segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O EVANGELHO SEGUNDO A FILOSOFIA: DO FILÓSOFO JESUS ÀS IDÉIAS SOBRE JESUS


Havia uma dúvida quanto ao título desta obra. Seria o Evangelho segundo a filosofia ou o Evangelho segundo as mentalidades? O leitor que entender “filosofia” no sentido mais acadêmico do termo, como uma disciplina, poderá corretamente argumentar pela maior fidedignidade da segunda opção. Ou seja, trata-se aqui mais de inventariar o efeito do Evangelho (e, por decorrência, do cristianismo) sobre as mentalidades do que sobre os filósofos de referência da história da filosofia.

Optei pelo primeiro título porque a ideia nasceu em mim a partir da vontade de aplicar princípios hermenêuticos e dialéticos próprios do exercício filosófico tanto ao Evangelho em si como às filosofias e circunstâncias históricas que o inspiraram ou precederam e como ao que se sucedeu no Ocidente e em Bizâncio como decorrência da aplicação de tais princípios ao Evangelho e da expansão e consolidação do cristianismo.

Adicionalmente, pode-se traduzir “mentalidades” por “filosofia popular” ou a forma pela qual cada um interioriza ideias gerais e preceitos filosóficos referentes à ética ou à moral. Creio ser mais relevante ligar uma análise do Evangelho ao que se sabe sobre essa interiorização do que às manifestações políticas do clero e dos mais destacados filósofos/teólogos da cristandade ou contra o cristianismo, sem perder de vista as interações e mal-entendidos entre uns e outros.

A bibliografia focada na evolução das mentalidades individuais é relativamente escassa. Servi-me, em especial, da série História da vida privada, editada originalmente na França em 1985, dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby, e contando com a participação de autores fundamentais para a compreensão das pontes entre agires cotidianos e pregação de matriz cristã, como Paul Veyne, Peter Brown, Évelyne Patlagean, Gérard Vincent e Michel Rouche. Isso não representa de modo algum um comprometimento com as conclusões desses autores. Recomendo, porém, vivamente ao leitor que queira se aprofundar sobre a história do cristianismo e do Ocidente a leitura dessa coleção.

A edição da Bíblia utilizada nesta obra foi, por norma, a Bíblia Ave-Maria, em versão em português publicada pela primeira vez em 1959 no Brasil. A edição católica prima pelo uso de sinônimos atuais, facilitando a compreensão do público em geral. Excepcionalmente, para situações em que o rigor se fazia mais importante, utilizei a Bíblia Sagrada editada pela Sociedade Bíblica Brasileira (2ª edição, revista e atualizada — 1993) a partir da clássica tradução de João Ferreira de Almeida para o português (completa em 1694). Para fins de exegese específica do Evangelho, porém, consultei originais em grego, disponíveis em portais confiáveis da internet.

Apesar de minha adesão ao cristianismo, procurei sinceramente compreender os pontos de vista de autores anticristãos ou agnósticos. Minha simpatia, digamos assim, pelo cristianismo, não se estende ao milenarismo cristão, à crença no criacionismo nem a propostas teocráticas de caráter autoritário.

Para finalizar, registro os devidos agradecimentos, não todos, mas alguns selecionados para manter a brevidade. Em primeiro lugar, à editora Record, em especial ao editor Carlos Andreazza, pela confiança depositada no projeto e pela liberdade a mim concedida na expressão de pensamentos que afrontam crenças pessoais e ideias consolidadas.

Aos filhos, Marco Aurélio, Marco Túlio, Sofia e Caio, os três primeiros meus
colaboradores diretos, o último um incentivador por sua presença, seu amor e seu carinho. Aos amigos Afonso Henrique Soares Júnior, Araken Vaz Galvão, Emmanuel Mirdad, Liane Dittberner, Marcos Cruz Teixeira, a meu pai, Nilson, e a minha irmã, Paula, pelo precioso apoio com questionamentos, observações, apontamentos e críticas. Aos amigos Leandro Narloch e Douglas Cavalheiro, pelas orientações prévias e incentivo.

