quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O PESO DA GLÓRIA [Resenha]


LEWIS, C. S. O Peso da Glória. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2017. 192p


O LIVRO E O SEU AUTOR - C.S Lewis é sem dúvida um dos maiores gênios da literatura moderna, seus livros são sempre cheios de lucidez e brilhantismo sobre diversas áreas do cristianismo. E nesse livro não poderia ser diferente, ao lidar com alguns dos temas mais difíceis que enfrentamos em nossa vida diária, as palavras afiadas e atemporais de C. S. Lewis fornecem um caminho ímpar para uma maior compreensão espiritual. Considerado por muitos como seu trabalho mais comovente, O peso de glória exalta uma visão compassiva do cristianismo e inclui discussões lúcidas e atraentes sobre perdão e fé.

O principal sermão do livro é o que dá nome à coletânea e contém um estudo sobre o que significa o galardão final do crente e sobre como a ideia de recompensa é compatível com o cristianismo ao contrário do ascetismo defendido por alguns ramos da filosofia e introduzido por contrabando no cristianismo. É nesse ensaio em específico que John Piper se inspira para a construção de seu hedonismo cristão. Todas as preleções foram proferidas com a simplicidade e clareza de pensamento que são características desse grande teólogo, talvez o mais influente do século XX. A leitura do livro é recomendada a todos.

O livro é uma compilação de nove sermões realizados pelo autor durante a Segunda Guerra Mundial e direcionados aos alunos universitários e auditórios acadêmicos da época. Seu conteúdo é bem diversificado e estão organizadas de forma cronológica, exceto o “O Peso da Glória”, são temas que discutem Deus, o Cristianismo, o ser humano e a natureza. Possui uma belíssima introdução e um prefácio do autor à edição original. Como todas as nossas resenhas, iremos trabalhar de conformidade a estrutura do livro, capítulo à capítulo, extraindo pequenos parágrafos e fazendo resumos. O nosso propósito é se ter a estrutura completa do conteúdo de acordo com sumário e citações pontuais do livro.

Sobre este livro, C. S. Lewis escreveu: “Este livro contém uma seleção de muitas das preleções que fui persuadido a proferir no período final da guerra e nos anos que se seguiram a ela. Todas foram proferidas na intenção de responder a solicitações pessoais e para públicos específicos, sem nenhuma intenção de publicação subsequentemente. Como resultado, em alguns lugares elas parecem repetir, embora realmente antecipem, frases que escrevi e que já apareceram em forma impressa. Quando fui convidado a fazer esta coleção, supus que pudesse remover tais sobreposições, mas estava errado. Chega um momento (e não precisa ser sempre um longo período) em que uma composição pertence tão categoricamente ao passado que o próprio autor não pode alterá-la muito sem o sentimento de que esteja produzindo uma espécie de falsificação. O período no qual esses ensaios foram produzidos era uma época excepcional para todos nós. E, embora creia não ter alterado nenhuma convicção que eles expressam, não posso mais capturar o tom e a atmosfera nos quais foram escritos. Nem mesmo aqueles que desejavam tê-los em formato permanente ficariam contentes com uma colcha de retalhos. Portanto, parece mais apropriado deixá-los em seu estado original com somente algumas poucas correções verbais.” [p.29-30]


CAPITULO 1 – O PESO DA GLÓRIA. “O Peso da Glória”, obra tão magnifica que não somente ouso considerar digna de um lugar juntamente com alguns Pais da Igreja, mas temo que seria enforcado pelo s admiradores de Lewis se não tivesse reservado a ela o lugar de primazia. A convite de Canon T. R. Milford, a preleção foi apresentada no solene culto vespertino na Igreja de St. Mary the Virgin, no século 12, na Universidade de Oxford, em 8 de junho de 1941, para uma das maiores congregações que se reuniu ali em tempos modernos. Canon Milford, que era o pároco da Igreja de St. Mary, disse-me que o convite surgiu de sua leitura do livro de Lewis “O Regresso do Peregrino”. O sermão foi primeiramente publicado na revista Theology, vol. 43 (novembro de 1941), e depois como um panfleto pela S. P. C. K. em 1942. [1]

