sexta-feira, 19 de abril de 2019

DESCULPE O TRANSTORNO, ESTAMOS MUDANDO A IGREJA [Resenha]


SILVA, José Marcos. Desculpe o transtorno, estamos mudando a igreja: Um guia prático para promover mudanças na igreja. Curitiba, PR: Editora Esperança, 2018. 160p.


O AUTOR E O LIVRO

O autor deste é José Marcos da Silva, pastor da Igreja Batista em Coqueiral desde 2002, fundador e presidente do Instituto Solidare, ambos me Recife, no Nordeste do Brasil. Estudou teologia no Seminário Teológico Batista do Norte, Psicologia na UFPE, e é pós graduado em Fé e Política pela PUC-RIO, e é coautor dos seguintes livros: Igreja e sua missão transformadora; Igreja em movimento: comunidades em transformação; justice and consumption; Redescobrindo o Evangelho e Ética e participação popular na política a serviço do bem comum. Nasceu em 1975, na cidade de Caicó-RN, é casado com Erivaneide e tem dois filhos e uma neta.

Há coisas na vida que não escolhemos. Não escolhemos o lugar onde nascemos, não escolhemos os nossos pais e, consequentemente, não escolhemos a nossa composição genética. Depois, no processo natural do desenvolvimento humano, quando nos damos conta da existência, de maneira consciente ou não, vamos fazendo escolhas nos caminhos da vida. José Marcos, autor deste livro, fez escolhas diferenciadas. Aprendeu na arte da tecelagem, a redesenhar caminhos e compor novas histórias na sua vida, na vida de sua família e nas comunidades por onde passa. Também inspirado, principalmente, na vida do Jesus Cristo de Nazaré, à luz dos ensinos do Evangelho, vai tecendo de maneira lúcida sua vocação e missão.

De imediato, achei que este livro fosse a construção dos últimos 20 anos de história da Igreja Batista em Coqueiral (Recife-PE). Sem dúvida alguma, esta é a proposta de sistematização do trabalho escrito por Zé Marcos com tanto esmero e responsabilidade. Mas, de fato, a vida do autor tem muitos lances que transcendem aos registros do livro. Zé Marcos nasceu no semiárido nordestino, vem de uma família extremamente pobre. Perdeu três irmãos antes de completarem o primeiro ano de vida, como acontece com as famílias nordestinas que vivem abaixo da linha da pobreza. Sua família fez migração do mundo rural para o espaço urbano, sonhando com a possibilidade de encontrar novas alternativas de sobrevivência. Portanto, fazer um caminho ministerial, tecendo estratégias e alternativas para transformação de vidas em comunidades pobres, já fazia parte das entranhas da alma de Zé Marcos. O exercício cotidiano de tirar bálsamo da dor, contemplar as marcas do sofrimento para transformá-las em oportunidades de vida, estiveram sempre presentes nas peregrinações desse meu irmão por quem guardo a mais profunda admiração e respeito.

Em uma de suas poesias, é assim que Zé Marcos se autodescreve:

“Dos nove irmãos, como era comum
Três deles morreram de causas banais
Em tempos difíceis, a escassez de paz
Trabalho e renda obrigavam o jejum
Dinheiro e comida eram quase nenhum
Mas, como se sabe, sertanejo é forte
Desenha seu rumo, faz a própria sorte
Não cede em frente a nenhum obstáculo
E nessa cultura, seguia Zé Marcos
Com muito trabalho e com pouco suporte”.

Zé Marcos fala de contemplação com simplicidade e clareza, passando-nos a impressão de não se dar conta de que sua vida retirante fez dele um perito no ato de contemplar a vida, suas crises, oportunidades, desafios e possibilidades de transformação. Sua contemplação poderia ser um ato natural da natureza humana, mas no caso deste livro, o autor deixa muito explícito que a contemplação se aprofunda quando, no seu exercício, buscamos discernir a vontade de Deus nas rotas da vida:

“Contemplação não é sinônimo de meditação sobrenatural. Pode até envolver isso também, mas é olhar com os olhos abertos. Olhar as questões reais. Encarar o problema com lucidez. Um bom exemplo disso é o de Neemias (Ne 2.11-16). Ele tinha uma difícil missão pela frente: a de construir os muros de Jerusalém, mas, antes de qualquer coisa, passou um tempo contemplando o problema. Veja que ele se retirou para o lugar do problema e olhou para tudo o que precisava fazer. Esse é um grande modelo de contemplação.”

