terça-feira, 18 de julho de 2017

TEONTOLOGIA - A IMUTABILIDADE DE DEUS [Aula 05]



A imutabilidade de Deus está ligada à Sua eternidade, que foi analisada de forma resumida no capítulo nove, mas elas não são idênticas. A eternidade de Deus significa que Ele sempre existiu e sempre existirá; nada veio antes dele, nada depois. A imutabilidade do Senhor denota que Ele é sempre o mesmo em Seu ser eterno.

Podemos entender isso de imediato. Contudo, essa qualidade é a que separa o Criador até mesmo dia mais superior de Suas criaturas. Deus é imutável, enquanto nenhuma outra parte de Sua criação o é. Tudo o que conhecemos muda. O mundo material muda, e não no sentido circular, como os gregos entendiam – de modo que todas as coisas no final voltam a ser o que eram --, mas sim no sentido de desgastar-se, como a ciência indica.

Por exemplo, elementos com elevados complexos e ativos, tais como materiais radioativos, decaem para menos ativos. Os recursos variados e abundantes da terra são extinguíveis. Espécies de vida podem tornar-se extintas, e muitas já se tornaram. De forma individual, homens e mulheres nascem, crescem, envelhecem e morrem. Nada que conhecemos dura para sempre.

Na humanidade, a mutabilidade se deve ao fato de que somos criaturas decaídas e estamos separados de Deus. A Bíblia fala dos ímpios como sendo o mar bravo que se não pode aquietar (Is 57.20). Judeus fala deles como nuvens sem água, levadas pelos ventos (1.12c), e como estrelas errantes (1.13c), sem uma órbita certa.

Com certeza não há melhor lugar para demonstrar a dimensão moral da variabilidade humana do que na reação das pessoas ao Senhor Jesus Cristo. Em uma semana elas clamavam: Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor! (Jó 12.13). Na semana seguinte, gritavam: Crucifica-o! Crucifica-o! (Lc 23.21b).

Não se pode confiar na natureza humana, todavia podemos confiar em Deus. Ele é imutável. Sua natureza é sempre a mesma. Sua vontade é invariável. Seus propósitos são seguros. Deus é o ponto fixo num universo conturbado e decaído para aqueles que em verdade o conhecem.

Após Tiago ter falado sobre o pecado e os erros humanos, ele também afirmou que toda dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação (Tg 1.17).

A mesma perspectiva é compartilhada pelo profeta Malaquias, que observa em um versículo que já se aproxima do final do Antigo Testamento: Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos (Ml 3.6).


SEM MUDANÇAS

Cada um dos versículos anteriores fala da imutabilidade de Deus na Sua essência. Sendo perfeito, Ele nunca fica diferente de si mesmo. Para um ser moral mudar, seria necessário mudar em uma ou duas direções. Ou a mudança é de alguma coisa pior para uma coisa melhor, ou de algo melhor para algo pior.

É evidente que Deus não pode mudar para melhor, porque isso significaria que outrora Ele havia sido imperfeito. Se estivéssemos falando sobre justiça, por exemplo, significaria que Ele não havia sido em Sua totalidade justo, e, por isso, teria sido pecador. Se estivéssemos falando sobre conhecimento, significaria que Ele não sabe de tudo, e seria ignorante.

Por outro lado, Deus não pode mudar para pior. Nesse caso, Ele se tornaria menos do que havia sido em algum momento, tornando-se pecaminoso ou imperfeito.

A imutabilidade de Deus, de acordo com a Escritura, não é a mesma coisa que a imutabilidade de deus descrita pelos filósofos gregos. No pensamento grego, a imutabilidade significava não apenas nunca mudar, porém também a falta de habilidade de ser afetado por qualquer coisa de alguma forma. A palavra grega para isso, a características primária de deus, era apatheia, da qual deriva a palavra em português apatia, que significa indiferença.

Contudo, o termo grego vai além dessa ideia. Significa uma total inabilidade de sentir qualquer emoção. Os gregos acreditavam que deus tinha essa qualidade porque de outro modo teríamos poder sobre ele a ponto de poder fazê-lo sentir raiva, alegria ou pesar. Ele deixaria de ser absoluto e soberano.

Assim o deus dos filósofos, embora não das mitologias mais populares, seria solitário, isolado e sem compaixão.

Isso estabelece uma boa filosofia. Tem lógica. No entanto, não é o que Deus revela sobre si mesmo na Escritura, e devemos rejeitar tal filosofia, tão lógica quanto possa parecer. A Bíblia nos mostra que Deus é de fato imutável, porém Ele percebe e é afetado pela obediência, pelo pecado de Suas criaturas.