O primeiro capítulo apresenta o sermão que dá título ao livro. Trata-se de uma nova abordagem sobre a escatologia, diferente da grande maioria dos sermões acerca do tempo futuro, C.S. Lewis aborda as expectativas quanto a glória futura. Sobre o que poder ser muito bem definido como "saudades do céu". O anseio dos homens por projetar deuses, no céu, na terra, é na verdade um anseio por fazer parte da beleza que hoje contemplamos. Na glória futura isso será finalmente satisfeito. Além disso, Lewis apresenta a glória futura como algo semelhante a ser finalmente agradável a Deus, não apenas aceito, será o dia em que não receberemos apenas misericórdia, mas que a admiração será mútua. [2]

Uma outra observação é que o autor não só faz críticas ao mundanismo e aos ideais de progresso ou evolução, mas também esclarece o que seria a glória do ser humano para ele. Nesse caso, existe a glória celebridade, aquela em que uma pessoa deseja a fama, reconhecimento e aprovação de Deus; e a glória luminosidade, aquela em que a pessoa precisa ser integrada à beleza que existe no mundo – não apenas estar ao seu redor, mas também ser ela. [3]

Citação - As promessas das Escrituras podem ser resumidas, de modo geral, em cinco enunciados. É prometido a nós (1) que estaremos com Cristo; (2) que seremos como ele; (3) com imensa riqueza de imagens, que teremos "glória"; (4) que seremos, de alguma forma, alimentados ou saciados ou entretidos; e (5) que teremos uma espécie de posição oficial no universo — governando cidades, julgando anjos, sendo pilares no templo de Deus. A primeira pergunta que faço acerca dessas promessas é: "Por que precisaríamos de qualquer outra senão a primeira?" Poderá algo ser acrescentado à concepção de estar com Cristo? Pois deve ser verdade, como um velho escritor diz, que quem possui Deus e tudo mais não tem mais do que quem possui somente Deus. [p.39-40]


CAPÍTULO 2 – APRENDIZADO EM TEMPOS DE GUERRA. “Aprendizados em tempos de guerra” também foi apresentado, a partir de um convite de Canon Milford, no culto vespertino em St. Mary the Virgin em 22 de outubro de 1939. Isso também se deve à apreciação de “O regresso do peregrino” por Canon e, como ele me relatou, com a grande inquietação que a Segunda Guerra Mundial causou nos estudantes de Oxford, Lewis – um ex-soldado e professor de Magdalene College – era visto como a pessoa ideal para colocar as coisas na perspectiva certa. O sermão também trouxe uma grande multidão à Igreja de St. Mary, e Canon Milford providenciou uma cópia mimeografada do sermão para cada pessoa que veio ao culto, com o título “None Other Gods”: Culture in War-Time” (Nenhum outro Deus: Cultura em tempo de guerra). Lewis usou como texto-base para o sermão Deuteronômio 26.5 – “A Syrian ready to perish was my father” (Meu pai era um arameu errante). Foi publicado no mesmo ano, na forma de panfleto, com o título The Christian in Danger” (O cristão em perigo), pelo Student Christian Movement (Movimento cristão estudantil). [4]

