segunda-feira, 1 de abril de 2019

PAULO - UMA BIOGRAFIA [Resenha]


WRIGHT, N. T. Paulo – Uma Biografia. Rio de Janeiro [RJ]: Thomas Nelson Brasil, 2018. 480p. 


O AUTOR E O SEU LIVRO

Nicholas Thomas Wright - (nascido em 1 de dezembro de 1948) é um erudito inglês do Novo Testamento, teólogo Paulino, e bispo anglicano aposentado. Entre 2003 e 2010, ele foi o bispo de Durham. Ele então se tornou Professor de Pesquisa do Novo Testamento e Cristianismo Primitivo no St Mary's College na Universidade de St Andrews, na Escócia. Ele escreve sobre teologia, vida cristã e o relacionamento dessas duas coisas. Ele defende uma reavaliação bíblica de questões teológicas como justificação, ordenação de mulheres, e opiniões cristãs populares sobre a vida após a morte. Ele também criticou a ideia de um arrebatamento literal. Autor de mais de setenta livros, Wright é altamente considerado nos círculos acadêmicos e teológicos por sua série "Christian Origins and the Question of God". O terceiro volume, A Ressurreição do Filho de Deus, é considerado por muitos pastores e teólogos como uma obra cristã seminal sobre a ressurreição do Jesus histórico, enquanto o quarto volume mais recentemente lançado, Paulo e a Fidelidade de Deus são aclamados como os grandes trabalhos de Wright.

A obra Paulo - Uma Biografia é a cativante reconstrução da vida e do pensamento de Paulo, escrita com excelência por um dos estudiosos paulinos mais influentes da atualidade, traz à tona o mundo romano antigo em todos os detalhes: sociais, históricos e culturais.

Nesta biografia, N. T. Wright oferece uma visão fascinante da história de Paulo, levando-nos a caminhar ao lado do apóstolo, observando, aprendendo, sofrendo e vibrando com ele. O autor nos guia pelas jornadas fascinantes do antigo perseguidor de cristãos, cidade após cidade, onde pregou a mensagem revolucionária do evangelho da salvação e deixou ali um legado cujas reverberações são visíveis até hoje.

No livro Paulo - Uma Biografia, N. T. Wright não nos apresenta o retrato de um teólogo impassível ou de um evangelista implacável, mas a história de um personagem complexo, multifacetado e que pode, sem dúvidas, ser considerado um dos maiores líderes da história da humanidade.

O livro além lista de mapas, prefácio e introdução e tabela cronológica, está dividido em três longas partes.


PARTE 1 – PRIMÓRDIOS: Constituídos por quatro capítulos: 1. Zelo, 2. Damasco, 3. Arábia e Tarso e 4. Antioquia.

“[...] Vislumbramos o pequeno garoto, precoce pela sua idade, absorvendo histórias ancestrais e lendo-as sozinho, sem perceber quão incomum era para um menino a leitura de grandes livros, para início de conversa. Em famílias judaicas, o estudo da Torá pode ser assim: o coração e a mente jovens podem absorvê-la em sua totalidade, sentir seu drama e ritmo, saborear sua história e a promessa ancestral. O jovem pode aprender a se localizar nos Cinco Livros de Moisés da mesma forma como conhece o caminho ao redor de sua própria casa, e sentimos o deleite silencioso dos pais de Saulo em seu entusiasmo jovial. Não se tratava simplesmente de um conhecimento intelectual. Longe disso. A vida judaica era e ainda é centralizada no ritmo da oração. Vemos o jovem Saulo aprender como amarra os tefillin – pequenas caixas de couro contendo passagens bíblicas-chave – no braço e na cabeça, segundo as instruções de Moisés aos judeus do sexo masculino para uso durante as orações matinais. Vemo-lo recitando Salmos. Ele aprende a invocar o Único Deus sem pronunciar, de fato, o sagrado e inescrutável Nome em si, declarando lealdade três vezes ao dia, como um jovem patriota saudando a bandeira: “Shema Ysrael, Adhonai Elohenu, Adhonai Echad!” – “Escute, ó Israel: o Senhor, nosso Deus, o Senhor é um!” Saulo pode ser jovem, porem alistou-se; ele é um soldado leal e será fiel”. [p.43-44]


PARTE 2 – ARAUTO DO REI, é o mais longo de todos, pois possui 9 capítulos. São os seguintes: 5. Chipre e Galácia; 6. Antioquia e Jerusalém; 7. Rumo à Europa; 8. Atenas; 9. Corinto I; 10. Éfeso I; 11. Éfeso II; Corinto II e 13. De volta a Jerusalém.