Brunner, em Herdeiros de Deus, escreveu:

Se for verdade que realmente há tais coisas como a misericórdia de Deus e a ira de Deus, então Deus, também, é afetado pelo que acontece a Suas criaturas. Ele não é como aquela divindade do platonismo, que é despreocupada e que, portanto, não se comove com todas as coisas que acontecem na terra, mas segue sua vida no céu sem olhar ao seu redor, sem considerar o que está acontecendo aqui. Deus decidiu “olhar ao redor”; Ele em definitivo importa-se com o que acontece ao homem. Ele se preocupa com as mudanças na terra. [1]

Um exemplo primário é visto no Senhor Jesus Cristo, que, apesar de ser Deus, chorou pela cidade de Jerusalém e no túmulo de Lázaro.


UMA VERDADE PERTUBADORA E CONFORTANTE

A imutabilidade de Deus também se aplica a Seus atributos. O Breve Catecismo de Westminster [2] define Deus como sendo espírito, infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.

Deus tem todo o conhecimento e a sabedoria, e Ele sempre terá toda a sabedoria. Ele é soberano e sempre o será. Ele é santo e sempre será santo. Ele é justo e sempre será justo, bom, verdadeiro. Nada que acontece jamais diminuirá Deus nesses ou em qualquer de Seus atributos.

Essa verdade tem dois lados: é perturbadora para aqueles que estão em rebelião contra Deus e é confortante para aqueles que vieram a conhecê-lo por intermédio de Cristo. O primeiro é evidente no que dissemos nos três capítulos anteriores. Se for verdade que a sabedoria, santidade e onisciência de Deus são conceitos improváveis para o homem natural, o fato de que Deus não mudará em nenhuma dessas áreas é ainda mais perturbador.

A pessoa que não está salva não se sentiria tão incomodada pela sabedoria de Deus se pudesse pensar que um dia Deus se tornaria menos soberano, e o indivíduo mais autônomo. Seria concebível que ela, ou a humanidade, poderia substituir Deus um dia.

De novo, esse indivíduo não ficaria tão perturbado pelos pensamentos sobre a santidade de Deus se fosse possível imaginar que com o tempo Deus se tornaria menos santo, chamando o que Ele hoje considera como pecado de não pecado, e ignoraria a culpa. Ou, se Deus pudesse esquecer, logo o mal não seria tão problemático; se fosse dado tempo, ele poderia desvanecer-se na memória de Deus.

Todavia, a imutabilidade de Deus significa que Ele será sempre soberano, sempre santo, sempre onisciente. Por consequência, todas as coisas devem ser trazidas à luz e julgadas diante dele.

Outro lado dessa doutrina diz respeito ao cristão. Para nós é um grande conforto. Neste mundo as pessoas nos esquecem, mesmo quando trabalhamos duro e as servimos. Elas mudam de atitude em relação a nós à medida que suas próprias necessidades e circunstâncias determinam. Com frequência são injustas, como nós somos também, Contudo, Deus não é assim.
           
Sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo par o Pai, com havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim. (João 13.1)

Tozer escreveu sobre o conforto encontrado na imutabilidade de Deus:

Que paz traz ao coração do cristão entender que o Pai celestial nunca fica diferente de si mesmo. Ao aproximar-nos dele em qualquer momento não precisamos perguntar-nos se o encontraremos numa posição receptiva. Ele sempre é receptivo à tristeza e à necessidade, assim como ao amor e à fé. Ele não segue um horário comercial nem reserva períodos em que não verá ninguém. Ele também não muda de opinião a respeito de nada. Hoje, neste momento, Ele está voltado para Suas criaturas, para os bebês, para os doentes, para os decaídos, para os ímpios, com exatidão como fazia quando enviou Seu único Filho ao mundo para morrer pela humanidade. Deus nunca muda Seu humor, esfria em suas afeições ou perde Seu entusiasmo.[3]

Assim, temos grande conforto aqui. Se Deus variasse como Suas criaturas variam, se Ele quisesse uma coisa hoje e outra amanhã, quem confiaria nele ou seria encorajado por Ele? Ninguém. No entanto, Deus é sempre o mesmo. Sempre o encontraremos como Ele se revelou ser em Cristo Jesus.


PLANOS IMUTÁVEIS

Deus também é imutável em Seus propósitos e planos. Em geral temos uma visão falha para antecipar tudo o que pode acontecer, ou falta-nos o poder para executar o que nos propomos. Deus não é como nós a esse respeito. “Infinito em sabedoria, não pode haver erro na concepção de Seus planos; infinito em poder, não pode haver falha na Sua realização” [4]  (HODGE,1960, p. 390).

Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, par que se arrependa; porventura, diria Ele e não o faria? Ou falaria e não o confirmaria? (Números 23.19)

Arrependimento significa revisar o plano de ação de alguém, entretanto Deus nunca faz assim. Seus planos são feitos com base no perfeito conhecimento, e Seu poder perfeito providencia sua realização.

