domingo, 30 de dezembro de 2018

A BIBLIA TODA, O ANO TODO [Resenha]


STOTT, John. A Bíblia toda, o ano todo: Meditações Diária de Gênesis a Apocalipse. Viçosa, MG: Ultimato, 2007. 


A ORIGEM DO DEVOCIONAL 

EM 1963 UM GRUPO Litúrgico Unido foi constituído na Grã-Bretanha, representando oito igrejas. O relatório não-oficial deste encontro foi intitulado O Calendário e Lecionário: Uma Reconsideração. A proposta era um calendário em que o período do Advento (dezembro) estivesse focado na primeira vinda de Cristo, sem a pretensão de tentar celebrar, de forma simultânea, suas duas vindas. Esse calendário se estenderia também a um período anterior, até os domingos seguintes ao Pentecostes. Dessa forma, o ciclo anual da igreja estaria mais ou menos completo. 

Desde então, houve várias tentativas no sentido de dar à igreja um calendário e um lecionário que fossem consensuais, particularmente no que diz respeito à adoração comunitária aos domingos. Isso nos daria condições de, pertencendo ou não a uma igreja chamada litúrgica, nos lembrarmos a cada ano de toda a história bíblica, desde a criação, no livro de Gênesis, até a consumação, em Apocalipse 22. Além disso, quando o ano eclesiástico é concebido dessa maneira, ele se divide naturalmente em três períodos iguais de quatro meses cada. 

O primeiro período vai do início de setembro (quando começa o ano da Igreja Ortodoxa Oriental e quando as igrejas europeias realizam suas festas da colheita) até o Natal. Este período nos permite reviver a história do Antigo Testamento desde a criação até o nascimento de Cristo. O segundo período vai do início de janeiro até o final de abril, culminando no Whitsun, ou Pentecostes. Ele nos permite reviver a história de Jesus nos Evangelhos, desde o seu nascimento, passando pelo seu ministério, até sua morte, ressurreição, ascensão e envio do Espírito Santo. 

O terceiro período vai do início de maio até o final de agosto e é formado pelas semanas que seguem o Pentecostes. Este período nos dá a oportunidade de reviver a história dos Atos dos Apóstolos e nos lembrarmos de que o Espírito Santo é o poder de Cristo para ser vivido agora, bem como a sua garantia da nossa herança final, quando da volta de Cristo. Neste período, refletimos sobre a vida cristã e sobre a esperança cristã como apresentada nas Cartas e no Apocalipse. 

Assim como o calendário da igreja se desdobra em três períodos, a Bíblia se divide em três seções e o Deus Todo-Poderoso é visto como tendo se revelado em três pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo. 

Além disso, estes três três podem impor-se uns aos outros em uma estrutura trinitária saudável. Ela cobre toda a história da Bíblia. No primeiro período (setembro a dezembro) refletimos sobre a obra de Deus Pai, e sobre como ele prepara o seu povo, a partir do Antigo Testamento, para a chegada do Messias. No segundo período (janeiro a abril), refletimos sobre a obra de Deus Filho, e sobre o seu ministério salvador, como descrito nos Evangelhos. No terceiro período (maio a agosto), refletimos sobre a obra do Espírito Santo, e sobre sua atuação como registrada no livro de Atos, nas Cartas e no Apocalipse. 

Lembrar, reviver e celebrar anualmente esta história divina pode nos conduzir a uma fé abrangente e equilibrada na Trindade e aumentar a nossa familiaridade com a estrutura e o conteúdo da Bíblia. Ajuda-nos também a firmar nossa confiança no Deus da história, que trabalhou e continua trabalhando por seu propósito antes, durante e depois da vida encarnada de nosso Senhor Jesus Cristo até que ele venha em poder e glória. 

A BÍBLIA TODA, O ANO TODO foi organizado de uma forma que o leitor possa iniciar a leitura por qualquer uma de suas três partes. É natural, por exemplo, começar com a “Criação”, na semana 1 (em setembro), e seguir a história bíblica desde o seu início até o fim.  Mas alguns leitores podem preferir esperar os meses de dezembro e janeiro para começar com “A Natividade”, na semana 17.  Uma terceira opção é começar com a Páscoa, nos meses de março e abril. Uma vez que a data da Páscoa está compreendida em uma das cinco semanas entre 22 de março e 25 de abril, não é possível fixá-la ou fixar as outras grandes festividades vinculadas ao domingo de Páscoa. 

A melhor forma de manter-se conectado com o calendário cristão é remarcar a data da Páscoa no ano em que estiver usando o livro. Então, durante as duas semanas que a precedem (Semana da Paixão e Semana Santa), podemos ler as meditações inseridas nos conteúdos da semana 31 (As Sete Palavras da Cruz) e da semana 32 (O Significado da Cruz). No dia da Páscoa propriamente dito, bem como durante os outros dias da Semana da Páscoa, pode-se também ler as meditações inseridas no conteúdo da semana 33 (As Aparições da Ressurreição) e durante a semana seguinte às contidas na semana 34 (A Importância da Ressurreição). 

Isto vai garantir que durante as semanas centrais antes e depois da Páscoa sejam lidos textos e reflexões apropriados. Também é possível ajustar conteúdos de outras semanas mais ou menos desconexos nos intervalos restantes e observar o Dia da Ascensão (quarenta dias depois da Páscoa) e o Domingo de Pentecostes (dez dias mais tarde). O Domingo da Trindade é o clímax e cai sempre no domingo seguinte ao Pentecostes. 


O LIVRO E O AUTOR 

Ler a Bíblia é a arte de procurar a Deus até encontrá-lo. De enxergar o que está por trás da letra, de ouvir a voz de Deus. É assim que o autor de Práticas Devocionais começa o capítulo "Prática da Leitura da Bíblia". 

No entanto, para alguns ler a Bíblia toda é um desafio. Para outros, um prazer, alimento diário, consolo, orientação. Às vezes, ler a Bíblia pode ser uma obrigação ou daquelas tarefas que todos os anos agendamos e não cumprimos. Os métodos variam. As sugestões levam em conta o temperamento, o estilo pessoal de leitura, a disponibilidade de tempo. 

Em novembro de 2007, a Editora Ultimato lançou "A Bíblia Toda, O Ano Todo – leituras diárias", do conhecido teólogo e escritor inglês John Stott. A cada leitura diária, ao longo dos 365 dias do ano e por toda a narrativa bíblica, o autor mostra a história do povo de Deus, o cuidado e a atuação divinos. Tendo como base o calendário cristão, a obra é dividida em três partes. A primeira começa com a criação, em Gênesis, e termina com o nascimento de Cristo – nos faz mais próximos das histórias do Antigo Testamento; a segunda começa com Jesus Cristo, seu ministério, morte e ressurreição, e vai até o Pentecoste. A terceira começa com o livro de Atos dos Apóstolos, mostra os desafios e o significado da vida cristã, passando pelas Cartas e vai até o livro de Apocalipse. Enfim, uma forma de ler a Bíblia em boa companhia. E, claro, uma obra de peso, que celebra o conteúdo bíblico e a fé cristã, bem como a confiança no Deus único e Senhor da história. 

John Stott foi indicado pela revista Time como uma das personalidades mais influentes do mundo. Do mesmo autor conheça também Por Que Sou Cristão e Cristianismo Básico, publicados pela Editora Ultimato. 

Conhecido no mundo inteiro como teólogo, escritor e evangelista, John Stott é autor de mais de quarenta livros, traduzido em dezenas de idiomas, incluindo A Bíblia Toda, o Ano Todo, Por Que Sou Cristão, Cristianismo Básico, Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos, Para Entender a Bíblia, As Controvérsias de Jesus, Como Ser Cristão, Desafios da Liderança Cristã, Cristianismo Equilibrado, O Discípulo Radical e a série Lendo a Bíblia com John Stott. John Stott foi pastor emérito da All Souls Church, em Londres, e fundador do London Institute for Contemporary Christianity. Foi indicado pela revista Time como uma das cem personalidades mais influentes do mundo. 


SINOPSE 

Usando o calendário cristão como pano de fundo, A Bíblia Toda, O Ano Todo explora, em 365 dias, toda a história bíblica, da criação em Gênesis até a consumação em Apocalipse. Dia a dia somos guiados, ao longo do ano, por toda a narrativa bíblica. 

A obra considera o calendário da igreja em três períodos, assim como divide a narrativa bíblica em três partes. A primeira parte começa com a criação, em Gênesis, e termina com o nascimento de Cristo — nos faz mais próximos do Antigo Testamento. A segunda começa com Jesus Cristo, seu ministério, morte e ressurreição, e vai até o Pentecostes. A terceira parte traz uma reflexão sobre a vida cristã a partir do livro de Atos dos Apóstolos e sobre a esperança cristã como apresentada nas Cartas e no Apocalipse. 