O menino nascido com um quilo e oitocentos gramas, chegou a um metro e sessenta e, no limite dos critérios, conseguiu ingressar no Exército Brasileiro em 1994. Tornou-se soldado no 1º Batalhão de Engenharia de Construção, em Caicó-RN. No mesmo ano recebeu condecoração do melhor soldado do ano e também concluiu o curso de cabo como primeiro colocado. No ano seguinte foi classificado para o Curso de Sargento Temporário e concluiu, também em primeiro lugar. Ainda neste ano de 1995 foi aprovado no concurso de sargento de carreira. Em um dado momento da vida, renunciou a toda a carreira promissora para atender a um chamado ministerial. Precisou retomar a rota, construir um novo percurso e conhecer novas estradas. Fez isso de tal forma que mudar, construir novos rumos, tomar novos caminhos - tudo indica - foi se tornando um jeito de ser do nosso escritor. Descreve o verbo "mudar" com a naturalidade de quem aprendeu a arte de redesenhar as crises da existência humana, sejam elas individuais ou comunitárias:

"Mudar é uma arte complexa, empolgante, desafiadora, estimulante e possível. O melhor de tudo: você pode ser o artista” (p. 25)

“Proponho um caminho a respeito de como conduzir os processos de mudanças para que os novos paradigmas não fiquem apenas na esfera dos sonhos do líder, mas se transformem em prática e permeiem a vida da igreja/instituição. Faço isso, não na condição de um teórico sobre o assunto, pois nesse caso, poderia ter escrito este livro há pelo menos dez anos, mas na qualidade de quem viveu e vive os processos de mudança, tanto na igreja quanto em minha vida pessoal.” (p. 25)

A história deste livro é a sistematização de um único autor, mas a elaboração dos acontecimentos é o resultado da tecelagem de muitas mãos. Erivaneide é casada com Zé Marcos, e ela, tanto quanto ele, oferece seus dons, talentos e habilidades para servir à comunidade em Coqueiral. A vida para os dois foi sempre muito desafiadora. Precisaram lutar contra um câncer que atingiu em cheio a vida de Marcos José, o primeiro filho do casal. Um tumor chamado meduloblastoma dava ao garoto um prognóstico de mais de 90% de possibilidades de morrer ou ficar muito semelhante às batalhas contra outras várias formas de doenças presentes na comunidade-igreja. A interação das dores e sofrimentos coletivos têm gerado na comunidade laços mais fraternos e de cooperação. Tudo tem acontecido como se uma mão invisível estivesse criando sanidade, inspirando a revisitação de paradigmas e sempre conduzindo todos os processos e mudanças na Igreja Batista em Coqueiral.

Neste livro há testemunhos nos quais aquilo que parece simples e trivial é transformado em uma comunicação de Deus. Há mensagens vindas da disciplina do silêncio, outras surgem das crianças, jovens e pessoas em condições de rua; mas há aprendizados, também, do esforço acadêmico. Outras lições profundas surgiram pela elaboração vivenciada na prática. Zé Marcos tem levado a sério o seu compromisso de propor o que pratica. Ele me inspira por sua coerência em vivenciar uma confluência intensa entre o que ensina e o que vive. Vários princípios e roteiros vão despontar à medida que você mergulha na leitura de cada linha deste livro. Mas, pode observar que os testemunhos estão pautados por experimentações concretas e vivenciadas. Isso não significa que as histórias se repitam em outros lugares, que tenham as mesmas implicações nem que se manifestem os mesmos resultados. Todavia, os princípios e virtudes precisam ser aplicados como ato de obediência a Deus e compromisso com a "vida abundante" para todas as pessoas.[1]

O livro, além do prefácio, introdução, considerações finais e acervo de fotos, está dividido em duas partes, com um total de nove capítulos, assim identificados:


PARTE I – O ESTABELECIMENTO DA MUDANÇA
1 - Insatisfação e crise
2 - Alimente a crise
3 - Compartilhando com os mais próximos
4 - Compartilhando com a igreja
5 – A hora “H”

PARTE II - RETROALIMENTAÇÃO
6 - O fogo tende a se apagar.
7 - Muitas mudanças e uma só direção
8 - Principais paradigmas mudados na Igreja Batista em Coqueiral e suas consequências
9 - S3H2R - muitos paradigmas, uma só espiritualidade.