“Para Paulo e Barnabé, o importante era que o Deus de Israel, o Criador do mundo, havia feito em Jesus aquilo que sempre prometera, cumprindo a narrativa antiga que remontava a Abrão e Davi e rompia a “barreira de Moisés”, a longa percepção judaica de que o próprio Moisés advertira sobre a quebra da aliança e sua consequência. E se isso agora aconteceu, se a morte do Messias lidou com “poderes” que haviam prendido judeus e gentios, e sua ressurreição inaugurou uma nova ordem mundial tanto “na terra como no céu”, então nações na judaicas não estavam apenas livres para abandonar os ídolos agora impotentes para servirem ao Deus Vivo e Verdadeiro, mas até mesmo livres do problema da “impureza” – idolatria e imoralidade, citadas sempre como razões pelas quais judeus não deveriam se confraternizar com os gentios -, tudo isso havia sido resolvido. O significado radical da cruz do Messias era a razão, em ambos os aspectos, de que agora deveria existir uma única família, formada por todo o povo do Messias. [...] Por que esse movimento extraordinário, inaugurado por este homem enérgico e subversivo, espalhou-se de forma extraordinária?” [152-153]


PARTE 3 – O MAR, O MAR: É a menor parte e formado por dois capítulos. 14. De Desareia a Roma e além? E 15. O desafio de Paulo.

Creio que um dos maiores desafios que o Apóstolo Enfrentou foram as prisões e consequentemente sua morte. Existe muita discussão em relação ao número de prisões que o apóstolo Paulo sofreu. Essa discussão se dá, principalmente pelo fato de o livro de Atos não descrever toda a história do apóstolo Paulo. Além disso, provavelmente o apóstolo Paulo foi preso algumas vezes por um período muito curto de tempo, como por exemplo, em Filipos (Atos 16:23).

Ao falar sobre suas próprias prisões, o apóstolo Paulo escreve o seguinte: “São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes.” (2 Coríntios 11:23)

Considerando apenas as principais prisões do apóstolo Paulo, sabe-se que ele foi preso em Jerusalém (Atos 21), e para impedir que fosse linchado, ele foi transferido para Cesareia. Nessa cidade Felix, o governador romano, deixou o apóstolo Paulo na prisão por dois anos (Atos 23-26). Festo, sucessor de Felix, sinalizou que poderia entregar Paulo aos judeus, para que por eles ele fosse julgado.

Como Paulo sabia que o resultado do julgamento seria totalmente desfavorável a sua pessoa, então na qualidade de cidadão romano, ele apelou para César. Depois de um discurso perante o rei Agripa e Berenice, o apóstolo Paulo foi enviado sob escolta para Roma. Após uma terrível tempestade, o navio a qual ele estava naufragou, e Paulo passou o inverno em Malta.

Finalmente o apóstolo Paulo chegou a Roma na primavera. Na capital do Império ele passou dois anos em prisão domiciliar. Apesar disso ele tinha total liberdade para ensinar sobre o Evangelho (Atos 28:31). É exatamente nesse ponto que termina a história descrita no livro de Atos dos Apóstolos. O restante da vida de Paulo precisa ser contado utilizando-se os registros de outras fontes.

Por isso, as únicas informações adicionais que encontramos no Novo Testamento sobre a biografia do apóstolo Paulo, parte das Epístolas Pastorais. Essas epístolas parecem sugerir que o apóstolo Paulo foi solto depois dessa primeira prisão em Roma relatada em Atos por volta de 63 d.C. (2 Timóteo 4:16,17). Após ser solto, ele teria visitado a área do Mar Egeu e viajado até a Espanha.

