Estevão, de fato, era um servo de Cristo preparado para pregar e defender o evangelho com mansidão e temor, um homem que tinha boa consciência e boa reputação. [p.108-109]

O autor conclui esse capítulo afirmando que o primeiro mártir da Igreja fez uma linda apologia, baseando-se na história do povo de Israel e seu contínuo desprezo às ações salvíficas de Deus. Ele falou toda a verdade a respeito daqueles que rejeitaram o Justo e rebelaram-se contra os profetas que o precederam. Os oponentes de Estevão ficaram enfurecidos e arrastaram-no para fora da cidade para matá-lo por apedrejamento. Antes de morrer, ele viu a glória de Deus e intercedeu por seus algozes: "Senhor, não lhes imputes este pecado" (At 7.60). E recomenda aos leitores-diáconos que: “ sejamos firmes no ensino da sã doutrina, na defesa de que toda a Escritura é inspirada por Deus (2 Tm 3.16). Verberemos, inclusive, contra as heresias "entre nós" (cf. At 20.29; 2 Pe 2.1), sempre preparados para responder a todos "com mansidão e temor", imitando a conduta de Estevão, a quem ninguém podia resistir.” [p.119]


CAPÍTULO 6 - PREGAÇÃO APOLOGÉTICA

No sexto. Pregação Apologética destaca-se mais o aspecto exegético. Além de trazer aspectos importantes da pregação apologética de Estevão, o autor, como ele mesmo diz: “procuro interpretar, parte por parte, quase que versículo por versículo, o discurso de Estevão”.

Como a disputa entre Estevão e seus oponentes concentrava-se "na sua interpretação da lei de Moisés e do propósito de Deus para a adoração no Templo", ele trata exatamente disso em sua apologia. Ele, porém, não se preocupa, prioritariamente, em defender-se de acusações. Ele apenas expõe as

Escrituras perante o Sinédrio. Aliás, seu sermão é o maior registrado em Atos dos Apóstolos (7.2-53). Ocupando cerca de cinco por cento desse livro, supera, em tamanho, o sermão de Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia (cf. 13.16-41).

Baseando-se em três pilares - a terra de Canaã (At 7.2-36), a Lei de Moisés (vv. 37-43) e o Templo (vv. 44-50) - Estevão faz uma exposição bíblica e histórica de Israel desde Abraão até Salomão. E, na conclusão de sua mensagem, cheio do Espírito Santo, apresenta uma grave denúncia contra os líderes de Israel. Ele acusa aqueles homens de rejeitar os mensageiros de Deus, no passado, e Jesus Cristo, o "Justo", no presente, chamando-os, inclusive, de "traidores e homicidas" (vv. 51,52). Estevão podia ter feito outro tipo de exposição; ele, no entanto, prefere a exposição histórica em razão de poder retratar como o povo de Israel, assim como seus ouvintes. [p.121-122]

É interessante como o autor descreve as características da pregação de Estevão: A pregação de Estevão teve cinco características. Ela foi teocêntrica, pois exaltou a Deus do começo ao fim; cristocêntrica, porque girou em torno do Justo; ungida, já que esse apologista estava cheio do Espírito, de fé, sabedoria, poder e graça; verdadeira uma vez que seu compromisso não era com a plateia, e sim com o Filho do Homem; e aprovada por Deus, haja vista Estevão, que não recebeu aplausos, viu o Senhor Jesus em pé à direita de seu Pai. [p.138]

O autor conclui este capítulo exortando: Aprendemos com Estevão a ter compromisso com a Palavra de Deus e a pregar ousadamente contra o erro. "Quando testemunhamos a respeito de Cristo, não precisamos estar na defensiva. Em vez disso, podemos, simplesmente, transmitir nossa fé". Ele não falou de si mesmo — ainda que pudesse ter feito isso em sua defesa — nem de outro assunto que não estivesse relacionado com Deus, o Senhor Jesus e sua obra redentora.


CAPÍTULO 7 - VENCIDO VENCE VENCEDOR

Neste último capítulo, Vencido Vence Vencedor, segundo o autor, trata-se de uma abordagem mais inspirativa, que visa a motivar aqueles que trabalham para Deus. Contudo, considero o melhor capítulo para mim. Como nos demais capítulos, extrairei recortes do textos que fazem parte de um contexto de sucesso.