Citação - A guerra nos ameaça com a morte e a dor. Ninguém — especialmente nenhum cristão que se lembra do Getsêmani — precisa tentar alcançar uma indiferença estoica quanto a essas coisas, mas podemos nos policiar contra as ilusões da imaginação. Podemos pensar sobre as ruas de Varsóvia e contrastar as mortes que lá aconteceram com uma abstração chamada Vida. Contudo, não existe uma questão de vida ou morte para qualquer um de nós, apenas uma questão desta morte ou daquela — de uma bala de metralhadora agora ou um câncer daqui a quarenta anos. O que a guerra realiza em função da morte? Ela certamente não a torna mais frequente; cem por cento de nós vão morrer e essa porcentagem não pode ser aumentada. Ela adianta certa quantidade de mortes, mas acho difícil supor que seja isso que tememos. Certamente, quando o momento chegar, não fará muita diferença quantos anos foram deixados para trás. Será que a guerra aumenta a nossa probabilidade de uma morte dolorosa? Duvido. O quanto me é possível imaginar, aquilo que denominamos morte natural é normalmente precedido por sofrimento, e um campo de batalha é um dos poucos lugares em que se tem uma razoável possibilidade de morrer sem dor alguma. Será que a guerra diminui nossas possibilidades de morrerem paz com Deus? Não posso acreditar nisso. Se o serviço militar ativo não for capaz de persuadir um homem a se preparar para a morte, que outra série imaginável de circunstâncias o faria? Por outro lado, a guerra faz uma coisa em relação à morte. Ela nos força a lembrar dela. A única razão por que o câncer aos sessenta anos ou a paralisia ao setenta e cinco não nos incomodam é que nos esquecemos deles. A guerra torna a morte real para nós e isso seria considerado como uma de suas bênçãos pela maioria dos grandes cristãos do passado. Eles achavam bom para nós estar sempre conscientes de nossa mortalidade. Estou inclinado a pensar que eles estavam certos. Toda a vida animal em nós, todos os esquemas de felicidade que estão centrados neste mundo, sempre estiveram fadados ao fracasso. Em tempos de normalidade, somente os mais sábios podiam reconhecer isso. Agora, até o mais estúpido de nós sabe. Vemos, de modo inequívoco, o tipo de universo em que estamos vivendo todo esse tempo e devemos acertar as contas com ele. Se tínhamos esperanças não-cristãs acerca da cultura humana, elas estarão agora destroçadas. Se pensávamos que estivemos construindo um Céu na Terra, se procurávamos por algo que iria mudar o mundo presente, de ser um lugar de peregrinação para uma cidade permanente que satisfaz a alma de uma pessoa, estamos desiludidos e não é sem tempo. Porém, se pensávamos que para algumas almas, em alguns tempos, a vida acadêmica oferecida humildemente a Deus era, em seu pequeno próprio modo, uma das abordagens indicadas para a realidade Divina e a beleza Divina que esperamos um dia desfrutar, podemos sim continuar a pensar desse modo. [p.64-66]


CAPÍTULO 3 – POR QUE NÃO SOU UM PACIFISTA. Há um artigo extremamente relevante, em que CS Lewis responde a razão de não ser um pacifista. Em resumo, ele explica que as guerras em sua maioria não foram totalmente prejudiciais, grande parte dos avanços na sociedade se deram em guerras e o pacifismo trata-se de uma utopia, de uma má interpretação das palavras de Jesus no sermão do monte, devemos sim nos defender, devemos sim levar em conta que por mais dolorido que seja, a guerra não é de todo ruim e que devemos deixar alguns conceitos que aprendemos no decorrer dos anos. [5]

C. S. Lewis enfrenta as questões éticas que dizem respeito à guerra: seria a guerra sempre um mal? Atender à convocação oficial para apresentação para a o serviço militar durante a guerra é imoral? Lewis argumenta que o conflito armado é somente um a concretização do estado constante dos seres humanos como criaturas decaídas. Estamos sempre em batalhas, sendo que a mais importante é a batalha entre o bem e o mal, entre o céu e o inferno que ocorre diariamente em nossas vidas. Sendo assim, não há, em princípio, um problema ético essencial em relação à atitude do soldado que atende ao chamado de sua pátria (C. S. Lewis mesmo havia lutado na I Guerra Mundial). Do mesmo modo, para os que não partem para a batalha, não há motivo para a suspensão das atividades da vida durante o período de guerra, Lewis fala, especialmente, da desnecessidade de interromper produção de conhecimento e de arte. Ressalta-se, porém, que a filosofia e a arte do cristão devem ser sempre, segundo Lewis, aplicados para gerar um entendimento e uma visão de mundo que reflitam a verdade do evangelho.[6]

Acerca do pacifismo, C.S. Lewis entendeu direito o verdadeiro espírito do Espírito Santo, e Lewis o provou praticamente em todos os seus livros, em especial nas “Crônicas de Nárnia” (com o Leão “que não é domesticado”) e na Trilogia Espacial, com a justiça divina operando pelas mãos do herói Dr. ER, todas as vezes que um final diferente foi planejado por ele. De qualquer modo, o leitor cristão, desacostumado com esta visão “belicista” de Aslam, certamente irá questionar se a visão de Lewis teria algum respaldo nos Evangelhos! (Mt 10.34; Lc 12.49-51; Lc 19.27; Lc 22.36) Eis o caráter verdadeiro de Jesus, que não é demagógico e semi-pacifista como explicou Lewis, mas que detesta o pecado e contra ele sempre se levanta, e com toda a justa ira de Deus em seu coração!