Aos meus leitores e admiradores recentes ou antigos, que me acompanham e são a razão de ser de minha dedicação à escrita.
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SCHOMMER, Aurélio. O evangelho segundo a filosofia: do filósofo Jesus às idéias sobre Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2016, 307p.


sábado, 9 de setembro de 2017

BONHOEFFER E A AUTORIDADE BÍBLICA


 Primeiro de tudo, confessarei, pura e simplesmente — eu acredito que a Bíblia sozinha é a resposta para todos os nossos questionamentos, e nós precisamos apenas perguntar repetidamente e de um pouco de humildade, nessa ordem, para receber as respostas. Não se pode apenas ler a Bíblia como se lê outros livros. É preciso estar realmente preparado para examiná-la. Apenas assim ela se revelará. Somente se esperarmos dela a resposta final, iremos recebê-la. Porque na Bíblia Deus fala conosco. E não se pode simplesmente pensar em Deus com a própria força; é preciso indagá-lo. Apenas se o procurarmos, ele irá nos responder. Sim, é possível ler a Bíblia como um livro qualquer, isto é, do ponto de vista da crítica textual etc.; não há nada a ser dito contra isso. Apenas que esse não é o método que nos irá revelar o coração da Bíblia, mas apenas sua superfície, assim como nós não nos apoderamos das palavras de alguém que amamos ao tomá-las letra por letra, mas simplesmente as recebendo, e então elas persistem em nossa mente durante dias, porque afinal são as palavras de uma pessoa que amamos, e assim como essas palavras revelam mais e mais sobre a pessoa que as disse enquanto nós seguimos, como Maria, “meditando-as no coração”, assim será com as palavras da Bíblia. Somente se nos aventurarmos a entrar nas palavras bíblicas, como se nelas esse Deus estivesse falando conosco que nos ama e que não deseja nos deixar sozinhos com nossas perguntas, somente assim aprenderemos a nos regozijar com ela [...].

Se sou eu quem determina onde Deus será encontrado, então irei sempre encontrar um Deus que corresponde a mim de algum modo, que me favorece, que se liga a minha própria natureza. Mas, se Deus determina onde ele será encontrado, então ele estará num lugar que não é agradável de imediato a minha natureza e que não é de todo conveniente para mim. Esse lugar é a cruz de Cristo. E todo aquele que o encontrar deve ir aos pés da cruz, como é ordenado pelo Sermão do Monte. Isto não está em nada de acordo com a nossa natureza, é totalmente contrário a ela. Mas esta é a mensagem da Bíblia, não somente no Novo, mas também no Antigo Testamento [...].

E eu gostaria de dizer-lhe agora de modo muito particular: desde que aprendi a ler a Bíblia dessa maneira — e não tem sido há muito tempo —, ela se torna cada dia mais maravilhosa para mim. Eu a leio pela manhã e à noite, muitas vezes também durante o dia, e todo dia reflito sobre o texto que escolhi para a semana, e tento me aprofundar nele, para que assim possa realmente ouvir o que é dito. Eu sei que, sem isso, não conseguiria viver apropriadamente por muito tempo.
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Bonhoeffer: Pastor, Mártir, Profeta, Espião. Eric Metaxas. São Paulo : Mundo Cristão, 2011, p.150-151.

EU CREIO NO PAI, NO FILHO E NO ESPÍRITO SANTO [Resenha]


Ângelo Vieira da Silva [1]: COSTA, Hermisten Maia Pereira[2]. Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São Paulo: Editora Fiel, 2014. 479p.


O livro Eu creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, de Hermisten Maia Pereira da Costa, acrescenta elementos essenciais para o bom desenvolvimento do sistema teológico hodierno, subscrevendo verdades bíblicas fundamentais para uma confissão de fé viva e fiel às Escrituras. O Credo dos Apóstolos é a matéria de exame do livro. Pretendendo usá-lo como rota de estudo, por ser uma boa síntese da fé cristã, Costa afirma que seu método está estritamente conectado com a forma do mesmo enxergar as Escrituras.

O assunto em questão é o Credo ou a atitude adequada frente à expressão Eu creio, a saber: é preciso reconhecer e confessar a realidade e o conteúdo da fé. Por isso, o autor verifica a importância da subscrição de fé, como pode ser encontrada no Antigo Testamento, no credo judeu: o shema; e no Novo Testamento, pleno de referências às tradições, à doutrina dos apóstolos, à palavra da vida, à forma que foi entregue e muitas outras expressões que podem fundamentar a matéria em questão, organizada em vinte e uma partes de exame no referido credo.

Ao finalizar o extenso capítulo introdutório, adentra-se à primeira parte da obra, sobre a inspiração e inerrância das Sagradas Escrituras. Costa refere-se a estas como verdades fundamentais da fé cristã, das quais depende toda formulação teológica. Demonstra também o que não é inspiração (nem mecânica, iluminada, intuída, fracionada, mentalizada) e o que ela realmente é a partir de considerações gramaticais, focando-se na inspiração (a) plenária (toda a Escritura), (b) dinâmica (não anulou a personalidade), (c) verbal (através de palavras) e (d) sobrenatural (originada em Deus) das Escrituras.