Depois, novamente Paulo foi aprisionado em Roma. Desa última vez ele acabou executado pelas mãos de Nero por volta de 67 e 68 d.C. (2 Timóteo 4:6-18). Tudo isso indica que as Epístolas Pastorais documentam situações não historiadas em Atos. A Epístola de Clemente (cerca de 95 d.C.) e o cânon Muratoriano (cerca de 170 d.C.) testificam sobre uma viagem do apóstolo Paulo a Espanha.

A tradição cristã conta que a morte do apóstolo Paulo ocorreu junto da estrada de Óstia, fora da cidade de Roma. Ele teria sido decapitado. Talvez o texto que mais defina a biografia do apóstolo Paulo seja exatamente esse: Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. “Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda.” (2 Timóteo 4:7,8)


SOBRE O APÓSTOLO PAULO

O APÓSTOLO PAULO É UMA DAS POUCAS PESSOAS do mundo antigo cujas palavras ainda têm a capacidade de saltar da página e nos desafiar. Quer concordemos com ele, quer não (quer gostemos dele, quer não!), as cartas de Paulo são pessoais e intensas; ás vezes, emotivas, e outras, provocativas; na maioria dos casos, densas, porém nunca monótonas. Mas quem era ele? O que o motivava? Por que essa carreira missionária aparentemente imprevisível teve tamanha e profunda influência no mundo de Roma e da Grécia antiga e, portanto, em nosso mundo atual?

Qualquer resposta digna deve pressupor o estudo histórico e teológico detalhado das cartas de Paulo em debate com a erudição em progresso. Tentei fazer isso em O ponto culminante da aliança (1991/1992). Paulo e a fidelidade de Deus (2013), na coletânea de ensaios intitulada Perspectivas paulinas (2013) e no levantamento de pesquisas modernas (sobretudo anglófonas) Paulo e seus intérpretes atuais (2015). Entretanto, as perguntas do biógrafo são sutilmente diferentes, tendo em vista que estamos à procura do homem por trás dos textos.

Seguindo os passos da maioria dos historiadores, tento encaixar toda evidência relevante dentro do modelo mais simples possível; além disso, não considero uma virtude tomar partido cedo demais contra a autoria paulina de algumas das cartas, nem contra a historicidade de Atos dos Apóstolos (com base, talvez, no fato de Lucas tê-lo escrito muito tempo depois dos acontecimentos, inventando material que se encaixasse em sua teologia). Cada geração deve começar o quebra-cabeças com todas as peças na mesa e ver se elas podem ser plausivelmente encaixadas a fim de criarem um caso de prima fade. Particularmente, parto de dois grandes pressupostos: primeiro, que Paulo abordou o problema retratado em Gálatas a partir da região sul do mesmo território; segundo, ele estava aprisionado em Éfeso quando redigiu as Cartas da Prisão. No primeiro caso, estou seguindo, dentre muitos outros, Stephen

Mitchell: “Anatólia: terra, homens e deuses na Ásia Menor, vol. 2, O surgimento da igreja”. No segundo, estou em dívida com muitos autores, incluindo um trabalho mais antigo feito por um predecessor meu em St. Andrews — George S. Duncan: “O ministério de Paulo em Éfeso: uma reconstrução”. Descobri que essas hipóteses são completamente coerentes com os dados históricos, teológicos e biográficos. Você encontrará referências a fontes primárias nas notas de rodapé, mas procurei não listá-las de maneira exagerada, especialmente no que diz respeito a Atos.

Uma pequena observação sobre estilo: a despeito de protestos, mantenho o e em caixa baixa em "espírito (santo)" por corresponder à minha própria tradução, usada por mim aqui (traduções de citações do Antigo Testamento são minhas ou da NVI), particularmente por que Paulo, ao escrever a palavra grega pneuma, não tinha a opção de distinguir entre maiúscula e minúscula; de qualquer maneira, o objetivo das cartas era que fossem lidas em voz alta. A palavra pneuma tinha de encontrar seu caminho em um mundo onde havia tons diferentes de significado filosófico e religioso, sem a ajuda de marcadores visíveis, e isso por si só estabelece algo importante a respeito de Paulo, o qual contava e vivia uma mensagem judaica modelada por Jesus em um mundo confuso e controverso.