Citação - Farei considerações sobre a Autoridade Divina exclusivamente em termos do pensamento cristão. Quanto às outras religiões da civilização, acredito que somente uma o budismo - seja genuinamente pacifista. De qualquer forma, não estou suficientemente informado a respeito dessas religiões para discutir suas ideias de maneira proveitosa. Ao nos voltarmos para o cristianismo, encontramos o pacifismo alicerçado quase exclusivamente em certas palavras de Nosso Senhor. Se tais palavras de Jesus não estabelecem a posição pacifista, será inútil tentar baseá-lo no securus judicat da cristandade como um todo, pois quando busco essa orientação encontro a autoridade como um todo contra mim. Ao ler os Trinta e Nove Artigos, a declaração que é minha autoridade imediata como um anglicano, encontro, escrito preto no branco, que é lícito para homens cristãos, sob as ordens do magistrado, empunhar armas e servir nas guerras". Os dissidentes podem não aceitar isso; então, posso indicar que leiam a história dos presbiterianos, que não é nada pacifista. Os papistas podem não aceitar isso; então, posso indicar a eles a regra de Tomás de Aquino: "Assim como os príncipes licitamente defendem suas terras pela espada contra as desordens internas, também é incumbência deles defendê-las pela espada contra os inimigos externos". Ou, no caso de se exigir autoridade patrística, vale citar Agostinho: “Se o discipulado cristão reprovasse inteiramente a guerra, então esta resposta teria sido dada inicialmente àqueles que buscaram o conselho da salvação no evangelho, de que eles deveriam depor suas armas e retirar-se totalmente do serviço de soldado. Mas, eis o que realmente lhes foi dito: "não pratiquem a extorsão nem acusem ninguém falsamente; contentem-se com o seu salário". Quando ele os exortou a se contentarem com o salário de soldado, não os proibiu de serem pagos como soldados. [p.84-85]


CAPITULO 4 – TRANSPOSIÇÃO. "Transposição" foi apresentada na capela do Mansfield College, Oxford – uma instituição congregacional - a convite de seu diretor, Nathaniel Micklem (1888-1976), no Dia de Pentecoste, 28 de maio de 1944. O evento foi noticiado pelo lhe Daily Telegraph de 2 de junho de 1944 sob o título "Modem Oxfords Newman" (O Newman moderno de Oxford), ressaltando que "no meio do sermão o Sr. Lewis, muito emocionado, parou e disse: 'Desculpem', e saiu do púlpito. Dr. Micklem, o diretor, e o capelão foram ajudá-lo. Depois que um hino foi entoado, o Sr. Lewis retornou e terminou seu sermão (...) num tom bastante comovente". Lewis provavelmente alcançou tanto êxito quanto qualquer outro escritor moderno, tanto na ficção quanto em seus sermões, em tornar o Céu crível. Minha impressão é que em algum momento, mas não necessariamente em 1944, ele pode ter percebido que sua preleção "Transposição" não tenha sido tão bem-sucedida. Apesar de estar bem doente na primavera de 1961, quando seu editor na Geoffrey Bles, Jock Gibb, pressionava-o a editar um volume com seus ensaios, algo maravilhoso ocorreu. Com uma simplicidade que, talvez, seja mais bem descrita como o Céu vindo em seu próprio socorro, Lewis teve a visão das glórias envolvidas quando o que é corruptível se reveste do que é incorruptível; e, então, veio de sua caneta uma porção adicional de texto em que eleva aquele sermão a uma eminência peculiar. Essa nova porção se inicia na página 106, com o parágrafo; "Acredito que essa doutrina da transposição fornece e conclui na página 111, com o parágrafo que termina assim: "São muito frágeis, muito transitórios, muito fantasmagóricos". Essa versão ampliada do sermão apareceu pela primeira vez no livro de Lewis TheyAskedfor a Paper (Eles pediram um artigo) (Londres, 1962).[7]

Lucas Araújo em seu blog, comentou o seguinte: “Há ainda um sermão sobre o falar em línguas, chamado "transposição". Lewis apresenta tal acontecimento como algo "embaraçoso" e de fato é. Como discernir o falar em outras línguas sem levar em conta todo o emocionalíssimo que há por trás desse ato? Em resumo, seu argumento é de que ninguém que está olhando por baixo, que não transpôs os limites da razão, pode compreender plenamente tal dom. É algo que quem está de baixo não alcança, naturalmente acabam de alguma forma criticando o que não conhecem”. [8]