Lembrar, reviver e celebrar anualmente esta história sublime pode nos conduzir a uma fé equilibrada na Trindade e aumentar a nossa familiaridade com a estrutura e o conteúdo da Bíblia. Ajuda-nos também a firmar nossa confiança no Deus da história, que trabalhou e continua trabalhando por seu propósito antes, durante e depois da primeira vinda de nosso Senhor Jesus Cristo até que ele volte em poder e glória. 


A PRIMEIRA DEVOCIONAL 

A INICIATIVA DO CRIADOR: No princípio Deus criou os céus e a terra. GÊNESIS 1.1 

As primeiras três palavras da Bíblia (“No princípio Deus”) formam uma introdução indispensável para todo o resto. Elas revelam que nunca podemos nos antecipar a Deus ou surpreendê-lo, pois ele está sempre lá, “no princípio”. A iniciativa de toda ação é sempre de Deus. 

Isto é particularmente verdadeiro sobre a criação. Os cristãos crêem que, quando Deus deu início à sua obra criativa, nada existia além dele mesmo. Só ele estava lá, no início de tudo. Só ele é eterno. A centralidade de Deus em Gênesis 1 é proeminente em toda a narrativa. Deus é o sujeito de quase todos os verbos. “Deus disse” aparece dez vezes no texto e “Deus viu que era [muito] bom”, sete vezes. 

Nós não temos que optar entre Gênesis 1 e a cosmologia ou astrofísica contemporânea. Deus nunca teve a intenção de que a Bíblia fosse um texto científico. Na verdade, deveria ser evidente para os leitores que o texto de Gênesis 1 é um poema altamente estilizado e belo. Ambas as abordagens da criação (a científica e a poética) são verdadeiras, porém partem de perspectivas diferentes e se complementam. 

Quando o Credo dos Apóstolos afirma nossa crença em “Deus Pai TodoPoderoso”, está se referindo não apenas à sua onipotência, mas também ao seu poder de controle sobre toda a criação. O que ele criou, ele também sustenta. Sua presença é imanente neste mundo; ele está continuamente sustentando, revigorando e colocando em ordem todas as coisas. O fôlego de todos os seres viventes está em suas mãos. É ele quem faz o sol brilhar e a chuva cair. Ele alimenta os pássaros e protege as flores. Isto pode ser poético, mas é também verdadeiro. 

Daí a sabedoria das igrejas que mantêm um culto anual para ação de graças e dos cristãos que dão graças antes das refeições. Estas atitudes não apenas são corretas como nos ajudam a relembrar que nossas vidas e todas as coisas dependem de nosso fiel Criador e Mantenedor.  (Para saber mais: Mateus 5.43-45; 6.25-34)

Para adquirir este Devocionário, e só clicar na imagem acima.

sábado, 29 de dezembro de 2018

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA [Resenha]


LEWIS, C. S. As Crônicas de Nárnia – Volume Único. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 


O LIVRO E O AUTOR

A série de sete livros de fantasia "As Crônicas de Nárnia", foi escrita pelo autor britânico, da Irlanda do Norte, Clive Staples Lewis (conhecido como C.S.Lewis), entre 1949 e 1954, e é a obra mais conhecida do autor.  Esta série é considerada um clássico da literatura infantil, tendo vendido mais de 120 milhões de cópias em 41 idiomas. Embora seja considerado um clássico da literatura infantil, contudo, não é uma obra declaradamente feita para crianças. No entanto, o público infantil tem grande identificação com as histórias, já que, na maioria delas, os personagens principais são meninos e meninas. Além disso, a linguagem empregada por C. S. Lewis é leve e simples, o que contribui para a compreensão infantil.

Foi adaptada, inteiramente ou parcialmente, diversas vezes para rádio, teatro e cinema. A primeira adaptação de O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa ocorreu em 1967, com episódios de trinta minutos para TV. Em 1979, o mesmo livro foi adaptado para desenho animado. No final dos anos 80, a BBC adaptou os quatro primeiros livros em uma série de TV (que depois foi compilada em três filmes). Além disso, a série de C. S. Lewis se tornou peça radiofônica e apresentações teatrais.  Esta série ganhou adaptação para o cinema desde 2005, com o filme “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”. Desde então foram lançados dois filmes da série: As Crônicas de Nárnia: Principe Caspian (2008) e As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada (2010). Já a última adaptação foi feita pela 20th Century Fox. Todas as adaptações foram filmadas em várias partes do mundo, como Nova Zelândia, Polônia, República Tcheca, Eslovênia e Austrália. No filme “Príncipe Caspian”, as cenas da cidade de Londres foram filmadas em Praga; e os prédios londrinos foram inseridos nas imagens por computação gráfica. As histórias das crônicas se passam no mundo fantástico de Nárnia, onde existe magia, animais falam e há guerras entre seres do bem e do mal. 

Os livros contêm temas cristãos, mas também fazem uso da mitologia grega e nórdica, como faunos, fadas, sereias, dríades, duendes e dragões. Em um diálogo, Lúcia diz: “No nosso mundo também já aconteceu uma vez que, dentro de um certo estábulo, havia uma coisa que era muito maior que o nosso mundo inteiro”.

Clive Staples Lewis nasceu em 1898, em Belfast (Irlanda do Norte) e morreu em 1963, em Oxford (Inglaterra). Além de escritor, ele também foi teólogo e professor universitário. Escreveu dezenas de livros, incluindo obras sobre apologética cristã, poesias, uma trilogia de ficção científica e, é claro, ‘As Crônicas de Nárnia’. Durante a Segunda Guerra Mundial, ficou conhecido por dar palestras motivadoras na rádio BBC de Londres. Conviveu com vários escritores famosos, como Tolkien, T. S. Eliot, Owen Barfield e G. K. Chesterton.

Tolkien (escritor da saga O Senhor dos Anéis) e Lewis foram grandes amigos durante décadas, sendo este responsável pela conversão de Lewis ao cristianismo. Na época da morte de Lewis (em 1963). A amizade entre os dois escritores foi explorada no livro O Dom da Amizade: Tolkien e C. S. Lewis. A publicação de O Senhor dos Anéis foi muito incentivada por Lewis, que aliás foi um dos primeiros a ouvir a história, juntamente com Christopher Tolkien. Tolkien jamais deixou de admirar Lewis como amigo, embora não gostasse da maioria de seus livros, em especial As Crônicas de Nárnia, que entendia como sendo alegórico e infantil demais. Embora houvesse criticado em diversos pontos as histórias de Lewis, Tolkien alegou que o enredo desta história seria um instrumento para emitir-nos valores cristãos e bíblicos.

C. S. Lewis inspirou vários outros escritores contemporâneos, como Daniel Handler (Desventuras em Série) e J. K. Rowling (Harry Potter). Em homenagem à sua contribuição à literatura, há uma estátua do autor entrando em um guarda-roupa, em sua cidade natal, Belfast, na Irlanda do Norte.

Quando escreveu os livros em questão, segundo um relato do próprio Lewis, a sua intenção inicial não era usar temas cristãos, porém estes teriam sido naturalmente incorporados durante o processo de criação. Este conteúdo cristão se tornou o centro de um caloroso debate entre seus críticos e defensores. Enquanto alguns cristãos entendem a série como um grande meio de evangelização, outros a entendem como um meio subliminar de passar valores pagãos. Outros, ainda, defendem que a temática cristã em alguns livros é tão sutil que os leitores que não estejam familiarizados com elas dificilmente a identificariam. Embora tal sutileza possibilite que esta temática atinja, de certa forma, ao público não cristão. 

Em cada livro, encontram-se elementos que remetem a fatos relacionados aos acontecimentos bíblicos. Entre eles, o mais célebre é a comparação entre o personagem fictício Aslam e a figura de Deus, na pessoa de Jesus Cristo. Tal comparação se deve ao fato de que este personagem é um Leão (Jesus é chamado de Leão da Tribo de Judá- Apocalipse 5.5), está presente do início ao fim da história, foi o autor da criação do mundo de Nárnia. Além disso, é intrigante a passagem em que Aslam diz: "Também sou conhecido no seu mundo, mas por outro nome". Completando que era necessário conhecê-lo no mundo "real", pois era possível se relacionar com ele. Um outro ponto interessante é a referência aos seres humanos como “filhos de Eva” explicita essa relação entre Nárnia e a Bíblia. No filme da Disney também aparece esse simbolismo. As comparações que serão apresentadas aqui servem como convite para que outros espectadores procurem mais analogias e simbolismos.

