domingo, 24 de fevereiro de 2019

INTELIGÊNCIA HUMILHADA [Resenha]


MADUREIRA, Jonas. Inteligência Humilhada. São Paulo: Vida Nova, 2017.


O LIVRO E A SUA ORIGEM

No mundo cristão existem três tipos de livros: (1) Existe aquele livro acadêmico com notas de rodapés e ideias complexas, que algumas vezes é pouco acessível ao grande público. (2) Existe aquele livro acadêmico desprovido de muitos “ismos” que conversam com o leitor, e o conduz como um guia em meio às maravilhosas jornadas e são cheios de insights. (3) Existe aquele livro acadêmico que é – como já escrevi – acadêmico sem deixar de ser acessível.

Inteligência Humilhada é um daqueles raros livros que passam uma mensagem complexa, cheia de detalhes (as notas de rodapé estão lá), mas que consegue ser ao mesmo tempo simples e prático; sente-se o cuidado pastoral, sem descuidar da teologia. O autor nos conduz na compreensão do conceito de Inteligência Humilhada na história da teologia e suas implicações para o homem todo, não somente com referência ao seu pensamento, mas também às suas ações práticas. 

“Sobre os ombros de alguns gigantes da tradição cristã, apreenderemos melhor essa forma de pensar caracterizada pelo viés da humilhação intelectual. Ou seja, não há ponto de partida que seja mais apropriado para pensar o conceito de inteligência humilhada do que a boa e velha “tradição viva dos que já morreram”, como costumava dizer Jaroslav Pelikan. Para a elaboração do conceito de inteligência humilhada, fomos basicamente influenciados por cinco pensadores da tradição cristã, que nos servem de ponto de partida e fundamentação do conceito: Agostinho de Hipona (354-430), Anselmo da Cantuária (1033-1109), João Calvino (1509-1564), Blaise Pascal (1623-1662) e Herman Dooyeweerd (1894-1977). Ao longo deste livro, essas cinco vozes serão ouvidas, nos mais diversos assuntos. Entretanto, entre os cinco pensadores, não posso negar que Agostinho foi o mais importante para a elaboração do conceito. Depois das Escrituras, a minha principal fonte de inspiração para as reflexões sobre os limites da inteligência humana foi e ainda é o livro X das Confissões, em especial os capítulos 1 a 6.” [p.28]

Neste livro temos assuntos truncados, mas, tratado de forma didática, tais como: o problema do mal, antropologia bíblica, dualidade da natureza e graça e como podemos resolver essas questões através da cosmovisão cristã. 

“Portanto, esse livro é o resultado de no mínimo sete anos de pesquisa e depuração. O tempo dedicado ao texto e às ideias fica muito evidente em vários aspectos (obviamente, a qualidade do material não é resultado apenas do tempo de dedicação, mas especial da habilidade intelectual do autor). A ordem lógica dos temas propostos é impecável, o didatismo ao tratar de temas complexos é notável e o cuidado no uso de cada palavra é impressionante, como se cada frase fosse milimetricamente medida. Nenhuma palavra é desperdiçada. Entre tantos aspectos positivos, destaca-se a proposital fuga do academicismo.” [1]

O livro, além dos agradecimentos e introdução, temos o prefácio da obra escrita pelo saudoso e mestre Russell Shedd, aquele que era piedoso e muito inteligente, tratava de assuntos “truncados” e os tornava acessível a todos que o ouviam e liam as suas obras. 