A CULTURA HUMANA NORMALMENTE se desenvolve na velocidade de uma geleira, mas nós, modernos, acostumados com mudanças bruscas e revoluções dramáticas, precisamos nos lembrar de que as coisas nem sempre foram assim. Aliás, a regra tem sido devagar e sempre, e invenções ocasionais que transformam repentinamente a vida humana para o bem ou para o mal (roda, prensa móvel, pólvora, internet) são raras.

Por isso, acontecimentos que se desdobraram há dois mil anos no sudeste da Europa e na Ásia Ocidental ainda são, em retrospecto, tão surpreendentes quanto na época em que ocorreram. Um homem enérgico e falador, mas pouco atraente e de etnia desprezada ia de cidade em cidade falando sobre o Único Deus e seu "filho", Jesus, estabelecendo, entre aqueles que aceitavam sua palavra, pequenas comunidades e escrevendo-lhes cartas, cujo material explosivo é tão recente nos dias de hoje quanto no tempo em que foi primeiramente ditado. Paulo contestaria a sugestão de ter mudado o mundo; Jesus, teria dito ele, havia-o feito. Aquilo, porém, que disse a respeito do Messias, bem como a respeito de Deus, do mundo e do que significa ser genuinamente humano, foi criativo e convincente, mas também polêmico, e, desde então, o mundo não seria mais o mesmo.

Considere os seguintes fatos impressionantes. Levando-se em conta as traduções-padrâo modernas, as cartas de Paulo ocupam, em média, menos do que oitenta páginas; e mesmo quando tomadas como um todo, elas são mais curtas do que qualquer dos diálogos de Platão ou dos tratados de Aristóteles. É seguro dizer que essas cartas, página por página, geraram mais comentários, mais sermões e seminários, mais monografias e dissertações do que quaisquer outros escritos do mundo antigo. (Outro exemplo são os evangelhos que, tomados como um todo, são uma vez e meia o tamanho das obras de Paulo).

Tal fato gera uma série de questões para qualquer historiador ou aspirante a biógrafo: Como isso aconteceu? O que esse pequeno homem enérgico tem que outros não tinham? O que pensava fazer e por quê? Como alguém com sua origem e formação, que já havia gerado santos e eruditos, embora ninguém como Paulo, veio a falar, viajar e a escrever dessa forma? Este é o primeiro desafio do livro: entrar na mente, no entendimento, na ambição (se é que "ambição" é a palavra certa) de Paulo, o apóstolo, conhecido inicialmente como Saulo de Tarso. O que, no fundo do seu coração, motivava-o?

Esta pergunta conduz imediatamente à segunda. Quando Saulo se deparou com a notícia a respeito de Jesus, sua mente não era um quadro vazio; na verdade, ele se dirigia, a toda velocidade, na direção oposta. Mais de uma vez ele lembra seus leitores de que havia sido criado em uma escola de pensamento judaico que aderia estritamente às tradições ancestrais. Na juventude, Saulo de Tarso havia se tornado uma luz condutora nesse movimento, cujos membros tinham o propósito de urgir aos concidadãos judeus a uma obediência mais radical aos códigos antigos e desencorajá-los de qualquer desvio, por todos os meios possíveis, mesmo pelo uso, se necessário, de violência. Mas por que tudo isso mudou? O que exatamente aconteceu na estrada de Damasco?

Em primeiro lugar, e como sinal de que há curvas delicadas a serem percorridas, a palavra judaísmo" no mundo de Paulo (do grego, ioudaísmos) não se referia ao que chamaríamos hoje de "religião". Na verdade, e mais uma vez como sinal de que há desafios pela frente, a própria palavra "religião" passou por uma mudança de significado. Nos dias de Paulo, religião" consistia em atividades divinamente relacionadas que, juntamente com a política e a vida comunitária, mantinham uma cultura unida e interligavam os membros dessa cultura às divindades e uns aos outros. No mundo ocidental moderno, "religião" tende a significar crenças individuais e práticas relacionadas a Deus, supostamente distintas de cultura, política e vida comunitária. Para Paulo, religião" entrelaçava-se com todos os aspectos da vida; entretanto, para o mundo ocidental moderno, religião é algo à parte.