Os filmes são ótimos, mas sem ler o livro “O Sobrinho do Mago” é difícil compreender o porquê do guarda-roupa no primeiro filme (que é o segundo livro). Os dois primeiros filmes (O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupas e Príncipe Caspian) são assinados pela Disney, que apenas contribuiu com a produção não alterando a obra de C.S Lewis. O último filme até agora (A Viagem do Peregrino da Alvorada) é assinado pela Century Fox Film. Realmente vale a pena conferir os dois materiais, tanto os livros quanto os filmes!

Antes de entrar no conteúdo do texto, quero deixar claro algumas coisas: Nárnia não deve ser lido nem considerado como uma obra de teologia, ali não é a Palavra de Deus. Afinal a “magia” não é o meio pelo qual devemos recorrer para nos encontrarmos com Deus, nem ao vermos uma imagem de um leão devemos considerar Deus ali, não é isso que Deuteronômio 18:9-13 e Êxodo 20:4,5.

Os fatos abaixo relacionados estão em muitos blogs e sites, e lendo cada um deles tentei em cada bloco juntar todas as informações de todos os livros e uma mensagem cristã contida em cada um deles, de acordo com a ordem cronológica dos livros compilados no volume único da série:


O SOBRINHO DO MAGO


O sobrinho do mago é uma introdução ao mundo de Nárnia – apesar de não ser a primeira crônica escrita, é a primeira em ordem cronológica. São claros os paralelos traçados com o livro bíblico de Gênesis, pois temas como a criação, o pecado original, o fruto proibido e a tentação, ficam claros no enredo da história. Neste livro, Digory viajando entre outros mundos procurando por sua amiga Polly. É nessa viagem que ele descobre um mundo escuro e vazio, mas nele há um leão que canta e, enquanto faz isso, várias coisas começam a surgir. Antes da conclusão da construção de Nárnia, os dois libertam Jade, que mais tarde seria a Feiticeira Branca. Ela representa o pecado original que tenta o menino, assim como a serpente e Adão e Eva.

Como ocorre nos outros livros, estes temas são apresentados de maneira que possam ser facilmente entendidos, possibilitando que crianças que já conheçam a história da criação não tenham dificuldades em acompanhar a história.


O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPAS 


Talvez, o livro mais conhecido. Pois trata-se de uma carta escrita em 1965 pelo próprio autor para um menino falando sobre suas histórias e demonstra intencionalidade na mensagem que Lewis quis passar através deste livro. As Crônicas de Nárnia: “O Leão, a Feiticeira e o Guarda-roupa” narra a história de quatro irmãos: Susana, Lúcia, Pedro e Edmundo, que saíram de Londres para morar com o professor Kirke, no local as crianças encontram um antigo e misterioso guarda-roupa. Entram no mundo de Nárnia em que há muitos anos é inverno, por causa da falsa rainha a Feiticeira Branca, Jadis. Com a ajuda do leão Aslam, os irmãos combatem o mal, derrotam a bruxa e trazem a paz de volta à Nárnia. Passam vários anos em Nárnia, se tornam adultos, de repente encontram o lampião e retornam para a casa, voltando a ser crianças.

A carta indica que Lewis quis representar Jesus Cristo de forma figurada com o leão Aslam. (Jesus é chamado de Leão da Tribo de Judá- Ap 5.5); está presente do início ao fim da história e é o único personagem que aparece em todos os sete livros das Crônicas. Ele é o filho do Imperador do Além Mar, é caracterizado como o guardião constante, protetor e ajudante de Nárnia, assim como protetor das crianças do nosso mundo. Aslam criou Nárnia ao cantar sua vida, e trouxe seu fim ao destruí-la e dá a sua vida em lugar de outra pessoa culpada por traição, assumindo a sua condenação, morrendo em seu lugar, porém é ressuscitado. 

Ainda sobre a ressurreição, a pedra que se quebra na mesa da montanha simboliza a cortina rasgada do templo com a morte de Jesus, isto é, simboliza o véu que foi rasgado de alto abaixo. A presença de Suzana e Lúcia ali na ressurreição de Aslam simboliza o testemunho da ressurreição do Cristo que foi dado por Maria Madalena. Lewis afirma que "toda a história de Nárnia se refere a Cristo". Nele, percebe-se que quando mais é necessário, pode-se achar a Deus. Além disso, é intrigante a passagem em que Aslam diz: "Também sou conhecido no seu mundo, mas por outro nome".

Temos ainda a Feiticeira que simboliza as trevas disfarçadas de luz, o mal da maneira que ele quer ser visto. A perseguição da feiticeira contra os seres humanos em Nárnia simboliza a perseguição do mundo contra os cristãos. O ódio que ela possuía contra os seres humanos simboliza o ódio infernal do diabo. A neve permanente que cobre Nárnia durante o governo da “Feiticeira Branca” simboliza a frieza e a esterilidade do pecado na vida sem Cristo. A sedução de Edmundo pela Feiticeira Branca é comparável ao pecado original e o domínio que esta lhe impõe é comparável ao jugo que os demônios impõem à alma em pecado mortal. Começa com a promessa de que ele poderá reinar acima dos outros e continua com a ilusão daquela comida oferecida, a qual agrada sem satisfazer realmente e que depois é substituída por alimentos cada vez piores e pela ameaça de petrificação, o que simboliza o enrijecimento espiritual, e de morte. O medo que os anões e os lobos sentem da Feiticeira simboliza o medo que toma conta da alma daqueles que seguem o caminho maligno.

Um dos blogs consultados por mim, fala algo interessante sobre a Feiticeira; “O Mal geralmente é retratado pelas trevas (preto) e não pelo branco, assim uma confusão de símbolos se instalada em todo o filme. Parece ser uma coisa, mas na realidade é outra. A feiticeira representa o mal da maneira como ele quer ser visto, atraente, belo, com aparência de bem, mas na verdade é exatamente o oposto. [“E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjos de luz.” 2 Coríntios 11.14] Repare que no momento do sacrifício de Aslan ela não está mais branca!”

E por fim temos o guarda-roupas. Simboliza o mundo espiritual. Nárnia é enorme, mas cabe dentro do armário naquele quarto abandonado. O Céu é ilimitado, mas parece poder ser contido, de alguma maneira, nas almas dos santos. A descoberta de Nárnia por Lúcia, a menor e mais inocente dos quatro irmãos, simboliza o fato de que é a pureza que permite perceber as realidades espirituais, O fato de que os outros não acreditaram simboliza a descrença daqueles que não tiveram a experiência da revelação cristã. A discussão entre o Professor e Suzana sobre a “lógica” da mensagem de Lúcia simboliza as discussões que os cristãos enfrentam sobre as relações entre “fé e razão”. O estilo pedagógico e racional do professor, de grande clareza e eficiência na argumentação, simboliza a apologética cristã do próprio C.S. Lewis.


O CAVALO E SEU MENINO 


A história deste livro remete de forma sutil a história bíblica de Moisés. Tanto Shasta quanto Moisés foram encontrados na água e criados por pessoas que não foram seus pais, e trouxeram grande libertação aos seus compatriotas quando cresceram: Moisés aos hebreus, e Shasta aos arquelandeses. Em todo momento, Shasta era protegido por Aslam.


PRÍNCIPE CASPIAN


Um dos temas abordados neste livro é o abandono da fé cristã, partindo para outras verdades (apostasia) através dos telmarinos, conquistadores que tentam eliminar os narnianos originais e seus costumes. Com o passar dos tempos poucos crêem que Aslam voltaria e os ajudaria. Nárnia se tornara um caos. Os meninos (Lúcia, Edmundo, Suzana e Pedro) são chamados ao país do Leão novamente e, nem mesmo quando Lúcia o vê, os outros acreditam.

Neste livro, a perda de fé das pessoas em Nárnia é apresentada. Então, num ambiente de divisão entre crentes e não crentes, Pedro, Suzana, Edmundo e Lúcia voltam ao mundo para provar que Aslam existe, cientes de que apenas os que acreditam iriam vê-lo. Os incrédulos continuam sem enxergá-lo, mas os que “estavam em dúvida”, passam a acreditar e voltam a enxergá-lo.


