domingo, 8 de abril de 2018

NO ESPLENDOR DA SANTIDADE: REDESCOBRINDO A BELEZA DA ADORAÇÃO REFORMADA PARA O SÉCULO XXI



Ao se reunirem para adorar a Deus no Dia do Senhor, os cristãos tomam parte da atividade mais significativa, importante e maravilhosa que possa existir. Não obstante, o culto não é apenas uma atividade preeminente da igreja, é também a principal ocupação de querubins e serafins, esses terríveis servos de Deus que voam ao redor do trono celestial com infindáveis expressões de louvor e devoção. É‑nos concedido um breve vislumbre do culto celestial em Isaías 6, quando o profeta testemunhou Iavé:

...assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. (Is 6.1-3)

Além disso, o apóstolo João nos informa que viu e ouviu, em sua visão da sala do trono no céu, milhares e milhares da multidão angelical clamando em alta voz: “Digno é o Cordeiro que foi morto” e “Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos. E os quatro seres viventes respondiam: Amém! Também os anciãos prostraram-se e adoraram” (Ap 5.11-14). Mais adiante, o apóstolo olhou e viu uma “grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas [o número completo dos eleitos de Deus], em pé diante do trono e diante do Cordeiro [...] e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação” (Ap 7.9,10).

Essa rápida olhadela dentro dos portais do céu revela que o culto celestial é cheio de ardor reverente, de glória majestosa, de suma alegria; é totalmente centrado em Deus, e voltado fervorosamente para a pessoa e a obra redentora de Jesus Cristo. É essa magnífica perspectiva celestial do culto que, em parte, conformou e inspirou o culto dos protestantes por quase 500 anos. Tristemente, porém, nos tempos recentes, isso tem mudado.

De modo geral, o culto evangélico tem-se tornado radicalmente informal, presunçosamente inovador, e biblicamente empobrecido. A maior parte disso deve-se em grande medida ao abandono da liturgia centrada em Deus e regida pela Bíblia. O que tem sido descartado é a herança litúrgica protestante que, por séculos, levou com fidelidade os cristãos a adorarem a Deus de forma bíblica, além de nutrir sua fé em Cristo mediante os meios ordinários da Palavra e dos sacramentos.

Foi o eclipse do culto e da liturgia bíblicos que levou João Calvino a escrever em 1544 um tratado intitulado “A necessidade de reformar a igreja”. Calvino o enviou ao imperador Carlos V, que à época presidia a dieta imperial de Espira, na Alemanha, na esperança de persuadir o imperador a reformar o culto supersticioso que empestava a Igreja Católica Romana. Era indispensável que a Palavra de Deus, e não substitutos inventados pelo homem, fosse o fundamento, guia e substância do culto público. O reformador escreveu:

Há uma dupla razão por que o Senhor, ao condenar e proibir toda espécie de culto ilusório, exige que obedeçamos apenas à sua voz. Primeira, a tendência dominante de estabelecer sua autoridade, para que não sigamos nosso próprio prazer, mas dependamos inteiramente da sua soberania; e, segunda, a nossa insensatez é tanta que, quando somos deixados livres, tudo quanto podemos fazer é nos transviar. E, depois, uma vez desviados da reta vereda, não há fim para nossos extravios, até acabarmos soterrados debaixo de uma multidão de superstições. É de modo merecido, portanto, que o Senhor, com o propósito de vindicar seu direito e domínio plenos, prescreve com todo o rigor o que deseja que façamos, e rejeita de pronto todo artifício humano em desarmonia com seu mandamento. É de modo merecido, também, que ele define os nossos limites com termos explícitos para que, pela invenção de formas errôneas de adoração, não provoquemos contra nós a sua ira. (João Calvino, The Necessity of Reforming the Chruch, 17)

Embora escritas por Calvino há mais de 450 anos, tais palavras falam energicamente ao nosso próprio contexto, no qual o objetivo e o foco do culto têm-se convertido na busca pela satisfação de nossas próprias necessidades, em vez de glorificar a Deus. A expressão “formas errôneas de adoração” caracteriza não apenas a missa do século XVI, mas também o culto evangélico do século XXI. Teatro e mensagens terapêuticas têm solapado a leitura e a pregação autoritativas da Palavra de Deus. A oração profunda, fervorosa e substancial tem sido empurrada para o lado a fim de abrir espaço para depoimentos e testemunhos pessoais apelativos. O melhor dos salmos e hinos teologicamente ricos e estimulantes para a alma tem sido substituído por rasteiros cânticos de louvor. O batismo e a Santa Ceia, em muitos recantos, têm sido reduzidos a rituais sentimentais, dos quais nada se sabe. Em síntese, os meios ordenados e estabelecidos por Deus para a salvação do seu povo (Palavra, sacramentos e oração) têm sido, na melhor hipótese, minimizados, e na pior, abandonados totalmente em troca de outra coisa. É indispensável recuperar uma liturgia bíblica que estabeleça e proteja esses meios.