Quando, então, naquela que foi provavelmente sua primeira carta, Paulo fala sobre como "no judaísmo [...] superava a maioria dos judeus de [sua] idade", a palavra "judaísmo" não se refere a uma "religião", mas sim a uma atividade: a propagação e defesa zelosa do estilo de vida ancestral. Do ponto de vista de Saulo de Tarso, os primeiros seguidores de Jesus de Nazaré eram um exemplo primário do comportamento transgressor que devia ser erradicado caso o objetivo de Israel fosse honrar a Deus. Ele era, portanto, "zeloso" (termo com o qual se autodenominava, indicando o uso de violência física, não apenas sentimentos fortes) na perseguição do povo cristão, e era isso que ele queria dizer com íoudaismos. Todo o possível deveria ser feito para erradicar um movimento que impediria os verdadeiros propósitos do Único Deus de Israel, cujos planos divinos Saulo e seus amigos acreditavam estar, enfim, às portas de um cumprimento glorioso - até Saulo vir a acreditar, na estrada de Damasco, que esses planos haviam sido, de fato, gloriosamente cumpridos, mas de uma maneira jamais imaginada.

O segundo conjunto de perguntas dá a isso uma mudança radical: como Saulo, o perseguidor, tomou-se Paulo, o apóstolo? Que tipo de transição foi essa? Trata-se, em algum sentido, de uma "conversão"? Paulo "mudou de religião"? Ou podemos aceitar o próprio relato de que, ao seguir o Jesus crucificado e ao anunciar que o Deus de Israel o havia ressuscitado dentre os mortos, Paulo estava, na verdade, sendo leal ás suas tradições ancestrais, embora de uma maneira que nem ele nem qualquer outro havia antecipado?

Sem dúvida, essas questões confundiam os contemporâneos de Paulo, que era visto com grande suspeita, inclusive por outros seguidores de Jesus. Teria incluído seus compatriotas judeus, alguns dos quais reagiram de modo tão violento para com ele quanto ele mesmo o havia feito no início do movimento de Jesus. Teria certamente incluído os povos gentílicos nas cidades para as quais foi, muitos dos quais pensavam que ele era tanto louco quanto perigoso (e um bom judeu para "dar pontapés", segundo alguns teriam dito com desprezo). Por todo lugar aonde ia, pessoas teriam indagado quem ele era, o que pensava estar fazendo e o que significava a um judeu nacionalista linha-dura tornar-se fundador de comunidades multiétnicas.

Essas questões não parecem ter trazido tanta confusão ao próprio Paulo, ainda que, conforme veremos, ele próprio tivesse suas próprias fases de trevas. Paulo havia refletido sobre elas e chegado a respostas sólidas e aguçadas, mas elas continuaram a desafiar leitores e pensadores desde então, e eles confrontam um mundo particularmente moderno que tem sido confuso sobre muitos aspectos diferentes da vida humana, incluindo ás vezes aqueles rotulados pela delicada palavra religião. Paulo confronta o nosso mundo da mesma forma como confrontara o seu, com questões e desafios, e este livro, uma biografia de Paulo, é uma tentativa de tratar dessas questões. Espero que ele também ofereça esclarecimentos aos desafios.

O mundo no qual ele vivia era o mundo em que o evangelho irrompera, o mundo ao qual o evangelho estava desafiando, o mundo que o evangelho transformaria. Seu contexto mais amplo — a massa complexa de países e culturas, mitos e histórias, impérios e artefatos, filosofias e oráculos, príncipes e cafetões, esperanças e medos — esse mundo real não representava um panorama incidental a uma mensagem "atemporal" que poderia, em princípio, ter sido anunciada por qualquer um e em qualquer cultura. Ao descrever o engajamento de Paulo com estoicos, epicureus e outros pensadores em Atenas, Lucas está apenas tomando explícito o que já era implícito no decorrer de todas as cartas de Paulo: que, na linguagem de hoje, Paulo era um teólogo contextual. Isso não quer dizer, de maneira nenhuma, que podemos relativizar suas ideias ("Paulo disse isso naquele contexto, mas nosso contexto é diferente; por isso, podemos deixá-lo de lado); pelo contrário: é nesse contexto que a lealdade de Paulo com relação à esperança de Israel se manifesta de modo tão intenso, uma vez que ele cria que, em Jesus, o Único Deus havia agido "quando chegou a plenitude do tempo". Paulo via a si mesmo vivendo no momento mais crucial da história, e, segundo teria reivindicado, seu anúncio a respeito de Jesus naquela cultura e naquele momento era, em si, parte do plano divino a longo prazo.