Acerca do propósito do livro, o autor escreve:

“Na época a resposta foi "não", e todas as mudanças de paradigmas tinham a finalidade de construir uma igreja em missão, para a qual o mundo, e não o templo, seria o palco de operações de sua fé. Sendo assim, esse é o momento no qual a igreja começa a se lançar para fora e uma nova e abrangente categoria de paradigmas começa a ser mudada e, consequentemente, a igreja passa a se aprofundar mais ainda em uma “nova” maneira de viver a fé. Neste livro, proponho um caminho a respeito de como conduzir os processos de mudanças para que os novos paradigmas não fiquem apenas na esfera dos sonhos do líder, mas se transformem em prática e permeiem a vida da igreja/instituição. Faço isso, não na condição de um teórico sobre o assunto, pois nesse caso, poderia ter escrito este livro há pelo menos dez anos, mas na qualidade de quem viveu e vive os processos de mudança, tanto na igreja quanto em minha vida pessoal. Faço isso quase vinte anos depois de ter sonhado com este livro, simplesmente para que você acredite que é capaz de liderar processos de mudança e que eles são possíveis. Mudar é uma arte complexa, empolgante, desafiadora, estimulante e possível. O melhor de tudo: você pode ser o artista. Este livro pode revolucionar sua vida e sua liderança, pois trata de princípios e processos que revolucionaram a minha.”


INTRODUÇÃO DO LIVRO

Promover mudanças é uma arte. E das mais belas. No ano de 1999 decidi escrever um livro sobre a arte de conduzir os processos de mudanças, desde os paradigmas até sua prática. Nesse tempo, após ler o livro “Quebrando Paradigmas”, de Ed René Kivitz[2] duas coisas ficaram em minha mente: a primeira foi que a igreja precisa mudar paradigmas! Nesse aspecto o livro é claro. A segunda foi como conduzir um processo de mudança na prática. Este era um grande desafio para mim, e o livro não abordava essa questão.

Ainda cursava o primeiro ano de Teologia, com apenas 23 anos, mas com muitos sonhos envolvendo o meu pastorado. Sonhava com uma igreja vibrante, em constante transformação, relevante para seu tempo e lugar.

Consciente de que estava apenas no começo de uma longa jornada, sabia das minhas limitações e que este livro precisava ser amadurecido em minha mente e construído ao longo do caminho. Imaginei que cerca de quinze anos de caminhada, dali em diante, confeririam a mim a experiência e a autoridade que o livro requereria.

Assim, pensei que 2015 seria o ano ideal, pois já teria vivido na pele uma gama de experiências que me autorizariam a tal empreendimento. Mas aprouve a Deus que ele tenha se concretizado agora em que completo o 17º ano de pastorado da Igreja Batista em Coqueiral (daqui por diante identificada como IBC), na cidade do Recife e, após esse tempo, ao lembrar-me de como a igreja era e no que ela se tornou, posso assegurar que é possível efetivar mudanças em uma igreja local, por mais que ela seja considerada rígida e tradicional.

Em 1998, quando Deus me chamou para ser pastor, entrei em crise. Eu estava no auge de uma carreira de sucesso, mesmo que, poucos anos antes eu fosse um tecelão que trabalhava quinze horas por dia para ganhar um salário mínimo por mês, no sertão do Rio Grande do Norte. Tudo na minha vida caminhava a mil por hora e meus planos estavam dando tão certos que eu sempre era surpreendido com êxitos bem acima do que havia planejado. Na ocasião, eu já estava casado, e Erivaneide, minha amada esposa, estava grávida do nosso segundo filho.

Já havíamos adquirido uma boa quantidade de bens materiais e eu estava em um emprego público federal com um salário de dar inveja a qualquer jovem da minha idade. Estava investindo forte na faculdade e no preparo para outro concurso público que me levaria a um patamar tão elevado que me colocaria no topo do sucesso profissional. Minha meta era ser Coronel do Exército; e eu o seria.

Tudo estava perfeito e caminhando dentro dos planos mais ousados, até que veio um chamado radical para abandonar todos os sonhos, os frutos das conquistas, e migrar para uma vida na qual eu não estaria mais no centro das coisas. Deus não somente me chamava para o pastorado, mas, pedia-me para abandonar minha profissão. Tremi por dentro e por fora, literalmente.

Depois de seis meses de crise, disse sim ao Pai, porém, ousei colocar duas condições: que Ele também chamasse a minha esposa, e que eu pastoreasse uma só igreja durante toda a minha vida - uma igreja que nunca fosse a mesma por dois dias consecutivos. Deus tem me dado a graça de viver sua resposta para essas duas condições. Minha esposa é um grande suporte e uma mulher ímpar, e a igreja que pastoreio é uma máquina de promover mudanças, para a glória do Pai.

Hoje coloco em suas mãos este livro, com grande alegria e esperança. Alegria, porque sei que as linhas que se seguirão estão autenticadas por uma experiência exitosa de uma igreja que mudou radicalmente, e continua em mudança; e esperança, por que tenho certeza de que esta obra servirá como inspiração e guia para que você acredite que a mudança de sua igreja é possível. Asseguro que, como se trata de princípios, não serve apenas para nortear mudanças em igrejas, mas também, em qualquer outra organização, seja qual for a sua natureza.

