sábado, 29 de abril de 2017

A LEI MORAL [Prefácio]


O propósito deste volume é apresentar uma discussão do valor da Lei de Deus na vida do crente, um assunto importante e urgente nos dias de hoje. Em vários períodos na história da doutrina cristã, tomou-se necessário reafirmar a verdade de que o ministério da lei foi divinamente ordenado como um meio de graça para a santificação e caminhada piedosa do crente. Isso, naturalmente, não nega que o único poder suficiente para a santificação é a habitação de Cristo no crente por meio do Espírito Santo: isso é santificação pela fé, e uma das grandes glórias do Evangelho Cristão é o fato de que ele não somente diz aos homens para serem bons mas os capacita para assim o serem.

Mas a concessão do poder para uma vida santa precisa ser acompanhada pela instrução no seu modelo. Em que consiste o comportamento santificado? Consiste em agradar a Deus. O que agrada a Deus? Que sua vontade seja feita. Onde a sua vontade pode ser discernida? Em sua santa Lei. A Lei, então, é a regra de vida do cristão e o crente encontra o seu prazer na Lei de Deus segundo o homem interior (Rm 7.22). O cristão não está sem lei, “mas debaixo da lei de Cristo” (1 Co 9.21). O pecado é a ilegalidade e a salvação consiste em levar o ilegal para sua verdadeira relação com Deus, dentro da bênção da sua santa Lei. A Lei de Moisés é nada menos do que a Lei de Cristo.

O fato de que pela graça um homem não rouba, não mente ou não comete adultério, não destrói, de forma alguma, o fato de que ele não deve fazer isso e o cristão que faz qualquer uma dessas coisas se toma condenado pela Lei como um pecador. Visto ser ele um crente justificado, este seu pecado não o leva à condenação etema, mas certamente o conduz à censura do Senhor. O fato de Deus não ver pecado no crente é verdadeiro no que diz respeito à sua posição (justificação), mas uma proposição completamente incorreta quanto ao seu estado (santificação). A Lei de Deus, por essa razão, não somente instrui o crente quanto ao tipo de vida que agrada a Deus, mas também é um instrumento de humilhação pelo qual o Espírito Santo leva o crente a descobrir suas faltas, lastimar-se por tê-las cometido e a arrepender-se delas e, assim, recorrer ao Senhor Jesus Cristo, o único no qual a graça da santificação pode ser encontrada.

Haveria menos tragédias morais entre os cristãos professos se a instrução salutar da Lei de Deus fosse atendida cuidadosamente. Que o crente possa olhar exclusivamente para Cristo na busca do poder capacitador de uma vida vitoriosa - como de fato deve - mas que ele, ao mesmo tempo, se lembre que a vida santa não consiste em prazer emocional, mas sim em cumprir os mandamentos
de Deus.

Insistir nessa função da Lei de Deus na vida do crente não é se tornar legalista. O legalismo é um abuso da Lei: é uma confiança no cumprimento da Lei para aceitação perante Deus, e o cumprimento de leis, seja orgulhoso ou servil, não é elemento da graça de Deus. No entanto, a obediência de amor rendida alegremente é algo completamente diferente e faz parte da própria essência da vida cristã. Não é legalismo um homem obedecer a Deus porque ele ama agir assim; isso é liberdade: mas, lembre-se, ainda é obediência.

A Lei de Deus tem seu lugar na experiência cristã porque, embora seja por causa de um amor profundo por Deus que o crente faz o que agrada a Deus, ele está, ao mesmo tempo, fazendo aquilo que Deus o manda fazer. Se a má vontade de um homem em obedecer não invalida o mandamento - e isto é admitido por todos - então o mesmo é válido para sua prontidão. A Lei não termina quando um homem se regozija em obedecê-la: ainda existe para ser honrada e gozada na obediência a ela. Um soberano não é menos soberano porque seus súditos o amam. Deus não cessa de ser Deus assim que seu povo é reconciliado com ele. Ele não fica privado de todos os direitos de comando tão logo as pessoas comecem a amá-lo. Conseqüentemente, não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente.

Esta verdade talvez possa ser mais facilmente alcançada se ilustrada com relação à Lei positiva, como distinta da Lei moral. Um dos exemplos excepcionais da Lei positiva na vida do filho de Deus é, naturalmente, a ordenança da Ceia do Senhor. Um crente irá alegremente cumprir esse andamento de Cristo, mas nunca vai pensar em dizer que ele assim age meramente porque gosta, não porque o Senhor mandou. Se falasse assim, ele, então, se tomaria uma lei para si mesmo. O crente dirá que ama cumprir cada mandamento sagrado de Cristo e, ao afirmar isso, reconhece o lugar do mandamento. A verdadeira santidade não se detém para considerar meramente as qualidades intrínsecas do bem ou mal, mas dará atenção unicamente à vontade daquele que proferiu os mandamentos. Não há santidade onde não há sujeição a Deus: toda bondade deve ser por causa de Deus, não motivada por si mesma. As boas obras do crente não são meramente boas, são boas pelo fato de serem devidas. A obrigação da obediência é perpétua e pertence à relação da criatura com Deus, e um dos mais ricos frutos da graça é o fato de a alma regenerada poder dizer, “Quanto amo a tua lei!” (SI 119.97). A doutrina bíblica da santificação, então, não é “confie e relaxe” mas “confie e obedeça”. O ensino puritano evita o ativismo pelagiano de um lado e o passivismo quietista do outro, e no lugar de ambos, afirma a necessidade da obediência da fé.

O propósito adicional deste volume é apresentar a discussão da Lei 1 por.meio de uma das mentes mais privilegiadas do período Puritano, a saber, a de Anthony Burgess.

Muito do bom pensamento puritano é encontrado não apenas nos escritos de homens mais conhecidos como John Owen e Thomas Goodwin, mas também na obra daqueles que são menos familiares hoje em dia. Eles permaneceram desconhecidos grandemente por causa do estilo literário de suas épocas, que os leitores modernos encontram dificuldade em seguir, mas eles foram homens de percepção teológica, de intelecto brilhante, pensamento claro e argumento invencível. Anthony Burgess foi um desses.

O tratamento atual do assunto é baseado nos pensamentos e material desse distinto pensador encontrados na sua notável obra intitulada, Vindiciae Legis; ou A Vmdication of the Moral Law. Dessa forma, espera-se que, em alguma extensão, a grande contribuição feita por Anthony Burgess possa ser salva e que receba seu lugar no pensamento de hoje.

KEVAN, Ernest. A Lei Moral. São Paulo. Editora Os Puritanos, 2000. 149p.

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