O primeiro grande apologista do evangelho está concluindo uma maravilhosa pregação, em que ele, certamente lembrando do Salmo 29, começa falando do Deus da glória (At 7.2) e termina vendo a glória de Deus (v. 55). Isso nos ensina, de imediato, que devemos crer no que pregamos. Se falamos de um Deus de sinais, prodígios e maravilhas, então devemos esperar que os sinais, prodígios e maravilhas de Deus aconteçam (Mc 16.15-20). Estevão, então, conclui sua pregação sem incomodar-se com a reação hostil dos judeus, que "enfureciam-se em seu coração e rangiam os dentes contra ele" (At 7.54). Isso porque ele, ao olhar para cima já cheio do Espírito Santo, não vê o teto do Templo, mas, sim, "os céus abertos e o Filho do Homem, que está em pé à mão direita de Deus" (v. 56). Essa é a verdadeira visão da glória de Deus! [p.142]

A pregação de de Estevão realmente mexeram com os seus inimigos. Até então sentados e calados, levantaram-se, gritaram e passaram a usar as palmas das mãos. Eles, no entanto, não louvaram a Deus e nem aplaudiram o pregador. Eles usaram as mãos para tapar os ouvidos e partiram para a violência, arrancando Estevão do Templo e expulsando-o da cidade para apedrejá-lo (At 7.57,58). [p.143]

Pela ordem das ações, fica claro que, antes de chegar ao lugar onde foi morto, Estevão já vinha sendo apedrejado, até que se pôs de joelhos ante o Filho do Homem e entregou-lhe o espírito. Embora os judeus conhecessem essa posição (1 Rs 8.54; Ed 9.5), costumavam orar em pé (Mt 6.5). A oração de joelhos é uma atitude cristã distintiva (Lc 22.41; At 9.40; 20.36; 21.5; Ef 3.14; Fp 2.10), adotada pelos cristãos "por causa da prática do próprio Senhor Jesus". Mesmo depois de a verdadeira testemunha de Cristo, Estevão, ter tombado ante falsas testemunhas e perdido a consciência, a chuva de pedras não cessou. Cada inimigo que, cheio de ódio, atirava uma pedra no primeiro apologista do evangelho pensava consigo que estava aniquilando a seita do Caminho, a qual tanto ameaçava o judaísmo. Estevão, então, bastante ferido, reúne forças para perdoar seus inimigos e "adormece" (At 7.60) [p.148]


CONCLUSÃO

Embora faça parte ainda o sétimo capítulo, os recortes abaixo dá ao leitor a certeza que este livro é muito mais do que o escrito de uma biografia de personagem bíblico. Trata-se de um Manual de teologia sobre como deve-se viver a vida de servo na perspectiva do Reino de Deus, expondo a Palavra de Deus com fidelidade e sabedoria, tendo como testemunho a vida do primeiro mártir da igreja, o diácono e apologista Estevão.

O autor escreve: Estevão Mártir foi o primeiro dos sete membros escolhidos para cuidar dos necessitados da igreja de Jerusalém, para que os apóstolos supostamente ficassem livres para proclamar a Palavra de Deus. Não obstante, o testemunho público desse diácono e sua morte por amor a Cristo foram tremendamente impactantes, evidenciando que a evangelização do mundo nunca se realizará sem o auxílio de todos os membros da Igreja. Com o martírio de Estevão, o primeiro capítulo da História da Igreja finalmente foi concluído, e a página foi virada. O autor cita Tenney, p.233 para afirmar que "A dispersão dos cristãos de Jerusalém pela perseguição que se seguiu à morte de Estevão inaugurou uma segunda fase no desenvolvimento da Igreja Primitiva". Até então, mesmo depois do Pentecostes, os salvos permaneciam apenas em Jerusalém, ignorando o que o Senhor ordenara: "recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra" (At 1.8, ARA). [p.153-154]


RECOMENDO
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Este livro faz parte da coleção "PREGADORES DA BÍBLIA". Para ler a resenha é só clicar nos títulos dos livros:
João Batista - O pregador politicamente incorreto
Pedro - O primeiro pregador pentecostal 

sexta-feira, 3 de maio de 2019

BEREN E LÚTHIEN [Resenha]


TOLKIEN. J. R. R. Beren e Lúthien. Editado por Christopher Tolkien. Rio de Janeiro, RO: Harper Collins, 2018. 288p.