A VIAGEM DO PEREGRINO DA ALVORADA 


Embora a história deste livro esteja menos permeada pela temática cristã, destaca-se por conter uma referência muito direta sobre o propósito das Crônicas de Nárnia.  Há um relato feito pelo próprio Aslam em que a personagem confirma que seria no nosso mundo aquele que também atende a alcunha de “Leão de Judá” (termo usado pelos judeus da época de Jesus para designar o Messias que esperavam), não por mera coincidência; ou seja, ele seria o Cristo. Neste diálogo, Lewis também declarou sutilmente o motivo pelo qual escreveu os livros: leva a história bíblica às crianças e apresentar a elas este Deus de amor também em nosso mundo.

“- [Você] Está também em nosso mundo?
– Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.”
Uma outra das referências cristãs é a transformação no caráter de Eustáquio, que, por sua avareza, é transformado em dragão. Depois de ser transformado em dragão, acaba por se arrepender do comportamento que teve desde que tinha chegado a Nárnia. Esta transformação é selada num cerimonial de batismo em que Aslam pede que Eustáquio deixe a pele de dragão para trás, representando o nascimento de uma nova criatura. 


A CADEIRA DE PRATA 


Esse livro guarda uma semelhança com a parábola do semeador, contada por Jesus e relatado em Marcos 4.3-20. Aslam dá missões a Gil e Eustáquio, mas eles não cumprem por falta de fé e por não conhecerem as consequências. Jill encontra Aslam logo na sua chegada em Nárnia, e ele a faz guardar para si alguns objetivos a serem cumpridos durante sua jornada, os quais ela acaba por não cumprir por esquecimento, com exceção do último. Assim, as coisas que haviam sido prometidas começam a dar errado, mas no decorrer da história, eles percebem que deveriam ter seguido as ordens de Aslam, o fazem e tudo volta ao caminho certo.


A ÚLTIMA BATALHA 


Assim como na Bíblia, o último livro representa o apocalipse. A Última Batalha aparece para finalizar o conjunto de paralelos bíblicos presentes em toda a série. O livro começa com um macaco e um jumento, os dois encontram uma pele de leão na floresta e resolvem vesti-la no jumento, a partir desse momento eles vagam por Nárnia enganando os narnianos, dizendo quer o jumento era Aslan. Eles exigem coisas da população, fazendo uma comparação com o anti-cristianismo. Ao final do filme, todos estão reunidos em um estábulo esperando por um deus falso. Aqueles que acreditavam em Aslam são salvos e levados para o País de Aslam, ou como pensamos, o céu.

Existe um porém, que é explicado no livro. No país de Aslan só entram as pessoas mortas, então como Lúcia, Edmundo e Pedro entram (Sempre bom lembrar, que Suzana não foi para Nárnia, pois não acreditava mais no lugar, sua explicação seria que ela era velha demais para contos de fadas). Enquanto os outros três irmãos pegam o trem juntamente de todas as pessoas presentes no mesmo, contando seus pais, morrem, pois o trem descarrilha e assim que isso acontece eles chegam em Nárnia, porém sem ter conhecimento de sua morte. Isso tudo é explicado por Aslan, e por fim vão todos para o país de Aslan.

No último livro, há ainda um diálogo interessante entre as crianças e Aslan, transfigurado em forma de cordeiro:
— Por favor, Cordeiro –disse Lúcia-, é este o caminho para o país de Aslam?
— Para vocês, não –respondeu o Cordeiro
–. Para vocês, o caminho de Aslam está no seu próprio mundo.
— No nosso mundo também há uma entrada para o país de Aslam? –perguntou Edmundo–.
— Em todos os mundos há um caminho para o meu país –falou o Cordeiro. E, enquanto falava, sua brancura de neve transformou-se em ouro quente, modificando-se também sua forma. E ali estava o próprio Aslam, erguendo-se acima deles, e irradiando luz de sua juba. (…)
— Nosso mundo é Nárnia –soluçou Lúcia–. Como poderemos viver sem vê-lo?
— Você há de encontrar-me, querida –disse Aslam–.
— Está também em nosso mundo? –perguntou Edmundo–.
— Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi por isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor.

OUTRAS CULTURAS

Mesmo com culturas politeístas e personagens bizarros, estes não tiram o brilho das Crônicas de Nárnia. Existem valores cristãos sendo evidenciados nesta obra e isso faz a diferença. Ler e estudar a bíblia também ajuda muito a entender Nárnia. 

Para concluir, repito o que antes já escrevi que esse texto trata-se de um ajuntamento de vários artigos publicados na internet e que procurei transcrever um pouco de cada e acrescentando o meu entendimento sobre este assunto tão apaixonante.


INDICAÇÃO DE LEITURA

Indico aqui a leitura de “O que aprendi em Nárnia” de Douglas Wilson e publicado pela Editora Monergismo. Não fiz uso deste livro aqui para que o leitor possa tanto a ler a resenha que publiquei neste blog, como também adquirir o livro.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
12 Curiosidades sobre As Crônicas de Nárnia. Disponível in: Acesso em 28 dez 2018.
As Crônicas de Nárnia: Referências cristãs. Disponível in: Acesso em 28 dez 2018.
As Crônicas de Nárnia – Cristianismo ou Ocultismo? Disponível in: < aluzdoevangelho.com/single-post/2016/03/09/AS-CRÔNICAS-DE-NÁRNIA-CRISTIANISMO-OU-OCULTISMO> Acesso em 28 dez 2018.
Crônicas de Nárnia e a Bíblia: relações, influências e o Cristo. Disponível in: Acesso em 28 dez 2018.
Relação de As Crônicas de Nárnia com a Bíblia. Disponível in: Acesso em 29 dez 2018
A Mensagem Cristã em “As Crônicas de Nárnia: O Leão, a feiticeira e o Guarda -roupa”. Disponível in: Acesso em 29 dez 2018.
Aslam – O cristianismo por trás do Leão de Nárnia. Disponível in: < jonatasjmc.wordpress.com/2011/01/16/aslam-o-cristianismo-por-tras-do-leao-de-narnia> Acesso em 29 Dez 2018.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

O FOCO EVANGÉLICO DE CHARLES SPURGEON [Resenha]


LAWSON, Steven J. O Foco Evangélico de Charles Spurgeon. São José dos Campos, SP: Fiel, 2012. 144p.


O AUTOR E O LIVRO

Steven J. Lawson é o pastor da Christ Fellowship Baptist Church em Mobile, Alabama, e atuou como pastor nos estados do Arkansas e Alabama por vinte e oito anos. Obteve seu Bacharelado em Administração de Empresas na Universidade Tecnológica do Texas, Mestrado em Teologia no Seminário Teológico de Dallas e Doutorado em Ministério no Seminário Teológico Reformado. Dr. Lawson e sua esposa, Anne, têm três filhos, Andrew, James e John, e uma filha, Grace Anne.


No Livro O Foco Evangélico de Charles Spurgeon, quarto da série Um Perfil de Homens Piedosos, Steven Lawson apresenta ao leitor a vida e o ministério do grande pregador batista do século XIX, conhecido como o príncipe dos pregadores, que ensinava ousadamente as doutrinas da graça e, ao mesmo tempo, apresentava a oferta gratuita de salvação em Jesus Cristo. O propósito desta obra e de toda a série é examinar perfis de homens piedosos, como João Calvino, Jonathan Edwards, John Knox e Spurgeon, que utilizaram seus dons espirituais e suas habilidades ministeriais para promover o reino celestial.


CHARLES HADDON SPURGEON

Houve época em que o simples fato de optar pela religião evangélica equivalia a colocar a cabeça a prêmio. No século 15, Carlos V, o imperador espanhol, queimou milhares de evangélicos em praça pública. Seu filho, Filipe II, vangloriava-se de ter eliminado dos países baixos da Europa cerca de 18 mil “hereges protestantes”. Para fugir da perseguição implacável, outros milhares de cristãos foram para a Inglaterra. Dentre eles, estava a família de Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), o homem que se tornaria um dos maiores pregadores de todo o Reino Unido. Charles obteve tão bom resultado em seu ministério evangelístico que, além de influenciar gerações de pastores e missionários com seus sermões e livros, até hoje é chamado de Príncipe dos pregadores.


O MAIOR DOS PECADORES

Spurgeon era filho e neto de pastores que haviam fugido da perseguição. No entanto, somente aos 15 anos, ocorreu seu verdadeiro encontro com Jesus. Segundo os livros que contam a história de sua vida, Spurgeon orou, durante seis meses, para que, “se houvesse um Deus”, Este pudesse falar-lhe ao coração, uma vez que se sentia o maior dos pecadores. Spurgeon visitou diversas igrejas sem, contudo, tomar uma decisão por Cristo.