Citação - Minha dificuldade é esta. Por um lado, a glossolalia tem sido uma "variedade de experiências religiosas" intermitentes até a atualidade. Muitas vezes, ouvimos que em uma reunião de reavivamento uma ou duas pessoas presentes irrompem naquilo que parece ser uma enxurrada de fala sem sentido. Tais ocasiões não parecem edificantes, e todas as opiniões de não cristãos consideram-na uma espécie de histeria, uma descarga involuntária de entusiasmo e agitação. Grande parte da opinião cristã explica a maioria das ocorrências exatamente da mesma maneira; e devo confessar que seria muito difícil acreditar que em todas essas ocasiões é o Espírito Santo que está atuando. Suspeitamos, ainda que não possamos ter certeza, de que isso é normalmente algo ligado ao sistema nervoso. Essa é uma das facetas do problema. Por outro lado, na condição de cristãos, não podemos engavetar a história do Pentecostes nem negar que pelo menos naquela ocasião o falar em línguas foi miraculoso, pois as pessoas não pronunciaram coisas sem nexo, mas falaram línguas a elas desconhecidas, apesar de serem conhecidas de outras pessoas presentes. O acontecimento todo, do qual este faz parte, está entretecido na própria história do nascimento da Igreja. É o próprio acontecimento que o Senhor ressurreto tinha orientado à Igreja que esperasse - quase nas últimas palavras que ele pronunciou antes de sua ascensão. Parece, portanto, como se devêssemos dizer que o mesmo fenômeno que às vezes não é apenas natural, mas até mesmo patológico, é outras vezes (pelo menos, uma outra vez) o instrumento do Espírito Santo. [p.93-94]


CAPÍTULO 5 – TEOLOGIA É POESIA? O ensaio "Teologia é poesia?" foi lido no Clube Socrático da Universidade de Oxford, em 6 de novembro de 1944, e foi publicado inicialmente na revista The Socratic Digest, vol. 3 (1945). [9]

Lewis argumenta brilhantemente a favor de um método teológico que expresse verdades e não simplesmente satisfaça a imaginação, e critica a posição em que o naturalismo materialista de intelectuais como H. G. Wells e o liberalismo teológico colocam a Teologia. Nesse precioso texto, C. S. Lewis argumenta que a teologia, como ramo do conhecimento, pode abrigar em seu seio outras formas de conhecimento, como a própria ciência. Em Um deslize da língua e em Acerca do Perdão, Lewis aborda temas centrais do cristianismo em sermões breves, porém profundos. Em Transposição, Lewis fala sobre os dons espirituais e sobre a ação sobrenatural de Deus na terra.[10]

Citação - Alguém pode ser forçado a pensar, a partir dessas bases e outras semelhantes, que de tudo o mais que possa ser verdade, a cosmologia científica popular não é. Abandonei aquele navio não por causa do chamado da poesia, mas porque pensei que ele não pudesse se manter flutuando. Algo como o idealismo filosófico ou o teísmo deve ser, na pior das hipóteses, menos falso que isso. E o idealismo se mostrou um teísmo disfarçado, quando você o leva a sério. E uma vez tendo aceitado o teísmo, você não poderia ignorar as afirmações de Cristo. E depois que as examinei, me pareceu que não poderia assumir uma posição mediana. Ou ele era um lunático ou era Deus. E ele não era um lunático.

E esse é para mim o teste decisivo. É assim que distingo o sonho e a vigília. Quando estou desperto posso, em certo grau, avaliar e estudar meu sonho. O dragão que me perseguiu na noite passada pode ser encaixado no meu mundo desperto. Sei que existem coisas como os sonhos; sei que comi um jantar difícil de digerir; sei que alguém que lê o que leio está sujeito a sonhar com dragões. Mas, enquanto eu estava no pesadelo não podia inserir minha experiência de desperto. O mundo desperto é avaliado de modo mais real porque poderá conter, assim, o mundo dos sonhos; o mundo dos sonhos é avaliado como menos real porque não pode conter o mundo desperto. Pela mesma razão, estou certo de que ao passar dos pontos de vista da ciência para o teológico, passei do sonho para o despertamento. A Teologia cristã pode acomodar a ciência, a arte, a moralidade, e as religiões não-cristãs. A perspectiva da ciência não é capaz de acomodar nenhuma dessas coisas, nem mesmo a própria ciência. Creio no cristianismo assim como creio que o Sol nasceu, não apenas porque o vejo, mas porque por meio dele eu vejo tudo mais. [p.136-138]


CAPÍTULO 6 – O CÍRCULO INTIMO. A preleção O círculo íntimo "foi o "Discurso Comemorativo" anual apresentada no Kings College da Universidade de Londres no dia 14 de dezembro de 1944.[11] O autor começa com uma passagem de “Guerra e Paz” de Tolstói, na qual o jovem segundo-tenente descobre que existem dois sistemas diferentes de hierarquia. O primeiro está explícito e deixa claro que um general é superior a um coronel.