O LIVRO

O livro foi organizado por Christopher Tolkien, herdeiro literário e figura praticamente tão importante quanto o próprio pai da Terra Média - como um pesquisador organizaria uma obra acadêmica, reunindo todas as versões da história de Beren e Lúthien que encontrou nos manuscritos de seu pai e explicando-as da melhor forma possível (dando cronologias, quando foram escritos, a importância da história para seu pai, etc.). Isso, por si só, já acrescenta muito ao livro. O estilo de Christopher Tolkien é claro e extremamente didático, com o objetivo de verdadeiramente te ajudar a encaixar (e compreender) a história dentro do panorama mais amplo da Terra-média. Várias versões da narrativa são apresentadas, algumas em prosa, outra em poesia. As modificações são muito perceptíveis de uma para a outra, mas apresentando, de forma geral, os mesmos “motivos” (palavra aqui usada com o sentido de tema). Essa variação das versões de uma mesma história nos faz ter a impressão de que estamos lendo histórias de cunho oral (como folclore ou contos de fada), de um povo que realmente existiu, e não uma obra literária criada pelas mãos de um único homem com tinta e papel. É absolutamente estarrecedor. A Terra-média, em todos os seus aspectos, parece uma civilização antiga e real – muito real.[1]

É bom importante lembrar que as duas histórias - “Os Filhos de Húrin” e “Beren e Lúthien”, juntamente com o conto de “A Queda de Gondolin” formam os três principais pilares sobre os quais se sustenta O Silmarillion. Sobre isso, Ronald Tolkien afirma na Carta n. 131: “A principal das histórias do Silmarillion, e que recebe o tratamento mais pleno, é a História de Beren e Lúthien , a Donzela-Élfica. Aqui encontramos, entre outras coisas, o primeiro exemplo do motivo (que se tornará dominantenos Hobbits) de que as grandes políticas da história mundial, ‘as rodas do mundo’, são frequentemente giradas não pelos Senhores e Governantes, ou mesmo os deuses, mas pelos aparentemente desconhecidos e fracos – devido à vida secreta que há na criação, e à parte incompreensível de toda a sabedoria, exceto a do Um, que reside nas intrusões dos Filhos de Deus no Drama. É Beren, o mortal proscrito, que é bem-sucedido (com o auxílio de Lúthien, uma simples donzela, mesmo que uma elfa pertencente à realeza) onde todos os exércitos e guerreiros falharam: ele penetra na fortaleza do Inimigo e arranca uma das Silmarilli da Coroa de Ferro. Dessa maneira, ele obtém a mão de Lúthien e o primeiro casamento de mortal e imortal é realizado.” [2]


A ORIGEM DESTA HISTÓRIA

A história real que inspira Beren e Lúthien: J. R. R. Tolkien tinha 16 anos quando se apaixonou por Edith, de 19. Ambos eram órfãos e encontraram o conforto de que precisavam um no outro. Mas o tutor de Tolkien não aprovava a relação: por um lado, considerava que Edith o distraía dos deveres académico; por outro, sentia-se incomodado pela religião anglicana dela – Tolkien era católico. Por isso, proibiu o contacto entre ambos. Só aos 21 anos, quando se tornou legalmente adulto, é que Tolkien voltou a contactar Edith, declarando-se a ela e pedindo-a em casamento. Alguns anos depois, Tolkien seria convocado para combater na Batalha do Somme, em França. Regressado a casa, em 1917, escreveu a história de Beren e Lúthien, que viria a ser publicada como um dos contos do livro O Silmarillion. Ainda assim, Tolkien sempre achou que a história merecia ser publicada como um livro distinto.


QUEM FOI BEREN E LÚTHIEN

Beren é um homem mortal que vive apaixonado por Lúthien, uma bela criatura élfica imortal. Eis o problema: o pai de Lúthien, líder dos Elfos, não aprova a relação. Por isso, impõe a Beren a missão impossível de roubar uma preciosa joia ao mais poderoso representante do mal, Morgoth. Seria esta a única forma de Beren receber permissão para casar com a sua apaixonada.