Certa noite, porém, uma tempestade de neve impediu que o pastor de uma igreja local pudesse assumir o púlpito. Um dos membros da congregação – um humilde sapateiro – tomou a palavra e pregou de maneira bem simples uma mensagem com base em Isaías 45.22a: Olhai para mim e sereis salvos, vós todos os termos da terra. Desprovido de qualquer experiência, o pregador repetiu o versículo várias vezes antes de direcionar o apelo final. Spurgeon não conteve as lágrimas, tamanho o impacto causado pela Palavra de Deus.


INICIO DE UMA NOVA CAMINHADA

Após a conversão, Spurgeon começou a distribuir folhetos nas ruas e a ensinar a Bíblia na escola dominical para crianças em Newmarkete Cambridge. Embora fosse jovem, Spurgeon tinha rara habilidade no manejo da Palavra e demonstrava possuir algumas características fundamentais para um pregador do Evangelho. Suas pregações eram tão eletrizantes e intensas que, dois anos depois de seu primeiro sermão, Spurgeon, então aos 20 anos, foi convidado a assumir o púlpito da Igreja Batista de Park Street Chapel, em Londres, antes pastoreada pelo teólogo John Gill. O desafio, entretanto, era imenso. Afinal, que chance de sucesso teria um menino criado no campo (Anteriormente, Spurgeon pastoreava uma pequena igreja em Waterbeach, distante da capital inglesa), diante do púlpito de uma igreja enorme que agonizava?

Localizada em uma área metropolitana, Park Street Chapel havia sido uma das maiores igrejas da Inglaterra. No entanto, naquele momento, o edifício, com 1.200 lugares, contava com uma platéia de pouco mais de cem pessoas. A última metade do século 19 foi um período muito difícil para as igrejas inglesas. Londres fora industrializada rapidamente, e as pessoas trabalhavam durante muitas horas. Não havia tempo para as pessoas se dedicarem ao Senhor. No entanto, Spurgeon aceitou sem temor aquele desafio.


SUA AUDIÊNCIA 

O sermão inaugural de Spurgeon, naquela enorme igreja, ocorreu em 18 de dezembro de 1853. Havia ali um grupo de fiéis que nunca cessou de rogar a Deus por um glorioso avivamento. No início, eu pregava somente a um punhado de ouvintes. Contudo, não me esqueço da insistência das suas orações. As vezes, parecia que eles rogavam até verem a presença de Jesus ali para abençoá-los. Assim desceu a bênção, a casa começou a se encher de ouvintes e foram salvas dezenas de almas, lembrou Spurgeon alguns anos depois.

Nos anos que se seguiram, o templo, antes vazio, não suportava a audiência, que chegou a dez mil pessoas, somada a assistência de todos os cultos da semana. O número de pessoas era tão grande que as ruas próximas à igreja se tomaram intransitáveis. Logo, as instalações do templo ficaram inadequadas, e, por isso, foi construído o grande Tabernáculo Metropolitano, com capacidade para 12 mil ouvintes. Mesmo assim, de três em três meses, Spurgeon pedia às pessoas, que tivessem assistido aos cultos naquele período, que se ausentassem a fim de que outros pudessem estar no templo para conhecer a Palavra.

Muitas congregações, um seminário e um orfanato foram estabelecidos. Com o passar do tempo, Charles Spurgeon se tornou uma celebridade mundial. Recebia convites para pregar em outras cidades da Inglaterra, bem como em outros países como França, Escócia, Irlanda, País de Gales e Holanda. Spurgeon levava as Boas Novas não só para as reuniões ao ar livre, mas também aos maiores edifícios de 8 a 12 vezes por semana.

Segundo uma de suas biografias, o maior auditório em que pregou continha, exatamente, 23.654 pessoas: este imenso público lotou o Crystal Palace, de Londres, no dia 7 de outubro de 1857, para ouvi-lo pregar por mais de duas horas.


SEU SUCESSO

Mais de cem anos depois de sua morte, muitos teólogos ainda tentam descobrir como Spurgeon obtinha tamanho sucesso. Uns o atribuem às suas ilustrações notáveis, a habilidade que possuía para surpreender a platéia e à forma com que encarava o sofrimento das pessoas. Entretanto, para o famoso teólogo americano Ernest W. Toucinho, autor de uma biografia sobre Spurgeon, os fatores que atraíam as multidões eram estritamente espirituais: O poder do Espírito Santo, a pregação da doutrina sã, uma experiência de religioso de primeira-mão, paixão pelas almas, devoção para a Bíblia e oração a Cristo, muita oração. Além disso, vale lembrar que todas as biografias, mesmo as mais conservadoras, narram as curas milagrosas feitas por Jesus nos cultos dirigidos pelo pregador inglês.

As pessoas que ouviam Spurgeon, naquela época, faziam considerações sobre ele que deixariam qualquer evangélico orgulhoso. O jornal The Times publicou, certa ocasião, a respeito do pastor inglês: Ele pôs velha verdade em vestido novo. Já o Daily Telegraph declarou que os segredos de Spurgeon eram o zelo, a seriedade e a coragem. Para o Daily Chronicle, Charles Spurgeon era indiferente à popularidade; um gênio, por comandar com maestria, uma audiência. O Pictorial World registrou o amor de Spurgeon pelas pessoas.


SUA IMPORTÂNCIA

O amor de Spurgeon tinha raízes. Casou-se em 20 de setembro de 1856 com Susannah Thompson e teve dois filhos, os gêmeos não-idênticos Thomas e Charles. Fazíamos cultos domésticos sempre; quer hospedados em um rancho nas serras, quer em um suntuoso quarto de hotel na cidade. E a bendita presença do Espírito Santo, que muitos crentes dizem ser impossível alcançar, era para nós a atmosfera natural. Vivíamos e respirávamos nEle, relatou, certa vez, Susannah.

A importância de Charles Haddon Spurgeon como pregador só encontra parâmetros em seus trabalhos impressos. Spurgeon escreveu 135 livros durante 27 anos (1865-1892) e editou uma revista mensal denominada A Espada e a Espátula. Seus vários comentários bíblicos ainda são muito lidos, dentre eles: O Tesouro de Davi (sobre o livro de Salmos), Manhã e Noite (devocional) e Mateus – O Evangelho do Reino. Até o último dia de pastorado, Spurgeon batizou 14.692 pessoas. Na ocasião em que ele morreu – 11 de fevereiro de 1892 -, seis mil pessoas leram diante de seu caixão o texto de Isaías 45.22a: Olhai para mim e sereis salvos, vós todos os termos da terra.


RECOMENDO
Para conhecer mais sobre este livro é só clicar na imagem acima 

Texto originalmente publicado in:
https://goo.gl/6wxtP6

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Leia as resenhas de outros livros da coleção “Um Perfil de homens piedosos” publicados em nosso blog:
O Zelo evangelístico deGeorge Whitefield
A Arte expositiva de João Calvino

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O DOM DA AMIZADE [Resenha]



DURIEZ, Colin. J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis: O Dom da Amizade. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018. 304p. 


O AUTOR E O LIVRO 

O jornalista e professor britânico Colin Duriez conta a história fascinante, de dois escritores britânicos, ambos pesquisadores acadêmicos e amantes da literatura fantástica, além de escritores de talento, só conseguiram produzir suas próprias obras seminais de fantasia graças à inspiração que deram um ao outro. O autor deste livro - “O Dom da Amizade – Tolkien e C.S. Lewis” afirma que a história da amizade destes dois britânicos foi extremamente forte e persistente, a despeito dos atritos e dos pontos baixos que talvez se deva esperar que ocorram ao longo de quase quarenta anos. Até onde sei, este é o primeiro livro que focaliza principalmente sua notável associação, literária e também pessoal. 

J.R.R. Tolkien, é claro, é um nome bem conhecido no mundo todo, por causa da fenomenal popularidade de seu livro O Senhor dos Anéis, especialmente desde a trilogia de filmes de Peter Jackson. Menos conhecida é a importante e complexa amizade de Tolkien com C.S. Lewis, seu colega acadêmico em Oxford. Tolkien reconheceu que, sem o persistente encorajamento de seu amigo, ele jamais teria terminado O Senhor dos Anéis. Essa grande história, juntamente com os temas conexos de O Silmarillion, teria permanecido apenas como um passatempo pessoal. 

C.S. Lewis também desfruta de grande popularidade em todo o mundo, em particular pela sua série de livros infanto-juvenis As crônicas de Nárnia. Como enfatiza o título da série, o foco dessas histórias é um outro mundo imaginário. Ao criar esse mundo para as crianças, ele estava imerso no desenrolar dos eventos da Terra-média, que Tolkien lia para ele à medida que os capítulos de O Senhor dos Anéis estavam sendo escritos. Sua primeira história de Nárnia, O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, se tomou um importante filme dirigido por Andrew Adamson, cujas obras anteriores incluem Shrek. 