Nesta resenha iremos trabalhar fazendo um resumo de cada capítulo e resumindo uma ou duas seções de cada capítulo. Na medida que for desenvolvendo o texto, estarei garimpando ideias preciosas, citados por outros colegas que também fizeram resenhas deste livro, dando o devido crédito nas citações de fim de página. O livro está assim dividido:


CAPÍTULO 1 - A TEOLOGIA DIANTE DE DEUS

Neste contexto, o primeiro capítulo, intitulado “A teologia diante de Deus”, argumenta no sentido de que a teologia deve ser feita diante de Deus, ou na expressão de Santo Agostinho, coram Deo, isto é, o esforço do teólogo para apresentar a verdade acerca do conhecimento de Deus deve ser feito na presença de Deus, e para Deus, que conhece todas as coisas, e por esta razão o teólogo deve manter uma postura de humildade, haja vista que tudo o que ele produz, seja falando ou escrevendo, já é conhecido por aquele para quem ele direciona seu trabalho. Ainda no primeiro capítulo, destaque-se para o contraponto feio com a Alegoria da Caverna de Platão, demonstrando os pontos de contato e as dessemelhanças irreconciliáveis entre o pensamento platônico e o pensamento cristão acerca da libertação para o conhecimento.

Fideísmo ou racionalismo? - O fideísta é aquele que defende o ponto de vista de que a fé é suficiente para garantir ou avalizar o conhecimento de Deus. Em suma, deixa-se de lado a razão e prioriza-se a fé. Ao contrário do fideísta, o racionalista é aquele que se esforça para encontrar razões, evidências ou indícios que sirvam para fundamentar o conhecimento de Deus. Ou seja, a fé não é necessária para o conhecimento. 

A inteligência humilhada não quer sacrificar nem a fé nem a razão, mesmo porque não é necessário eliminar uma das duas para chegarmos ao conhecimento de Deus. A inteligência humilhada é a fé que não tem medo de pensar, duvidar ou questionar. A fé não precisa morrer, só precisa pensar. Uma fé assim percebe a racionalidade e a ordem divina nas coisas criadas sem, de forma alguma, anular-se ou destruir-se. É possível ser piedoso e, ao mesmo tempo, inteligente! Em contrapartida, a inteligência humilhada é também a consciência da humilhação da razão que nos faz reconhecer o papel fundamental da fé. A razão não precisa morrer, só precisa dobrar os joelhos. A razão que se sujeita a Deus não deve se envergonhar da sua sujeição, nem se inferiorizar pelo fato de reconhecer sua dependência da revelação. Pelo contrário, a razão, consciente da sua miséria, deveria ser grata pela dádiva da revelação, pois, como aprendemos com nossas mães, quando alguém nos dá um presente, a única reação adequada é a gratidão. É possível ser inteligente e, ao mesmo tempo, piedoso! [p.26-27]

Conhecer-te, ó conhecedor de mim! – Não bastasse a irredutível superioridade de Deus, dependemos também do conhecimento que ele tem de nós para nos conhecermos. Qualquer conhecimento verdadeiro que possamos ter de nós mesmos será sempre fruto de revelação, e não de mera inteligência. Não há autorreflexão que seja suficiente para nos levar ao autêntico autoconhecimento. O conhecimento que Deus tem de nós nos humilha não apenas porque somos ignorantes com respeito a ele, mas sobretudo porque somos ignorantes com respeito a nós próprios e, por conseguinte, dependemos dele para saber realmente quem somos. Nosso problema se origina no fato de — a despeito de nossa ignorância sobre quem somos - termos a pretensão de falar sobre Deus, ostentando um discurso do tipo: “O que você quer saber sobre Deus? Sei tudo sobre ele!”, como uma espécie de “Teólogo Mister M”, um especialista em desvendar os mistérios divinos. Quanta presunção! Mal sabemos o que precisamos saber sobre nós e já nos precipitamos a falar sobre Deus apenas contando com nossas limitadas capacidades intelectuais. Quanta arrogância! Acreditamos que podemos elaborar profundas proposições teológicas sobre Deus, quando, na verdade, ignoramos a nós mesmos. Ainda que tenhamos algum acesso ao nosso coração, permaneceremos ignorantes quanto a nós mesmos enquanto não nos submetermos à revelação que Deus tem a nosso respeito. Mesmo assim, diante dessa grande desvantagem, há momentos em que, conscientes ou inconscientes, ainda acreditamos que podemos falar com propriedade sobre Deus. Ledo engano, lépida arrogância. Quem, por si só, conhecerá a Deus e a si mesmo de modo adequado? [p.43-44]