Lúthien, à primeira vista, ela parece uma donzela como outra qualquer, vista por Beren pela primeira vez em meio à natureza, dançando e cantando. No entanto, é apenas com sua magia e presença de espírito que salvam Beren em todos os seus momentos de necessidade – tanto quando ele é capturado, quanto quando eles se infiltram em Angband No fim, à porta da casa da morte, a escolha é de Lúthien, e somente dela. Ela, então, escolhe permanecer ao lado de seu amado Beren por quantos anos – mesmo que poucos – puder viver.[3]

Tolkien escreveu: “Nunca chamei Edith de Lúthien – mas ela foi a fonte da história que no devido tempo tornou-se a parte principal do Silmarillion. Foi primeiramente concebida em uma pequena clareira em um bosque repleta de cicutas em Roos em Yorkshire (onde por um breve período estive no comando de um posto avançado da Guarnição Humber em 1917, e pôde morar comigo por um tempo). Naqueles dias seu cabelo era preto, sua pele clara, seus olhos mais brilhantes do que você os viu, e ela sabia cantar – e dançar.”[4]

Foi assim que nasceu aquela que, para Tolkien, seria a principal história de sua mitologia, quando sua esposa Edith dançou para ele em meio às árvores em plena Primeira Guerra Mundial.

No túmulo de Tolkien e Edith está escrito sob os seus nomes Lúthien e Beren, sendo que o próprio Tolkien escolheu o epitáfio: É breve e simples [o epitáfio], a não ser por Lúthien, que tem para mim mais significado do que uma imensidão de palavras, pois ela era (e sabia que era) a minha Lúthien […] Nunca chamei Edith de Lúthien, mas foi ela a fonte da história que, a seu tempo, se tornou parte de O Silmarillion.

Lúthien é uma princesa élfica Sindarin (de descendência Telerin), filha única de Elu Thingol, rei de Doriath, e de Melian uma Maia (raça divina dos Valar), e foi bisavó de Elrond o meio-elfo rei de Rivendell. O romance de Lúthien com Beren talvez seja a história mais importante do Silmarillion, acontecida durante a Primeira Era. Até mesmo durante o fim da Terceira Era (onde acontece a Guerra do Anel) ela é relembrada por personagens como Aragorn entre outros.

Este livro é mais uma importante peça para todos os leitores sérios de J. R. R. Tolkien: reflete um acontecimento real de sua vida com Edith que originou a principal lenda de sua mitologia; mostra as diversas versões do processo evolutivo da história; é uma edição de Christopher Tolkien que, apesar da idade avançada, ainda trabalha firmemente nos escritos de seu pai.


OS AUTORES

J. R. R. Tolkien viveu entre 1892 e 1973 no Reino Unido. Foi poeta, professor de Literatura na Universidade de Oxford e autor de uma das mais célebres sagas literárias de sempre: O Senhor dos Anéis. Entre os seus livros mais aclamados contam-se ainda O Hobbit, prequela de O Senhor dos Anéis que celebrou recentemente o 80.º aniversário, e The Silmarillion, que nos situa na primeira era do mundo concebido por si.

Este Beren e Lúthien, em particular, é da responsabilidade do seu filho, Christopher Tolkien, que dedicou grande parte da sua vida a organizar e aperfeiçoar os textos não publicados do pai. Foi também ele quem desenhou os mapas originais da Terra Média, que aparecem nos livros de O Senhor dos Anéis.[5]


A LENDA DE LÚTHIEN E BEREN (DE ACORDO COM O SILMARILLION)[6]

Descrita como a Estrela da Manhã pelos elfos, um termo que significa que foi a mais bela entre os mais nobre elfos. Em contraste, Arwen Undómiel foi conhecida como Estrela do Anoitecer, em parte pela sua beleza comparável à de Lúthien e em parte devido ao ocaso da raça dos elfos.

Ela se apaixonou por Beren, um homem (Edain) da Casa de Bëor. Eles se encontraram pela primeira vez na floresta de Neldoreth, no reino protegido de Doriath, onde uma barreira conhecida como Cinturão de Melian – formada pelo poder da mãe Maia de Lúthien – impedia a entrada de qualquer um que não fosse autorizado. A relação deles estava condenada desde o início, devido à linhagem real e divina de Lúthien enquanto Beren era um simples homem mortal fugindo do Senhor Escuro Morgoth além de ser um fora da lei, sem pai e exilado pela sua própria raça.

Thingol não aceitou a união deles, apesar de Melian não se opor, e para se livrar de Beren ele definiu uma missão impossível como condição para o casamento: Beren deveria trazer para ele umas das Silmarils da coroa de ferro do Senhor da Escuridão Morgoth!