Com essa descrição, Lewis inicia uma série de observações – “vou fazer algo mais fora de moda do que talvez estejam esperando. Vou lhes dar conselhos”, diz ele – a respeito dos perigos de sermos seduzidos pelos círculos íntimos, apesar de serem absolutamente normais e frequentes nas relações humanas. A questão, como ele diz, é “o que dizer de nosso anseio por ingressar neles, nossa angústia ao sermos excluídos e o tipo de prazer que sentimos quando neles ingressamos?” Eis o perigo: o momento em que – vale parafrasear – um homem que ainda não é muito mau passa a fazer coisas muito más.

As panelinhas, quando ligadas a instituições de poder, são ainda mais desejadas, pois, caso façamos parte delas, também passamos a ser agentes de sua influência; nossa voz terá um “peso”; o que dissermos será endossado pelo grupo e valerá muito mais do que uma opinião isolada. Por exemplo, um grupo de influência num governo, fatalmente, acaba por governar.

Lewis mesmo criou um exemplo literário perfeito para denunciar a sedução e influência dos círculos íntimos. Trata-se de Uma força medonha, o último livro de sua trilogia de ficção científica – os demais são Além do Planeta Silencioso e Perelandra. A história se passa numa universidade (e não em outro planeta, como é o caso dos outros livros), palco de uma trama cujo intuito é criticar o avanço das ideias cientificistas que ganhavam proeminência, principalmente, pelas obras de H.G. Wells, Olaf Stapledon e J.B.S. Haldane, cujos livros Lewis apreciava, apesar de discordar. Ele esclarece suas intenções no prefácio: “esta é uma história incrível sobre a perversidade, não obstante subjacente a ela exista um ‘ponto’ sério que tentei esclarecer em minha Abolição do homem. Na história, era preciso mostrar os limites dessa perversidade tocando a vida de algumas pessoas de profissão normal e respeitável”. Ou seja, seu principal objetivo é expor, ao longo dessa obra – que se passa na universidade fictícia de Edgestow, mais especificamente na Faculdade de Bracton, na Inglaterra –, todo o pedantismo científico que ele julgava maligno, como a história de Mark Studdock e seus colegas do Instituto Nacional de Experimentos Coordenados (Inec) acaba por demonstrar.

A citação de sua obra A abolição do homem é digna de nota. Nela, Lewis investe pesadamente, e com destreza filosófica ímpar, contra o materialismo e o cientificismo. E Uma força medonha é seu correspondente literário."[12]


CAPÍTULO 7 – MEMBRESIA. "Membresia" foi apresentada à Sociedade de St. Alban e St. Sergius, em Oxford, em10 de fevereiro de 1945. O convite foi da Srta. Anne Spalding, uma velha amiga de Charles Williams, pois foi no lar dos pais da Srta. Spalding que Williams viveu quando mudou para Oxford, no começo da Segunda Guerra Mundial. O ensaio foi primeiramente publicado na revista Sobornost, nº 31 (junho de 1945).[13]

