segunda-feira, 17 de junho de 2019

A AÇÃO DO ESPÍRITO NO MUNDO [Resenha]


ALBANO, Fernando. A ação do Espírito no mundo: novas perspectivas sobre o profetismo pentecostal em diálogo com Paul Tillich. São Paulo, SP: Editora Recriar, 2018. 236p.


O AUTOR - Fernando Albano é Doutor em Teologia pelo Instituto de Pós-Graduação da Faculdade EST, São Leopoldo, RS. Mestre em Teologia (EST/RS). Licenciado em Ensino Religioso (Ciência da Religião) pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, Joinville, SC. Atualmente é docente e pesquisador da Faculdade Refidim, Joinville, SC. Tem experiência na área de Teologia Sistemática e Ensino Religioso. Membro da Rede Latino-Americana de Estudos Pentecostais – RELEP. É pastor auxiliar da Igreja Evangélica Assembleia de Deus em Joinville, SC.


O LIVRO – Este livro é um marco divisório na Teologia Pentecostal, pois consegue se ver livre dos pressupostos ultrapassados das teologias dos Séculos XVIII e XIX que, embora sejam Teologias sérias e importantes para a reflexão da igreja, tentam encabrestar a ação do Espírito na igreja e no mundo, a um agir modesto, tímido e quase irrelevante. Em boa medida, a Teologia Pentecostal, quando começou a se organizar e na ausência de escritos autóctones, lançou mão dessas teologias dos séculos passados, que lhe ajudaram a formatar reflexões soteriológicas e cristológicas muito importantes, porém sufocaram e sufocam ainda, parcialmente, a liberdade do Espírito em agir de forma imprevisível, irreverente, paradoxal, holística, carismática e cuidadosa na vida da igreja e das pessoas que a compõe.

Para dirimir este déficit histórico da Teologia Pentecostal o autor faz propostas e aponta caminhos de uma profunda reflexão pentecostal, baseada em suas reflexões construídas há quase vinte anos ensinando teologia, convivendo com alunos, participando de eventos acadêmicos e eclesiais e, acima de tudo, através de uma formação acadêmica que lhe ampliou os horizontes e apontou caminhos de uma Teologia do Espírito que ultrapassasse as barreiras impostas por teologias limitadoras da liberdade do Espírito.

Sua proposta de uma pneumatologia pentecostal pública é inédita e extremamente relevante, pois reconhece o trabalho de resgate histórico de pessoas marginalizadas que o pentecostalismo faz, atraindo milhões de pessoas para o conforto de uma religiosidade que sempre deu alta importância à atuação da sobrenaturalidade divina, nas histórias individuais e coletivas, nas macro e micro histórias e narrativas de vida, trazendo conforto, consolo e segurança para uma sociedade que vive entregue à insegurança de instituições que não dão conta de atender as demandas que lhe cabem. Além disso, o pentecostalismo abre espaço para os marginalizados, para as mulheres, para missões em favor dos necessitados, incentiva profecias, revelações, curas milagrosas e os carismas do Espírito, bem como empodera para o serviço, para missões e evangelismo, permitindo acesso à liderança de pessoas que de outra forma não seriam protagonistas nem de suas próprias vidas.

Além de reconhecer o legado da teologia pentecostal na história e na sociedade, o autor propõe de forma profeticamente cirúrgica o mover do Espírito e suas implicações na eclesiologia. Ele se apropria dos principais teólogos pentecostais da atualidade, estabelecendo uma relação harmoniosa entre teólogos pentecostais tradicionais e aqueles pentecostais que dialogam com a sociedade de forma abrangente e propositiva como Amos Yong e Nimi Wariboko, além disso, traz para o texto e o enriquece com outros reconhecidos teólogos pentecostais como Roger Stronstad, Antony Palma, Stanley Horton e Kenneth Archer. Dessa forma, o autor faz seu trabalho ser considerado como um dos melhores tratados de Teologia Pentecostal em língua portuguesa, não deixando nada a desejar a importantes teólogos pentecostais internacionais.

A linha mestra de sua pesquisa se dá na aproximação da teologia pentecostal aos aportes dialógicos do sistema teológico filosófico de Paul Tillich, um teólogo de fronteiras e seu método de correlação, que, com suas obras procura descrever a profundidade da realidade última e o fenômeno religioso, emprestando ao livro de Albano clareza epistemológica no entendimento das principais doutrinas pneumatológicas do pentecostalismo, especialmente na atuação do Espírito no mundo e na existência concreta, apontando convergências e divergências na comparação entre as duas teologias, mas nunca permitindo que elas se fundam, cada uma mantendo sua identidade própria e suas particularidades, embora apontem para algumas aproximações muito interessantes e similares, afirmando contudo que o pentecostalismos não é a concretização da teologia de Paul Tillich. O Espírito para Tillich é a dimensão última da vida, que lhe empresta profundidade e fundamenta todas as coisas, superando as ambiguidades humanas através da possibilidade fragmentária do êxtase, fazendo o ser humano transcender as suas ambiguidades.

Para não ficar retido em torres de marfim e sacadas existenciais, o autor traz o debate da Teologia Pentecostal para a arena da Teologia Pública, propondo diálogos abertos com Rudolf Von Sinner e Michael Welker, fazendo o pentecostalismo estar no mundo como uma provável solução para a falta de perspectivas e situações de pobreza de muitas pessoas, contrariando seu próprio desejo de afastar-se do mundo. Para tal aproximação da Teologia Pentecostal com a Teologia Pública, o autor criou a expressão "cidade pentecostal" onde descreve com brilhantismo as implicações da pneumatologia pentecostal, com grande ênfase na experiência religiosa, que permite o protagonismo dos pobres, apontando para a sua dignificação a partir dessa experiência e de seu sentimento de profunda pertença religiosa.

Chamo atenção mais uma vez para a relevância desta pesquisa e desejo que sua leitura e aproveitamento pela academia traga novos aportes e reflexões para o bom desenvolvimento da Teologia Pentecostal no Brasil.


AÇÃO DO ESPÍRITO NO MUNDO

O objetivo principal deste livro, mais do que de apurar lacunas, é alcançar os aprendizados possíveis dessa correlação entre a pneumatologia pentecostal e a perspectiva teológica de Paul Tillich. O efeito mais destacado desse diálogo é a indicação de uma teologia do Espírito que contribua para a qualificação da presença pentecostal na esfera pública. A teologia neste caso é compreendida não tendo como objeto o próprio Deus, mas a análise dos discursos humanos sobre Deus. Ou, nas palavras de Rudolf Von Sinner: “reflexão metodologicamente responsável sobre o nosso falar sobre Deus e não sobre Deus em si. [...] Trata-se de uma empreitada humana, não divina. A teologia apresenta o que percebe da verdade com argumentos que podem ser discutidos e questionados, e não por decreto”.[1]

Concernente à qualificação da presença pública pentecostal, esta passa pela pneumatologia, entendida dentro do contexto da Trindade, da relação existente entre Deus e o mundo, assim como vinculada ao empoderamento da vida, sobretudo dos mais pobres. Outrossim, na concepção do Espírito como a força divina afirmadora da vida em sua diversidade religiosa, social, política, etc. Como aporte teológico, de modo que contribua na superação pentecostal do fundamentalismo e do frequente triunfalismo na esfera religiosa e política.[2]

O movimento pentecostal chegou ao Brasil no início do séc. XX, proveniente dos Estados Unidos e teve início em Belém do Pará, através dos missionários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren que tinham passado por Chicago. Estes dois fundaram, inicialmente, a “Missão de Fé Apostólica”, depois denominada de "Igreja Evangélica Assembleia de Deus", até hoje a maior representante do chamado pentecostalismo clássico.[3] Também, igualmente importante nos primórdios do pentecostalismo brasileiro foi a atuação do leigo italiano Luigi Francescon, quem, em 1910, fundou a Igreja Congregação Cristã no Brasil.[4]

De acordo com Passos: "Os últimos dados do censo demográfico mostram o crescimento fenomenal dos grupos pentecostais nos últimos anos no Brasil. Eles passaram de 8,1 milhões em 1990 para 17,6 milhões em 2000”.[5] No último censo do IBGE realizado em 2010, o número dos pentecostais chega a impressionantes 25,4 milhões.[6] Esta representativa presença torna o pentecostalismo alvo de estudo e pesquisa por parte de teólogos, cientistas da religião, sociólogos, entre outros.[7]

Entre as principais características pentecostais, pode-se mencionar: ênfase nos dons espirituais, nova dinâmica litúrgica, intensa atuação leiga nas atividades e liderança das igrejas e uma notável preocupação com a missão. Tem na experiência intitulada de batismo no Espírito Santo seu fundamento doutrinário central.[8] Também a teologia pentecostal ensina que os fenômenos que acontecem dentro das suas comunidades são idênticos aos fenômenos pneumáticos que o Novo Testamento menciona nas primeiras comunidades cristãs.[9] Portanto, o interesse pentecostal no Espírito Santo se concentra geralmente no entendimento de sua atuação como de caráter sobrenatural, emocional e de empoderamento para o serviço e missão cristã. Recorrem às passagens da Bíblia que fazem menção de experiências extraordinárias ligadas á ação do Espírito de Deus (cf. At 2; 6.8-10; 1 Co 12.8-10) para fundamentar sua experiência.

