sábado, 13 de outubro de 2018

AS OBRAS DE JOÃO CALVINO - Volume 1 [Resenha]



CALVINO, João. As Obras de João Calvino – volume 1. Recife, PE. CLIRE – Centro de Literatura Reformada. 2017. 411p. 

Este é o volume 1 e é composto por duas obras: (1) A necessidade de reformar a igreja escrito em 1543 que veio a ser considerado por muitos como a melhor apresentação da causa reformada já escrita. (2) Psicopaniquia, escrito em 1534, e que se constitui em sua primeira obra de cunho teológico. Psicopaniquia é uma expressão grega que faz referência ao sono da alma. Falar de Estado Intermediário em Calvino, portanto, é falar de Psicopaniquia. 

Temos ainda a Introdução escrita pelo Rev. Herminsten Maia Pereira da Costa, intitulado “João Calvino: um servo do Deus da Glória na edificação da igreja; “Para Calvino, todo o pensar teológico está conectado com a piedade. A teologia envolve toda a nossa mente, coração e vontade. Por isso, o objetivo de um teólogo não pode se deleitar o ouvido, mas sim confirmar a consciência ensinando a verdade e o que é certo e proveitoso. A sua teologia nada mais é do um que esforço para comentar as Escrituras; por isso sua obra pode ser corretamente chamada de uma teologia bíblica, escrita por um teólogo sistemático que tão bem sabia utilizar os recursos da exegese e da hermenêutica, dispondo tudo isso de forma erudita e devocional. Por isso a história dos Comentários Bíblicos de Calvino e das sucessivas edições da Institutas da Religião Cristão se confundem e se completam. A sua exegese era teologicamente orientada e a sua teologia estava amparada em uma sólida exegese bíblica.” [p.18-19] 


A NECESSIDADE DE REFORMAR A IGREJA [1] 

Em 1543, o reformador de Estrasburgo, Martin Bucer, pediu a João Calvino para escrever uma defesa da Reforma, para apresentar ao imperador Carlos V na dieta imperial definida para se encontrar em Espira, em 1544. Bucer sabia que o imperador católico romano estava cercado por conselheiros que estavam difamando os esforços para a reforma na igreja, e ele cria que Calvino era o ministro mais capaz para defender a causa protestante. 

Calvino aceitou o desafio e escreveu uma das suas melhores obras: “A Necessidade de Reformar a Igreja”. Esse tratado substancial não convenceu o imperador, mas chegou a ser considerado por muitos como a melhor apresentação da causa reformada já escrita. 

Calvino começa observando que todos concordavam que a igreja tinha “doenças numerosas e graves”. Calvino argumenta que as coisas eram tão sérias que os cristãos não podiam tolerar um “maior atraso” para a reforma ou esperar “remédios lentos”. Ele rejeitou a questão controversa de que os reformadores eram culpados de “inovação imprudente e ímpia”. Ele insiste que “Deus levantou Lutero e outros” para preservarem “a verdade da nossa religião”. Calvino viu que os fundamentos do Cristianismo estavam ameaçados e que apenas a verdade bíblica renovaria a igreja. 

Calvino tem em vista quatro grandes áreas da vida da igreja que precisavam de reforma. Essas áreas formam o que ele chama de alma e corpo da igreja. A alma da igreja é composta da “adoração pura e legítima a Deus” e da “salvação dos homens”. O corpo da igreja é composto do “uso dos sacramentos” e do “governo da igreja”. Para Calvino, essas questões estavam no centro dos debates da Reforma. São questões essenciais para a vida da igreja e só podem ser entendidas corretamente à luz do ensino das Escrituras. 

Podemos nos surpreender que Calvino tenha estabelecido a adoração a Deus como a primeira das questões da Reforma, mas esse era um tema consistente dele. Anteriormente, ele escrevera ao cardeal Sadoleto: “Não há nada mais perigoso para a nossa salvação do que uma adoração absurda e perversa a Deus”. A adoração é onde nos encontramos com Deus, e esse encontro deve ser conduzido pelos padrões de Deus. Nossa adoração mostra se aceitamos verdadeiramente a Palavra de Deus como nossa autoridade e nos submetemos a ela. A adoração criada pelo ego é tanto uma forma de justiça pelas obras quanto uma expressão de idolatria. 

Em seguida, Calvino voltou-se para o que muitas vezes pensamos ser a maior questão da Reforma, ou seja, a doutrina da justificação: Nós sustentamos que, não importa quão grandes sejam quaisquer obras do homem, ele é considerado justo diante de Deus simplesmente com base na misericórdia gratuita; porque Deus, sem qualquer consideração às obras, o adota livremente em Cristo, imputando-lhe a justiça de Cristo, como se fosse sua. A isso chamamos justiça da fé, ou seja, quando um homem, sendo removido e esvaziado de toda a confiança nas obras, se sente convencido de que o único fundamento da sua aceitação por Deus é uma justiça que falta a si mesmo e é emprestada de Cristo. O ponto em que o mundo sempre se desvia (pois esse erro prevaleceu em quase todas as épocas) consiste em imaginar que o homem, por mais parcialmente defeituoso que seja, ainda merece em alguma medida o favor de Deus por meio das obras. 

Essas questões fundamentais que formam a alma da igreja são apoiadas pelo corpo da igreja: os sacramentos e o governo da igreja. Os sacramentos devem ser restaurados aos puros e simples significado e uso dados na Bíblia. O governo da igreja deve rejeitar toda a tirania que prende as consciências dos cristãos de modo contrário à Palavra de Deus. 

Ao olhar para a igreja em nossos dias, podemos bem concluir que a reforma é necessária — na verdade, é exigida — em muitas das áreas com as quais Calvino estava tão preocupado. Somente a Palavra e o Espírito de Deus finalmente reformarão a igreja. Mas devemos orar e trabalhar fielmente para que tal reforma ocorra em nosso tempo. 


PSICOPANIQUIA [2]

1. Contexto Histórico.

Antes de sair da França devido às perseguições, Calvino escreve sua primeira obra de cunho teológico – Psicopaniquia. Trata-se de sua obra mais específica sobre o assunto. Psicopaniquia é uma expressão grega que faz referência ao sono da alma. Falar de Estado Intermediário em Calvino, portanto, é falar de Psicopaniquia. 

Diferente de sua primeira obra (edição comentada do livro de Sêneca, De Clementia), aqui Calvino preza pela exposição da Palavra e rejeita a especulação filosófica reconhecendo suas limitações quando o assunto é "alma" – sua origem e natureza.

A obra é datada de 1534, ou seja, é a primeira obra de cunho teológico do pastor de Genebra. A despeito disso, é, sem dúvidas, a obra mais negligenciada por seus estudiosos. Pouco se comenta (informalmente) e muito menos se escreve sobre ela. Talvez a única obra que temos disponível em inglês especificamente sobre Psicopaniquia é The Starting Point, de George H. Tavard.

Uma questão que surgem quando o assunto envolve Psicopaniquia é: Quem era realmente o escritor de Psicopaniquia? Era católico? Reformador? Sobre essa questão ficamos com as considerações de McGrath:

[…] a evidência não aponta para qualquer rompimento fundamental nessa fase como o que Calvino iria posteriormente designar como "as superstições do papado". Ele era adepto da Reforma, a esta altura compartilhando um ponto de vista já associado a muitos dentro da igreja francesa; não há, contudo, qualquer pista de um rompimento com essa Igreja. Calvino "ainda usava a máscara de um católico", […] "não pregava, orava, ou adorava de qualquer forma que fosse contrária aos costumes católicos". Além disso, a obra Psychopannychia não contém qualquer polêmica anticatólica. É difícil encontrar, mesmo que apenas um traço, de que a obra tenha sido escrita por um jovem recentemente convertido dos erros de seus anteriores costumes católicos [3]

Sobre essa fase da vida do grande reformador, Ronald Wallace cita o próprio Calvino: "Antes que houvesse passado um ano, todos os que tinham qualquer desejo por pura doutrina estavam continuamente vindo até mim para aprender, ainda que eu mesmo me sentisse como um mero noviço e um principiante" [4]. A despeito da incerteza de sua conversão e de sua imaturidade, o conteúdo da obra foi confirmado pelo próprio Calvino visto ter sido publicada em 1542.