Citação - A sociedade para a qual o cristão é chamado no batismo não é um coletivo, mas um Corpo. De fato, é aquele Corpo do qual a família é uma imagem no nível natural. Se alguém vem a ele com a concepção errada de que ser membro da igreja é o mesmo que ser membro no sentido degradado moderno - uma aglutinação de pessoas como se elas fossem moedas ou itens — ele seria corrigido, já na entrada, pela descoberta de que o líder desse corpo é tão diferente de seus membros que eles não compartilham com ele predicado algum a não ser por analogia. Somos convocados, desde o início, a nos associar como criaturas ao nosso Criador, como mortais ao imortal, como pecadores resgatados ao Redentor sem pecado. Sua presença, a interação entre ele e nós, deve ser sempre um fator inteiramente predominante na vida que devemos viver dentro do corpo, e qualquer concepção de comunhão cristã que não signifique prioritariamente comunhão com ele está fora de questão. Depois disso, parece quase trivial traçar com detalhes a diversidade de operações para a unidade do Espírito, mas ela estará ali muito claramente. Existem sacerdotes separados dos leigos, catecúmenos separados daqueles que estão em comunhão plena. Há a autoridade do marido sobre a esposa e de pais sobre os filhos. Existe, em formas muito sutis para considerar em termos de manifestação oficial, uma troca contínua de ministrações complementares. Estamos todos constantemente ensinando e aprendendo, perdoando e sendo perdoados, representando Cristo para as pessoas, quando intercedemos por elas, e representando as pessoas para Cristo, quando outros intercedem por nós. O sacrifício da privacidade pessoal, que é diariamente exigido de nós, é recompensado diariamente, cem vezes mais, no verdadeiro crescimento da personalidade que a vida do corpo encoraja. Aqueles que são membros uns dos outros se tornam tão diferentes quanto a mão e o ouvido. Essa é a razão por que as pessoas do mundo são tão monotonamente parecidas entre si, quando comparadas com a quase fantástica variedade dos cristãos. Obediência é o caminho para a liberdade, humildade é o caminho para o prazer, unidade é o caminho para a personalidade. [p.162-164]


CAPÍTULO 8 – SOBRE O PERDÃO. "Sobre o perdão" foi escrito a pedido do reverendo Patrick Kevin Irwin (1907-1965) e enviado a ele em 28 de agosto de 1947, para inclusão na revista da paróquia do reverendo Irwin, da Igreja de St. Mary, em Sawston, Cambridgeshire. No entanto, o reverendo Irwin foi transferido para a Igreja de St. Augustine, em Wisbech, antes de poder publicá-lo. A primeira vez que ouvi sobre o ensaio foi em 1975, quando membros da família do reverendo Irwin depositaram o manuscrito na Biblioteca Bodleian. Foi inicialmente publicado no livro de Lewis Fern-seed and Elephants and Other Essays on Christianity (Sementes de samambaia e elefantes, e outros ensaios sobre o cristianismo) (Londres: Fount/Collins, 1975). [14]

Citação - Dizemos muitas coisas na igreja (e fora da igreja também) sem pensar adequadamente. Por exemplo, declamamos o credo "Eu creio no perdão dos pecados". Recitei isso por muitos anos antes de me perguntar por que estava no credo. À primeira vista, parece não ser muito importante que esteja. "Se alguém é cristão", pensei, "claro que crê no perdão dos pecados. Nem é necessário dizer isso". Mas as pessoas que compilaram o credo pensaram, aparentemente, que isso era uma parte de nossa crença, que dela precisávamos nos lembrar, todas as vezes que íamos à igreja. Comecei então a ver, naquilo que me diz respeito, que eles estavam certos. Crer no perdão dos pecados não é tão fácil assim como eu pensava. Tal crença é o tipo de coisa que muito facilmente sai de cena, se não o mantivermos como algo a ser polido. Cremos que Deus perdoa os nossos pecados, mas também que ele não o fará a não ser que nós perdoemos os pecados de outras pessoas contra nós. Não existe nenhuma dúvida sobre a segunda parte dessa declaração. E a oração do Senhor (o Pai Nosso); e foi enfaticamente afirmado por Nosso Senhor. Se você não perdoar não será perdoado. Nenhuma parte de seu ensino é mais clara e não há exceções. Não faz parte desta ordem que devemos perdoar os pecados de outras pessoas desde que não sejam muito assustadores, ou desde que não haja circunstâncias atenuantes ou algo desse tipo. A ordem é perdoar a todos, mesmo que sejam maldosos, que sejam perversos, não importa quão freqüentes sejam os erros que cometem. Se não, não seremos perdoados de nenhum de nossos pecados. [p.172-173]


CAPÍTULO 9 – ATO FALHO. "Ato falho" foi o último sermão que Lewis pregou. Ele pregou esse sermão atendendo ao convite do reverendo C. A. Pierce, capelão do Magdalene College, Cambridge, na capela da faculdade no culto vespertino em 29 de janeiro de 1956. Diferentemente de seu homônimo de Oxford, o Magdalene College de Cambridge é bem pequeno e sua capela, uma perfeita e pequena preciosidade à luz de velas, é de fato minúscula. Ainda assim, o livro de registros da capela revela que ela estava cheia - cem pessoas - e que cadeiras adicionais foram necessárias. O sermão foi publicado no livro Screwtape Proposes a Toast and Other Pieces (Londres: Fount/Collins, 1965), obra essa em que Lewis ajudava seu editor a planejar pouco antes de morrer.[15]