O livro possui além do prefácio e dois apêndices, 12 capítulos com escrito em ordem cronológica de conformidade com os acontecimentos na vida de ambos. O objetivo de traçar de mostrar o poder da amizade entre Tolkien e C.S. Lewis. Esse livro tem a sua importância pelo fato de que muito já se conhecem sobre a vida de ambos, mas, nunca uma obra que procurar relacionar suas vidas e obras e dar uma visão ampla sobre a influência que ambos exerceram um sobre o outro. 


PREFÁCIO 

1. Os anos de formação (1892-1925)
2. Encontros de mentes e imaginações: “Tolkien e eu falávamos de dragões…” (1926- 1929).
3. Um mundo em forma de História: “Mythopoeia” (1929-1931)
4. Os anos 1930: O contexto da ortodoxia imaginativa
5. Surgem os Inklings: amizade compartilhada? (1933-1939)
6. Duas viagens para lá e de volta outra vez: O regresso do peregrino e O hobbit (1930- 1937)
7. Espaço, tempo e o “novo hobbit” (1936-1939)
8. A 2ª Guerra Mundial e depois: Charles Williams chega a Oxford (1939-1949)
9. O guarda-roupa de um professor e anéis mágicos (1949-1954)
10. Surpreendido por Cambridge e desapontado pela alegria (1954-1963)
11. Adeus à Terra das Sombras (1963-1973)
12. O dom da amizade: “Quem pode merecer isso?”
Apêndice A: Uma breve cronologia de J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis
Apêndice B: A duradoura popularidade de J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis.

Colocamos aqui neste texto, parte do Capítulo 12 e dos dois apêndices, resumindo para que o leitor possa ter uma ideia. Contudo, as informações mais importantes estão escritas nos capítulos 1 ao 11. 


A INFLUÊNCIA DA FÉ 

A amizade entre Lewis E Tolkien remontava à época em que Tolkien se mudou para a Universidade de Oxford, vindo de seu cargo de professor em Leeds, em 1925. Ela terminou, se é que amizades terminam desse modo, com a morte de Lewis em novembro de 1963. Essa amizade de quase quarenta anos teve seus pontos altos e baixos, talvez inevitavelmente, em especial aos temperamentos tão diversos. Houve um nítido esfriamento da amizade, tempo em que ela existiu em termos muito menos íntimos, depois que Lewis conheceu Joy Davidman no começo da década de 1950. Além disso, sempre restou um lado de Lewis ao qual Tolkien não conseguia se acostumar: Lewis como popularizador da fé cristã. A censura de Tolkien obviamente nada tinha a ver com a fé propriamente dita — ele mesmo era um cristão devoto. 

É de importância fundamental a influência da fé de Tolkien. Lewis era originalmente ateu, e Tolkien o ajudou a encontrar Deus. Exerceu sobre o amigo todo o seu poder de persuasão, focalizando as narrativas dos Evangelhos como algo que demanda uma reação ao mesmo tempo imaginativa e intelectual. Lewis reagiu de ambas as formas e, ao longo do tempo, desenvolveu e dominou as habilidades de comunicador cristão, tanto na narração de histórias quanto na retórica. Com o passar dos anos, aumentou a fluéncia de Lewis nos escritos imaginativos e discursivos. Tolkien, no entanto, não conseguiu persuadir Lewis a ingressar naquilo que acreditava, na formidável tradição do cardeal Newman, ser a única Igreja válida — a católica romana. 

Outra importante característica do impacto de Tolkien sobre Lewis, também relacionada, é sua distintiva doutrina da subcriação — sua crença de que a mais alta função da arte é a criação de mundos secundários ou outros, internamente consistentes e coerentes, que, por causa dessa precisão imaginativa, são capazes de capturar parte das profundidades e do esplendor do mundo primário. Um conto de fadas, para Tolkien, não era uma história que simplesmente trata de seres encantados. Eles são, em certo sentido, do outro mundo, tendo uma geografia e uma História ao seu redor. O conceito de subcriação de Tolkien era, na verdade, a característica mais distintiva da sua visão da arte. Apesar de enxergá-la em termos de fantasia inventiva, sua visão aplica-se de modo mais amplo. Os mundos secundários podem assumir muitas formas na arte, particularmente na ficção, A qualidade metafórica de um mundo inventado, seja ambientado neste ou em outro mundo, aprofunda ou de fato modifica nossa própria percepção da realidade e pode vivificar nosso espírito imortal. 

Já que Tolkien teve um impacto tão grande sobre o amigo, qual foi a importância de Lewis para Tolkien? O próprio Tolkien respondeu a esta pergunta numa carta escrita quase dois anos após a morte do amigo: “A dívida impagável que devo a ele não foi 'influência' como se compreende normalmente, mas sim puro encorajamento. Por muito tempo, ele foi minha única plateia. Foi só por ele que cheguei a ter a ideia de que minhas 'coisas* poderiam ser mais do que um passatempo pessoal. Não fossem seu interesse e avidez incessante por mais, eu jamais teria levado O Senhor dos Anéis a uma conclusão[...].” 


A NATUREZA DA AMIZADE 

Lewis lançou luz sobre a natureza de sua amizade com Tolkien quando escreveu Os quatro amores (1960). Eles são: afeto, amizade, eros e caridade (agape, ou amor divino). Acreditava ser vital não perder de vista as reais diferenças que dão a cada amor seu caráter válido, mesmo quando um amor se funde com outro (como acontece quando a amizade entre um homem e uma mulher se torna erótica, ou quando se é chamado a cuidar de um membro da família dependente e o afeto natural se aprofunda em amor autossacrificante). A amizade, como a dele com Tolkien, envolvia o fator "O qué, você também!" — o reconhecimento de uma visão compartilhada. 

A amizade, para Lewis, era, portanto, o menos instintivo, biológico e necessário de nossos amores. Hoje em dia, mal é considerado amor, e Lewis buscou reabilitá-lo. Em seu livro, destacou que os antigos davam o maior valor a este amor, como na amizade entre Davi e Jônatas. O clima ideal para a amizade é quando algumas poucas pessoas estão envolvidas em um interesse comum. Os amantes, argumentou Lewis, normalmente são imaginados face a face; os amigos são mais bem imaginados lado a lado, com os olhos focalizados em seu interesse comum. A amizade, sendo o menos biológico dos amores, refuta explicações heterossexuais ou homossexuais para sua existência. A amizade, avaliava Lewis, toma as pessoas boas melhores e as más, piores. Tolkien concordava amplamente com a visão da amizade de Lewis, especialmente porque era reforçada pelo caráter masculino da sociedade de Oxford nos seus dias, mas não era tão generoso quanto Lewis na amplitude de suas amizades. Era também um homem de família, enquanto Lewis foi solteiro durante grande parte da vida, apesar de participar voluntariamente no matriarcado da sra. Moore em The Kilns. Isso dava a Tolkien uma maior amplitude de relacionamentos — com Edith e especialmente com seus filhos. Um ingrediente importante na manutenção da amizade deles, porém, foi sua fé cristã compartilhada, com seu distinto aspecto imaginativo, apesar de a amizade ter-se estabelecido com firmeza enquanto Lewis ainda era materialista. 

Lewis via a amizade como algo pertencente "àquele mundo luminoso, tranquilo, racional dos relacionamentos escolhidos livremente." Tanto para ele quanto para Tolkien, a amizade dos dois era livremente uma escolha. A amizade, para Lewis, não era, como o afeto e o amor erótico, “ligada aos nossos nervos”; era, isso sim, o "menos biológico" de nossos amores naturais. Era um amor intensamente humano, não "compartilhado com os animais." A amizade, como o conto de fantasia, dá as pessoas um ponto de observação para ver o mundo de um modo novo. A amizade com Tolkien, ele descobriu, sacudiu-o para despertá-lo totalmente, para tirá-lo do frio sonho do materialismo. Apesar de ter outros amigos chegados, Lewis não teria sido o escritor e pensador que foi sem sua amizade com o sensível e visionário autor de “O Senhor dos Anéis”. Quanto a Tolkien, ele encontrou em Lewis um amigo que combinava com suas lembranças dos amigos de escola da T.C.B.S. que jaziam inertes nos Pântanos Mortos da 1ª Guerra Mundial. Fiava-se no estímulo de Lewis e, sem ele, não teria completado a minuciosa criação de seu épico para a Inglaterra, como imaginava sua história de mil páginas. Sobre a amizade, Lewis louvou: "Este apenas, de todos os amores, parece elevar-nos quase ao nível de deuses ou anjos." Pensando na companhia de amigos após um dia de caminhada, ele certamente incluía Tolkien ao escrever: 

“Essas são as melhores reuniões [...] Quando colocamos nossos chinelos, nossos pés esticados em direção ao fogo da lareira e nossos drinques ao alcance de nossas mãos; quando o mundo inteiro, e algo além do mundo, se abre para nossas mentes à medida que falamos. E ninguém reivindica ou tem qualquer responsabilidade com o outro, mas todos são pessoas livres e iguais, como se tivessem se encontrado há uma hora, ao mesmo tempo que uma afeição enternecida pelos anos nos envolve. A vida — vida natural — não possui dádiva melhor que essa para dar. Quem poderia merecer isso?” 