O conselho do SENHOR permanece para sempre; os intentos do seu coração, de geração em geração. (Salmo 33.11)

O SENHOR dos Exércitos jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá; e, como determinei, assim se afetuará. (Isaías 14.24)

Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim; que anuncio o fim desde o princípio e, desde antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade. (Isaías 46.9,10)

Salomão escreveu: Muitos propósitos há no coração do homem, mas o conselho do SENHOR permanecerá (Pv 19.21).

Quais são as consequências da imutabilidade de Deus? Primeiro, se os propósitos de Deus não mudam, então os propósitos de Deus para Cristo também não mudarão. Seu propósito é glorificar Cristo.

Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. (Filipenses 2 .9-11)

É tolice resistir à glória de Cristo. Podemos fazer isso agora, como muitos fazem, contudo está chegando o dia quando Jesus terá de ser confessado como Senhor mesmo por aqueles que não o aceitaram como Senhor nesta vida. Nesses versículos a palavra que é traduzida como confesse, exbomologeo, significa reconhecer com ação de graças.

Por exemplo, é usada como um reconhecimento ou uma confissão de pecado e da concordância de Judas com os príncipes dos sacerdotes para trair seu Mestre. É nesse sentido de reconhecimento que a palavra é usada sobre aqueles que se rebelaram contra a autoridade de Cristo e a glória de Sua vida. Eles o rejeitaram aqui, mas vão reconhecê-lo na eternidade. Eles não vão confessar com alegria que Jesus Cristo é o Senhor, no entanto vão confessá-lo enquanto estão sendo banidos de sua presença sempre.

Porque, quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si mesmo, dizendo: Certamente, abençoado, te abençoarei e, multiplicando, te multiplicarei. E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa. Porque os homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para confirmação é, para eles, o fim de toda contenda. Pelo que, querendo Deus mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da promessa, se interpôs com juramento, para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta. (Hebreus 6.13-18)

O propósito de Deus é trazer os Seus para desfrutar pleno de Sua prometida herança. Ele o confirma por meio de um juramento imutável. Nesse propósito cada filho redimido de Deus deve ter ânimo.

Por fim, o propósito de Deus para os ímpios não mudará. É seu propósito julgá-los, e Ele irá fazê-lo. Deus ao culpado não tem por inocente (Êx 34.7c). Muitas outras passagens declaram com frequência o julgamento em si.

A imutabilidade do julgamento divino deve ser uma advertência para qualquer um que não se voltou para o Senhor Jesus como Salvador, e deve impeli-lo a Cristo enquanto ainda há esperança.

A imutabilidade de Deus também significa que a verdade de Deus não muda.

Os homens, às vezes, fazem afirmativas que não sentem porque não conhecem sua própria mente; também porque suas perspectivas mudam, eles com frequência descobrem que não podem mais ficar firmes em relação ao que disseram no passado. Todos nós, às vezes, temos de revogar nossas palavras, porque fatos duros as refutam. As palavras dos homens são instáveis. Todavia, não é assim com a Palavra de Deus. Ela fica para sempre. Nenhuma circunstância vai induzi-lo a revogá-la; nenhuma mudança em Seu próprio pensamento exige que Ele a corrija. Isaías escreveu: Toda carne é erva [...]. Seca-se a erva, [...] mas a palavra de nosso Deus subsiste eternamente (Is 40.6-8). [5]

Os cristãos devem ficar firmes nas palavras e promessas do Deus imutável. As promessas do Senhor não são “relíquias de eras passadas”, com Packer observa, mas sim a revelação inalterável e válida da vontade do nosso Pai celestial. Suas promessas não se alterarão. Um homem e uma mulher sábios confiam nessa verdade.

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Fundamentos da Fé Cristã: Uma Manual de teologia ao alcance de todos. James Montgomery Boice. São Paulo: Central Gospel, 2011, p. 124-128


[1] BRUNNER, Emil. The Christian Doctrine of God: Dogmatics [A doutrina cristã de Deus: teologia
dogmática], Vol. 1. Philadelphia: Westminster, 1950, P.268
[2] O Breve Catecismo de Westminster foi formulado por teólogos ingleses e escoceses da Assembléia de Westminster, no séc. 17. É um catecismo resumido, de orientação calvinista, composto de 107 questões. Ao lado da Confissão de Fé de Westminster e do catecismo Maior de Westminster, compõe os símbolos de fé das igrejas presbiterianas ao redor do mundo.
[3] TOZER, A. W. The Knowledge o f the Holy [O conhecimento do sagrado], New York: Harper &
Row, 1961, p.59
[4] HODGE, Charles. Systematic Theology [Teologia Sistemática]. London: James Clarke & Co., 1960, p.390.
[5] PACKER, J. I. Knowing God [Conhecendo a Deus], Illinois: IVP, 1973, p.70

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