Citação - Queria dizer este tipo de coisa. Faço minhas orações, leio um livro devocional, preparo-me para, ou recebo, a Ceia do Senhor, mas, enquanto faço essas coisas, existe, por assim dizer, uma voz dentro de mim me exortando à cautela. Ela me diz para ser cuidadoso, para manter a cabeça no lugar, para não ir muito longe e não queimar meus barcos. Entro na presença de Deus com grande temor, para que nada aconteça a mim nesse momento que seja intolerável demais quando eu voltar à minha vida "normal". Não desejo me entusiasmar com alguma resolução que eu possa depois lamentar, pois sei que poderei me sentir muito diferente depois do café da manhã; não quero que nada me aconteça quando estiver diante do altar que venha a se tornar uma cobrança muito grande depois. Seria muito desagradável, por exemplo, levar o dever da caridade (enquanto estiver no altar) tão a sério que, depois do café, eu tivesse de rasgar uma resposta muito severa que tinha escrito para uma pessoa petulante, de quem recebi uma carta ontem, e que eu pretendia postar hoje no correio. Seria muito cansativo me comprometer com um programa de temperança que fosse cortar o cigarro que fumo depois do café da manhã (ou, na melhor das hipóteses, fazer a crueldade de oferecer a alternativa de um cigarro mais ao fim da manhã). Até mesmo o arrependimento por ações do passado terá de ser pago. Ao se arrepender, a pessoa reconhece seus atos como pecados - portanto, não devem ser repetidos. É melhor deixar esse assunto sem decisão. [p.179-180]


CONCLUSÃO - Por conta do público específico era de se esperar que os sermões fossem super acadêmicos, mas eles trazem a leveza de um homem cristão com princípios não tão diferentes dos nossos. Por isso, a leitura é bem instigante. Queremos saber o que ele acha dos ensinamentos da Igreja, a doutrina do Cristianismo e quais os próximos objetos de sua argumentação.

É necessário ter um conhecimento bíblico para que haja uma sintonia com alguns termos e acontecimentos bíblicos no conteúdo de alguns sermões. Por exemplo, ele discorre com afinco e usa como base a glossolalia presente no milagre do domingo de Pentecostes. Fica difícil continuar a leitura se você não estiver por dentro do que aconteceu nesse dia.

Os sermões do autor são muito atuais. Apesar de datados do século passado, seus exemplos parecem ter sido retirados de situações e pessoas que conhecemos. E suas observações, por exemplo, sobre o amor, a glória, e a igualdade, são sábias e criam uma espécie de empatia com a gente.

Recomendo O Peso da Glória para todos os leitores amantes da escrita de C. S Lewis. Ele surpreende e prova mais uma vez que era um homem avançado para a própria época. Tenho toda a certeza que você vai adorar ler seus sermões.

Essa resenha tem seus créditos e todos são citados no final desta resenha. Adquira este livro, clicando na imagem acima.

_______________
[1] Walter Hooper. Introdução, p. 23-24
[2] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[3] Citado por Michele Bowkunovkcz in: http://www.rotinaagridoce.com/2018/06/resenha-1637-o-peso-da-gloria-c-s-lewis.html
[4] Walter Hooper. Introdução, p. 24
[5] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[6] Citado por Rodrigo Silveira in: http://bibliotecaimbb.blogspot.com/2009/03/o-peso-de-gloria.html
[7] Walter Hooper. Introdução, p. 25-26.
[8] Citado por Lucas Araújo in: http://gracavaliosa.blogspot.com/2017/02/resenha-o-peso-de-gloria-cs-lewis.html
[9] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[10] Citado por Rodrigo Silveira in: http://bibliotecaimbb.blogspot.com/2009/03/o-peso-de-gloria.html
[11] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[12] Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/paulo-cruz/atracao-fatal/ Copyright © 2019, Gazeta do Povo. Todos os direitos reservados.
[13] Walter Hooper. Introdução, p.26.
[14] Walter Hooper. Introdução, p.26-27
[15] Walter Hooper. Introdução, p.27

Nenhum comentário: