segunda-feira, 24 de setembro de 2018

HISTÓRIA DO CRISTIANISMO [Resenha]


SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo: Uma obra completa e atual sobre a trajetória da Igreja Cristã desde as origens até o Século XXI. Rio de Janeiro; Thomas Nelson Brasil, 2018. 560p.


O livro possui além do prefácio e prólogo, 48 capítulos divididos em 9 grandes épocas. Cada uma dessas épocas relata a história do Cristianismo até o século XXI. Em sua sinopse temos a informação que nos Estados Unidos, História do cristianismo tornou-se a principal escolha de leigos e líderes religiosos, inclusive sendo utilizado como texto-base em diversas salas de aula. De maneira clara e organizada, Dr. Bruce Shelley apresenta neste grande clássico a trajetória da igreja cristã para os leitores de hoje, usando como pano de fundo a vida de personagens importantes – suas motivações, as questões com as quais tiveram de lidar, as decisões que tomaram. O resultado é a História que se lê como uma história, quase tão dramática e emocionante como um romance. No entanto, não há ficção aqui, mas um trabalho minuciosamente pesquisado e cuidadosamente elaborado por Shelley com precisão histórica.

O autor Bruce L. Shelley, no prólogo, ele destaca três propósitos ao produzir este livro: 

(1) Um livro para leigos - O livro é destinado para leigos. Todos nós sabemos que a palavra é feita de cera, isto é, podemos torcê-la de modo a se encaixar em nossos próprios gostos. Após quatros décadas ensinando seminaristas do primeiro ano, o autor conclui que graduados no início do seu ministério e engenheiros ou vendedores que leem cinco livros por ano fazem parte do ensino público de leitores. Portanto, ambos são leigos.

(2) Citações simples – Ao preparar aulas, o professor digere centenas de livros e reúne milhares de citações. Neste volume panorâmico, Shelley diz que fez uso livre de ideias e descrições de outras pessoas enquanto trabalhava com um simples objetivo: manter a história em movimento. Procurou reunir todos esses recursos e listar os livros mais úteis ao final de cada capítulo e as principais citações ao final do livro.

(3) Clareza – Com base em anos de ensino, Bruce Shelley concluiu que clareza é a primeira lei do aprendizado, portanto, todas as divisões do tema em pauta estão presentes. Ele a chamou de “épocas” porque as condições da vida da igreja mudam. As grandes épocas não aparecem de repente como cometas desconhecidos no céu, pois em todas elas encontram-se resíduos do passado e sementes do futuro. Porém, caso o leitor queira conhecer o enredo da história, tudo o que precisa fazer é ler os parágrafos nas páginas que contêm o título das principais divisões.

As épocas são assim identificadas:
1) Época de Jesus e dos Apóstolos – 6 a.C. a 70 d.C.
2) Época do Cristianismo Católico – 70 a 312 d.C.
3) Época do Império Romano – 312 a 590 d.C.
4) Idade Média Cristã – 590 a 1517 d.C.
5) Época da Reforma – 1517 a 1648 d.C.
6) Época da Razão e dos Avivamentos – 1648 a 1789 d.C.
7) Época do Progresso – 1789 a 1914 d.C.
8) Época das Ideologias – 1914 a 1989 d.C.
9) Época de Expansão e Remanejamento Global – 1900 em diante.

Este livro atingiu um propósito nobre: levar leitores evangélicos a envolverem-se com sua própria história e a conhecerem o mundo cristão mais amplo. Esta será uma resenha descritiva e iremos trabalhar cada época aqui citada e faremos todas citações necessárias desta excelente obra.


1) ÉPOCA DE JESUS E DOS APÓSTOLOS – 6 A.C. A 70 D.C. – Esta primeira (época) é constituída de dois capítulos: (1) O movimento de Jesus e o (2) que irá tratar de como o Evangelho chega aos gentios. 

As raízes do cristianismo remontam à história judaica muito antes do nascimento de Jesus. Foi Jesus de Nazaré, entretanto, quem condenou as ideias do judaísmo estabelecido e trouxe um movimento de renovação à luz da história no início do primeiro século. Após sua crucificação sob o domínio de Pôncio Pilatos, um oficial romano, os ensinamentos de Jesus espalharam-se por toda a região mediterrânea. Um apóstolo chamado Paulo foi especialmente influente. Ele enfatizou o dom divino de salvação para todos os homens e, assim, conduziu o cristianismo, cujo surgimento se deu em meio ao judaísmo palestino, a uma posição universal [p.15].

O termo “Movimento de Jesus” é um termo usado por Flávio Josefo. A proclamação e as ações relacionadas ao Movimento de Jesus são testemunhadas quase que exclusivamente nos evangelhos. Nas cartas paulinas, são exíguas as referências diretas a palavras ou a ações jesuânicas. A mesma situação se repete nos demais livros do Novo Testamento. Na obra do historiador judeu Flávio Josefo há observações sobre Jesus. Algumas podem ser acréscimos posteriores, mas é possível que alguma referência básica provenha do autor. Embora raras, também se encontram alusões em documentos romanos do início do segundo século (Tácito, Suetônio e Plínio, o Jovem). Em todo caso, a existência histórica de Jesus de Nazaré pode ser atestada a partir de escritos bíblicos e de fontes não cristãs.


2) ÉPOCA DO CRISTIANISMO CATÓLICO – 70 A 312 D.C. - A segunda parte (época) é constituída de seis capítulos, ou seja, do capítulo 3 ao 8. (3) Cristianismo Católico; (4) Cristãos perseguidos; (5) Surgimento da ortodoxia; (6) Formação da Bíblia; (7) Poder dos bispos e (8) Os alexandrinos.

Neste período, o cristianismo difundiu-se por todo o império Romano e provavelmente pelo leste até a Índia. Os cristãos perceberam que eram parte de um movimento em rápida expansão e o chamaram de católico, termo que sugere que o cristianismo desse período é um movimento universal – a despeito do escárnio pagão e da perseguição romana – e também a fé verdadeira – em oposição a todas as distorções dos ensinamentos de Jesus. A fim de enfrentar os desafios da época, os cristãos voltaram-se, cada vez mais, para os bispos em busca de liderança espiritual. O cristianismo católico, portanto, foi marcado por visão universal, crenças ortodoxas e governo eclesiástico episcopal [p.41].

Contudo, o feito mais importante desta época, com certeza foi a formação das Escrituras tal qual temos hoje em nossas mãos. Ao manter o Antigo Testamento, a Igreja pontuou dois fatos importantes. Primeiro, ela insistiu que a fé para o cristão identificaria a identificaria a ideia de Deus Criador com a ideia do Deus Remidor, e a mensagem de Marcião era simples demais, pois ele não apenas havia descaracterizado o Antigo Testamento, como também quebrou a unidade vista em toda a Escritura cristã: o mesmo Deus que fez o mundo também escolheu Israel, e esse Deus procurou recuperar sua criação por meio de Jesus, que cumpre o destino de Israel. Segundo, ao conservar o Antigo Testamento, a igreja enfatizou a importância da história para a fé cristã, pois o cristianismo é uma religião histórica não apenas no sentido de que vem do passado ou que está associado a um personagem histórico chamado Jesus, mas por decorrer da crença de que, dentro da própria história, em determinado lugar e em determinado momento, o próprio Deus envolveu-se nos assuntos humanos, e isso significa viver pela fé, para o cristão, inclui enfrentar os quebra-cabeças da existência humana – todos os “por que, Senhor?” que a vida apresenta – e continuar crendo que os planos de Deus são bons. No ano 190, as igrejas claramente aceitaram a ideia de colocar as Escrituras Cristãs ao lado das Escrituras judaicas – um cumprindo o que a outra promete.


3) ÉPOCA DO IMPÉRIO ROMANO – 312 A 590 D.C. – A terceira parte (época) é constituída de oito capítulos, ou seja, do capítulo 9 ao 16. (9) A Conversão do Império; (10) A Doutrina da Trindade; (11) Cristo nos Credos; (12) Primórdios do Monasticismo; (13) Agostinho; (14) Primórdios do Papado; (15) Ortodoxia oriental e (16) Missão aos Bárbaros.

O imperador Constantino é uma das principais figuras da história cristã. Após sua conversão, o cristianismo logo passou o isolamento das catacumbas ao prestígio dos palácios. No início do quarto século, o movimento era uma minoria perseguida; contudo, no apogeu desse século, ocupava a posição de religião estabelecida do império. Assim, a igreja cristã foi agregada ao poder do Estado e assumiu uma responsabilidade moral para toda a sociedade. Inicialmente sob a orientação de Constantino, a igreja refinou sua doutrina e desenvolveu sua estrutura, e algumas pessoas, como o historiador Eusébio enxergaram a adoção do cristianismo por Constantino como a vitória dessa religião sobre o império; outros, como os monges, acreditavam que a cultura estava capturando o cristianismo. A história que segue é a “cristianização” do grande mundo e mentalidade helenistas. Quando o império sucumbiu aos invasores bárbaros (conhecidos como europeus hoje), os monges ironicamente obtiveram o apoio dos conquistadores por demonstrarem a dignidade de uma vida ordenada, em comunidade e raízes profundas na fé cristã. [p.109]

Aqui desejo enfatizar o conteúdo do capítulo 11 – Cristo nos Credos. Independentemente do ponto de vista dos homens, a Igreja, ao longo dos séculos, sempre confessou juntamente com Pedro que Jesus Cristo é o Messias, o Filho do Deus Vivo. Ele é mais do que um tema de estudo para os cristãos: é o objeto da devoção cristã. Os teólogos chamam este mistério de encarnação, a corporificação de Deus, e os compositores enaltecem os méritos do “Emanuel”, que significa “Deus conosco”.

Durante a época imperial da Igreja, quando os imperadores pressionavam os pastores a formular declarações que expressassem a fé cristã com precisão, a Igreja passou a falar sobre o Deus-homem. No ano 451, um concílio Geral da calcedônia, não muito longe de Constantinopla, afirmou que Jesus era “completo na divindade e completo na humanidade, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem [...] em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão ou sem separação [...] em uma só pessoa”.

Assim, em oposição a Ário, a igreja afirmava que Jesus era verdadeiramente Deus e, em oposição a Apolinário, que ele era verdadeiramente homem. Em oposição a Êutiques, ela confessava que a divindade e a humanidade de Jesus não eram transformadas em outra coisa, e, em oposição a Nestório, que Jesus não era dividido, mas uma única pessoa.

Dessa data em diante, a maioria dos cristãos católicos, protestantes e ortodoxos passaram a encontrar, em Calcedônia, a base da doutrina da salvação: um único Deus-homem, Jesus Cristo.


4) IDADE MÉDIA CRISTÃ – 590 A 1517 D.C. - A quarta parte (época) é constituída de sete capítulos, ou seja, do capítulo 17 ao 23. (17) Gregório Magno (18) Carlos Magno e a cristandade; (19) O Papado e o Cruzado; (20) Escolástica; (21) O estilo de vida apostólico; (22) O declínio do papado e (23) Wyclif e Huss.

A Europa deve mais a fé cristã do que a maioria das pessoas imagina, pois quando os bárbaros destruíram o império romano no Ocidente, foi a igreja cristã que formou uma nova ordem chamada Europa. A igreja assumiu a posição de liderança por três vias: a lei, a busca do conhecimento e as expressões de cultura. O que unia o império e a igreja era o conceito de cristandade. Esse processo começo sob o governo de Carlos Magno no oitavo século, mas os papas foram, aos poucos, assumindo cada vez mais poder até que Inocêncio III (1198-1216) ensinou a Europa a considera-los governantes mundiais. Nos séculos posteriores, entretanto, papas foram corrompidos pelo poder, e reformadores militantes entraram em cena clamando por mudanças. [p.185]

Na quarta parte, faço destaque ao capitulo 23, que faz referências duas almas corajosa – João Wycliffe, um inglês e João Huss, um tcheco – ousaram sugerir de que a Igreja cristã era algo diferente de uma organização visível na terra liderada pelo papa. Eles pagaram caro pela mera menção da possibilidade, mas viam claramente que havia chegado o momento do juízo sobre a casa de Deus. Mas quem eram eles e como apontaram o caminho para o futuro?

John Wycliffe sofre influência das concepções de Tomás Bradwardini. Foi forte opositor ao acúmulo de riquezas da Igreja e à venda indulgências. Também defendia a autoridade soberana das Escrituras.

Ele foi ordenado sacerdote, e mudou-se para Oxford, onde suas opiniões teológicas lhe tornaram a figura mais controversa da Universidade, e suas conexões com a família real o tornaram influente. Por quase toda a vida de Wycliffe os papas residiram em Avignon e, assim, ele cresceu em uma atmosfera em que a autoridade religiosa era questionada de forma constante. [...] Começou a identificar publicamente a Bíblia, e não o papa, como a suprema fonte de autoridade espiritual. O papado, ele argumentava, era apenas uma invenção humana, enquanto a Bíblia, detentora de autoridade, determinava a validade de todas as crenças e práticas religiosas. Com base nisso, ele rejeitava e doutrina extremamente filosófica da transubstanciação.

Em poucos anos, esse discurso deixou Oxford – e todo o país – fervilhando. Wycliffe foi obrigado a aposentar-se. [...] No entanto, não ficou ocioso nesse período: escreveu tratados populares explicando seus pontos de vista, comissionou pregadores e organizou uma tradução da vulgata (versão latina da Bíblia) para o inglês. Felizmente para Wycliffe, ele morreu em 1384, antes de o Concílio de Constança condená-lo por heresia (depois disso seus restos mortais foram exumados, queimados e espalhados). Ainda assim, seu legado foi grande. Com a Bíblia em inglês em suas mãos, seus seguidores na Inglaterra dedicaram-se à prática ilegal de ler a Bíblia em grupo e em segredo. Foi provavelmente por isso que eles ficaram conhecidos como “lollardos”, um termo que provavelmente significava “aquele que sussurra”, em referência ao hábito de ler a Bíblia em segredo. Eles consistiriam uma audiência muito receptiva para a Reforma que chegaria um século depois.

João Huss não era mero imitador de Wycliffe, como alguns estudiosos têm sugerido. Nem, como outros têm indicado, ele antecipou o protestantismo em todos os aspectos. Contra ambos, Wycliffe e os reformadores, ele defendeu a doutrina da transubstanciação, embora negasse que os sacerdotes por si mesmos têm o poder de realizar a transformação do pão no corpo de Cristo. Contra a doutrina protestante de sola fide, ele cria que a caridade desempenha um papel instrumental na justificação dos pecadores.

Contudo, Huss antecipou uma série de convicções-chave do protestantismo. Ele criticou a veneração idólatra dos seus contemporâneos de Maria e dos santos. Ele também criticou a prática medieval de reter o cálice do povo comum (por temor, ostensivamente, para que não lidassem de modo indevido com o sangue de Cristo) e oferecer-lhes apenas o pão na eucaristia. A insistência de Huss de que os leigos recebessem pão e vinho veio a marcar os seus seguidores de modo que, quando forçados a se defenderem militarmente após a morte de Huss, incorporaram um cálice no brasão.

Ele também antecipou os reformadores — e revelou a extensão de sua dívida com Wycliffe — em sua doutrina da igreja. Huss identificou a verdadeira igreja com aquele corpo invisível de crentes no passado, presente e futuro que foram eternamente eleitos por Deus para a salvação e incorporados em Cristo como a sua cabeça. Nem todos os membros da igreja visível, argumentou ele, pertencem à igreja invisível, e quando o clero em particular prova ser reprovado por suas ações, sua autoridade é suspeita. Essa doutrina baseou as severas críticas de Huss a sacerdotes e papas como “anticristo” e sua disposição em desconsiderar as bulas papais quando claramente contradiziam as Escrituras.

Intimamente relacionada com sua doutrina da igreja, estava a doutrina de Huss sobre as Escrituras. Huss rejeitou qualquer alegação de que a igreja visível, que em qualquer momento poderia ser mais povoada pelos réprobos do que pelos eleitos, exercia a infalibilidade em suas decisões ou interpretações da Escritura. Ele mantinha as vozes tradicionais na igreja, especialmente os pais da igreja, em alta consideração; na verdade, ele privilegiava a interpretação das Escrituras por parte dos pais da igreja sobre a interpretação de qualquer indivíduo, incluindo a sua própria. Mas Huss admitiu que até os pais poderiam errar. Assim, ele reconheceu a Sagrada Escritura como a única regra infalível da fé e prática cristã, uma visão que os reformadores expressariam com o slogan sola Scriptura.


5) ÉPOCA DA REFORMA – 1517 A 1648 D.C. - A quinta parte (época) é constituída de oito capítulos, ou seja, do capítulo 24 ao 31. (24) Martinho Lutero e o protestantismo; (25) Os anabatistas; (26) João Calvino; (27) A Igreja da Inglaterra; (28) A Reforma Católica; (29) América e a Ásia; (30) Puritanismo e (31) Denominações.

O espírito de reforma irrompeu com surpreendente intensidade no século XVI, dando origem ao protestantismo e destruindo a liderança papal da cristandade ocidental. Quatro importantes tradições marcaram o protestantismo inicial: a luterana, a reformada, a anabatista e a anglicana. Após uma geração, a igreja de Roma, liderada pelos jesuítas, recuperou seu fervor moral. Batalhas sangrentas entre católicos e protestantes vieram em seguida, e a Europa foi devastada pela guerra antes de se tornar evidente que a cristandade ocidental estava permanentemente dividida e de alguns pioneiros apontarem um novo caminho: o conceito denominacional de igreja. [p.257]

Nesta quinta divisão deste livro, enfatizo o assunto do capítulo 26 – João Calvino. João Calvino não pertenceu à primeira geração de Reformadores. Quando Lutero pregou as suas noventa e cinco teses na porta da igreja do castelo em Wittenberg, Calvino era uma criança de oito anos. Quando iniciou sua obra como Reformador, a primeira grande batalha da Reforma já havia sido combatida. Ulrico Zwínglio já havia morrido há cinco anos. Martinho Lutero, embora tivesse apenas cinquenta e dois anos, já era um homem velho, de saúde debilitada e de espírito deprimido. Filipe Melânchton já estava mostrando sinais de vacilar nos primeiros princípios da Reforma. Martin Bucer, no auge de sua capacidade, estava trabalhando frutiferamente em Estrasburgo, lutando contra grandes contingentes para unir as forças da Reforma em um movimento comum em prol do evangelho. Calvino considerava Lutero com a mais profunda reverência, e alegremente chamava a si mesmo de seu discípulo. Ele o chamou de “aquele ilustre apóstolo de Cristo, por cujo trabalho a pureza do evangelho foi restaurada a esta era”. 

Calvino foi, de modo eminente, um reformador prático. Ele foi o maior exegeta do tempo da Reforma: ele foi o maior teólogo da Reforma. E ele foi o gênio prático da Reforma. Não dizemos que ele foi o gênio prático da Reforma, apesar de seus comentários eruditos e de sua teologia profunda e profundamente fundamentada. É melhor dizer que ele o foi em grande parte por causa destes. Calvino provavelmente nunca fez algo mais prático do que expor as Escrituras a cada dia com compreensão penetrante e honestidade clara e cuidadosa dos comentários nos quais ele é insuperável. E ele certamente nunca fez algo mais prático do que escrever os Institutas da Religião Cristã. A publicação desse livro foi como arvorar o estandarte do Rei na Europa Medieval, para que todos os seus súditos pudessem se reunir em torno dele. Essa obra estava elevando a bandeira no alto a fim de que todos os homens pudessem vê-la e se aproximar. Ela forneceu, por fim, uma plataforma para os Protestantes que em todos os lugares eram atacados, e muito facilmente confundidos com os radicais daquele tempo — os radicais que minaram os próprios fundamentos da fé cristã, derrubaram todo o tecido da ordem social e ultrajaram os ditames mais comuns da decência ordinária. Sua publicação encontrou uma crise e criou uma época; deu uma nova estabilidade ao Protestantismo e o expressou ao mundo como um sistema coerente de verdade fundamentada pela qual os homens possam viver e pela qual possam morrer com alegria.


6) ÉPOCA DA RAZÃO E DOS AVIVAMENTOS – 1648 A 1789 D.C. - A sexta parte (época) é constituída de quatro capítulos, ou seja, do capítulo 32 ao 35. (32) O culto à razão; (33) Pascal e os pietistas; (34) Wesley e o Metodismo e (35) O Grande Despertar.

A época da reforma foi marcada pelo debate cristão sobre o caminho da salvação; já a época da razão destacou-se pela negação de toda religião sobrenatural, e o apreço pela ciência e pela razão humana substituiu a fé cristã como fundamento da cultura ocidental. Muitos protestantes enfrentaram essa crise de fé não com argumentos, mas com a experiência de conversão sobrenatural, uma vez que a fé se baseava menos em dogmas e mais em experiência. Esse cristianismo evangélico difundiu-se rapidamente apenas pelo poder da pregação, e muitos cristãos perceberam que o apoio do Estado não era mais essencial para sobrevivência do cristianismo; sendo assim, os cristãos modernos poderiam aceitar a liberdade religiosa. [p.333]

Na sexta parte, destaco agora o capítulo 33, que fala de Blaise Pascal, mas, que enfatiza mais o movimento petista dentro da igreja protestante. O pietismo não deve ser confundido com o quietismo‚ nem muito menos com o puritanismo. Esse último é um movimento de reforma que sur­giu e evoluiu nos séc. XVI-XVII na Igreja da In­glaterra e que se transportou às colônias da Amé­rica do Norte, onde criou o “modelo de vida puri­tana” que todos conhecem. O quietismo é um pro­duto da Igreja Católica. Nasceu na Espanha (*Molinos; *Fénelon) e teve ramificações na Itá­lia e na França. O pietismo nasceu na Alemanha protestante do século XVII. Acentua a fé pessoal em protesto contra a secularização da Igreja. Sur­giu como reação da guerra dos “trinta anos” na Alemanha e estendeu-se um pouco por toda a Europa sempre que a religião se divorciava da experiência pessoal. Foram vários os motivos imediatos desse movimento, entre eles o endure­cimento escolástico do luteranismo diante dos seus adversários, e a influência vinda do exterior, das obras dos puritanos ingleses, como Richard Baxter, John *Bunyan e outros exilados na Holanda, como William Ames.

Embora, mais tarde, derivasse para uma lite­ratura devocional, baseada em parte na tradição mística alemã, o próprio dos pietistas foi uma “teologia do coração”, alimentada pelos escri­tos de Johann Arndt (1555-1621). Encontraram seu refúgio na Palavra pela leitura e meditação da Bíblia, reforçada pela força dos hinos da liturgia luterana. O principal representante des­se movimento pietista na Alemanha foi F. Jacob Spener (1635-1705). Em seu ministério em Frankfurt, ficou impressionado com a vida de­cadente da cidade e organizou os primeiros collegia pietatis, nos quais os leigos cristãos reu­niam-se regularmente para trocar suas experiên­cias e fazer a leitura espiritual. Essas práticas transformaram-se em características dos colegia pietatis, recebendo seus frequentadores o nome de pietistas.

Em sua obra mais famosa, Pia desideria (1675), Spener expôs as debilidades da ortodoxia e adiantou uma reforma cujos pontos principais são: a) maior uso privado e público das Escrituraras; b) maior dedicação por parte dos leigos de suas responsabilidades sacerdotais como crentes; c) a necessidade de que a fé viva dê frutos práticos; d) que a formação para o ministério ressalte mais a piedade e o conhecimento do que a disputa; e) que a prédica dirija-se mais à edificação. Para isso, os collegia pietatis foram um instru­mento muito eficaz, assim como foram entre os católicos os Oratórios (*Filipe Néri; *Bérulle).

O sucessor de Spener foi Auguste H. Francke (1663-1727), da Universidade de Halle. Baseado no princípio de que “um grão de fé verdadeira vale mais do que um quintal de erudição histórica, e uma gota de caridade mais do que um oceano de ciência”, lançou-se a uma campanha intensa de alfabetização e de criação de escolas e de um seminário para mestres, nos quais se busca, fundamentalmente, “a piedade do coração”. Francke é considerado um dos grandes pedagogos da fé e da piedade cristãs, assim como das letras humanas. Exemplo disso é seu livro Doutrina mais breve e simples para dirigir as crianças à verdadeira piedade e ao espírito cristão (1702), que constitui um verdadeiro plano de ensino. 

Francke teve muitos outros seguidores, entre eles o fundador dos Irmãos morávios, um dos quais foi *Comenius, o autor da Didática magna (*Educadores cristãos). Desta forma, o pietismo não só se abriu às novas formas de educação cristã, mas também a uma nova pastoral, à ação missionária e litúrgica. O movimento pietista ca­lou fundo no seio do protestantismo alemão e de regiões de sua influência. Desde o século XVIII, estimulou direta ou indiretamente todos os movimentos “revivalistas” dos séc. XIX e XX.


7) ÉPOCA DO PROGRESSO – 1789 A 1914 D.C. – A sétima parte (época) é constituída de seis capítulos, ou seja, do capítulo 36 ao 41. (36) O catolicismo na época do progresso; (37) A Inglaterra do século XIX; (38) As Missões protestantes; (39) América Cristã; (40) O liberalismo protestante e (41) Crise Social.

Os cristãos enfrentaram uma nova inquietação social somada aos desafios intelectuais provenientes do surgimento da ciência moderna. A revolução Francesa desencadeou novas esperanças e expectativas para os homens comuns. O poder agora parecia estar ao alcance das massas. Sendo assim, de que maneira poderiam os cristãos satisfazer as necessidades das massas urbanas? Seria um homem simples produto de forças evolutivas? Os cristãos estavam seriamente divididos quanto à maneira de encarar esses problemas e, sem o apoio tradicional do Estado, muitos protestantes se uniram em sociedades voluntárias para assistir os pobres e os oprimidos, bem como para levar a mensagem do evangelho a terras estrangeiras. [p.379]

Quero trabalhar um pouco do capítulo 40 – O liberalismo protestante. O liberalismo é, de muitas maneiras, um fruto do Iluminismo, movimento surgido no início do século 18 que tinha em seu âmago uma revolta contra o poder da religião institucionalizada e contra a religião em geral. 

As pressuposições filosóficas do movimento eram, em primeiro lugar, o Racionalismo de Descartes, Spinoza e Leibniz, e o Empirismo de Locke, Berkeley e Hume. Os efeitos combinados dessas duas filosofias — que, mesmo sendo teoricamente contrárias entre si, concordavam que Deus tem de ficar de fora do conhecimento humano — produziu profundo impacto na teologia cristã. 

Como resultado da invasão do Racionalismo na teologia, chegou-se à conclusão de que o “sobrenatural não invade a história”. A história passou a ser vista como simplesmente uma relação natural de causas e efeitos. O conceito de que Deus se revela ao homem e de que intervém e atua na história humana foram logo excluídos. A fé cristã histórica sempre acreditou que os milagres bíblicos realmente ocorreram como narrados. Milagres como o nascimento virginal de Cristo, os milagres que o próprio Cristo realizou, sua ressurreição física dentre os mortos, os milagres do Antigo e Novo Testamentos, de maneira geral, são todos considerados fatos. 

O teólogo liberal, por sua vez, e os neo-ortodoxos fazem distinção entre historie (história, fatos brutos) e heilsgeschichte (história santa, ou história salvífica), criando dois mundos distintos e não conectados: o mundo da história bruta, real, factível e o mundo da fé, da história da salvação. Temas como criação, Adão, queda, milagres, ressurreição, entre outros, pertencem à história salvífica e não à história real e bruta. Para os liberais e os neo-ortodoxos, não interessa o que realmente aconteceu no túmulo de Jesus no primeiro dia da semana, mas, sim, a declaração dos discípulos de Jesus que diz que Jesus ressuscitou. Assim, o que eles querem afirmar com isso é bastante diferente daquilo que a fé cristã histórica acredita. Na verdade, eles consideram que os relatos bíblicos dos milagres são invenções piedosas do povo judeu e dos primeiros cristãos, mitos e lendas oriundos de uma época pré-científica, quando ainda não havia explicação racional e lógica para o sobrenatural.


8) ÉPOCA DAS IDEOLOGIAS – 1914 A 1989 D.C. – A oitava parte (época) é constituída de quatro capítulos, ou seja, do capítulo 42 ao 45. (42) As ideologias do século XX; (43) Os Evangélicos americanos; (44) O Movimento Ecumênico e (45) Catolicismo Romano: Vaticano II.

No século XX, aconteceram as colossais lutas de gigantes políticos e militares: comunismo, nazismo e americanismo. Um novo paganismo apareceu em apelo às leis da economia, às paixões da raça e aos direitos invioláveis dos indivíduos, e os cristãos foram forçados a sofrer, a pensar e a se unir de maneiras novas. Os protestantes se aproximaram dos movimentos de unidade, e os católicos romanos lutaram para atualizar sua igreja. A queda do Muro de Berlim sinaliza um declínio do poder das ideologias, e o “novo” cristianismo do Terceiro Mundo – e além – emerge e se expande de modo assombroso. Esse novo cristianismo ofusca vozes muçulmanas inflamadas, nas quais discerne ambos o perigo e o chamado à missão. [p.445]

A oitava parte deste livro, ressalto os frutos de uma tentativa inútil que foi a participação protestante no Concílio Vaticano II. Ao se manifestarem depois do Concílio Vaticano II, os teólogos católicos podem ser muito pacíficos e conciliadores na comunicação com os protestantes, ao contrário do que muitos haviam sido anteriormente. Mas, conforme disse o cardeal jesuíta Avery Dulles, um dos principais elaboradores do documento Evangelicals and Catholics Together [Evangélicos e católicos juntos]: “Tivemos o cuidado de seguir os ensinamentos do Concílio Vaticano II […] não somos teólogos católicos diferentes dos outros” (Christianity Today, 27 Apr. 1998, p. 21).

Em décadas recentes, muitos teólogos católicos (especialmente estudiosos do Novo Testamento) fizeram muito para fomentar o entendimento entre as duas tradições e, em muitos casos, defenderam realmente a interpretação evangélica das passagens mais relevantes. Contudo, a abertura iniciada pelo Concílio Vaticano II não abordou as condenações do Concílio de Trento. Pronunciamentos recentes revogaram a excomunhão dos reformadores, mas não a de seus ensinos. 

Desde o Concílio Vaticano II, surgiram (e deveriam ter sido aproveitadas) muitas oportunidades para o diálogo. Todavia, a doutrina evangélica da justificação não é simplesmente uma formulação que trata de como alguém pode se tornar aceito diante de Deus; ela é a proclamação acerca de como uma pessoa é aceita diante de Deus. É verdade que diferentes igrejas cristãs — tendo em vista as mais variadas considerações de ordem nacional, geográfica, cultural e linguística — chegarão a formulações distintas da mesma verdade. Mas, quando deparamos com a questão fundamental a respeito de como somos salvos, não há espaço para confusão nem para concessões em nome da harmonia.

Roma responde que somos salvos pela graça mais obras. Igrejas genuinamente apostólicas respondem conforme Paulo: “Mas, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não seria graça” (Rm 11.6).

Sejam protestantes históricos os envolvidos com o acordo de 1998 entre a Federação Luterana Mundial e o Vaticano, sejam os evangélicos que sustentam um entendimento comum do evangelho que deixe suspensa a questão de como alguém é justificado, a ordem bíblica para buscar unidade visível da igreja implica unidade no evangelho. E, se o evangelho ainda é a mensagem de que Deus justifica o ímpio, não se pode abrir mão dessa boa notícia para construir a unidade da igreja sobre qualquer outro fundamento.


9) ÉPOCA DE EXPANSÃO E REMANEJAMENTO GLOBAL – 1900 EM DIANTE. - A nona e última parte (época) é constituída de três capítulos, ou seja, do capítulo 46 ao 48. (46) Declínio e reconstrução; (47) O que é o “novo cristianismo”? E (48) Lugares e pessoas de fé.

Mais pessoas se tornaram nos últimos cem anos do que em qualquer outra época. Ao focarmos no aspecto evangelístico da fé, podemos argumentar que mais coisas aconteceram nos últimos cem anos do que em toda história anterior da Igreja. O grande impulso missionário do final dos anos 1800 e início dos anos 1900 contribuiu para esse crescimento explosivo, em grande parte ao sul da linha do Equador. No entanto, o novo crescimento parece ter seu próprio caráter e sua própria iniciativa produzida pelo Espírito. Ironicamente, antigas fortalezas da missão cristã na Europa e na América do Norte estão passando por inatividade e declínio, e a história dirá se os novos centros do cristianismo no Sul global e além conseguem manter um caráter cristão fiel e testemunhar a obra sem precedentes do Espírito. O tempo também indicará se os sinais de agitação espiritual reavivarão um testemunho fiel no Ocidente. Sem a ação do Espírito, o rótulo “pós-cristão” se tornará mais adequado com o passar do tempo. [p.491]

Nesta última parte deste livro, quero trabalhar o capítulo 47 - O que é o “novo cristianismo”? A revista Época publicou em 07 de agosto de 2010, uma matéria intitulada “Os Novos Evangélicos”. O texto de chamada dizia assim: “A nova Reforma Protestante”, onde trata de cristãos que buscam o retorno ao Evangelho puro e simples de Cristo, na contramão de boa parte da igreja evangélica brasileira, fascinada com movimentos heréticos como a teologia da prosperidade.

A matéria reflete, de forma bastante clara, os porquês do descontentamento por parte das principais lideranças com o andamento do contexto neopentecostal, principalmente. É preciso ver que a matéria tem como alvo o público leigo. Em momento algum, tem um discurso aprofundado, principalmente nas bases e na essência do que realmente é o pentecostalismo e o neopentecostalismo. Isso se dá pelo fato de não termos uma teologia pentecostal. É preciso dizer que teologia da prosperidade não reflete uma teologia pentecostal. A teologia da prosperidade é uma forma “vulgar”, superficial, de um contexto não apropriado para a realidade brasileira e também sul-americana.

O objetivo da matéria é trazer luz, mesmo que de forma simples, descrevendo que o movimento neopentecostal necessita de limites éticos.

Outro ponto a ser destacado é trazer distinção entre o que é e quais são os protestantes históricos, pentecostais históricos e neopentecostais. Há uma grande distinção entre um grupo e outro. Diferenças bastante essenciais para entendermos a realidade da igreja brasileira. E é entendendo essas diferenças que se pode pensar em uma nova Reforma Protestante (termo esse já utilizado por mim há bastante tempo).

Uma nova Reforma Protestante se faz necessária para sairmos de antigos vínculos formados pelos teólogos da teologia liberal, como também da teologia da prosperidade. Ambas teologias têm seus pontos nocivos à Igreja. A teologia liberal, formada por pensadores que insistem em se distanciar da vivência espiritual, que insistem em ter uma orientação mais burguesa, confirmando isso com suas ligações com a Maçonaria, isso ocorrendo desde sua chegada ao Brasil.

A nova Reforma nasce a partir do momento em que uma nova consciência de igreja une passado, presente e futuro, ou seja, uma teologia que fuja de padrões teóricos e que seja cotidiana, produtora de vida, que interaja com ricos e pobres, que seja livre dos vícios antigos, mas que também tenha um espírito profético, capaz, de forma abundante, de trazer direções para um mundo moderno.

Tudo isso dentro da simplicidade e da pureza de um Evangelho livre de segundas intenções e da busca de glórias humanas. A nova Reforma nasce a partir do momento em que homens e mulheres abrirem vossos corações para que Deus faça algo novo a cada dia.


PARA CONCLUIR – Certamente, um dos aspectos mais notáveis do cristianismo hoje é quão poucos dentre os cristãos professor já estudaram a história de sua religião com seriedade. Em uma época anterior, adeptos de uma fé raramente encontravam adeptos de outra fé, ou seja, poucos eram obrigados a defender sua religião contra s críticas de uma fé rival. Em nossos dias, porém, quando a comunicação em massa traz o mundo para perto de nós, é difícil justificar a ignorância dos cristãos. Portanto, este é o livro essencial.


RECOMENDO
História do Cristianismo – Uma obra completa e atual sobre a trajetória da Igreja Cristã desde as origens até o Século XXI.
Editora Thomas Nelson Brasil
http://www.thomasnelson.com.br/livro/historia-do-cristianismo/

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