Humildade Arrogante - O reformador suíço Ulrico Zuínglio (1484-1531) dizia que, por nós mesmos, não sabemos mais sobre a natureza de Deus do que os besouros sabem sobre a natureza dos seres humanos. Ou seja, por nós mesmos, nada sabemos sobre Deus. A constatação de tamanha ignorância deveria nos tornar mais humildes, ou, no mínimo, nos fazer falar menos. Afinal, como disse o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, “sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Mas se, contrários ao bom senso, desatamos a falar copiosamente sobre o que não conhecemos, das duas, uma: ou somos tolos ou somos arrogantes. Seremos tolos se, por mero impulso verborrágico, tagarelarmos sobre o que não conhecemos; seremos arrogantes se, conscientes de nossa ignorância, falarmos como se não fôssemos ignorantes. Em outras palavras, se, por um lado, a tolice não passa de atitude irrefletida, por outro, a arrogância não é outra coisa senão ignorância dissimulada. Afinal, é possível ser ignorante o suficiente para não apenas ser arrogante, mas, ao mesmo tempo, se passar por humilde. [p.44]

As demais seções deste capítulo são: A condição da humilhação, Autoabsorção narcisista, e O tolo e as sombras da caverna


CAPÍTULO 2 - O CONHECIMENTO NA DESGRAÇA

Após lançar as bases do discurso, o autor lança as bases epistemológicas dos argumentos com o que ele chama de “conhecimento na desgraça”. Basicamente, “toda busca por conhecimento ou sabedoria é, de certo modo, uma maneira de lidar com a angústia referente ao sentido da vida e à experiência do vazio existencial que gera o clamor por salvação” [p. 72], o que torna a abordagem epistemológica indispensável.

O capítulo 2 analisa como nossa inteligência sofreu com os efeitos da queda e se apresenta limitada. O conhecimento nessa situação de desgraça nos torna incapazes de encontrar a verdade por esforço próprio. Dependemos de Deus. É por isso que os mais diversos campos da atividade humana são limitados e apresentam sinais dessa queda. Por exemplo, desde o século XVIII, enalteceu-se como ferramentas de salvação humanas a ciência, um movimento que tem sido desde o início acusado como cientificismo. Esse cientificismo de forma reducionista coloca a ciência em um pedestal como a única fonte de conhecimento, paz e progresso. O cristão sabe, ou deveria saber, que o homem é um ser dependente da graça de Deus e que deve depositar sua inteligência aos pés da Cruz; é nessa humilhante posição (como nos é apontado pela belíssima imagem da capa do livro – "Cristo lavando os pés de Pedro", pintura de Ford Madox Brown), que devemos deixar cativo nosso pensamento. [2]

A despeito da incapacidade da mente humana decorrente da Queda, que a torna dependente da revelação divina, o homem precisa lidar com a realidade de que foi feito para Deus. Novamente partindo de Agostinho, Jonas afirma: “o coração encontrará repouso apenas quando reencontrar sua origem e, ao mesmo tempo, seu destino último. Em outras palavras, Deus nos criou como uma flecha lançada em sua própria direção, o que significa que o ‘coração inquieto’ não é outra coisa senão uma disposição ou inclinação natural que movimenta o homem todo para Deus, sua origem e seu destino. [...] Embora a Queda não seja capaz de destruir essa inclinação natural do coração, ela é capaz de alterar sua direcionalidade, fazendo com que o homem todo se afaste do fim último para o qual foi criado. [...] Quando pecou, o homem não acertou outro alvo; ele errou o único alvo disponível” (p.75-77). [3]

Epistemologia monergista - O autor expõe a categoria de pensamento a qual a inteligência humilhada pertence, a saber, a monergista, segundo a qual não é possível se obter algum conhecimento de Deus sem que o próprio Deus propicie este conhecimento. Em outras palavras, o autor defende a total dependência do teólogo em relação à revelação de Deus para que seja possível produzir algum conhecimento de Deus. Esta dependência, que não é decorrente da Queda (haja vista a anterioridade da dependência em virtude da insuficiência humana), é motivo para que, despindo-se de qualquer arrogância, o homem venha reconhecer a condição de humilhação que lhe é inerente.

A teologia natural e o crime do chocolate - A tradição reformada considerou como um dos efeitos noéticos da Queda essa impossibilidade de que o homem, munido tão somente da razão, alcance um conhecimento suficiente de Deus [...] o adjetivo “noético” não tem relação alguma com Noé, mas refere-se a nous, um termo grego que quer dizer “intelecto”, “mente”, e relaciona-se com outros termos, como noema (“o conteúdo pensado”) e noesis (“o ato de pensar”), que são próprios da epistemologia ou teoria do conhecimento. Assim, quando nos referimos aos efeitos noéticos da Queda, estamos considerando o fato de que a Queda não interferiu apenas nos âmbitos material e volitivo dos seres humanos, mas também em sua faculdade intelectual. Então, seguindo de perto Agostinho e Anselmo, entendemos que a nossa inteligência, por mais que seja uma das expressões mais fortes e significativas da imago Dei (isto é, da imagem de Deus), ainda assim, não está blindada contra os efeitos intelectuais da Queda. E, por esse motivo, não podemos simplesmente por nós mesmos, ou seja, pelo nosso puro pensamento, chegar ao conhecimento de Deus. Estamos perdidos e não sabemos o caminho de volta. Como diria Anselmo: “Miserável sorte a do homem quando perdeu aquilo para o qual foi feito. Dura e cruel queda!”. [p.80]

As demais seções deste capítulo são: O miserável homem-flecha, O casaco de Pascal, O cúmulo da miséria e Livres-pensadores ou gnósticos enrustidos?


CAPÍTULO 3 - O DEUS HUMILHADO

Neste capítulo que o autor denomina de “Deus humilhado”, ele aborda os atributos da bondade e poder divinos, e tomando por base o texto do credo apostólico, o autor argumenta sobre a suprarracionalidade de alguns mistérios das escrituras, os quais não podem ser considerados contradições lógicas, mas também não podem ser explicados pela limitada mente humana. Em seguida, o autor apresenta um dos maiores problemas teológicos que tende a nos causar desconforto intelectual: o problema do mal. Em nossa arrogância intelectual, colocamos Deus no banco dos réus para que se explique; em resposta somos apontados para a humilhação de seu Filho; o Deus cristão não é uma divindade que se diverte com os males do mundo, mas sim que se compraz com as necessidades humanas e desce para fazer parte desses sofrimentos.

Depois de discorrer sobre o Deus humilhado, o autor denomina uma das seções deste capítulo de “O Deus da Bíblia é cruel?” (p.157-176), concluindo, “a explicação que condiz com a fé cristã é aquela que sustenta a crença em Deus Pai, todo-poderoso, a despeito da presença do mal no mundo, mesmo porque somente a crença em Deus Pai, todo-poderoso, pode dar para o cristão a esperança de que o mal será destruído na consumação dos séculos”. Até chegar a essa conclusão, o autor demonstra profunda habilidade filosófica e vasto domínio bibliográfico, citando com propriedade C. S. Lewis, D. A. Carson, Dietrich Bonhoeffer e Alvin Plantinga. Recursos muito bem administrados para combater os argumentos de Richard Dawkins, Ludwig Feuerbach e companhia. [4]