O DOM DA ALEGRIA 

Lewis e Tolkien claramente compartilhavam o desejo de incorporar em suas obras uma qualidade de alegria. A Sehnsucht, vista como desejo ou anseio que aponta para a alegria, era para Lewis uma característica que definia a fantasia. A alegria também é forte característica em Tolkien e valorizada por ele, como esclarece seu ensaio "Sobre Contos de Fadas". A alegria é um ponto-chave dos contos de fadas, ele acreditava, relacionada com o final feliz, ou eucatástrofe, parte do consolo que esses transmitem. A alegria, na história, indica a presença da graça que vem do mundo exterior à história, e até além de nosso mundo. 

Num epílogo do ensaio, Tolkien levou adiante sua consideração da qualidade da alegria, ligando-a às narrativas dos Evangelhos, que na sua opinião possuem todas as qualidades de um conto de fadas do outro mundo, sendo ao mesmo tempo História real do mundo. Essa referência dupla — ao mundo da história e ao mundo do primeiro século — intensifica a qualidade da alegria, identificando, acreditava ele, sua fonte objetiva. 

Lewis explorou a qualidade do anseio, tanto em sua busca pessoal, que levou à sua conversão cristã, quanto em seus escritos. Tal anseio, pensava Lewis, era a chave da experiência humana da alegria e inspirou o autor a criar fantasia. Para Lewis, a alegria era uma antecipação da realidade suprema, do próprio céu ou, em outras palavras, de nosso mundo como deveria ter sido, não estragado pela queda do gênero humano, e destinado a ser refeito algum dia. "A alegria", escreveu Lewis, "é a ocupação séria dos Céus." Tentando imaginar o céu, Lewis descobriu que a alegria é "a assinatura secreta de cada alma." Especulou que o desejo do céu faz parte de nossa humanidade essencial (e insatisfeita). 

Em Tolkien, a qualidade da alegria está ligada à virada repentina da história, ao senso de eucatástrofe, ou reversão da desgraça. Também está conexa ao anseio inconsolável, ou doce desejo, no sentido de Lewis. Domina todos os contos da Terra-média de Tolkien um anseio por atingir as Terras Imortais do extremo Oeste. O anseio é muitas vezes pintado como um anseio pelo mar, que ficava a oeste da Terra-média, e em cuja outra margem estava Valinor. Em O Senhor dos Anéis, Legolas, um elfo do Reino da Floresta, começou a ansiar pelo mar e pelas terras além dele. Seu desejo foi despertado pela primeira visão do mar no sul de Gondor. 


O PAGANISMO PRÉ-CRISTÃO 

Ambos os amigos também tinham uma profunda afinidade por se ocuparem do paganismo pré-cristão — com Balder e Psiquê, Kullervo e Eneias, Eurídice e Sigurd. A maior parte da ficção de Tolkien está ambientada num mundo pré-cristão, como fora seu grande modelo, Beowulf. De forma semelhante, Lewis explorou um mundo pagão em seu clássico romance “Até que tenhamos rostos”. 

Outra qualidade compartilhada por Lewis e Tolkien era sua rara habilidade para retratar o bem nos lugares e nas pessoas. Como todos os autores de ficção sabem, é mais fácil criar personagens maus convincentes do que bons. Também eram capazes de retratar lugares bons, às vezes paradisíacos — como Perelandra, o País de Aslam, as orlas do Céu, o Chalé de Tom Bombadil, o Condado, Valinor ou Lórien. 


AS DIFERENÇAS ENTRE TOLKIEN E LEWIS 

Havia, é claro, importantes diferenças entre Tolkien e Lewis, mas não eram grandes o bastante para ofuscar suas afinidades, mesmo quando, às vezes, perturbavam a amizade. Lewis era muito mais mundano e menos delicado que Tolkien em sua visão da arte, exatamente como era mais enfático na força de sua personalidade. Lewis, na verdade, estava mais próximo do puritanismo radical de John Bunyan, a tradição que explorou tão perceptivamente em seu English Literature in the Sixteenth Century. Um tal puritanismo não tinha as conotações ascéticas e severas que tem hoje em dia. Lewis, na verdade, rastreou até Calvino a origem da associação entre puritanismo e severidade moral, e destacou que mesmo essa severidade não negava a vida. Longe disso: Calvino recusava-se a separar o secular do sagrado, a fé pública do particular: "Essa severidade", escreveu Lewis, não significava que a teologia [de Calvino] fosse, em última análise, mais ascética que a de Roma. Ela nascia de sua recusa em admitir a distinção romana entre a vida da "religião" e a vida do mundo, entre os Conselhos e os Mandamentos. A visão que Calvino tinha da plena vida cristã era menos hostil ao prazer e ao corpo que a de Fisher [John Fisher, bispo católico romano); mas Calvino exigia que cada homem vivesse a plena vida cristã. Lewis, ele mesmo nesse antigo modo puritano, recusava de forma semelhante uma distinção entre "a vida da “religião' e a vida do mundo" e promovia o "mero cristianismo" (um termo criado pelo puritano Richard Baxter). 


A MANIFESTAÇÃO DA CONVICÇÃO RELIGIOSA 

Tolkien era atraído por uma visão espiritual da arte, mais que pela abordagem impetuosa de Lewis. Considerava parte da obra de Lewis, em especial “As crônicas de Nárnia, demasiado alegórica, isto é, demasiado carregada conceituai e explicitamente com crenças cristãs. Tolkien lutava para incorporar significados cristãos na sua obra de modo mais natural e harmônico, conferindo-lhe radiância interna. 

Em geral, Lewis retratou Deus como muito mais acessível do que Tolkien jamais o fez. Em O Senhor dos Anéis, o nome de Deus nem mesmo aparece, apesar de haver um senso nítido e constante de que existe uma providência moldando os eventos, uma providência à qual se deve adoração. Em “O Silmarillion”, no entanto. Deus é explicitamente chamado de llúvatar, o Pai de Todos. O motivo para tal abordagem do divino pode muito bem ser o fato de que Tolkien colocou seus contos num ambiente pré-cristão. Seu mundo certamente está vivo com a presença de Deus. A ficção de Lewis, por outro lado, é muito mais literalmente centrada em Cristo. (A única exceção real é seu romance “Até que tenhamos rostos” com seu ambiente pré-cristão ao norte da Grécia.) Em Nárnia, o leão-criador Aslam é um mediador. Em Perelandra, a reformulação do Paraíso Perdido, de Milton, por Lewis, a morte de Maleldil (Cristo) em nosso Planeta Silencioso significa que a queda do gênero humano não pode simplesmente se repetir. O sobrenome de Elwin Ransom refere-se à sua resistência sacrificial ao mal, quando sofre um ferimento debilitante no calcanhar (uma alusão direta ao sofrimento de Cristo em seu combate derradeiro contra Satanás, conforme profetizado em Gênesis 3:15). 

Para Tolkien, a essência da arte como força espiritual estava ligada com sua concepção dos elfos. Eles estavam, para ele, no centro do conto de fadas, entre as mais altas realizações da arte. Acreditava que tal arte espiritual fora verificada pela maior história de todas: o Evangelho. Tolkien argumentou: "Deus é o Senhor, dos anjos, do homem... e dos elfos. A lenda e a História encontraram-se e se fundiram." 

No coração das crenças compartilhadas pelos amigos existia, portanto, uma visão profundamente religiosa da fantasia e da literatura do "romance" — para eles, uma literatura que evocava ou capturava de algum modo outros mundos do espírito. Em particular, ambos partilhavam uma teologia do romantismo que enfatizava a imaginação poética. 