Do mesmo modo, para o pentecostalismo o Espírito é Deus, é a terceira pessoa da Trindade. Ademais, o Espírito não é concebido como a terceira Pessoa da Trindade em si mesma, como uma pura abstração, mas é elaborada a partir da experiência do Espírito, feita pelos pentecostais em contextos de ameaça de vida e estreiteza de horizontes existenciais. Esta experiência religiosa é entendida como revestimento de poder, denominado de batismo no Espírito Santo.[10]

Esta experiência pentecostal, frequentemente vinculada ao serviço e missão cristãs, pode ainda ser concebida como força relativizadora das formas institucionais rígidas da fé cristã, proporcionando um espaço democrático de protagonismo religioso nas igrejas pentecostais, especialmente por parte dos pobres.[11] Desta forma como observa Bobsin: “[...] o pentecostalismo rompe com uma cultura religiosa e política hierárquica na esfera religiosa, O Espírito dá dons a todos, permitindo, assim, a participação na vida da congregação”. [12]

Além disso, cabe destacar que subjaz à pneumatologia pentecostal o fundamentalismo teológico que tende a ler as Escrituras de maneira literal e entende a Bíblia como inspirada pelo Espírito Santo, de modo que tudo o que escreveram é a palavra de Deus.[13] O dualismo da realidade em dimensão natural e sobrenatural, com primazia do último, se faz presente na construção pneumatológica.

Concernente à obra do Espírito Santo, esta é compreendida primeiramente como a ação de purificar indivíduos (santificação) e prepará-los para a vida futura no céu. De modo que geralmente a vida neste mundo é considerada importante apenas como campo de provação. Sendo assim, o Espírito, a partir desse contexto, é o ajudante divino que foi enviado para preparar o sujeito para a vida eterna.

Nesta dimensão terrena o crente é apenas um peregrino que juntamente com outros peregrinos constitui a Igreja de Deus, purificada e fortalecida pelo Espírito Santo para testemunhar para o mundo a vinda do reino de Deus. Assim, a obra do Espírito é praticamente entendida como restrita à igreja e à vida cristã. Como afirma Silva, teólogo pentecostal, “o Espírito Santo e a Igreja em tudo agem de comum acordo. A Igreja sem o Espírito seria um corpo sem vida; e o Espírito sem a Igreja, uma força sem meio de ação”.[14] Já a obra do Espírito em relação ao mundo é entendida pelos pentecostais em sentido geralmente de condenação, como apontamento de pecados. Portanto, há nessa perspectiva pneumatológica um notável caráter dualista, entre a realidade espiritual, ou eterna, e esta realidade material ou mundana. Outrossim, apresenta na atualidade um forte caráter individualista na relação Espírito de Deus e humanidade. Portanto, o foco é a salvação da alma individual e não a transformação do mundo ou a transformação de agrupamentos humanos e estruturas sociais.[15]

Nesta direção e também por conta desta teologia de caráter experiencial, as obras pentecostais que se ocupam com a teologia do Espírito carecem de fundamento mais sólido e sistemático.[16] Trata-se principalmente de organização abrangente de conteúdos da Bíblia. Pode-se dizer que é teologia para o consumo interno das igrejas pentecostais, sem diálogo com o pensamento da época.

Quanto à abordagem bíblica feita por esses teólogos, esta é basicamente caracterizada por uma leitura predominantemente literal, sem muitos recursos da hermenêutica contemporânea. Embora todas as três obras discutam a pneumatologia, nenhuma delas integra a teologia do Espírito no tecido maior das suas reflexões teológicas. Não há uma determinação pneumatológica sobre a apresentação do conteúdo das doutrinas e da interpretação da realidade.[17] Apesar disso, não deixa de abordar uma série de elementos doutrinários, tais como: Trindade, batismo no Espírito Santo, glossolalia, cura divina, a vinda de Cristo, santificação, salvação e a escatologia. Provavelmente, esse déficit sistemático ocorreu porque desde os primórdios do pentecostalismo, os seus teólogos não receberam treinamento formal em teologia. Isto resultou em postura anti-intelectual e resistência ao estudo acadêmico.[18] Ainda, por conta de sua escatologia que sempre enfatizou a vinda iminente de Cristo, os pentecostais julgaram que não dispunham de tempo suficiente para o estudo formal em teologia e até o consideraram um distanciamento da fé. Por isso, se ocuparam com tarefas que consideraram mais urgentes como a evangelização e a missão.