Deus no banco dos réus – É justamente por causa da inseparabilidade que há entre a bondade suprema e o poder absoluto de Deus que o problema do mal se impõe como uma questão demasiado espinhosa, tanto para cristãos como para qualquer pessoa que sustente a crença básica em um Deus todo-bondoso tanto quanto todo-poderoso. [...] Ao considerar o mistério que diz respeito ao problema do mal, o cristão crê que Deus tem razões para permitir o mal. Contudo, o que ele alega — ou reconhece — é a sua ignorância quanto à especificidade dessas razões. Portanto, Cheung erra ao afirmar que “alegações de mistério” ou “reconhecimento da ignorância” sempre implicariam uma espécie de licença para a irracionalidade. [...] De acordo com Herman Bavinck, “A origem do mal é um mistério. O mal não veio de Deus e, ao mesmo tempo, não está excluído do seu conselho. […] Depois da questão da própria existência, a questão da origem do mal é o maior enigma da vida e a cruz mais pesada que o intelecto tem de carregar”. Pascal vai ainda mais longe ao afirmar que o problema do mal não somente é o mistério mais enigmático do nosso conhecimento, mas, ao ignorarmos esse mistério, que é o mais incompreensível de todos, nos tornamos incompreensíveis a nós mesmos. [p.118,127,129]

As demais seções deste capítulo são: A bondade e o poder de Deus, A ofensa da onipotência, A kénōsis de Cristo, A phrónēsis de Cristo, O Deus da Bíblia é cruel? Teodiceias e orações sujas


CAPÍTULO 4 - A TEOLOGIA DO AUTOCONHECIMENTO

No capítulo 4, o que trata da teologia do autoconhecimento, o autor discorre sobre a necessidade de o homem conhecer a si próprio, argumentando que este conhecimento somente é possível a partir do verdadeiro conhecimento que se tem sobre Deus. Isto porque o conhecimento de Deus provoca a humildade e uma suspeita de si mesmo. Ora, com todas as limitações que lhe são inerentes, o homem deveria, acima de tudo, suspeitar acerca de si mesmo, pois o único conhecimento confiável é aquele oriundo de Deus. 

A ordem dos assuntos que o autor coloca é a seguinte: Para o homem se conhecer deve saber que não é somente cérebro-mente, mas que também nas escrituras é tratado como sendo composto por alma, coração, carne e espírito; na ordem, (1) um ser desejante; (2) um ser deliberante, que delibera sobre a direcionalidade do desejo; (3) um ser contingente, limitado pela fragilidade da carne; e (4) um ser vivente, cuja vida/espírito vem de Deus.

Um outro aspecto importante é a abordagem holística da antropologia feita pelo autor. Tomando como base os estudos teológicos de Anthony Hoekema e os estudos vétero-testamentários de Hans Wolff, Jonas procura refutar a ideia de uma divisão tripartite ou bipartite (tricotomia e dicotomia) do homem. Para o autor, não é que tenha duas ou três substâncias, mas que os verbetes bíblicos apontam aspectos distintos de sua essência, mas que estão necessariamente conectados, sem cortes. Ao tratar de nefesh, a Bíblia não expressa a “alma” do homem em distinção do corpo, mas expressa seu aspecto desejante. O verbete lev (coração) aponta para o homem deliberante. Basar (carne) trata do homem contingente; espírito (ruah), por sua vez, trata do homem vivente.

Esta talvez seja a parte mais chocante da descoberta da teologia do autor para os debatedores de plantão (dicotomistas x tricotomistas). Porém, entendam que Jonas Madureira, neste sentido, está em concordância com Hoekema. É bem possível, também, que tenha muita afinidade com o conceito de unidade condicional defendido por Millard J. Erickson Erickson e Franklin Ferreira. Alguns teólogos replicam que desconsiderar este aspecto dicotomista envolve uma percepção sensorial do atual prisma de nossa existência e por isto os que negam a dualidade não conseguem entender o homem com porções essenciais distintas, mas ao se considerar a existência após a morte, o que é impossível fazer da perspectiva sensorial, é aí que se pode perceber a distinção. O fato é que a exposição de Jonas Madureira foi muito convincente e bem fundamentada exegeticamente. Para uma defesa do dicotomismo, cf.: GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 1999, pp. 388-402. [5]

A natureza do autoconhecimento - Os psicólogos dizem que o autoconhecimento é transformador, e eu creio nisso, porém não há autoconhecimento que seja mais transformador do que aquele que é fruto da revelação bíblica. Por quê? Porque somente a revelação bíblica oferece a explicação antropológica adequada à realidade do homem insuficiente, isto é, do homem marcado pela eterna referência a Deus. Além de pressupor uma epistemologia monergista, o conceito de inteligência humilhada pressupõe uma teologia do autoconhecimento, que não é outra coisa senão uma explicação da correlação entre o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos. Trata-se de uma compreensão de Deus e do ser humano fundamentada em duas verdades essenciais: (1) ninguém pode conhecer de modo adequado a si próprio sem o conhecimento adequado de Deus; (2) ninguém pode conhecer verdadeiramente a Deus e ao mesmo tempo ser um ignorante sobre si mesmo. Tanto Agostinho como Calvino entendiam que o conhecimento de Deus e de nós mesmos são coisas correlatas (cf. Confissões X,1-6 e Institutas I.1.1-3). [p.190]

As demais seções deste capítulo são: Autoconhecimento e referência, A gramática da antropologia bíblica, O homem desejante, O homem deliberante, O homem contingente e O homem vivente.


CAPÍTULO 5 - A TRAIÇÃO DOS TEÓLOGOS

Assim, chegamos ao mais denso capítulo, que trata da “Traição dos teólogos”, que para Jonas se origina na insubmissão à cosmovisão cristã. Nesse capítulo o autor explora o conceito de cosmovisão cristã (que considero um dos conceitos teológicos mais importantes de serem conhecidos pela igreja brasileira, impactando ações de missão e pregação). O abandono da cosmovisão cristã tem produzido crentes pouco apegados aos estudos, com uma visão negativa do trabalho (“fazei tudo pela glória de Deus”, 1 Co 10.31) e avesso ao conhecimento científico. Construímos redomas “cristãs” e não nos envolvemos no mundo. Jonas não deixa de enfatizar a prioridade da pregação, mas sem cair em dualismos, nos quais a igreja e o “mundo” são coisas separadas.

“O teólogo, nessa perspectiva, deve se manter fiel à cosmovisão cristã, e isto somente é possível se o mesmo, nas palavras de Agostinho, tiver sido ferido pela Palavra de Deus. O autor dedica algumas laudas para conceituar cosmovisão, destrinchando o conceito já apresentado por James W. Sire, e então arremata a questão, explicando que a traição do teólogo se dá quando este abandona a cosmovisão cristã para abraçar o secularismo disfarçado de teologia.” [6]

A ferida do teólogo - A Palavra ofende e fere o homem em sua miséria, e é essa ferida que gera o amor. Por causa dessa ferida, o discurso de negação e até mesmo de ódio vai, aos poucos, dando lugar à confissão de fé, de arrependimento e de amor. Se a Palavra não ferir o coração do homem, não há nada que ele possa fazer para reverter o quadro da sua miséria, ou, dito de outra maneira, além da Palavra não há nada que seja poderoso o suficiente para fazer com que o teólogo ame a Deus acima de todas as coisas. Por outro lado, a Palavra é também o amor de Deus que transbordou e alcançou o homem em sua depravação. Nesse caso, a ferida é também um sinal desse transbordamento do amor divino, que gera, no teólogo, um desejo incansável de saber quem Deus é. Mas o que acontece depois que o teólogo é ferido? Ele ora. Todo o labor do teólogo para conhecer o Deus da Palavra deve terminar em oração. Portanto, a obra mais importante de um teólogo não é um tratado de teologia, mas, sim, sua oração. Ora, não é à toa que as Confissões sejam exatamente a oração de um teólogo que transbordou de amor. [...]O teólogo que é ferido pela Palavra não busca conhecimento para amar. Ele ama e, por isso, busca conhecimento. [p.254-255]