Assim, quando tentamos entender Paulo, devemos fazer o trabalho árduo de entender seu contexto; ou, antes, devemos usar o plural: contextos. Seu mundo judaico, bem como o mundo multifacetado greco-romano de política, "religião", filosofia e tudo o mais que afetava de mil maneiras diferentes o mundo judaico em meio a ele era muito, muito mais do que uma simples "moldura" dentro da qual podemos exibir um retrato paulino.


O PRÓPRIO MUNDO JUDAICO no qual o jovem Saulo cresceu estava aterrado no solo mais amplo da cultura greco-romana, e, como geralmente acontece em história antiga, sabemos menos do que gostaríamos sobre a cidade de Tarso, terra natal de Saulo, porém, o suficiente para formarmos uma imagem. Tarso, uma cidade nobre na Cilicia, dezesseis quilômetros junto ao rio Cydnus e a sudeste da atual Turquia, estava nas grandes rotas entre o oriente e o ocidente. Tarso rivalizava com Atenas como centro de filosofia, tanto mais porque metade dos filósofos de Atenas haviam ido para a cidade cem anos antes, quando Atenas apostou no cavalo errado em um jogo de poder Mediterrâneo e sofreu a ira de Roma. No entanto, embora cruéis, os romanos também eram pragmáticos e, estabelecido que estavam no comando, satisfaziam-se em estabelecer acordos.

Não sabemos por quanto tempo sua família viveu em Tarso, mas lendas posteriores sugerem várias opções, uma das quais que seu pai, ou avô, havia vivido na Palestina e teria se mudado durante uma das agitações periódicas sociais e políticas, que, nesse mundo, sempre trazia conotações religiosas. O que sabemos de fato a respeito dos familiares de Saulo é que pertenciam à escola judaica mais rigorosa: eles eram fariseus.

E como um bom fariseu, Paulo se move com elegante facilidade entre Gênesis e Salmos, Deuteronômio e Isaías. O apóstolo sabe como a história funciona e conhece seus altos e baixos, suas voltas e reviravoltas, e também pode fazer alusões complexas com extrema destreza, produzindo trocadilhos e outros jogos de palavras em línguas diferentes. A nova perspectiva radical de visão fornecida pelo evangelho de Jesus é um ângulo novo a partir de textos que ele já sabe do avesso. É certo que Paulo estava familiarizado com outros livros judaicos da época, como Sabedoria de Salomão, e possivelmente com algo da filosofia de Filo, seu quase contemporâneo — Filo e autores da época também conheciam sua Bíblia extremamente bem —, e Saulo se equipara a eles de igual para igual ou até mesmo os excede.

Ainda mais: independentemente de Saulo ter ou não lido filósofos não judeus de seu tempo ou as grandes tradições que remontam a Platão e Aristóteles, ele conhece as ideias, pois as ouviu nas ruas e discutiu-as com amigos. Ele conhece os termos técnicos, os sistemas filosóficos que sondam os mistérios do universo e as funcionalidades interiores do ser humano, bem como as teorias que posicionam os deuses distantes do mundo, como os epicureus, ou que os atraem em um todo único, to pan, o todo", como os estoicos. É improvável que ele tenha lido Cícero, cujo livro. De Natura Deorum, datado cerca de um século antes de sua própria obra madura, discutiu todas as opções então disponíveis a um romano educado (obviamente, isso não inclui uma visão de mundo judaica). Contudo, se alguém na loja de tendas começasse a expor as ideias de Cícero, Saulo saberia sobre o que estavam conversando e seria capaz de argumentar com essa pessoa nos próprios termos desta. Ele se sente, assim, completamente à vontade nos mundos da história judaica e da filosofia não judaica, e podemos suspeitar que ele, como alguns de seus contemporâneos, até mesmo gosta do desafio de unificá-las.