Lúthien teve uma visão de Beren aprisionado nos poços do Senhor dos Lobos, e pediu para sua mãe contar o que realmente aconteceu com Beren, que para sua tristeza foi confirmado que ele estava cativo nos calabouços de Sauron, o Regente do Senhor da Escuridão. Por causa disso Lúthien decidiu que ela deveria ir salvá-lo e enfrentar pessoalmente Sauron.

Ela contou suas intenções para seu amigo Daeron, que ficou muito preocupado e contou para o rei Thingol. Este resolveu aprisionar a própria filha para impedi-la de tal loucura.

Mas Lúthien era filha de uma Maia, e como tal possuía poderes mágicos. Ela conseguiu fugir, mas no caminho acabou sendo encontrada por Huan, o cão de caça de Valinor, sendo levada para o seu mestre Celegorm e seu irmão Curufin. Celegorm acabou se apaixonando por Lúthien, e planejava força-la a se casar com ele escondendo essa sua intenção. Fingindo-se de amigo ela a convenceu a segui-los para Nargothrond. Chegando lá ela a fez prisioneira, e a proibiu de falar com qualquer um além dos dois irmãos. Celegorm ambicionava obter o status da família de Thingol, e não perderia essa oportunidade, além de casar com a mulher mais bela do mundo.

Huan que foi o “Maior lobo de todos” se apiedou de Lúthien, e decidiu se rebelar contra seu mestre. A ele foi permitido falar com palavras apenas três vezes, e uma vez que assim fizesse ele morreria. Apesar disso ele a aconselhou com palavras e juntos eles escaparam de Nargothrond.

Eles então chegaram à Ilha de Sauron. Então ela começou a cantar para Beren, e ele respondeu ao seu chamado, mesmo imaginando que era apenas a sua imaginação devido a tristeza de perdê-la.

Sauron ouvindo que Lúthien estava lá e sabendo da fama de sua beleza, se encheu de malícia, desejando fazê-la prisioneira para Morgoth, seu mestre, para que ele se divertisse com ela. Ele enviou lobo após lobo para matar Huan, que derrotou todos. Após isso ele enviou o poderoso lobisomem Draugluin, que também foi derrotado por Huan. Então ele decidiu enfrentar Huan pessoalmente, cheio de confiança que ele finalmente mataria o famoso Cão dos Valar ele se transformou no mais poderoso lobisomem que já existiu. Huan vacilou e se afastou, mas Lúthien permaneceu para enfrenta-lo.

Sauron avançou para cima de Lúthien, mas ela levantando uma dobra de sua capa encantada o acertou, desorientando-o e então permitindo que Huan o atacasse. Os dois lutaram por muito tempo, e Huan acabou vencendo apesar de Sauron tomar muitas formas. Finalmente Lúthien ordenou que ele se rendesse ou tivesse o seu corpo destruído pela fúria de Huan. Sauron desistiu das chaves da torre, e se transformou em um odioso vampiro, antes de fugir na noite estrelada, envergonhado e derrotado.

Então Lúthien tomou controle da ilha, e com seus poderes destruiu a torre e libertou os prisioneiros. Lúthien encontrou Beren caído ao lado do corpo de Felagund, e pensou que estivesse morto. Mas ele acordou ao nascer do sol, e viu seu amor ali com ele. Eles enterraram Felagund na ilha, Huan retornou a seu mestre Celegorm.

Beren pediu para Lúthien retornar aos seus pais, pois não achava digno que uma pessoa tão nobre como ela vivesse na pobreza em uma floresta, como se fosse uma bandida ou uma mulher mortal. Eles acabaram reencontrando Celeborm, que estava envergonhado por ter sido expulso de Nargothrond devido ao acontecido anteriormente, e iniciou uma luta com Beren, Huan mais uma vez abandonou seu mestre, e lutou ao lado de Beren e Lúthien. Eles conseguiram iniciar uma fuga, mas Curufin armou um tiro com seu arco em Lúthien. Beren nesse momento pulou na frente da flecha e recebeu o disparo. Huan caçou os irmãos até que eles desaparecessem, e retornou para Lúthien. Pela mágica de Luthien Beren ressuscitou, que esperou ela dormir para entregá-la aos cuidados de Huan enquanto ele empreenderia a jornada a Angband, em busca da Silmaril da coroa de Morgoth.

Quando Lúthien acordou e viu que ele tinha partido, correu atrás de Beren. Quando eles chegaram em Angband, assumiram a forma de Thuringwethil, o vampiro servo de Morgoth e Drauglin o Lobisomem. Ela deu a Beren a pele de um grande Lobisomem, e disfarçados dessa forma eles entraram em Angband. Nos portões, no entanto, Carcharoth, um incrível lobisomem os confrontou. Lúthien utilizando de seu poder fez com que ele caísse em um sono profundo. Juntos eles chegaram até o trono de Morgoth, mas o Senhor da Escuridão conseguiu enxergar através de seus disfarces.

Lúthien então começou a cantar e toda a corte de Morgoth e inclusive Beren caíram em um profundo sono. Aproveitando-se disso ela saltou no ar e atirou sua capa encantada sobre os olhos de Morgoth, protegendo Beren e a si mesma dele. Ela acordou Beren, que cortou a Silmaril da coroa de Morgoth usando a Angrist (a adaga feita pelo grande Fëanor, que Beren tomou de Curufin) ele retirou a Silmaril da coroa de ferro de Morgoth. Mas não contente com uma Silmaril ele tentou tirar todas as três, e ao tentar tirar outra a lâmina se quebrou, acertando o Morgoth e o acordando.

Então eles fugiram, com um exército inteiro de servos de Morgoth atrás deles. Ao chegarem aos portões de Angband, Carcharoth os atacou. Beren ao tentar proteger Lúthien, que estava enfraquecida, empurrou a Silmaril na face do lobisomem, o ameaçando. O lobisomem então mordeu a mão inteira de Beren, engolindo a Silmaril. Em terror e dor ele fugiu, deixando Beren mortalmente ferido nos braços de Lúthien, com uma horda de servos de Angband no seu encalço.

As presas do lobisomem eram venenosas, e então Lúthien sugou o veneno com seus lábios, e com seu já enfraquecido poder tentou salvá-lo.

Quando tudo já parecia perdido, as águias de Manwë vieram e os carregaram para o céu, longe da horda de Ang band. Eles foram até o encontro de Huan, e este os levou para o reino de Doriath, deixando-os no chão.

Lúthien aguardou até Beren se curar, então juntos eles entraram em Doriath, até o rei Thingol. Beren disse que a questão foi comprida, e que ele segurou a Silmaril em sua mão, mas quando Thingol exigiu vê-la, ele mostrou apenas o toco de sua mão. Ao ouvir toda história Thingol percebeu que Beren estava acima de qualquer homem mortal, por causa disso ele permitiu a união deles, os casando no mesmo dia perante o seu trono.

Entretanto, Carcharoth estava dizimando todos os seres vivos na fronteira de Doriath, em uma loucura produzida pela Silmaril em seu estômago. Então Beren, Thingol, Huan, Mablung dos Mão pesadas e Beleg Arcoforte saíram com outros elfos para derrotar a fera. Beren então foi atacado pela besta, Huan saltou para defendê-lo e matou a fera, mas morreu devido a ferimentos mortais, com seu amigo Beren ao seu lado também ferido mortalmente.

Beren foi carregado até Doriath, onde morreu nos braços de Lúthien, após ela ter prometido a ele que o esperaria além do grande mar, após a vida.

Lúthien sofreu muito, e morreu devido a esse sofrimento, indo parar nos Salões de Mandos, onde os espíritos dos mortos aguardam para reembarcar para Valinor (se forem Elfos) ou partem do círculo desse mundo (se Homens). Ali ela cantou uma canção de pesar perante Mandos, o Senhor dos Mortos e Mandos sentiu piedade pela primeira e única vez. Como resultado ele invocou Beren das profundezas das moradas dos mortos, e o espírito de Lúthien reencontrou Beren mais uma vez. Lúthien sabia que essa seria seu encontro final, pois Beren não poderia mais permanecer na terra além de seu tempo, e ela teria vida eterna em Valinor. Mandos consultou Manwë, o Rei de Arda, e como ele não podia mudar o destino dos homens, apresentou a Lúthien a possibilidade dela viver como imortal em Valinor onde esqueceria todo sofrimento, mas sem Beren, ou então o retorno à Terra-Média com Beren, mas como mortal, aceitando o destino dos homens e o que os espera além dos círculos do mundo após a morte deles. Ela escolheu essa última opção, se tornando uma mulher mortal.