No pentecostalismo clássico também não há espaço para uma teologia negativa que reconheça a incapacidade e ambiguidades da linguagem humana para expressar o divino. Com isso, a teologia pentecostal, frequentemente peca por excesso de clareza na compreensão de Deus e da obra do Espírito na humanidade. Assim, não leva em conta a ambiguidade da linguagem humana, assim como do próprio espaço religioso, em que se dá a sua construção teológica.

Considerando os aspectos doutrinários do pentecostalismo clássico, seus aspectos positivos e negativos, acima esboçados, é que se propõe fazer um diálogo com o teólogo Paul Tillich. Este autor fez importante contribuição à teologia cristã no século XX, ao dar um lugar central para a teologia do Espírito em sua obra magna, isto é, sua Teologia Sistemática.[19] Segundo Enio Mueller: “sua teologia sistemática apresenta uma imensa e complexa trama contendo uma interpretação abrangente e transdisciplinar da realidade vista como um todo”.[20] Tillich nasceu num lar luterano, na cidade de Starzeddel, próximo de Berlim, em 1886. Graduou-se doutor em Filosofia, em Breslau, e em 1912 licenciou-se em Teologia, em Halle. Ao servir como capelão na I Guerra Mundial aproximou-se de tal modo da miséria humana que esta experiência lhe marcou profundamente, inclusive sua perspectiva teológica. Herdeiro do pensamento alemão do século XIX, especialmente do idealismo de Hegel e Schelling, também buscou no existencialismo e na psicologia do profundo, meios de ampliar sua visão teológica de realidade. Quando chegou aos Estados Unidos, em meados de 1933 como refugiado político, expulso da Alemanha por conta do nazismo, foi considerado como um teólogo subversivo.[21] Porém, posteriormente seu trabalho foi amplamente reconhecido na América e também na Europa.

A teologia de Tillich também apresenta uma dimensão política e social.[22] O teólogo da cultura foi influenciado pelos ideais concretos socialistas, principalmente no período em que viveu na Alemanha,[23] Teve colegas intelectuais socialistas da grandeza de Theodor Adorno e Max Horkheimer, da escola de Frankfurt.[24] Segundo Mueller, no início dos anos 20, Tillich é um dos co-fundadores do Círculo Kairós, um grupo de discussão sociológico, filosófico e teológico de perspectiva socialista.[25] Portanto, na construção teológica de Tillich, também pode se perceber potencial político e de transformação da realidade social. Seus conceitos de amor, poder e justiça, kairós, teonomia, teologia da cultura e Presença Espiritual são bons exemplo dessa realidade.[26]

No contexto brasileiro, muito já se escreveu a respeito da teologia de Paul Tillich. Há dissertações de mestrado e teses de doutorado em português que se ocupam com seu pensamento, enfatizando sua antropologia, a relação entre teologia e cultura, teologia sistemática, etc.[27] Tais pesquisas foram desenvolvidas principalmente na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em São Bernardo do Campo/SP e na Faculdades EST/RS, principais polos de discussão do pensamento tillichiano no contexto brasileiro e Latino-Americano. Também há numerosos artigos na Revista Eletrônica Correlatio, coordenada pelo Prof. Dr. Etienne Higuet, que se ocupam diretamente com a teologia de Tillich.