Quando idealizei este livro, ainda em 1999, o fiz pela fé, mas, hoje o escrevo com a "caneta" da experiência concreta, e com a certeza de que a igreja, de fato, pode mudar. Qualquer igreja pode mudar! Qualquer instituição pode mudar!

Assumi o pastorado da IBC com apenas 27 anos. Sentia-me um menino inexperiente na liderança de uma igreja de 77 anos e com um histórico de tradicionalismo. Éramos como qualquer igreja batista tradicional. Nossas ações se concentravam no quadrado que Ed René Kivitz chama de "culto-clero-domingo--templo".[3] Aquela era exatamente o tipo de igreja que eu tinha decidido jamais pastorear, o que só fiz por uma intensa convicção de que era a vontade de Deus, e também por sentir que havia o embrião de uma insatisfação com o arranjo convencional da igreja, pelo menos por parte da liderança.

Lembro-me de que, por ocasião de um dos primeiros cultos como pastor da IBC, no momento de um louvor envolvente, um líder da igreja saiu de seu lugar, muito feliz com o que via, e me perguntou:
- Pastor, essa igreja tem a sua cara? Se parece com a que o senhor sonhava?

Com certo cuidado, pois sabia que a resposta não seria a que ele esperava ouvir, respondi que não. De fato, ela ainda precisava mudar muito e essa mudança não consistia apenas no mero formato do culto do domingo.

Na semana seguinte preparei um sermão com o título “Jesus Cristo não entraria no rol de membros da nossa igreja", pregação essa que levou um diácono muito antigo a me chamar à parte e exortar:
- Pastor, nunca mais pregue um sermão desses em nossa igreja!

Hoje nós vivemos outra dinâmica. Somos, sem sombra de dúvida, outra igreja. Mudamos muito... Repensamos e reconstruímos tantos paradigmas que não temos como mensurá-los mais. Mesmo assim, quando alguém chega a mim para dizer que a nossa igreja já mudou muito, eu sempre respondo que estamos apenas no começo de uma "looooonga" caminhada. Sei que ainda há muita coisa a ser feita, muitos paradigmas a serem repensados, e sei que Deus continua nos inquietando como no princípio, já nos acostumamos tanto com as crises das mudanças que quando passamos por um período de calmaria e conformação, entramos em crise. Realmente, o que mais nos deixa em crise é não termos crise.

Porém, mudar não é fácil! Em esfera alguma da vida. Quantas vezes começamos uma nova dieta? Quantas vezes entramos na academia? Quantas vezes planejamos coisas que foram já planejadas há anos e anos? Todo ano, os mesmos planos. Mudar é uma arte complexa, empolgante, desafiadora, estimulante e possível. O melhor de tudo: você pode ser o artista.

Neste livro, proponho um caminho a respeito de como conduzir os processos de mudanças para que os novos paradigmas não fiquem apenas na esfera dos sonhos do líder, mas se transformem em prática e permeiem a vida da igreja/instituição. Faço isso, não na condição de um teórico sobre o assunto, pois nesse caso, poderia ter escrito este livro há pelo menos dez anos, mas na qualidade de quem viveu e vive os processos de mudança, tanto na igreja quanto em minha vida pessoal. Faço isso quase vinte anos depois de ter sonhado com este livro, simplesmente para que você acredite que é capaz de liderar processos de mudança e que eles são possíveis.

Misturaremos aqui princípios e processos. Acredite neles!

Oferto a você um caminho prático que, se seguido, aposto todas as minhas fichas que a mudança chegará à sua vida e à sua igreja ou instituição de qualquer natureza, pois os princípios são universais e o processo é comprovado na prática da vida da IBC. Leia com calma e deguste sem moderação. Este livro pode revolucionar sua vida e sua liderança, pois trata de princípios e processos que revolucionaram a minha.

Minha oração, contudo, é para que Deus fale a você muito mais do que o que direi nas próximas páginas. Que o Espírito Santo conduza sua leitura, decodificando tudo para sua realidade. Oro para que você interrompa a leitura por muitas vezes, para meditar, não necessariamente no que está escrito, mas, a partir do que está escrito, no que virá como sopro do Senhor para sua vida.

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[1] Prefácio escrito pelo Pastor Carlos Pinheiro Queiroz, pastor na Igreja de Cristo em Aldeota (Fortaleza-CE).
[2] KIVITZ, Ed René. Quebrando paradigmas. (São Paulo: Abba Press, 1999.)
[3] Um conceito criado por Ed René Kivitz (op. cit.), que sintetiza o jeito de ser da maioria das igrejas. Para este autor, o modelo tradicionalizado nas igrejas históricas segue os mesmos parâmetros da estrutura judaica, tendo o culto como centro da adoração, com um sacerdócio masculino e exclusivo, em um dia sagrado de reunião e confinando as pessoas em um templo.

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