A DURADOURA POPULARIDADE DE J. R. R. TOLKIEN 

Qual é o segredo do grande encanto que Tolkien lançou em volta do mundo? Além da espiritualidade de seu “O Senhor dos Anéis”, atraente em nossa era pós-moderna, ele apresenta uma poderosa crítica ao que via como a forma modernista de magia: a dominação da máquina. Ao contrário das ideias do modernismo, essa dominação social e mecânica é mais tenaz, e assim, talvez, a exploração de Tolkien toca um sentimento profundo nos leitores e espectadores de filmes contemporâneos. 

A popularidade de Tolkien pode ser explicada por quatro motivos principais: 

Em primeiro lugar, ele é um grande contador de histórias. O Senhor dos Anéis é uma história construída de modo poderoso, enraizada nos elementos centrais do que ele chamava de conto de fadas, ou história dos elfos. A narração de histórias é universal, e histórias do mito, da lenda e dos contos folclóricos populares contém arquétipos ou elementos universais, como os temas da busca e da jornada. Tolkien parece ter visto os elementos de uma boa história mormente articulados nas narrativas dos Evangelhos. Apesar de enraizado em muitos motivos e temas bíblicos (como a providência, o problema do mal, o sacrifício e a redenção), Tolkien estabelece com maestria os eventos de um mundo pré-cristão, supostamente, com um gigantesco anacronismo imaginativo, de localização geográfica europeia setentrional. Assim, seus elementos cristãos são transfigurados em uma forma atraente, sem erguer barreiras para aqueles que não compartilham suas crenças cristãs.

Segundo, a história de Tolkien ganha dimensão pela sua extensa criação de outro mundo, um mundo secundário. A Terra-média está repleta de seus próprios idiomas, sua geografia e História. A vivacidade e as profundezas desse mundo "subcriado" sem dúvida reforçam o apelo de O Senhor dos Anéis. Assim como a vastidão do cosmo, o ricamente inventado mundo de Tolkien abre possibilidades, esperanças e sonhos. Ele ajuda os leitores a formularem um senso de desencantamento com nossa cultura secular. As pessoas de hoje têm um inquieto sentimento de que existem dimensões da vida que nossa cultura materialista não utiliza, e que a maioria de nós sente falta dessas dimensões. Talvez os arquétipos subjacentes de Tolkien (como a busca e a jornada) focalizem o anseio de pessoas em todo o mundo, baseados nas aspirações de nossa humanidade comum. 

Em terceiro lugar, Tolkien pretendia que O Senhor dos Anéis fizesse soar um alerta sobre as consequências de se abandonar os "Antigos Valores Ocidentais", mesmo evitando fazê-lo alegoricamente, pois sentia que na alegoria o autor tentava dominar o leitor. A história é assinalada por um retrato realista do mal. A obra de Tolkien pode, talvez, ser mais relevante para a compreensão dos medos e terrores de nossas vidas do que boa parte da chamada ficção realista, que não está tão bem equipada para explorar as grandes questões da humanidade. Esta é uma profunda ironia, dado que alguns críticos rejeitam a ficção de Tolkien como escapista, e por ter uma simplicidade adequada apenas a leitores adolescentes — não é, dizem eles, para adultos como eles mesmos. 

Em quarto lugar, a popularidade de Tolkien pode residir no fato de que ele apresenta uma atraente espiritualidade que apela a um amplo público leitor que busca novo significado e satisfação espiritual num mundo grandemente secularizado. A espiritualidade de Tolkien foi de grande importância na sua criação da Terra-média. A criação dos elfos é central em sua ficção. Eles são representantes da espiritualidade e cultura humana, e a própria espiritualidade humana tem uma qualidade élfica. Exatamente como Lewis, Tolkien foi profundamente inspirado por uma ampla gama de imagens espirituais, como árvores, anjos, a queda do gênero humano, o poder da cura, a personificação da sabedoria, luz e trevas, natureza e graça e o retrato bíblico do heroísmo e do mal. 





A DURADOURA POPULARIDADE DE C. S. LEWIS 

A maior parte dos fatores que tomaram Tolkien tão enormemente popular também se aplica a Lewis. Ele, porém, nada produziu de tão detalhado e mentalmente habitável como a Terra-média. Em termos de literatura infantil, no entanto. As crônicas de Nárnia há muito se estabeleceu como clássicos da cultura popular. 

Além dos fatores que ele compartilhava com Tolkien, há outras razões para a popularidade duradoura de Lewis. Por um lado, ele tinha uma imaginação altamente eclética. Screwtape; Brejeiro, o Paulama; Elwin Ransom, o don de Cambridge; Aslam, o leão falante e criador de Náimia; Sarah Smith, de Golder's Green; o sr. Sensible; Redival, da antiga Glome; Jane e Mark Studdock, das Midlands inglesas — estas são apenas algumas das criações de Lewis. Da sua mente e imaginação fervilhantes nasceram histórias e uma poderosa retórica que visava persuadir as pessoas da verdade da fé cristã. Ateu durante muitos anos, Lewis só se tomou cristão a mais de meio caminho da sua vida, o que significa que ele compreendia internamente o aspecto, o sabor e o cheiro do universo materialista. 

A segunda razão é óbvia: assim como o amigo, fez uma contribuição duradoura à literatura infantil, no seu caso com As crônicas de Nárnia, que certamente sobrepujam as vendas dos seus demais escritos.

Razões adicionais também são capazes de explicar o apelo amplo e duradouro de Lewis.  Foi um importante erudito literário, com obras como Alegoria do amor, English Literature in the Sixteenth Century e Um experimento na crítica literária, todas ainda sendo publicadas a despeito do fato de que inevitavelmente existem pontos de controvérsia, como seu tratamento do humanismo e da Renascença, e sua tese de que o divisor de águas da civilização ocidental ocorreu no início do século XIX, não no século XVI. 

Foi um destacado apologista ou defensor da fé cristã, chegando à capa da revista Time já em 1947. Relutantemente, foi um dos primeiros e melhores evangelistas da mídia. Somente seu Cristianismo puro e simples foi citado no testemunho de muitos como a mais importante influência em suas conversões ao cristianismo. Seu controverso “Milagres” continua desafiando indivíduos que não veem motivo para o envolvimento divino na experiência humana, mais de cinquenta anos depois de ter sido escrito. 

Também foi teólogo popular, capaz de transmitir temas bíblicos de modo convincente, com espírito, imaginação e clareza. Sua teologia está embutida nas suas obras de ficção, como O Regresso do Peregrino. Cartas de um diabo a seu aprendiz. As crônicas de Nárnia e a trilogia de ficção científica. Também se encontra em Cristianismo puro e simples, Milagres, Lendo os salmos. Oração: cartas a Malcolm e O problema do sofrimento. 

Foi, discutivelmente, um autor de ficção científica de primeira linha, conquistando o respeito de líderes do gênero, como Arthur C. Clarke e Brian Aldiss. Os dois primeiros volumes de sua trilogia sobre Ransom são especialmente celebrados. 

Foi um romancista cujo futuro promissor foi interrompido pela doença e por sua morte relativamente precoce. Até que tenhamos rostos é um dos seus maiores livros, uma narrativa ambientada vários séculos antes de Cristo num país imaginário, porém realista, em algum lugar ao norte da Grécia. Tem afinidades com a obra de seu amigo Tolkien, foi profundamente influenciado por seu amigo — muito diferente — Charles Williams, e provavelmente teve o diálogo moldado com Joy Davidman. 

Foi um pensador que, no começo da carreira acadêmica, fez parte de um grupo de discussão com jovens filósofos de Oxford que também incluía Gilbert Ryle. Ensinou filosofia por um ano antes de ingressar na carreira docente como donde inglês. Seus livros O problema do sofrimento. Milagres e A abolição do homem são textos filosóficos sérios, apesar de dirigidos ao leitor comum. 

Essas variadas facetas de Lewis constantemente se inter-relacionavam de modo orgânico, fazendo com que o todo de sua personalidade fosse maior que a soma de todas as partes. Poderia estar contemplando o fim da sua vida quando observou em 1940: 

A felicidade acomodada e a segurança que todos desejamos nos sãos negados por Deus devido à própria natureza do mundo: mas a alegria, o prazer e a jovialidade Ele espalhou amplamente. Nunca estamos seguros, mas temos bastante diversão e algum êxtase. Não é difícil ver por quê. A segurança pela qual ansiamos nos ensinaria a repousar os corações neste mundo e oporiam um obstáculo ao nosso retomo para Deus: alguns momentos de amor feliz, uma paisagem, uma sinfonia, um encontro alegre com os amigos, um banho ou um Jogo de futebol, não têm uma tal tendência. Nosso Pai nos revigora na jornada com algumas estalagens agradáveis, mas não nos estimulará a crer erradamente que são nosso lar.


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