Por outro lado, no contexto brasileiro são escassas as pesquisas que promovam a interface entre a teologia pentecostal e a teologia de Paul Tillich. Cabe registrar, no entanto, o esforço de Reginaldo Leandro Plácido nesta direção. Em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdades EST, intitulada “Na dimensão do Espírito: uma leitura do Espírito Santo na teologia pentecostal em interface com a teologia sistemática de Paul Tillich” realizou este diálogo.[28] Plácido prioriza principalmente a experiência pentecostal denominada de batismo no Espírito Santo em interface com

o conceito de êxtase, conforme exposto por Tillich. Assim, Plácido procurou identificar as semelhanças e diferenças, encontros e desencontros entre a pneumatologia tillichiana e a pneumatologia pentecostal.[29] Conclui que há semelhanças na terminologia da pneumatologia de Paul Tillich com a abordagem pentecostal do Espírito Santo, principalmente na interface êxtase/batismo no Espírito Santo. Assim, conclui que a teologia do Espírito pode ser um ponto de diálogo entre a teologia de Paul Tillich com a teologia pentecostal.[30]

Aprofundando o bom trabalho de pesquisa feito por Plácido, acredita-se que a retomada do diálogo com Tillich pode resultar em aportes teóricos para a pneumatologia pentecostal, que ainda não foram explorados, principalmente dos efeitos tanto da pneumatologia tillichiana, quanto da pentecostal no que se refere ao espaço público e a ação responsável no mundo.

Convém destacar que teólogos pentecostais atuantes no contexto norte-americano, tais como Amos Yong, Frank Macchia e Nimi Wariboko, entre outros, já têm feito notáveis trabalhos nesta direção. Isto é, promovendo fecundos diálogos entre a teologia pentecostal e Paul Tillich, apresentando uma teologia pentecostal que valoriza sua experiência do Espírito e com implicações criativas para a renovação da teologia pentecostal e sua maior proximidade com a esfera pública.[31]

Isto posto, convém descrever o procedimento metodológico empregado nesta pesquisa a fim de promover este promissor diálogo. Primeiramente se pretende fazer a análise da teologia do Espírito em perspectiva pentecostal e de Paul Tillich separadamente, priorizando seus escritos teológicos.[32] Assim, pretende-se apresentar uma exposição abrangente das suas concepções pneumatológicas. Em seguida, observar-se-á suas concepções do Espírito Santo e suas implicações para a vida no mundo, conjuntamente com o objetivo de determinar seus pontos convergentes e divergentes. Ao pretender avaliar as suas concepções do Espírito de Deus se procurará empregar os seguintes critérios: 1) adequação das perspectivas teológicas à vida cidadã, caracterizada pelos princípios democráticos, por justiça e paz; 2) a ideia de ambiguidade na teologia; 3) adequação quanto aos requisitos de consistência e coerência; 4) além disto, o método utilizado é predominantemente teológico, com aportes interdisciplinares. Ou seja, a tese se situa dentro dos limites da teologia, especialmente da teologia sistemática; em estudos sistemáticos e bíblicos de perfil pentecostal, na Teologia Sistemática e outros escritos de Tillich e em insights de uma teologia pública no horizonte da cidadania.

Ainda, nesta pesquisa, não se pretende afirmar e/ou provar que o pentecostalismo seria uma espécie de concretização dos pressupostos pneumatológicos de Tillich. Definitivamente não é esta a questão. Também não se defende aqui que o êxtase segundo Tillich e o batismo no Espírito Santo na percepção pentecostal possam ser reputados como sinônimo. A tese desta pesquisa diz isto sim, respeito à necessidade de atualização da pneumatologia pentecostal no presente, a fim de recuperar os elementos proféticos das origens do pentecostalismo, que apresentam potencial de transformação religiosa, cultural e social. É preciso superar elementos fundamentalistas e autoritários que foram introduzidos no pentecostalismo clássico, ao longo do seu desenvolvimento histórico. Diante disto, se propôs o diálogo da pneumatologia pentecostal com Paul Tillich no horizonte da esfera pública. Esse diálogo mostrará a possibilidade de determinado tipo de pentecostalismo que não contradiz, mas intensifica a dimensão profética.


A ESTRUTURA DO LIVRO/TESE


1. A TEOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO DO PENTECOSTALISMO CLÁSSICO
1.1 Perfil do pentecostalismo clássico
1.2 O Fundamento bíblico-teológico da pneumatologia pentecostal clássica
1.3 Principais aspectos da pneumatologia pentecostal clássica

A estrutura da tese está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, A teologia do Espírito Santo do pentecostalismo clássico, pretende-se apresentar o perfil da pneumatologia pentecostal, principalmente da Assembleia de Deus. Discorrerá sobre o caráter distintivo da sua pneumatologia, priorizando sua experiência religiosa, intitulado de batismo no Espírito Santo. Serão analisados os fundamentos bíblico-teológicos utilizados pelos pentecostais para fundamentar sua doutrina do Espírito. Os pentecostais desde os seus primórdios, entenderam o seu movimento como uma obra de restauração do cristianismo primitivo pela via pneumatológica.