2. Um Resumo 

Como um excelente exegeta, Calvino preocupa-se em começar estabelecendo o significado das expressões envolvidas. Primeiramente ele reconhece a variação de significado na terminologia "sono da alma". Há os que admitem um estado de insensibilidade entre a morte e o dia do julgamento quando se dará o despertar do sono. Outros, contudo, negam a "real existência" da alma neste período entendendo que a alma perece com o corpo até o dia em que será ressuscitada com ele. Em resposta a essas visões, Calvino assegura que a alma é "uma substância, e após a morte do corpo vive verdadeiramente sendo dotada de sentido e entendimento". 

Antes de tratar diretamente com os textos envolvendo a existência pós-morte, Calvino trata com elementos pressupostos na análise dos textos (e.g., alma, espírito, imagem de Deus). No tocante a "alma" e "espírito" sua preocupação se dá primeiramente em reconhecer que o campo semântico de ambos os vocábulos é lato. Esse reconhecimento é importante primeiramente por uma questão de metodologia exegética, mas Calvino a reconhece também devido ao fato de que a falácia dos seus oponentes está exatamente em se tomar o "primeiro significado" e aplicá-lo rápida e obstinadamente em todas as outras passagens.

Sobre o uso de "alma" como "vida", Calvino entende tratar-se de uma metonímia visto que "a alma é causa da vida, e a vida depende da alma". Com Salmo 49.19; 1 Samuel 11.11 ele mostra que esse não pode ser único o significado do vocábulo. Reconhece outros significados como "existência humana" (Ex. 1.5; Ez. 28.4; Lv. 20.6) e "sopro" (2Sm. 1.9; At. 20.10; 1 Re. 17.21).

Quanto ao "espírito", "literalmente 'sopro' e 'vento', e por essa razão é freqüentemente é chamado pnoh, [vento] pelos gregos"; pode se referir a "algo vão", "indigno" (Is. 26.18); "o que é regenerado pelo Espírito de Deus" (Gl. 5.17). Sobre o uso dos termos (alma e espírito) juntos Calvino entende que "'alma' significa 'vontade' e 'espírito', 'intelecto'". Calvino preza pela distinção do espírito com o corpo.

Tratada a questão da alma e do espírito, o reformador passa a abordar a "imagem de Deus no homem". Calvino assegura que não se trata de "imagem corporal", pois a declaração "façamos…" no texto bíblico é uma referência a um diálogo dentro da Trindade, que por sua vez, é realizado por seres espirituais. Também não se trata da capacidade de domínio sobre os outros seres. Do relato da criação, Calvino afirma que a imagem de Deus é separada da carne. Para Calvino, nada pode sustentar ou carregar a imagem de Deus que não o espírito, pois Deus é Espírito[9]. A sede ou base da imagem de Deus, portanto, está no espírito.

Pensando na imortalidade da alma, Calvino cita Mt. 10:28 como prova de que a alma sobrevive a morte. Em suas palavras, "ou a alma sobrevive ao corpo, ou é falso dizer que tiranos não tem poder sobre a alma". Em resposta aos seus oponentes que diziam que a alma é assassinada com o corpo, porém perece visto que ressurgirá, Calvino diz: "eles devem admitir que nem o corpo é assassinado, visto que também será ressurreto".

O texto segue com interpretações de incontáveis passagens para o entendimento do estado intermediário.

RECOMENDO
Livro disponível in:

_______________________
[1] Boa parte deste é uma transcrição do texto disponível in:
[2] No blog tem um estudo completo sobre este assunto.
[3] MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 91.
[4] WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma: um estudo sobre Calvino como reformador social, clérigo, pastor e teólogo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 20.

A TEOLOGIA CARISMÁTICA DE LUCAS [Resenha]


STRONSTAD, Roger. A Teologia Carismática de Lucas: Trajetórias do Antigo Testamento a Lucas-Atos. Rio de Janeiro: CPAD, 2018. 176p. 


Todos conhecem o Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos e sabem que tais livros possuem propósitos didático e teológico. Mas qual seriam? Para Stronstad, não há dúvida que está ligado à atuação do Espírito Santo e aos seus carismas, isto é, aos seus dons espirituais. Um dos mais influentes trabalhos sobre a pneumatologia de Lucas da atualidade, esta obra, escrita na tradição do pentecostalismo e de grande valor acadêmico, foi um divisor de águas e contribuiu significativamente para o entendimento da Igreja sobre a teologia de Lucas. 

Este livro, além da apresentação, está dividido em seis capítulos e segue uma metodologia admirável. Além dos capítulos possui com apêndices: notas, leituras recomendadas, índice de referências bíblicas e remissivo. 

Este livro foi lançado em 1984 pela Editora Hendrickson e publicado uma nova edição em 2012 pela Baker Publishing House. No Brasil, foi lançado pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD). 

Este texto trata-se de uma resenha descritiva, com algumas citações de rodapé. Iremos tratar como costumeiramente – capítulo a capítulo – e sim, veremos os principais temas tratado nesta excelente obra. 


Capítulo 1 – O Espírito Santo em Lucas-Atos: Um desafio a metodologia. 

Roger afirma que para interpretar corretamente o registro de Lucas sobre o Espírito Santo, se faz necessário resolver três problemas metodológicos fundamentais. Estes problemas metodológicos são as três divisões deste capítulo: (1) A homogeneidade literária e teológica de Lucas-Atos, (2) O caráter teológico da historiografia lucana e (3) a independência teológica lucana. 

Roger considera que isso é um desafio descomunal, mas se faz necessário resolver o impasse teológico e metodológico na igreja contemporânea concernente ao significado do Espírito santo em Lucas-Atos. Por um lado, quando apropriado, todas as partes do debate devem abandonar os programas metodológicos predominantemente autossuficientes, que conspiram para silenciar ou manipular a distinta teologia de Lucas. Por outro lado, todas as partes devem desenvolver um consenso metodológico para interpretar o dom do Espírito em Lucas-Atos. No mínimo, o consenso tem de ter os seguintes princípios: (1) Lucas-Atos é teologicamente homogêneo, (2) Lucas é teólogo e historiador e (3) Lucas é teólogo independente por direito próprio. 

Quando Lucas-Atos é interpretado à luz desse programa metodológico, a mensagem de Lucas revela-se radicalmente diferente de determinadas interpretações contemporâneas que lhe são dadas[1]. Por exemplo, comparada com certas interpretações populares, a frase característica de Lucas, “Cheio do Espírito Santo”, (1) é amoldada de acordo com o uso dado no Antigo Testamento (a septuaginta), (2) tem o mesmo significado no Evangelho como tem em Atos e (3) tem um significado diferente em Lucas-Atos do que na epístola de Paulo aos Efésios. Em termos gerais, para Lucas, o Espírito santo não diz respeito à salvação nem a santificação, como é comumente afirmado, mas exclusivamente a uma terceira dimensão da vida cristã – o serviço. Portanto, diz Roger, quando interpretado pelo programa metodológico aqui discutido, descobrimos que Lucas tem uma teologia carismática, e não soteriológica, do Espírito Santo. A teologia carismática do Espírito Santo não é menos válida para os discípulos no século XXI do que para os discípulos no século I.


Capítulo 2 – O Espírito Santo no Antigo Testamento: O Espírito carismático de Deus. 

O propósito deste capítulo é descrever a atividade carismática do Espírito de Deus nos tempos do Antigo Testamento. Roger divide este capítulo em duas partes. 

Parte 1: O Espírito carismático nos Tempos do Antigo Testamento, que possui 4 pontos assim denominados - (1) A distribuição cronológica da atividade carismática do Espírito; (2) A terminologia da Septuaginta que descreve a atividade carismática; (3) Os temas característicos da atividade do Espírito e (4) As expectativas proféticas para a atividade carismática do Espírito na vindoura era da restauração. Parte 2: O Espírito carismático no Período intertestamentário, que possui dois pontos – (1) A cessação da Inspiração profética e (2) A restauração da Inspiração profética. 

