sábado, 28 de dezembro de 2019

A PRÁTICA DA PIEDADE [Resenha]


É surpreendente que o clássico de Lewis Bayly sobre a piedade, A prática da piedade: diretrizes para o cristão andar de modo que possa agradar a Deus, não tenha sido reimpresso neste século [XX] até agora. Nos séculos XVII e XVIII esta obra era o livro inglês de devoção lido mais universalmente, depois de O peregrino. O próprio Bunyan atribui o início da sua vida espiritual, em certa medida, à leitura atenta deste manual sobre a piedade. Um pastor puritano se queixou de que o seu rebanho considerava a sua autoridade igual à da Bíblia!

A obra de Bayly, A prática da piedade, está repleta de diretrizes puritanas, práticas, para a busca de um viver santo. O autor começa a sua obra com “uma simples e clara descrição de Deus [em] Sua essência, em Sua Pessoa e em Seus atributos”. Ele trata da doutrina sobre Deus como uma base para a piedade, e da graça divina como fundamento de toda e qualquer graça de que nós, pecadores, necessitamos. O restante do volume trata dos motivos, das condições e dos objetivos da piedade.

Bayly dispõe a sua obra em torno dos dois destinos da humanidade. Ou viajamos pelo caminho largo rumo à destruição, ou, pela graça divina, estamos no caminho estreito que conduz à vida eterna. Ele descreve acuradamente o nosso miserável estado natural. O pecador impenitente tem a miséria como a sua companheira constante – uma condição miserável na infância, na juventude e principalmente na vida adulta e na velhice. Do trágico cenário do inferno como um lago sem fundo reservado para os que morrem não regenerados, Bayly se volta para as inefáveis glórias do céu. Ele confessa que o contraste o estonteava tanto que ele não conseguia continuar segurando a pena. Salientando a necessidade do novo nascimento e de um santo viver, ele conclui: “Trate de conseguir imediatamente o óleo da piedade para a lâmpada da sua conduta, para que esteja em contínua prontidão para se encontrar com o Noivo”.

A parte restante do tratado de Bayly é dedicada a mostrar como obter e manter a prontidão para o segundo advento de Cristo. Primeiro ele aborda esta prontidão negativamente, mostrando como vencer sete obstáculos: ensino errôneo, o pobre exemplo de pessoas proeminentes, a paciência de Deus em protelar a aplicação de castigo ao pecador, o erro de presumir a misericórdia de Deus, a companhia de ímpios, o medo da piedade (como se ela tornasse os seus possuidores deprimidos) e a ilusão de uma vida longa. Positivamente, Bayly passa então a salientar como se deve cultivar a piedade nas seções restantes da sua obra (do capítulo 5 ao 17). Ele nos dá sábio conselho sobre as disciplinas espirituais da oração, da leitura da Bíblia, da meditação, do cântico de salmos, da guarda do Sabbath [isto é, do santo repouso semanal], do cristão como mordomo de Deus, da celebração da Ceia do Senhor e do andar diário com Deus.

Não obstante a ocasional tendência de Bayly de promover um tipo de meditação altamente introspectiva, que pode conduzir à melancolia que ele procurava evitar, sustentamos que este é um livro muito útil, pondo às claras o estreito caminho que adentramos pela conversão e que conduz à vida eterna. Nós diríamos de Bayly o que Calvino disse de Lutero: “Sejamos imitadores das suas qualidades excelentes, e não dos seus excessos”. Certamente, uma das grandes marcas de excelência de Bayly é o seu esforço para reunir aproximadamente 2 mil textos para dar apoio bíblico à prática da piedade que ele nos recomenda.

À semelhança de Calvino, Bayly escreveu a sua maior obra para promover a piedade. Nem Calvino nem Bayly ficava embaraçado quanto ao conceito, quanto à prática e quanto ao dever da piedade no temor de Deus. Embora detestassem a falsa piedade, que promove autoengano e legalismo, tanto os reformados (exemplificados por Calvino) quanto os puritanos (exemplificados por Bayly) estavam plenamente persuadidos de que se deve empregar “piedade” primariamente num sentido positivo. Eles ficariam estupefatos ante o embaraço demonstrado por muitos protestantes evangélicos contemporâneos que sucumbiram ao uso pejorativo da piedade pela sociedade. Muito frequentemente eles têm deixado que a nossa sociedade secular defina os termos de significação sagrada.

Nunca nos embaracemos com relação à piedade genuína – Deus sabe que temos necessidade de maior porção dela em nossa vida pessoal, em nossas famílias e em nossas igrejas! Será melhor que nos embaracemos e nos envergonhemos por permanecermos em nossa impiedade no pensamento, na conversa e nas ações

Acompanhado pela bênção do Espírito, este livro tem potencial para muito benefício. Se fosse levado a sério, o livro A prática da piedade serviria como o toque de sinos pela morte de todos os ramos do leviano antinomismo e das formas do “fácil fideísmo” do arminianismo; ele nos impeliria a Cristo, desejosos de santidade, confessando com Paulo: “Miserável homem que eu sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu próprio sou escravo à Lei de Deus; mas, com a carne, da lei do pecado. Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus, que não vivem segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 7.24-8.1).

Leia A prática da piedade lentamente, com meditação, com oração, e, recomendo, anualmente. Pergunte a si mesmo repetidamente: “Estaria pondo em prática o conselho bíblico deste sábio escritor espiritual? Estaria eu buscando santidade – a santidade sem a qual homem nenhum agradará a Deus nem será recebido para o gozo das glórias eternas de um céu santo?”

O livro possui 17 capítulos, onde o autor, como já foi enfatizado antes, dá orientações sobre como devemos guiar nossos pensamentos, as nossas palavras e as nossas ações em tempos de saúde e em tempos de enfermidade e aflição. Provê diretrizes para nos protegerem do desespero e do medo da morte. Em suma este é um livro acerca de como viver bem e de como morrer bem.
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BAYLY, Lewis. A prática da piedade: diretrizes para o cristão andar de modo que possa agradar a Deus. São Paulo, SP: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2017. 384p.

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