2 A TEOLOGIA DO ESPÍRITO SANTO DE PAUL TILLICH
2.1 Considerações iniciais
2.2 Conceitos fundamentais da Teologia de Paul Tillich
2.3 O Espírito Santo
2.4 O Espírito Santo e o Novo Ser
2.5 Considerações finais

No capítulo 2, a teologia do Espírito Santo de Paul Tillich será analisada seus conceitos teológicos fundamentais, ou seja, seu método de correlação, a relação entre filosofia e teologia, razão e revelação; também, e, principalmente, o vínculo entre o Espírito e religião, cultura e ambiguidades da existência. Assim, pretende-se, demonstrar o potencial do pensamento pneumatológico de Tillich, que apresenta uma espiritualidade comprometida com a liberdade do Espírito e seu potencial transformador da realidade (kairos, teonomia), trazendo o Novo Ser para dentro da existência humana, a fim de superar suas ambiguidades. Portanto, elementos teológicos relevantes para o diálogo com a perspectiva pentecostal.


3 A PESSOA PÚBLICA DO ESPÍRITO: CULTURA, SOCIEDADE E POLÍTICA NA DIMENSÃO DO ESPÍRITO
3.1 Pentecostalismo, cultura secular e sociedade
3.2 Breves notas sobre política na perspectiva de Paul Tillich
3.3 A cidade pentecostal: as implicações sociopolíticas da pneumatologia pentecostal
3.4 Pentecostais, igrejas e esfera pública: unidade e serviço em esperança

No terceiro capítulo, denominado A pessoa pública do Espírito: cultura, sociedade e política na dimensão do Espírito se pretende sugerir para a teologia e práxis pentecostal acolher a totalidade da ordem social e suas instituições, como realidades chamadas a participar do reino de Deus, e, assim superar dualismos e demonizações de certos aspectos da realidade, principalmente a política. Para tanto, os conceitos teológicos de Tillich, tais como, a Presença Espiritual, teologia da cultura, a ambigüidade, o demoníaco, Novo Ser, etc., fundamentarão essa seção, ainda que em alguns momentos, não explicitamente. Além disto, também se recorrerá à escatologia pentecostal no horizonte da teologia pública.


Portanto, como escreveu o próprio autor: “Em tempos de pentecostalismos e assembleianismos dos mais diversos, confusão e dificuldades na compreensão do papel das igrejas na esfera pública, a presente reflexão quer contribuir a partir da teologia do Espírito, para a inserção responsável das igrejas na sociedade.”