Ao dedicarmo-nos a interpretar o Espírito santo em Lucas-Atos, procedemos baseados no seguinte. Em termos gerais, o Antigo Testamento e a historiografia helenística judaica deram a Lucas o modelo para ele escrever sua história de dois volumes sobre a origem e propagação do cristianismo. Os temas carismáticos das Bíblias hebraica e grega, tais como a transferência, os sinais e a vocação, influenciam a teologia de Lucas pertinente ao Espírito Santo. Além da influência desses temas carismáticos, a Septuaginta fornece a Lucas a terminologia para descrever a atividade do Espírito Santo na vida de Jesus e seus discípulos. Lucas-Atos é diferente em comparação à crença intertestamentária da cessação da inspiração profética. Mais exatamente, ele relata a restauração da atividade profética depois de quatro séculos de silêncio. [p.55-56] 


Capítulo 3 – O Espírito Santo no Evangelho de Lucas: O Cristo carismático.

Roger divide este capítulo em sete partes: (1) A Narrativa da Infância, Lc 1.5-2-52; (2) Jesus Ministra como o Ungido do Senhor, Lc 3.1-24-53; (3) Teofania: O Senhor Unge/Comissiona Jesus, Lc 3.1-4.30; (4) Jesus confirma sua Comissão Profética, Lc 4.31-9.50; (5) Teofania: Jesus conclui seu ministério na Galileia, Lc 9.28-50; (6) Jesus expande seu ministério profético para Jerusalém, Lc 9.51-24.29; (7) Jesus ascende ao céu, Lc 24.50-53; At 1.9-11.

Roger, diz: O ministério público de Jesus é, portanto, moldado por três teofanias: (1) Quando Jesus foi batizado por João no Jordão (Lc 3.21,22), (2) quando Jesus foi transfigurado no monte da transfiguração (Lc 9.28-36) e (3) quando Jesus ascendeu ao céu (At 1.9-11). A segunda teofania, ou seja, a transfiguração de Jesus, é uma teofania fundamental. Por um lado, agrupa o ministério de Jesus na Galileia, que começou quando ele foi ungido pelo Espírito no rio Jordão. Por outro, também introduz a narrativa da partida/viagem de Jesus, que conclui com a teofania da sua ascensão. Entretanto, ainda resta uma ponta solta depois da ascensão. Essa é para Jesus cumprir a profecia de João Batista que seu sucessor batizará o povo (penitente) de Deus no Espírito santo (Lc 3.16; At 1.4,5). Conforme Lucas relata, foi exatamente isso que Jesus fez no dia de Pentecostes pós-Páscoa: “De sorte que, exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito santo, [Jesus] derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2.33). [p.79] 


Capítulo 4 – O Espírito Santo no Pentecostes: A Comunidade Carismática. 

Este capítulo tem seis partes: (1) A promessa do Pentecostes, Lc 24.49; At 1.5,8; (2) O milagre do Pentecostes, At 2.1-4; (3) A interpretação de Pedro dada ao Pentecostes, At 2.14-21; (4) A aplicação de Pedro ao Pentecostes, At 2.37-41; (5) O Pentecostes e a Tradição Mosaica; (6) A Experiência religiosa do Pentecostes. 

Neste capítulo sobre a narrativa do Pentecostes, Roger deixa claro que o dom do Espírito no dia de Pentecostes é um fenômeno complexo. Uma descrição quíntupla esclarece o significado do evento do Pentecostes. É, ao mesmo tempo, um revestimento, um batismo, uma capacitação, um enchimento e um derramamento do Espírito Santo. Nenhum termo por si só indica adequadamente o significado do dom Espírito, mas cada termo na descrição múltipla faz sua contribuição singular para o significado total do evento do Pentecostes.

Conforme Lucas conta a história do Pentecostes, o dom do Espírito Santo para os discípulos está em continuidade com a atividade carismática do Espírito nos tempos do Antigo Testamento e com o ministério de Jesus. Quatro dos cinco termos pelos quais Lucas descreve o dom do Espírito são termos típicos do Antigo Testamento (Septuaginta) para descrever a atividade do Espírito de Deus. Os três fenômenos espetaculares que acompanham o derramamento do Espírito (i.e., o vento, o fogo e o falar em línguas) dirigem-nos aos eventos da antiga história de Israel sob a responsabilidade de Moisés. A Atividade do Espírito nos ministérios de João Batista e de Jesus é paralela ao dom do Espírito para os discípulos. O dom do Espírito no dia de Pentecostes é um evento fundamental no transcurso da história da atividade carismática do Espírito entre o povo de Deus. 

Para Roger, a investigação da narrativa do Pentecostes leva-nos a rejeitar as interpretações convencionais do Pentecostes, a saber, que o dom do Espírito no dia de Pentecostes significa a instituição ou nascimento da Igreja e a conversão-iniciação complementar dos discípulos na igreja. Essa interpretação é o resultado da ênfase na descontinuidade entre os períodos de Israel, Jesus e a igreja, ou da atribuição de um significado soteriológico e não carismático do dom do Espírito. 

Roger demonstra que, na teologia carismática de Lucas, Jesus o Cristo carismático, lança, por meio do dom Espírito, a missão dos discípulos, e não a criação da igreja. Se interpretarmos corretamente a narrativa do Pentecostes de Lucas, então veremos que o dom do Espírito não é para a salvação, mas, sim, para o testemunho e serviço. Em outras palavras, com a transferência do Espírito para os discípulos no dia de Pentecostes, eles tornam-se uma comunidade carismática, herdeiros do ministério carismático de Jesus. [2] [p.99-100] 


Capítulo 5 – O Espírito Santo em Atos dos Apóstolos: A Comunidade Carismática em Missão. 

Este capítulo tem seis partes: (1) O batismo no Espírito desde Samaria até Éfeso, At 8-19; (2) Os crentes em Samaria recebem o Espírito Santo, At 8.14-19; (3) Uma casa-igreja em Cesaréia é batizada no Espírito Santo, At 10.1-11.18; (4) Alguns crentes Efésios são batizados no Espírito santo, At 19.1-7; (5) Os meios de receber o Espírito Santo; (6) O Espírito Santo e a Missão. 

Neste capítulo, Roger defende que dos cincos principais relatos do dom do Espírito Santo em Atos, a narrativa do Pentecostes ocupa lugar de honra. Essa narrativa guia-nos na interpretação do dom do Espírito para os samaritanos, Saulo, Cornélio e os efésios. O dom do Espírito é vocacional tanto na narrativa do Pentecostes, como nas narrativas subsequentes. As narrativas demonstram que todos os que recebem o evangelho, quer simultânea ou posteriormente, também recebem o dom carismático do Espírito, Lucas, portanto oferece exemplos históricos da interpretação que Pedro deu ao Pentecostes por mio do dom do Espírito para os samaritanos, Saulo, Cornélio e os efésios, mostrando que o dom vocacional do Espírito é potencialmente universal. 

Além das cincos narrativas, as referências ao Espírito Santo permeiam o registro de Atos. O uso característico de Lucas das expressões “cheio do Espírito Santo” e “receber o Espírito santo” descreve as funções complementares da iniciativa divina e da resposta humana à iniciativa. A variedade de termos que Lucas emprega descreve a atividade carismática do Espírito, e não a conversão iniciação. Semelhantemente a João Batista e Jesus antes deles, a comunidade carismática dos discípulos é capacitada e dirigida pelo Espírito para a tarefa missionária. [p.121] 


Capítulo 6 – A Teologia Carismática de Lucas: Síntese e Desafio. 

Este capítulo é uma espécie de resumo ou síntese de todo o livro. Roger reafirmar alguns pontos que defendeu durante todo a exposição e conclui com um desafio. 