De fato, lendo algumas de suas cartas, podemos até pensar que ele havia sido amigo de infância de alguém como o filósofo Epiteto, um pensador prático determinado a tirar a filosofia da sala de aula e levá-la para a rua, tendo em vista que ele emprega manobras retóricas bem conhecidas. Quando diz aos coríntios que a sabedoria humana é inútil, às vezes soa como um cínico; quando fala sobre virtude, um ouvinte casual pode, por um momento, confundi-lo com um estoico. Quando ele escreve sobre a diferença entre o "homem interior" e o homem exterior, muitos, até hoje, supõem-no como um tipo de adepto do platonismo — embora o que ele diz sobre a ressurreição e a renovação da criação se tornam, então, um problema. O Paulo maduro não teria tido medo de dar impressões como essas; em vez disso, ele crê e diz explicitamente aqui e ali que a nova sabedoria revelada no Messias de Israel pode usar o mundo e incorporar seus insights mais elegantes em uma estrutura diferente e mais ampla. A "boa-nova" do Messias abre, para ele, a visão de toda uma nova criação, na qual tudo que é "verdadeiro [...] nobre [...] [e] correto'" encontrará lugar.

[...]Templo e Torá, os dois grandes símbolos da vida judaica, remetiam à história em que judeus devotos, como Saulo e sua família, criam estar vivendo:

a grande história de Israel e do mundo, que, esperavam, estavam atingindo o ponto onde Deus revelaria sua glória de uma maneira nova. O Único Deus enfim retornaria para estabelecer seu Reino, tornar o mundo inteiro em um vasto Templo cheio de glória e permitir a todos, ou pelo menos ao seu povo escolhido, guardar perfeitamente a Torá. Qualquer um que orasse ou cantasse os Salmos regularmente percebe ria estar pensando nisso, esperando por isso e orando por isso — dia após dia, mês após mês.

Cercado pela agitada cidade pagã de Tarso, o jovem Saulo sabia perfeitamente bem o que isso tudo significava para um judeu leal: significava manter-se puro de idolatria e imoralidade. Havia templos pagãos e altares em cada esquina, e Saulo devia ter ideia do que se passava nesses ambientes. Lealdade significava manter a comunidade judaica pura de todas essas coisas também, afinal, em todos os estágios da história de Israel o povo do Único Deus foi tentado a desistir. Havia uma pressão para o povo ceder e andar conforme o mundo, e, assim, e esquecer-se da aliança era constante, mas Saulo cresceu para resistir à pressão, e isso significava "zelo".

O que nos leva, por fim, ao ponto inicial biográfico que Paulo menciona posteriormente nas cartas. "Zeloso?" — argumenta ele. "Eu perseguia a Igreja!" "Avancei no ioudaísmos além de muitos da minha idade e dentre o meu povo"," afirma. "Era extremamente zeloso da tradição dos meus antepassados". De onde vinha esse "zelo?" Na prática, o que ele queria dizer? Se era isso que motivava o jovem Saulo a prosseguir conforme o tique-taque de um relógio, qual mecanismo levava esse relógio a continuar dando corda? E o que significava, conforme ele mesmo declara em sua primeira carta, trocar esse tipo de "zelo" por outro diferente? A abordagem dessas questões nos traz para o verdadeiro ponto de partida deste livro.


A ENTREVISTA [1]

O que a igreja moderna diria sobre o apóstolo Paulo? Para o estudioso bíblico de renome mundial NT Wright, a mente ocidental moderna se desesperaria com o que esse “extremista” realmente pensava sobre o papel dos cristãos.

Para Wright, Paulo poderia ser considerado uma pessoa até perigosa. O teólogo está lançando seu livro “Paulo: A Biografia”, onde mostra como não procede a tentativa de alguns pastores de tratar o Novo Testamento como uma obra dividida em dois pensamentos distintos.

“Alguns querem contrastar Paulo e Cristo – o primeiro seria austero e agressivo, mais interessado em pecado, doutrina e julgamento após a morte que o último, descrito como um pregador pastoral, que só fala do Reino de Deus”, resume.

Professor da Universidade de St. Andrews, na Escócia, Wright passou grande parte de sua vida estudando a Bíblia e escrevendo. Em seu currículo possui várias obras de denso cunho teológico. A opção agora foi fazer uma biografia do apóstolo contada em forma de romance. Um “drama” envolvente, mostrando como ele passou de um fariseu-perseguidor de cristãos ao pregador que ajudou a estabelecer as bases doutrinárias da igreja.