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[1] SINNER, Rudolf von. Teologia pública no Brasil. In: SOARES, Afonso Maria Ligorio; PASSOS, João Décio. Teologia pública: reflexões sobre uma área de conhecimento e sua cidadania acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 264-276, à p. 271.
[2] O pentecostalismo aqui expresso se refere às Assembléias de Deus no contexto do Brasil (CGADB).
[3] ARAÚJO, Isael. Dicionário do movimento pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p. 557s.
[4] MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, pentecostais & ecumênicos: o campo religioso e seus personagens. 2. ed. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008. p. 128,135.
[5] PASSOS. João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 18.
[6] BARTZ, Alessandro; BOBSIN, Oneide; SINNER, Rudolf von. Mobilidade religiosa no Brasil: conversão e trânsito religioso. In: REBLIN, lurí Andréas; SINNER, Rudolfvon (Orgs.) Religião e sociedade: desafios contemporâneos. São Leopoldo: Sinodal/ EST, 2012. p. 231-268, à p. 241.
[7] P. ex. SOUZA, Alexandre Carneiro de. Pentecostalismo: de onde vem, para onde vai? Viçosa (MG): Ultimato, 2004; ANTONIAZZI, Alberto et ai Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, 1994.
[8] GILBERTO, Antonio. Pneumatologia. A doutrina do Espírito Santo. In: GILBERTO, Antonio (Ed.) Teologia sistemática pentecostal. 2. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 171-244, à p. 191. WYCKOFF, John W. O batismo no espírito santo. In: HORTON, Stanley M. (Ed.) Teologia sistemática: uma perspectiva pentecostal. 10. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. p. 457.
[9] WYCKOFF, 2006, p. 462.
[10] WYCKOFF, 1997, p. 431-463.
[11] Segundo o sociólogo Ricardo Mariano, "depois de um século de presença no país, o pentecostalismo prossegue crescendo majoritariamente na base da pirâmide social, isto é, na pobreza". MARIANO, Ricardo. O pentecostalismo no Brasil, cem anos depois. Uma religião dos pobres. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2016.
[12] BOBSIN, Oneide. Correntes religiosas e globalização. 2. ed. São Leopoldo: CEBI; Curitibanos: Pastoral Popular Luterana; São Leopoldo: Sinodal: lEPG EST, 2002. p. 73.
[13] ANDRADE, Claudionor C. Bibliologia: a doutrina das Escrituras. In: GILBERTO, Antônio (Ed.). Teologia sistemática pentecostal. 2. ed. Rio de Janeiro, CPAD, 2008. p. 17-48, p. 31.
[14] SILVA, Severino Pedro. A existência e a pessoa do Espirito Santo. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p, 21.
[15] Entretanto, esta postura vem paulatinamente sofrendo mudanças. Isso ocorre pelo fato de começar a surgir um tímido discurso de transformação da sociedade. Isso pode ser verificado na abordagem dos últimos anos das Lições Bíblicas, órgão de doutrinação utilizado na escola bíblica dominical das congregações das Assembleias de Deus no Brasil. Por exemplo, Claudionor de Andrade, pastor e comentarista de Lições Bíblicas, critica o que chama de "conformismo escatológico", isto é, a atitude inerte e alienada de muitos crentes que interpretam erroneamente certas passagens da Bíblia para justificar a indiferença referente às questões públicas e, exorta: "É mister que nos lembremos ser a nossa missão atuar de forma profética, a fim de conscientizar este mundo, não apenas do poder do Evangelho, mas também da justiça de Deus" ANDRADE, Claudionor de. Lições bíblicas. As disciplinas da vida cristã: trabalhando em busca da perfeição. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 82. Convém salientar que a dissertação de mestrado de Rodrigo Gonçalves Majewski, orientada pelo Prof. Dr. Rudolf von Sinner (EST/RS), trata ricamente desta mudança do perfil assembleiano, expressa nas Lições Bíblicas - CPAD. Majewski fez um levantamento da teologia presente nas Revistas de Escola Bíblica Dominical - Lições Bíblicas a partir de 1987, coincidindo com o período histórico em que a Assembleia de Deus passou a participar da esfera pública de maneira mais efetiva, impulsionada pela Assembleia Nacional Constituinte. Sua pesquisa abrange 23 anos de Lições Bíblicas. Suas perguntas básicas de pesquisa foram: "1) Qual o mandato do crente para além dos muros da igreja? 2) O que a teologia pentecostal tem a dizer sobre a relação do crente com a sociedade?" Majewski constata em sua pesquisa que foi somente a partir do ano de 2005, que as Lições Bíblicas passaram a se ocupar de maneira mais ampla com a relação do cristão com a sociedade. Contudo, muito ainda precisa ser feito nessa direção. Nas palavras de Majewski: "na teologia popular assembleiana, a tensão entre 'material' e 'espiritual' existe, na medida em que o discurso de rejeição e separação do mundo continua, ao mesmo tempo em que se enfatiza a necessidade de uma presença ativa e positiva dos cristãos na sociedade, de forma que se procura, através das lições de escola dominical, passar-se uma visão teológica equilibrada, que não resulte em um extremismo antiespiritual, por um lado, ou docético, por outro”. MAJEWSKI, Rodrigo Gonçalves. Assembleia de Deus e teologia pública: o discurso pentecostal no espaço público. Dissertação [Mestrado em Teologia]. Programa de Pós-Graduação em Teologia, EST, São Leopoldo, 2010. p. 17-29.