Reafirmação - Em comparação com a literatura variada do Novo Testamento, Lucas-Atos é inigualável. Permanece sozinho como o único livro de dois volumes no Novo Testamento. E mais importante ainda, é a única história de salvação no Novo Testamento. Como comentamos, Lucas é mais do que um historiador dos tempos do Novo Testamento. Ele é também teólogo por direito próprio. Em sua perspectiva histórico-teológica, os dois temas complementares da “salvação” e da “atividade carismática do Espírito santo” dominam Lucas-Atos. Além de ser uma história de salvação é a história do Cristo carismático e da comunidade dos discípulos em missão. 

Desafio – A igreja contemporânea atualmente está em um impasse sobre a doutrina do Espírito Santo. Pouco diálogo construtivo ocorre entre os cristãos que postulam pontos de vista conflitantes. Pelo contrário, para descrédito de todas as partes, a suspeita, a hostilidade e a intolerância caracterizam a relação entre os postulantes de visões conflitantes a respeito da validade da experiência carismática para hoje. O caráter carismático da igreja torna imperativo que todas as tradições da igreja reavaliem sua doutrina e experiência do Espírito à luz da teologia carismática de Lucas. Por um lado, os antipentecostais e os anticarismáticos devem lembrar que o dom do Espírito não é apenas uma benção espiritual; é uma responsabilidade. Seu significado estende-se do quarto de oração e do culto de adoração para um mundo que precisa ouvir a voz profética em consonância com a demonstração do poder do Espírito. [3] 


Para concluir, eu afirmo que todo aquele que deseja conhecer toda a fundamentação e argumentação pentecostal clássica, esse é o livro. Posso não concordar com algumas que aqui li, contudo não posso negar que o Roger Stronstad coloca neste livro um estudo convincente e provocador de Lucas como teólogo carismático, cujo entendimento do Espírito foi moldado pelo que ele entendia de Jesus e natureza da Igreja Primitiva. Roger situa a pneumatologia de Lucas no contexto histórico do judaísmo e vê Lucas como teólogo independente que faz contribuição para a pneumatologia do Novo Testamento. 

RECOMENDO 
Casa Publicadora das Assembleias de Deus
https://www.cpad.com.br/a-teologia-carismatica-de-lucas-329267/p

_______________________________
[1] As interpretações que Roger se refere aos ensinos de John Stott, Frank Farrel e Michael Green, que afirmam: Os poucos relatos históricos de línguas em Atos, em comparação com as outras Escrituras, fornecem um fundamento frágil sobre o qual formar uma doutrina da vida cristãs. Essas passagens não contêm nenhuma diretriz para a experiência cristã normativa (Farrel) e Para ser mais preciso, devemos procura-la nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos, e não nas seções puramente narrativas de Atos (Stott)

[2] Sou contrário à posição do autor, todavia, em que pese este consenso não pequeno, permanecem diferenças de entendimento sobre diversos aspectos da obra do Espírito e o significado histórico-teológico de Pentecostes. Vamos encontrar homens de Deus, sérios, dedicados e usados por Deus em lados diferentes.

Quanto ao significado histórico de Pentecostes. Para muitos, o que aconteceu em Pentecostes é um paradigma, um modelo e um padrão para hoje. A descida do Espírito, o revestimento de poder e as línguas faladas pelos apóstolos estão hoje à disposição da Igreja exatamente como aconteceu naquele dia no cenáculo em Jerusalém. Os que assim acreditam se caracterizam pela busca constante desta experiência. Para eles, a Igreja ficou sem o Pentecostes por quase dois mil anos, e foi somente em 1906, no chamado avivamento da Rua Azusa 312, em Los Angeles, Estados Unidos, que ele retornou à Igreja, e tem se repetido constantemente entre os cristãos de todo o mundo.

Do outro lado há os que pensam diferente, como eu, por exemplo, mas que creem que podemos experimentar a plenitude e o poder do Espirito Santo hoje. Desejo isto e busco isto constantemente. Todavia, não creio que cada enchimento que eu ou outro irmão venhamos a ter é uma repetição de Pentecostes, mas sim uma apropriação pessoal daquele evento, que aconteceu de uma vez por todas e que não tem como se repetir. Pentecostes foi o cumprimento das promessas dos profetas do Antigo Testamento de que o Messias derramaria Seu Espírito sobre Seu povo. Foi assim que Pedro entendeu, ao dizer que a descida do Espírito era o cumprimento das palavras de Joel (Atos 2). Pentecostes é um evento da história da salvação e à semelhança da morte e da ressurreição de Cristo, ele não se repete. E da mesma forma que hoje continuamos a nos beneficiar da morte e da ressurreição do Senhor, continuamos a beber e a nos encher daquele Espírito que já veio de uma vez por todas ficar na Igreja. E eu creio que neste ponto podemos todos concordar.

Minha oração é que todos os que verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o amam de todo o coração, apesar das diferenças, glorifiquem ao Pai e ao Filho por terem enviado o Espírito Santo para santificar, capacitar e usar a Sua Igreja neste mundo.

[3] Historicamente, a relação entre tradicionais, principalmente, os calvinistas e pentecostais não tem sido sempre amistosa. Em muitas obras publicadas o tom belicoso não foi evitado. Contudo, em tempos mais recentes e de forma crescente, pentecostais em busca de uma teologia mais robusta tem se aproximado do calvinismo, enquanto estes têm demonstrado maior abertura à liturgia pentecostal. Mesmo assim, essa crescente minoria tem sido vista com cautela, tanto por pentecostais como por calvinistas. E embora se admita que seja “muito possível que um crente individual, ou uma igreja, creiam firmemente nos cinco pontos do calvinismo e ao mesmo tempo creiam no batismo com o Espírito Santo como segunda experiência e na continuidade do dom de línguas”, tais crentes e igrejas são vistas como inconsistentes. A questão, pois, é se os dois sistemas são necessariamente auto excludentes ou existe compatibilidade entre as doutrinas distintivas de pentecostais e calvinistas. Vamos aguardar as futuras palavras de Roger Stronstad.

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

CONTRA A IDOLATRIA DO ESTADO [Resenha]


O Livro e seu autor

O livro apresenta a seguinte estrutura: Agradecimentos, Introdução e 8 capítulos divididos em 4 seções. Por fim, a Declaração Teológica de Barmen é colocada como apêndice. O conteúdo e o contexto histórico da declaração supracitada são trabalhados dentro dos capítulos, todavia, é publicada na íntegra após o capítulo que conclui a obra. Deixando de lado a introdução e o apêndice, esta resenha - em sua abordagem – contemplará apenas a substância dos capítulos desenvolvidos por Ferreira.

Franklin Ferreira é Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Mestre em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil. É diretor e professor de teologia sistemática e história da igreja no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos, São Paulo, e consultor acadêmico de Edições Vida Nova. Autor de vários livros, entre eles Teologia Sistemática (este em coautoria com Alan Myatt), A Igreja Cristã na História, Avivamento para a Igreja, Contra a Idolatria do Estado e Pilares da fé, publicados por Edições Vida Nova, e Servos de Deus e O Credo dos Apóstolos, publicados pela Editora Fiel.


PRIMEIRA PARTE: FUNDAMENTOS BÍBLICOS

A primeira parte deste livro é constituído por dois capítulos (1) O livro de Ester: o povo de Deus sob o risco de extermínio. (2) A Carta de Paulo aos Romanos: o poder do Evangelho e os limites das autoridades estabelecidas. Estes dois livros das Escrituras oferecem importantes subsídios e orientações divinas de como o povo de Deus deve se comportar diante das opressões do mundo tanto física como ideológicas

Capítulo 1 - O livro de Ester: o povo de Deus sob o risco de extermínio.

Neste primeiro capítulo, o autor nos leva ao contexto histórico do livro de Ester. Ferreira faz um resumo da situação de opressão em que o povo da Aliança vivia. O povo vivia sob o signo da angustia provocada pela ameaça do extermínio, liderado pelo perverso Hamã, que desejava aniquilar o povo de Deus. Diante deste quadro de perversidade, Ferreira nos mostra como a atuação política de Ester e a sabedoria de Mardoqueu foram importantes para a mudança do contexto histórico e um exemplo para a atuação política dos cristãos no momento crítico de nossa conjuntura sociopolítica.  E nesta situação, esse capítulo nos oferece importantes lições:

(1) Confiança na Providência de Deus – A exortação de Mardoqueu a Ester demonstra que ambos estavam cônscios da providência divina (4.14);

(2) A espiritualidade fervorosa de Ester, manifesta uma atitude disciplinada e centrada no Deus vivo (4.16). Humildade ao suplicar o sustento e a comunhão de outras pessoas. Confiança em apresentar-se diante do rei de forma inusitada e correndo risco de vida (5.1-8).

(3) A Soberana providência de Deus que escreve e determina a história do seu povo, providenciou o livramento dos judeus (8.1-17), o cumprimento do livramento (9.1-15) e mostra o apogeu da história.

Quais foram os resultados da atuação de Ester?
(1) Deus mudou a história como havia sido planejada pelos homens maus e abençoou seu povo (9.25; 10.2)
(2) Tal libertação trouxe alegria ao povo, que outrora vivia na escuridão da angústia (9.19)
(3) Surgiu uma sociedade marcada por alegria, partilha e justiça (9.19,22)
(4) Deus transformou um símbolo do mal em símbolo de sua providência, para ser festejado para sempre (9.26)
(5) Deus exaltou seus servos (10.3)

Na conclusão deste capítulo, Ferreira recomenda para àqueles que estão “servindo nos palácios hoje”.
(1) O cristão que pretende servir na esfera pública deve ter uma vida moldada pelo conhecimento da Escritura e firmada na prática da oração.
(2) O político cristão deve ter capacidade e coragem para criticar a cultura, questionando suas motivações, mensagens e propostas.
(3) O político cristão deve procurar cercar-se de líderes que reúnam as qualidades de servo, encorajador e visionário, assim como Mardoqueu.
(4) O político cristão deve trabalhar em prol da mobilização da população visando a reivindicação justificadas, especialmente aquelas que promovam a valorização da vida.
(5) Os cristãos que almejam servir na esfera pública devem trabalhar para moldar a opinião pública, com o objetivo de aumentar o alcance e a eficácia da cosmovisão cristã.

Capítulo 2 - A Carta de Paulo aos Romanos: o poder do Evangelho e os limites das autoridades estabelecidas.

Para melhor entender este capítulo, estabeleci dois pontos: 

(1) Poder - O que é “o poder” de acordo com a interpretação do apóstolo Paulo. Paulo instrui a igreja que o termo “poder”, em nenhum momento se refere as autoridades governamentais do império romano. “Lendo com atenção a Carta aos Romanos, percebemos que Paulo nunca usa a palavra “poder” em referência à estrutura imperial e às autoridades constituídas. Essa palavra é empregada exclusivamente em relação a Jesus Cristo e à mensagem revelada desse único Salvador” [p.67]. Apenas Cristo é o detentor do poder e, por isso, toda e qualquer autoridade política está debaixo do seu senhorio. Para Ferreira, embasado em outros comentaristas, o conteúdo da epístola paulina traz em seu bojo uma teologia subversiva, negando aos imperadores de Roma a deificação. A mensagem da carta é, em resumo, um encorajamento para que os crentes romanos mantenham a sua devoção exclusivamente à pessoa de Cristo e sejam leais ao evangelho.

(2) O Cristão e as autoridades – “Um aspecto importante a destacar, antes de analisarmos toda a passagem, é que Paulo não usa os títulos honoríficos tradicionalmente empregados para as figuras políticas do mundo romano. Ele não diz: “Todo homem esteja sujeito aos imperadores, cônsules, senadores e assim por diante”, mas usa uma palavra genérica, “autoridade”, empregada no plural. Assim, essa afirmação não se limita às autoridades superiores, como imperadores ou reis, mas abrange todos os tipos de autoridades. [p.72]

A parte didática deste livro acerca desse assunto é muito importante: Como saber se uma autoridade é legítima, a luz de Romanos 13? Paulo estabelece e define a autoridade ideal: ela é serva de Deus para o bem dos súditos; recompensa o bem que é feito pelos súditos; é agente de punição contra o mal – e, por cumprir tais prerrogativas, os súditos cristãos se sujeitam à autoridade e pagam tributos e impostos. Essa autoridade é legitima, então, quando afirma e recompensa aqueles que fazem o bem, servindo-os e protegendo-os contra os maus. Portanto, como sabemos se um governo ou autoridade é legitima? Será legítima se premia aquele que faz o bem e, em contrapartida, pune os facínoras criminosos. Ferreira entende que, quando uma autoridade se desvia desse alvo, perde a legitimidade e deixa de ser autoridade constituída por Deus. Nesse momento, então, o cristão pode confrontá-la, exortá-la e, com outras autoridades ligadas ao governo, poderá retirar o governante corrupto, como já aconteceu aqui no Brasil (no caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo, em 1992). Portanto, a passagem de Romanos 13.1-7 não pode ser usada, sob hipótese alguma, para justificar passividade ou omissão diante de uma autoridade que trai seu chamado.

Qual a fundamentação teológica para tal interpretação?
(1) A mensagem do evangelho tem implicações para todas as esferas da criação, incluindo as questões políticas – à medida que Deus criou o set humano e o dotou com a capacidade de se organizar e estabelecer alguns mecanismos de organização.
(2) O evangelho ensina que igreja e Estado são esferas distintas, igualmente estabelecidas por deus, mas com tarefas diferenciadas na criação. Como já vimos, o Estado recompensa e pune, a igreja anuncia a redenção.
(3) Precisamos lembrar que Deus instituiu as autoridades, mas delimita sua esfera de influência. Há limites para o Estado que são estabelecidos por Deus na criação.
(4) Devem-se respeitar as autoridades, mas não quando se tornam a “besta que subiu do mar” (Ap 13.1).
(5) O evangelho está cima das ideologias políticas e não pode, sob hipótese alguma, ser confundido com estas. Como diz a Declaração Teológica de Barmen, subscrita por cristãos reformados e luteranos que resistiram ao nazismo pouco antes da Segunda Guerra Mundial: “Rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes”.


SEGUNDA PARTE: QUESTÕES CONCEITUAIS

Como na primeira parte temos dois capítulos (3) Totalitarismo, o culto do Estado e a liberdade do Evangelho. (4) Espectro político, mentes cativas e idolatria.

Capítulo 3 - Totalitarismo, o culto do Estado e a liberdade do Evangelho.

Neste capítulo, o autor assenta as bases do totalitarismo. Primeiramente apresenta dois modelos políticos: 

(1) O estatismo – e assim conceitua: O estatismo é o cerne da esquerda; e esse conceito é mais amplo que a mera ausência de eleições livres e democracia. O estatismo preconiza a intervenção e a atuação intensas do Estado nas várias esferas da sociedade e se impõe sobre esta sem considerar se as pessoas não aprovam sua estrutura ou não votarem a favor dela. Tendo em mente o fato de que Marx e Engels identificaram diferentes tipos de socialismo, pode-se concluir que anto o comunismo quanto o nazismo são socialismo, sendo o primeiro um socialismo de classe e internacional e o segundo um socialismo étnico e nacionalista.

(2) As liberdades individuais – é o segundo modelo político que resume os ideários político associados à posição direitista, em que se privilegiam a liberdade individual e econômica e a garantia dos direitos individuais, sendo os limites o respeito à vida, à propriedade e à liberdade dos demais. Ferreira, chega afirmar que dos 35 partidos existentes, somente o Partido Novo, de fato, pertence a este último modelo.

O tema é seguinte, o autor trata com esmero dos dois principais regimes totalitários: comunismo e nazismo e suas semelhanças. 

Os nazistas viam-se como legítimos socialistas, desprezando a aristocracia, o livre mercado, o capitalismo e a democracia liberal, abolindo a liberdade de imprensa, praticando a censura e apregoando uma teoria política com suposta fundamentação científica. Para apresentar outras semelhanças, entre o nazismo e comunismo, Ferreira faz referências ao exame de fontes primárias (como os Arquivos Públicos da Antiga União Soviética) e acrescenta: ódio a burguesia, a rejeição de toda a estrutura do Estado liberal e representação partidária; a coletivização que almeja suprimir a individualidade, a propaganda totalitária, o culto do líder pelo uso da imagística religiosa, o direito de extirpar por meio da violência política o “princípio maligno” que impede a chegada da sociedade perfeita, o uso dos campos de concentração, que eram lugares de “terror absoluto”, a criação do “novo homem” por meio de reeducação ideológica, o militarismo, o nacionalismo, o neopaganismo e o antissemitismo. E conclui: “O comunismo é um socialismo de classe e internacional, ao passo que o nazismo é um socialismo étnico e nacionalista” (p. 103). Ao longo do capítulo, Franklin Ferreira se preocupa em justificar o esquerdismo do Nazismo, dando-nos amplas indicações sobre o totalitarismo (p. 113): Arthur Koestler, George Orwell, Aleksandr Soljenitsyn e Vaclav Havel.

Para mim, o auge deste capítulo é a seção “os teólogos cristãos em relação ao nazismo e ao comunismo”, aonde, de forma resumida, mas com uma grande riqueza de detalhes, o autor relata o esforço de homens valorosos como Karl Barth, Dietrich Bonhoeffer, Emil Brunner entre outros para proteger a igreja evangélica alemã das intenções de Adolf Hitler. Uma resistência política e teológica ao mesmo tempo, e que resultou no exílio de Barth e na morte de Bonhoeffer, enforcado por ordem direta de Hitler em 09 de abril de 1945.

Para concluir este capítulo, Ferreira afirma que mesmo em suas representações ideais, nenhuma corrente política, de esquerda ou de direita, liberal ou antiliberal, pode ser associada à posição bíblica. E recomenda: O socialismo, visão do mundo rival do cristianismo, exerceu e continua a exercer forte sedução em milhares de cristãos, conseguindo até mesmo perturbar a pureza da fé cristã. E só cresceu “graças a uma maciça apostasia dos cristãos”. No entanto, como é possível aprender com Barth, a mensagem do Evangelho está acima de todas as ideologias ou possibilidades do espectro político, as quais, por sinal, algumas vezes não passam de pobres perversões e caricaturas da mensagem cristã. [p.121,123]

Capítulo 4 - Espectro político, mentes cativas e idolatria.

Neste capítulo, temos conceitos exatos que distingue direita de esquerda. No Brasil, convencionou-se tratar como “direita” o regime militar, que tomou o poder no país entre 1964 e 1985, e como “esquerda” os grupos que se opuseram às Forças Armadas e almejavam um regime socialista. 

(1) A esquerda pode ser definida como aquele modelo do espectro político e que há pouca ou nenhuma liberdade pessoal e econômica, em que o Estado ou partido ganha uma dimensão transcendente, agindo para estender seu domínio sobre todas as esferas da sociedade. A esquerda caracteriza-se pela crença na igualdade de poder. As diferenças econômicas seriam a manifestação de uma distribuição injusta de poder social e político na sociedade. De modo geral, a esquerda postula que a liberdade deve ser sacrificada em nome de igualdade. A liberdade está diretamente relacionada à liberdade econômica ou iniciativa dos indivíduos e propriedade privada.

(2) A direita privilegia a liberdade pessoal e econômica e a garantia dos direitos individuais, sendo os limites a respeito à vida, à propriedade e à liberdade dos demais. A direita, sobretudo o liberalismo clássico, enfatiza que a igualdade se encontra no estado de liberdade que os indivíduos têm de agir, empreender e seguir seus objetivos. Para este, a diferença material ou de poder é o resultado do sucesso de cada indivíduo e não sua causa.

No que diz respeito a importância do Estado, profissionais políticos e ativistas ligados a partidos de esquerda e extrema esquerda como PT, PSOL e PSTU defendem que o país precisa de mais Estado. Contudo, a direita através do “liberalismo” preconiza a necessidade de menos Estado, com seu consequente enxugamento e maior eficácia; a redução da interferência do Estado na economia ao mínimo necessário; a defesa da propriedade privada; a privatização das empresas estatais e de serviços públicos que possam se oferecidos pela iniciativa privada; o livre mercado; e a redução das despesas do governo, com a consequente redução da carga tributária. Além disso, o liberalismo afirma o respeito ao império da lei, as liberdades individuais, à iniciativa privada e às diversas esferas que compõem a sociedade, além de defender o fomento às estruturas mediadoras. 

O que se convencionou chamar de “extrema direita” (regime militares, fascismo, nazismo) na verdade são expressões do autoritarismo ou da extrema esquerda. Por esta razão, a esquerda nunca é comparada à direita. Com isso, a armadilha do discurso da esquerda é comparar uma ideia “perfeita” com a realidade, como se isso fosse prova da superioridade da esquerdista. Contudo, a honestidade intelectual exige que se compare o socialismo real com o capitalismo real. Nesse caso, fica escancarada a inferioridade da esquerda. 

Ferreira, conclui: Os cristãos, que buscam confessar sua fé em submissão às Escrituras, creem que há um só Senhor e Rei, o único Deus todo-poderoso. Eles são súditos do “bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1 Tm 6.15). E esperam a “pátria [que] está nos céus”, de onde aguardam “o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3.20), o único que traz o juízo e a salvação para toda sociedade. Os cristãos não dividem sua lealdade com um Estado, partido ou governo que requer fidelidade religiosa, pois eles sabem que tal lealdade é idolatria, uma quebra do primeiro mandamento. Eles têm liberdade – que mesmo os melhores ímpios não têm – de criticar qualquer sistema político, qualquer ideologia, pois o fazem com base na crença de que somente o Senhor Deus tem o direito de comandar todas as esferas da sociedade. Nenhum governo ou partido recebeu esse direito. E os cristãos também creem que governos e partidos que anseiam ser totais deixam de ser a “autoridade ordenada por Deus” (Rm 13.1-7) para se tornar “uma besta” que recebeu “seu trono e grande a autoridade” do dragão (Ap 13.1-18). E diante dela, a resposta cristã é: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29). [p.125-144].


TERCEIRA PARTE: DIREÇÕES TEOLÓGICAS

A terceira parte deste livro é constituído por dois capítulos (5) A Igreja Confessante e a “disputa pela igreja” na Alemanha (1933-1937). (6) A relação entre a igreja e o Estado na perspectiva reformada.

Capítulo 5 - A Igreja Confessante e a “disputa pela igreja” na Alemanha (1933-1937).

O capítulo 5, que dá início a terceira parte do livro, é uma recapitulação da “disputa pela igreja”, como ficou conhecido o embate entre os líderes da Igreja Alemã, que estavam cedendo aos postulados nazistas e a tutela estatal dentro das igrejas, e os teólogos e pastores que resistiram a esta interferência e fundaram o que veio a ser chamado de Igreja Confessante. Dois nomes se destacam entre os que resistiram, são eles o de Barth e o de Bonhoeffer, o primeiro exilado e o segundo sentenciado a morte. 

Ferreira conclui este capítulo dizendo que o alvo deste capítulo não é apenas relembrar a história da Igreja Confessante, mas principalmente aprender com ela. Como avaliar a “disputa pela igreja” especialmente no período de 1933 a 1937, e o que aprender com ela?

(1) É necessário afirmar que a mudança da mensagem evangélica operada pelos cristãos alemães foi uma heresia que escancarou as portas da Alemanha para o paganismo. Este movimento herético foi corretamente rejeitado pela Igreja Confessante, que se percebia a única igreja verdadeira na Alemanha nos anos críticos de 1933 a 1945.

(2) Por que a teologia e o interesse por Barth e Bonhoeffer, que testemunharam do evangelho com tanta coragem na “disputa pela Igreja”, entraram em declínio ou foram reinterpretados depois da Segunda Guerra Mundial? Nossa hipótese é que tal transitoriedade reside justamente na falta de uma firme base epistemológica, a revelação de deus nas Escrituras infalíveis, dadas objetivamente para todos os homens e mulheres. Essa incoerência já está presente na primeira tese da Declaração Teológica de Barmen, na qual há uma distinção entre Cristo e as Escrituras: “Jesus Cristo, tal como nos atestam as Escrituras, é a única Palavra de Deus” (8.11).

(3) Um dado constrangedor que chama a atenção na “disputa pela igreja” é a falta de uma condenação mais vigorosa do antissemitismo – sendo uma das poucas exceções a postura e o discurso de Bonhoeffer sobre “A igreja e a questão judaica”. O antissemitismo deve ser combatido implacavelmente.

(4) Os fatos ligados à “disputa pela igreja” são exemplo mais evidente de uma identificação precipitada dos acontecimentos históricos com a vontade de Deus, por meio do endosso dos “cristãos alemães” às ações de Hitler, considerando-as uma revelação de Deus na história.

(5) Numa situação limite, como a vivida pela Igreja Confessante, não importa uma aparente unidade da igreja, mas o cerne da fé evangélica. Dois modelos eclesiásticos foram testados nesse período. E foi a partir da tradição reformada que nasceu não apenas um movimento de contestação, mas uma igreja verdadeira. A força profética de alguns, e de Barth em particular, fez compreender às comunidades confessionais que, além das estruturas e das instituições, encontravam-se verdade evangélicas que era proibido calar ou cochilar.

(6) A história do confronto da igreja com o nazismo ensina mais uma vez que Deus purifica sua igreja por meio da perseguição. Por meio do retorno às Escrituras, às confissões da Reforma e à pregação bíblica, os evangélicos alemães aprenderam a resistir à falsa religião e a um governo demoníaco. [p.187-193]

Capítulo 6 - A relação entre a igreja e o Estado na perspectiva reformada.

O capítulo 6 temos uma perspectiva reformada da Soberania das Esferas, conceito desenvolvido pelo teólogo, jornalista e político holandês Abraham Kuyper, como temos uma fundamentação bíblica de como Deus estabelece na criação várias instituições para ordem social, cada qual com sua esfera de atividade e missão e com uma responsabilidade diante dele.

A visão reformada da sociedade não é centrada no indivíduo nem na instituição, mas na soberania de Deus sobre as esferas da Criação, nas quais diferentes instituições se acham debaixo do reinado de Deus. Essa posição é uma afirmação não hierárquica da sociedade civil, à medida que (1) a soberania derradeira pertence somente a Deus; (2) toda soberania terrena é subsidiária da soberania de Deus e (3) não há nenhum foco último (ou penúltimo) de soberania neste mundo do qual todas as demais soberanias sejam derivadas. 

Abraham Kuyper afirma que a soberania de Deus “é primordial [e] irradia na humanidade numa tríplice soberania, a saber: (1) a Soberania no Estado, (2) a Soberania na Sociedade, e (3) a Soberania na Igreja”. O estado é a expressão da natureza social do ser humano, de sua disposição gregária, que antecipa os domínios econômicos, estético, jurídico e ético. A família, o indivíduo e a igreja são esferas independentes do Estado, pois existem sem este, extraindo sua autoridade somente de Deus. O papel do estado é de mediador, intervindo quando as diferentes esferas entram em conflito entre si ou para defender os fracos contra o abuso dos demais. Desse modo, a convicção que embassa essa posição foi assim expressa por Kuyper: “Na extensão total da vida humana não há nenhum centímetro quadrado acerca do qual Cristo, que é o único soberano não declare: Isto é meu”.

A seguir, nos é oferecido um desenvolvimento dessa posição por meio de algumas premissas que podem guiar o entendimento evangélico da relação entre o cristão e a política.

(1) Há uma distinção entre Igreja e Estado lembrando que toda autoridade procede de Deus. As tarefas da Igreja e do Estado são de dois tipos e são distintas, não podendo ser confundidas. Deus instituiu o governo civil para nosso benefício, a fim de refrear o mal e promover o bem (Rm 13.1-7; 1 Pe 2.13-17), e deve haver distinção entre aquilo que é governado pela Igreja e aquilo que está sob autoridade do governo civil (Mt 22.21). 

(2) Rejeita-se o conceito de soberania absoluta do Estado e o conceito de soberania absoluta do povo. Para a fé cristã, o poder reside em Deus e em Cristo, que é o Senhor de todo poder e autoridade (Ef 1.21-22), “soberano dos reis da terra”, “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (Ap 1.5; 19.16), comandando todas as esferas sociais. Somente Deus detém o poder absoluto: “Porque o Senhor é o nosso juiz; o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso rei; ele nos salvará” (Is 33.22).

(3) Deus delega autoridade tanto ao governante quanto as pessoas. Ao ocupar um cargo de autoridade, nenhum ser humano tem poder sobre o outro, a não ser quando essa capacidade for delegada por Deus. Mas essa autoridade é relativa e revogável. Por isso, os cristãos devem se opor a todo sistema político e totalitário. Mas do que um direito, isso é um dever (Ex 1.17,21; Dn 3.18; 6.10; Et 4.16; Mt 2.8,12; At 4.18,20; 5.29).

(4) Nenhuma ideologia é absoluta nem pode ser confundida com o evangelho. Com acerto, a Declaração Teológica de Barmem afirma: “Rejeitamos a falsa doutrina de que à igreja seria permitido substituir a forma de sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes”. Sempre que cristãos identificam determinadas ideologia com o reino de Deus ou com a mensagem bíblica, essa mensagem não apenas foi distorcida, mas também acabou sendo obliterada.

(5) O realismo cristão ressalta que a corrupção na política tem origem sobretudo no coração dos seres humanos. Se a doutrina da Criação afirma a dignidade humana, o ensino bíblico sobre a Queda afirma sua corrupção. Os pecados individuais tornam-se pecados estruturais, como idolatria, egoísmo, violência, despotismo, corrupção, e acabam por afetar as estruturas do poder constituído. Por isso, a igreja cristã “prega uma conversão interior dos governantes e dos governados a Deus”, crendo que, por meio do arrependimento e quebrantamento pessoal, as estruturas serão limpas de iniquidades.

(6) Por causa do pecado na sociedade, a república se torna não apenas o melhor sistema, mas o mais viável. A forma de governo que mais se aproxima do modelo bíblico é a república, na qual a não é governada pela lei constitucional e administrada por representantes eleitos pelo povo. Uma vez que somente Deus concentra em si todo o poder (Is 33.22), deve haver divisão e a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, de modo que nenhum governo ou ramo do governo monopolize o poder. Assim, a república apresenta-se como o melhor sistema, pois é a salvaguarda das liberdades individuais, “designada para fragmentar o poder político, de modo que ele não possa ameaçar as vidas, liberdades e propriedades. [p.197-211]


QUARTA PARTE: APLICAÇÕES PRÁTICAS

A quarta e última parte deste livro como todos os demais, também é constituído por dois capítulos (7) “Era a voz”: a violência, a ideologização do debate e uma oportunidade para igreja. (8) Uma agenda para o voto consciente.

Capítulo 7 - “Era a voz”: a violência, a ideologização do debate e uma oportunidade para igreja.

Neste capítulo lemos sobre a ineficiência estatal, sobretudo do governo petista em zelar pela segurança dos cidadãos brasileiros. Ferreira nos mostra números alarmantes do aumento da violência. Ele critica os altos impostos que não são revertidos para a segurança e nem para o deleite da sociedade. Outra questão bastante criticada é a ideologização promovida pela esquerda no debate sobre a violência. Ao dizer que o bandido é vítima da sociedade, esta ideologia vitimiza o criminoso ao invés de puni-lo. Ferreira expõe a deficiência do sistema prisional brasileiro e a instrumentalização dos Direitos Humanos pela inteligência a serviço do Estado.

Diante desse quadro, deve-se perguntar: “Em casos como este, os cristãos devem agir individualmente ou por meio da igreja local? Qual é exatamente o papel da igreja diante da violência?”

À igreja cristã é exigido dar uma palavra sobre a violência – especialmente quando se leva em conta quanto as Escrituras tratam desse pecado: “Assim diz o Senhor: Exercei o direito e a justiça, e livrai da mão do opressor aquele que está sendo explorado por ele. Não façais nenhum mal e nenhuma violência ao estrangeiro, nem ao órfão, nem a viúva; não derrameis sangue inocente neste lugar” (Jr 22.3). Mas a igreja só conseguirá fazer isso com fidelidade à palavra de Deus se ela voltar a ser igreja cristã – e pastores precisam voltar a ser pastores, edificando o corpo de Cristo (cf Ef 4.11-16), para que este de fato expanda o reino de Deus neste país.

A igreja cristã, se quer ser cristã, precisa reintroduzir convicções bíblicas, como o pecado original e pecado pessoal, no discurso público, ao mesmo tempo que fala do pecado nas estruturas sociais e políticas, assim como da responsabilidade moral que toda pessoa criada a imagem de Deus (cf Gn 1.26,27) tem diante dele e de seus semelhantes.

As igrejas cristãs devem, em cultos públicos, confessar seus pecados e iniquidades, assim com as transgressões cometidas no país, suplicando pelo derramamento do Espírito Santo sobre o corpo de Cristo. De acordo com as Escrituras, Deus tem prazer em atender às orações de seu povo, mesmo aquelas em que se pede mudança de rumos de um país ou região (cf 2 Cr 7.13,14).

Por fim, diante de Deus, o Juiz Justo, deve-se reintroduzir o ensino de que haverá descanso e conforto eterno para aqueles que estão em Cristo pela fé somente e punição eterna para aqueles que permanecem em seus pecados, entre os quais o uso da violência: “Quanto porém, [...] aos assassinos, [...] a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte”. [p.234-241]

Capítulo 8 - Uma agenda para o voto consciente.

O livro é finalizado com dez pontos elencados a respeito de uma agenda cristã para um voto consciente.

1. Conheça bem o candidato que receberá o seu voto. Pesquise seu histórico pessoal, seus feitos, seus valores e suas propostas. Pesquise também suas promessas durante a campanha eleitoral, analisando se são plausíveis. Se ele se identifica como cristão, é importante saber a que igreja ou comunidade ele está filiado e se ele a frequenta regularmente, buscando conselho e prestando-lhe contas. 

2. Também considere se os projetos do candidato estão de acordo com os do partido ao qual ele está filiado, pois ao votar em um candidato você ao mesmo tempo vota num partido, ajudando a eleger candidatos do mesmo partido. Por isso, é preciso conhecer os programas e a filosofia do partido. No caso de candidatos evangélicos, é bom averiguar se estes e seus partidos não somente afirmam, mas estão comprometidos com a separação entre a Igreja e o Estado, lembrando que toda autoridade procede de Deus.

3. Lute contra todas as formas de corrupção, apoiando mecanismos de controle do uso do dinheiro público e das prioridades do governo; colaborando para que projetos tais como o Ficha Limpa, que tratem sobre a ética nas eleições, sejam conhecidos e aplicados; denunciando o uso da máquina administrativa federal, estadual ou municipal para favorecer determinados candidatos; em conformidade com a lei N.º 9.840/99, denunciando a compra de votos através de dinheiro, programas assistenciais ou promessas de vantagens pessoais, assim como quem obrigue os eleitores a votar em determinados candidatos, seja por meio de ameaças, seja através de pressão religiosa.

4. Apoie propostas que defendam a vida e a dignidade do ser humano em qualquer circunstância. Para a fé cristã, a vida humana é dom de Deus, desde a concepção no ventre materno até ao dia de sua morte. Portanto, proteger a vida inclui combater o aborto e a eutanásia; reprimir a violência por meio de políticas de segurança pública realistas; promover uma ética do trabalho que enfatize virtudes bíblicas, tais como honestidade, pontualidade, diligência, obediência ao quarto mandamento (“seis dias trabalharás”), obediência ao oitavo mandamento (“não furtarás”) e obediência ao décimo mandamento (“não cobiçarás”); defender o direito à propriedade privada como direito fundamental (cf. Êx 20.15, 17; 1Rs 21.1-29).

5. Verifique qual a proposta educacional do candidato, analisando se ele defende a qualidade e a liberdade do ensino, inclusive no âmbito religioso, promovendo uma escola digna e de qualidade. Confira também se ele promove as liberdades individuais, por meio do estabelecimento de normas gerais de conduta que redundem em liberdade de expressão, associação e de imprensa.

6. Rejeite candidatos e partidos com ênfases estatizantes e intervencionistas nas esferas familiar, eclesiástica, artística, trabalhista e escolar, que concebam um ambiente onde se tem pouca ou nenhuma liberdade pessoal e econômica. Para a fé cristã, a família, a igreja, o trabalho e a escola são esferas independentes do Estado, pois existem sem este, derivando sua autoridade somente de Deus. Logo, o papel do Estado é mediador, intervindo quando as diferentes esferas entram em conflito entre si ou para defender os fracos contra o abuso dos demais. Portanto, os cristãos devem não somente não apoiar, mas também resistir a um sistema político autoritário ou totalitário (cf. At 5.29; Ap 13.1-18).

7. Repudie ministros, igrejas ou denominações que tentem identificar determinada ideologia com o reino de Deus ou com a mensagem bíblica. Pois, como afirma a Declaração de Barmen [8.18], “rejeitamos a falsa doutrina de que à Igreja seria permitido substituir a forma da sua mensagem e organização, a seu bel-prazer ou de acordo com as respectivas convicções ideológicas e políticas reinantes”. A igreja, ao proclamar com fidelidade a Palavra de Deus, influencia o Estado, de modo que suas leis se conformem com a vontade de Deus, decorrendo daí consequências políticas de tal fidelidade ao chamado primário da comunidade cristã.

8. Apoie candidatos comprometidos com propostas e leis que sejam derivadas da lei de Deus, como revelada nas Escrituras, pois esta é a fonte absoluta e final da ética pessoal, eclesiástica e social. Há que se ter compromisso por parte do candidato com o contrato social, que é um acordo entre os membros de uma sociedade pelo qual reconhecem a autoridade sobre todos de um conjunto de regras, a Constituição, que limita o poder, organiza o Estado e define direitos e garantias fundamentais. 

9. Valorize candidatos e partidos comprometidos com o modelo republicano de governo, no qual a nação é governada pela lei constitucional e administrada por representantes eleitos pelo povo, assim como a divisão e a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, de modo que nenhum governo ou ramo do governo monopolize o poder. Assim também valorize aqueles que respeitem a alternância do poder civil, que impede que um partido ou autoridade se perpetue no poder, assim como a defesa do pluralismo político e partidário. 

10. Apoie candidatos que enfatizem as funções primordiais do Estado, onde os governantes têm a obrigação de zelar pela segurança do povo, pela qual pagamos tributos (cf. Rm 13.1-7), assim como ressaltem a limitação do poder do Estado, pois a partir das Escrituras, entende-se que o governo civil não tem autoridade para cobrar impostos exorbitantes, redistribuir propriedades ou renda, criar zonas francas ou confiscar depósitos bancários.

Pedimos que o Cristo Rei, o único e absoluto soberano Senhor, nos sustente e nos conduza sempre em nossas opções políticas. Façamos destas eleições um gesto de amor a este país e a nossos irmãos e irmãs, para maior glória de Deus.


RECOMENDO

Contra a Idolatria do Estado é leitura que deveria ser cobrada a todo pastor. O livro deveria ser endossado nos seminários, pois, temos uma carência no segmento cristão evangélico brasileiro referente a uma visão política que esteja embasada numa cosmovisão escriturística. A obra é bíblica, mas não apenas isso, ela é riquíssima em matéria de referencial teórico. Ferreira se apoia em diversos autores e fontes, colocando a teologia no cerne da esfera pública. São 19 páginas de bibliografia, demonstrando a profundidade da pesquisa realizada pelo autor. Lembrando que no final do livro tem um apêndice contendo a declaração teológica de Barmen.

O livro está disponível na Editora
Edições Vida Nova
https://vidanova.com.br/744-contra-idolatria-estado.html