Estudo de caso: Carl F. H. Henry – Nesta seção, o autor traz a biografia do fundamentalista Carl Henry, que defendeu o ponto de equilíbrio entre a defesa da ortodoxia bíblica e o engajamento do cristão nas problemáticas do mundo. A biografia de Carl Henry é apresentada ao longo de várias laudas deste último capítulo, a qual ocupou grande parte do mesmo, e em nossa visão, quebrou um pouco o ritmo impresso pelas ideias em torno do conceito de inteligência humilhada, o qual somente é tratado de forma mais explícita no final do capítulo, momento em que, inclusive, a teologia racionalista de Carl Henry também recebe críticas pelo autor.

As demais seções deste capítulo são: As tentações do teólogo, O compromisso do teólogo e A cosmovisão do teólogo.


CONCLUSÃO

O livro de Jonas Madureira é um chamado ao crente colocar sua inteligência a serviço do Reino. Ao terminar o livro com uma oração, expõe na prática o que todo crente deve fazer: cultivar sua mente, mas em profunda devoção. É uma obra que procura trazer um equilíbrio necessário à igreja brasileira, que tem profundas resistências ao trabalho intelectual. Em uma sociedade onde reina o secularismo e uma pretensa autonomia do pensamento, principalmente expostas em nossas universidades, já é tempo do cristão recuperar a cosmovisão cristã.

Em todo o livro, a quantidade de citações de teólogos brilhantes é enorme, sejam eles reformados ou não, bem como de grandes nomes da tradição filosófica, desde os mais famosos até aqueles não tão conhecidos. Quer por meio de citações diretas ou por meio de recomendações de leitura para aprofundamento, o autor demonstra profunda habilidade e domínio da filosofia e da teologia. Não deixe passar desapercebidas as preciosas recomendações, explicações e complementações feitas em notas de rodapé. [7]

Este livro de Jonas Madureira é um grande exemplo do renascimento da mente cristã, sem deixar a piedade de lado, que vem ocorrendo entre alguns teólogos brasileiros. Oremos para que essa mensagem se propague e que nossas igrejas e seus membros não sejam um vazio intelectual.

Um livro fundamental pra restarmos conceitos importantes e refletirmos para onde pode ir o protestantismo brasileiro.

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[1] João Guilherme. Resenha de Inteligência Humilhada. Disponivel in: https://www.box95.com.br/post/resenha-inteligencia-humilhada-jonas-madureira Acesso em 13 fev 2019.
[2] BORGES, L. A. Inteligência Humilhada. Disponível em: http://oracaovalente.blogspot.com/2017/09/o-evangelicalismo-brasileiro-por-muito.html Acesso em 09 fev 2019.
[3] João Guilherme. Resenha de Inteligência Humilhada. Disponivel in: https://www.box95.com.br/post/resenha-inteligencia-humilhada-jonas-madureira Acesso em 13 fev 2019.
[4] João Guilherme. Resenha de Inteligência Humilhada. Disponível in: https://www.box95.com.br/post/resenha-inteligencia-humilhada-jonas-madureira Acesso em 13 fev 2019.
[5] Citado F. C. Furtado Disponível em <https://farescamurcafurtado.wordpress.com/2017/07/27/resenha-30-inteligencia-humilhada-jonas-madureira/> Acesso em 20 fev. 2019
[6] Jefferson S. Oliveira. Inteligência Humilhada. Disponível https://jeffersonoliveira.wordpress.com/2017/07/22/inteligencia-humilhada/ Acesso em 20 fev. 2019.
[7] João Guilherme. Resenha de Inteligência Humilhada. Disponível in: https://www.box95.com.br/post/resenha-inteligencia-humilhada-jonas-madureira Acesso em 13 fev 2019

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