[16] GILBERTO, 2008. HORTON, 1997. PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo: Vida, 1996.
[17] Por exemplo, a teologia luterana tradicional, tem como norma da teologia sistemática a doutrina da justificação. Na teologia calvinista, a soberania de Deus expressa na predestinação, determina a apresentação e organização das doutrinas no seu sistema teológico. Cf. TILLICH. Paul. Teologia sistemática. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 62. Algo semelhante praticamente não existe no pentecostalismo clássico.
[18] POMMERENING, Claiton. Fábrica de pastores: interfaces e divergências entre educação teológica e fé cristã comunitária na teologia pentecostal. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Teologia, EST, São Leopoldo, 2015. p. 83-88.
[19] A influência teológica de Paul Tillich ainda está presente na teologia contemporânea. Isto pode ser verificado pelas “Sociedades Paul Tillich” espalhadas pelo mundo. Aqui no Brasil há a Sociedade Paul Tillich do Brasil, situada anexo à Universidade Metodista de São Paulo - UMESP e presidida pelo Prof. Dr. Etienne A. Higuet e Prof. Dr. Enio Ronald Mueller (vice-presidente). A finalidade da Sociedade é de reunir pesquisadores que trabalhem direta ou indiretamente com os conceitos e abordagens de Tillich e de viabilizar a publicação de trabalhos sobre Tillich. Seu principal veículo de divulgação é a revista virtual Correlatio, que contém um notável acervo de reflexões sobre a teologia de Paul Tillich. TILLICH. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2016.
[20] TILLICH, 2005, p. 04.
[21] TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 2005. p. 12. Conferir também MUELLER, Êpio R.; BEIMS, Robert W. (Orgs.) Fronteiras e interfaces: o pensamento de Paul Tillich em perspectiva interdisciplinar. São Leopoldo: Sinodal: 2005. p. 11-39.
[22] STONE, Ronald H. Paul Tillich’s radical social thought. Atlanta; John Knox Press, 1980.
[23] MUELLER, 2005, p. 20-24. A expressão "teólogo da cultura" é devido ao fato de Paul Tillich ter considerado seriamente os desafios culturais do seu tempo. Ainda, ter desenvolvido o método da correlação, que ensina o teólogo em seu trabalho a atentar para a cultura em suas produções artísticas, literárias, filosóficas, entre outras, entendendo-as como perguntas existenciais abertas que remetem à Revelação (resposta divina); cabendo à teologia cristã fazer a correlação entre os polos. Segundo Tillich: "A religião, considerada preocupação suprema, é a substância que dá sentido à cultura, e a cultura, por sua vez, é a totalidade das formas que expressam as preocupações básicas da religião" TILLICH, Paul. Teologia da cultura. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. p. 83. Por conseguinte, Tillich posiciona-se contra a neo-ortodoxia de Karl Barth, que, para Tillich, parece deixar de relacionar o Evangelho com o contexto cultural, e quem, como é sabido, posicionou-se contrário ao liberalismo teológico que prioriza a cultura em detrimento da Revelação. Cf. TILLICH, 2009, p. 83-93. Ver também: TILLICH, 2005, p. 21-81.
[24] MUELLER; BEIMS, 2005, p. 28.
[25] MUELLER, BEIMS. 2005, p. 23.
[26] Cf. TILLICH, PauL Amor, poder e justiça: análises ontológicas e aplicações éticas. São Paulo: Fonte Editorial, 2004.
[27] Neste sentido, Calvani fez um excelente levantamento bibliográfico, desta produção a respeito de Tillich. CALVANI, Carlos Eduardo. A recepção do pensamento de Tillich no Brasil. Revista Eletrônica Correlatio, São Bernardo do Campo, UMESP, v. 5, n. 10, nov. p. 152-182,2006.
[28] PLÁCIDO, Reginaldo Leandro. Na dimensão do Espírito: uma leitura do Espirito Santo na teologia pentecostal em interface com a teologia sistemática de Paul Tiilich. Dissertação [Mestrado em Teologia]. Programa de Pós-Graduação em Teologia, EST, São Leopoldo, 2008.
[29] PLÁCIDO, 2008, p. 12-14.
[30] PLÁCIDO, 2008, p. 131-135.
[31] MACCHIA, Frank D. Baptized in the Spirít: a global pentecostal theology. Grand Raplds: Zondervan, 2006. WARIBOKO, Niml. lhe pentecostal principie-, ethical methodology in new Spirít Grand Rapids: Eerdmans, 2012. YONG, Amos. In the days of Caesar. pentecostalism and political theology. Grand Rapids: Eerdmans, Sacra Doctrina: Christian Theology for a Postmodern Age Series, 2010. Ver também: WARIBOKO, Nimi; YONG, Amos (Eds.). Paul Tillich and Pentecostal theology. Spirítual Presence and Spirltual Power. Blooraington: Indiana University Press, 2015.
[32] No caso pentecostal, a literatura que foi pesquisada é predominantemente de fontes comuns, com poucas exceções, ou seja, não necessariamente teologia acadêmica. Contudo, essas fontes comuns refletem, ao menos, o ensinamento das igrejas Assembléias de Deus. Isto é, dada a parca produção acadêmica da teologia em nível reflexivo toma-se como fonte teológica textos, devocionais e documentos da vida comunitária e de formação por parte das igrejas.

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