Quando pensam em liturgia, os crentes quase sempre a imaginam nos termos do culto do alto anglicanismo ou da missa romana. No entanto, a verdade é que todo culto de adoração cristão tem uma liturgia. Em algumas das expressões mais espontâneas do culto cristão, talvez seja mais difícil decifrar a liturgia, mas apesar disso ela está lá. Quer seja tradicional ou contemporânea, pesada ou levemente estruturada, cada cerimônia de culto segue algum tipo de forma estabelecida. D. G. Hart declara:

Toda igreja tem uma liturgia, não importa se seus membros se considerem litúrgicos ou não. A liturgia é meramente a forma e ordem do culto de adoração. Tanto a mais alta missa anglo-cató­lica quanto o mais baixo culto de adoração e louvor evangélico são litúrgicos no sentido mais estrito da palavra. Obviamente, há entre eles uma diferença dramática na liturgia, mas ambos compreendem uma forma e uma ordem de culto. (D. G. Hart, Recovering Mother Kirk: The Case for Liturgy in the Reformed Tra­dition, 70)


O Dicionário de Inglês Oxford [Oxford English Dictio­nary] define liturgia como “uma forma prescrita de culto público”. Note que o termo liturgia é definido como uma forma prescrita, ou seja, uma forma imposta com base na autoridade. No caso da liturgia cristã, a autoridade que prescreve ou impõe a forma é a Palavra de Deus. Além disso, a Bíblia deve prescrever não apenas a forma do culto de adoração, mas também seu conteúdo. Basta dizer que, se a forma e o conteúdo de uma cerimônia de culto não forem prescritas pela Palavra de Deus, dificilmente poderão ser chamadas de adoração cristã.

A liturgia regulada pela Bíblia preserva e promove o culto que exalta a Deus, está centralizado em Cristo, e é cheio do Espírito. É claro que, com uma liturgia bem estruturada, qualquer pessoa pode apenas cumprir cada uma das partes do começo ao fim. Mas não é isso verdade para qualquer estilo ou forma de culto? Sempre que alguma congregação esteja a confessar um credo ou a cantar louvores com ardor, é inevitável que haja congregados insinceros. Por isso a ordem prescrita para o culto da igreja não deve ser regida por nada que, segundo imaginamos, vivifique os corações — algo que, em última análise, não podemos controlar. Antes, a inspirada e autoritativa Palavra de Deus deve ser a fonte e a substância da nossa liturgia, estabelecendo assim os meios que Deus prometeu abençoar na vida de seus filhos redimidos.

Em minha igreja, em cada Dia do Senhor, nossa congregação segue uma liturgia fixa que raramente muda. Os presbíteros querem que os nossos membros descansem na certeza de que, toda semana no culto público, têm a expectativa de adorar a Deus por meio da leitura da Palavra de Deus, da confissão de pecados, da certeza do perdão de Deus, da confissão de fé nas palavras de um credo histórico, da participação com oração reverente, da entrega de dízimos e ofertas, e também ouvindo a proclamação da Escritura, ensinada e aplicada por intermédio da pregação expositiva, participando dos sacramentos, que revigoram a fé e nutrem a alma, e ao receberem da bênção de Deus, mediante as palavras de bendição, ao serem despedidos.

É pela instrumentalidade dos meios ordenados de graça — a Palavra e os sacramentos — que o nosso Pai celeste prometeu comunicar Jesus Cristo ao seu povo. Assim também, a boa liturgia protegerá, garantirá e promoverá esses meios. Portanto, se Deus é mais plenamente glorificado por intermédio deles, e ele prometeu abençoar os fiéis dando e recebendo desses meios de graça na vida do seu povo, por que não haveríamos de querer preservar uma ordem de culto — uma liturgia — garantidora de que tais meios estarão presentes todas as semanas?

Nas páginas seguintes, tentei estabelecer para o leitor uma introdução relativamente simples e amigável sobre o histórico culto protestante e reformado. Este livro, portanto, não pretender ser erudito nem esgotar o assunto. Tenho a esperança de que as páginas a seguir sirvam para abrir seu apetite para o estudo mais profundo (quanto a isso, veja a lista de leituras sugeridas na página 103).

É a minha oração mais sincera que todos os que lerem este livro sejam convencidos da urgente necessidade que a igreja tem de recuperar uma abordagem do culto público que reflita a adoração bíblica — centrada em Deus, mediada por Cristo, cheia do Espírito e regida pela Palavra — e o melhor da nossa herança protestante e reformada. Que compreendamos, uma vez mais, o que significa adorar no esplendor da santidade.
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PAYNE, Jon D. No Esplendor da Santidade: Redescobrindo a Beleza da Adoração Reformada para o Século XXI. Recife: Editora Os Puritanos, p.13-18.

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