Juntos eles retornaram para Doriath, que ficou feliz ao ver a volta da filha. Mas Melian não podia mais olhar nos olhos de Lúthien, por ela ter desistido da sua imortalidade.

Eles então foram para Ossiriand como marido e mulher, onde tiveram seu filho Dior, também conhecido com Eluchíl, o herdeiro de Thingol.

Anos mais tarde, Thingol recebeu o famoso colar Nauglamír como um presente de Húrin por ter cuidado de sua família enquanto ele esteve aprisionado por Morgoth (o colar foi encontrado por Húrin nas ruinas de Nargotrhond, após a saída do dragão Glaurund). Thingol desejava unir Nauglamír (a mais impressionante e obra de arte dos anões) com a Silmaril que Beren conseguiu obter, assim unindo o melhor da arte élfica com a anã. Para isso ele recrutou os melhores artesãos anões da cidade de Nogrod, que conseguiram uní-las. Mas os anões ficaram tão impressionados com a beleza da jóia, e movidos pela cobiça, exigiram que Thingol a entregasse a eles. Thingol ficou revoltado com eles e ordenou que deixassem seu reino sem pagamento algum, os insultando. Os anões mataram Thingol, o que causou o rompimento do Cinturão de Proteção de Melian. Com isso Doriath foi saqueada pelos anões de Nogrod.

Mas Beren e um exército de Elfos e Ents conseguiram emboscar os anões no caminho de volta para Nogrod. A maior parte do tesouro de Thingol caiu no rio Ascar, mas Beren conseguiu recuperar Nauglamír, que agora continha a Silmaril.

Beren e Lúthien ficaram com Nauglamír até o fim das suas vidas. Dizia-se que a beleza de Lúthien combinada com a de Nauglamír e a Silmaril fez com que sua terra Tol Galen se tornasse a mais bela ao leste de Valinor. Mas a beleza da jóia de Lúthien foi tão grande que até mesmo acelerou o fim deles, pois mortais não poderiam suportar por muito tempo tal beleza.

Lúthien e Beren encontraram seu fim na verdejante Ossiriand na época do nascimento do seu neto.

O filho deles Dior Elúchil recebeu Nauglamír com a Silmaril como herança, mas os Elfos filhos de Fëanor, motivados pela sua maldição saquearam Doriath assassinando Dior e sua esposa Nimloth. Mas a filha de Dior, Elwing, conseguiu fugir com Nauglamír para as Bocas do Sirion (a região mais ao sul de Beleriand).

Os Elfos filhos de Fëanor nunca desistiram de obter a Silmaril, e foram atrás de Elwing que atirou-se ao mar com Nauglamír. Ulmo salvou Elwing e a Silmaril mas, Nauglamír perdeu-se para sempre no mar.


CONCLUSÃO

1. A história de Beren e Lúthien é fundamental para qualquer leitor que queira compreender a evolução do mundo de Tolkien. Nesta mais recente edição, ilustrada por Alan Lee, Christopher Tolkien apresenta-nos a história, antes de mais, na versão original – portanto, através das palavras do pai –, complementando-a depois com excertos em prosa e em verso de textos posteriores que mostram como esta narrativa foi evoluindo à medida do tempo.

2. A história da Silmaril nunca foi concluída por Tolkien, apresentando-se como uma das partes mais complicadas de toda a sua obra. Christopher Tolkien acrescentou alguns pontos à história, baseando-se apenas em suposições e algumas notas manuscritas sobre o trabalho do pai. Elrond de Rivendell e Arwen são descendentes de Lúthien enquanto Aragorn é um descendente de Elros, um irmão de Elrond. De acordo com a lenda suas linhagens jamais serão interrompidas.

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[1] Thais Rocha, Beren e Lúthien em <https://rochathais.wordpress.com/2018/02/23/resenha-beren-and-luthien/> Acesso em 10 out 2019.
[2] J. R. R.Tolkien – Carta para Milton Waldman, 1951
[3] Ibid.
[4] J. R. R. Tolkien, Carta para Christopher Tolkien, 11 de julho de 1972
[5] Carolina Morais in: <http://www.revistaestante.fnac.pt/beren-luthien-historia-amor-tolkien/> Acesso em 29 abri de 2019.
[6] A Lenda de Lúthien e Beren, é um texto de Alessandro Ciapina e publicado originalmente no blog do autor no seguinte endereço <https://aleciapina.wordpress.com/2010/08/13/a-historia-de-luthien-e-beren/>