O autor não tem dúvida que o apóstolo Paulo é “um dos intelectuais públicos mais influentes da história do mundo”, realizando um fato “extraordinário”, considerando que sua obra na verdade fora um punhado de cartas.

“Paulo ensinou à primeira geração da igreja mundial como agir, iniciando um novo processo para ensinar as pessoas a pensar, de maneira diferente, em Cristo. É por isso que ele diz em Romanos 12: ‘Sejam transformados pela renovação de suas mentes’. Esse é o desafio, criar uma nova maneira de pensar”, assegura.

Outro elemento essencial do trabalho de Paulo é a preservação da herança judaica, algo que se choca com a dolorosa realidade do antissemitismo de hoje. “A cultura ocidental ainda não descobriu quem são os judeus e o que devemos pensar sobre eles”, assegura Wright.

“Paulo acredita ser um judeu completo por seguir o Messias de Israel. Grande parte da tradição ocidental posterior ‘filtrou’ os elementos judaicos da sua mensagem”, lamenta o estudioso.

Uma das questões levantadas por Wright no livro é como Paulo ofenderia muitos dos pastores modernos. Em tempos onde se fala tanto em fanatismo religioso, as ideias do apóstolo aos gentios não seriam bem-vindas na maioria dos púlpitos. Afinal, o apóstolo sempre enfatizou que a salvação é só em Cristo, não deixando dúvidas sobre o destino daqueles que não seguem o caminho proposto por Deus: a condenação ao inferno.

Caso fosse colocado em uma igreja típica do século XXI, a reação do público seria: “Obrigado, mas não gostamos disso. Isso nos coloca em problemas, teríamos desentendimentos com nossos vizinhos e nossos amigos, não queremos nada disso”.

Refletindo sobre religião e sociedade no ocidente nas últimas décadas, Wright diz que “a internet e o islamismo são duas coisas importantes que reformularam nossa maneira de pensar e de agir. Agora associamos extremismo aos islâmicos. Qualquer um que tenha uma visão clara sobre o que diz a Bíblia já chamamos de extremista”.

Um dos maiores problemas do evangelho pregado hoje em dia é que as pessoas só querem uma “vida tranquila e abençoada”. “Se Paulo pudesse voltar hoje, acho a coisa que mais iria surpreendê-lo e horrorizá-lo é nossa falta de unidade e pior, o quando não nos importamos com essa falta de unidade. Em todas as suas cartas ele fala ​​sobre unidade… seu foco era na unidade e santidade, algo que seria essencial, mas que hoje não são tratadas como questões essenciais nas igrejas.”

Quando questionado sobre os constantes debates sobre sexualidade, Wright adverte contra um dualismo que envolve a graça da criação e um gnosticismo que minimiza a sacralidade do corpo.

Ele explica: “Precisamos lembrar que a igreja primitiva não seguia os caminhos do mundo, tentando ser como o mundo. Você não pode dar respostas aos dilemas morais de nossos dias, sem ver como os primeiros cristãos abordaram isso. É a máxima paulina novamente: temos que aprender não apenas o que pensar, mas como pensar”.


CONCLUINDO. O máximo deste é o parágrafo que inicia o prefácio: “O apóstolo Paulo é uma das poucas pessoas do mundo antigo cujas palavras ainda têm a capacidade de saltar da página e nos desafiar. Quer concordemos com ele, quer não (quer gostemos dele, quer não!), as cartas de Paulo são pessoais e intensas; ás vezes, emotivas, e outras, provocativas; na maioria dos casos, densas, porém nunca monótonas. Mas quem era ele? O que o motivava? Por que essa carreira missionária aparentemente imprevisível teve tamanha e profunda influência no mundo de Roma e da Grécia antiga e, portanto, em nosso mundo atual?”

Esta é uma obra publicada pela Editora Thomas Nelson Brasil. Para adquirir este livro é só clicar na imagem acima.

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[1] Teólogo diz que Paulo seria considerado um “extremista” pela igreja moderna. Disponível em <https://www.gospelprime.com.br/nt-wright-paulo-extremista-igreja-moderna/>

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