A segunda porção da obra salienta a fé salvadora, indispensável, essencial à vida humana. Costa relaciona quatro tipos de fé que chama de (a) Histórica ou Especulativa (crença intelectual na veracidade de um acontecimento histórico), (b) Temporal (decorrente da consciência da realidade das verdades religiosas), (c) Milagrosa (pela persuasão intelectual de ser instrumento ou beneficiário de um milagre, daí ativa ou passiva) e (d) Salvadora. Para o autor, a fé salvadora tem elementos distintos (Intelectual, Emocional e Volitivo), necessidades (para salvação, oração, culto, relacionamento com Deus, resistir ao diabo), efeitos (na salvação, selo do Espírito Santo, adoção, perdão dos pecados, justificação) e características especiais, pois se origina no próprio Deus, direcionada para Ele e Sua Palavra, apoiando-se em seu poder e fidelidade, resultando em nossa eleição interna.

Creio em Deus Pai... O terceiro elemento do livro acentua a paternidade de Deus no Antigo e Novo Testamentos, inicialmente. Contudo, parece que sua ênfase está na filiação em Cristo Jesus. A partir dos quatorze aspectos desta paternidade, Costa avalia a natureza da filiação como resultado da graça de Deus e de seu amor eterno, bem como os critérios desta filiação (nascer de novo, receber a Cristo, fé em Jesus) e evidências da mesma (guiados pelo Espírito que testemunha interiormente e manifesta seu fruto, obediência, comunhão integral).

Creio num Deus Todo-Poderoso... Na quarta divisão, Costa evidencia o poder soberano de Deus. O ponto de partida é a liberdade do poder de Deus em cinco aspectos: (a) a liberdade de existência (Ele é o próprio poder), (b) a liberdade de decisão (Ele determina livremente sua ações), (c) a liberdade de execução (Ele age conforme a sua vontade) e (d) a liberdade de limitação (Ele age conforme as perfeições de seu Ser).

O quinto ponto de observação na obra está no Deus Criador. O objetivo deste capítulo é estudar alguns aspectos da ação criadora de Deus, dedicando maior atenção ao homem como a ‘a obra-prima’ do Criador. A origem do homem segundo as Escrituras e o sábio Conselho do Deus Triúno é vista nos conceitos sinônimos de imagem/semelhança em sete aspectos teológicos: (a) Personalidade, (b) Justiça e Santidade, (c) Liberdade, (d) Conhecimento espiritual, (e) Imortalidade, (f) Espiritualidade e (g) Domínio sobre a natureza.

Creio em Jesus Cristo... A primeira vinda do Senhor é vista no sexto capítulo do livro. Jesus, o Cristo, o Messias, o Ungido é destacado a partir do significado e prática da unção no Antigo Testamento, um sinal visível de (a) designação para um ofício, (b) estabelecimento de uma relação sagrada e a conseqüente consagração da pessoa ou coisa ungida e (c) comunicação do Espírito ao que foi ungido. Jesus veio cumprir a vontade do Pai. Veio salvar Seu povo, que foi ungido pelo Espírito.

A sétima parte descreve a Pessoa de Cristo como se confessa. Costa visa demonstrar a realidade das duas naturezas de Cristo, afirmando que Jesus Cristo é plena e perfeitamente Deus e perfeitamente homem. O autor expõe a Divindade e Humanidade de Jesus aprofundadamente nos termos de profetizadas, reconhecidas e demonstradas.

A oitava porção da obra enfatiza a unidade e a necessidade das duas naturezas de Cristo. Quanto à necessidade, Costa a descreve em relação à Divindade, Humanidade e nas duas naturezas numa só pessoa. Tal necessidade fundamenta-se (a) no cumprimento de toda lei, (b) na revelação de Deus e da salvação aos homens, (c) na derrota definitiva de satanás, (d) no suportar o peso da culpa do pecado de seu povo, (e) no constituir-se um caminho perfeito e imaculado e (f) no apresentar-se como sacrifício perfeito.

O nono elemento do livro é o Filho unigênito de Deus. Costa ensina acerca da eternidade do Filho e de Filho e como se dá o íntimo relacionamento deste com seu Pai. Para isto, salienta alguns aspectos desta relação como: (a) a igualdade essencial entre ambos, (b) o poder do Filho, (c) a santidade gloriosa do Filho e (d) o reconhecimento da filiação de Jesus Cristo.

Na décima divisão a temática é Jesus Cristo, nosso Senhor. A começar do Antigo Testamento, Costa estabelece suas reflexões no Senhorio do Redentor, dono da terra, de Israel e da história. São esclarecedores os seis possíveis sentidos fundamentais para Jesus como Senhor escritos pelo autor, bem como suas características, manifestações e efeitos escatológicos.

O décimo primeiro ponto se relaciona ao ministério terreno de Jesus Cristo. Para Costa são seis as facetas deste ministério: (a) Docente (autoritativo, sábio, poderoso, incansável, corajoso, determinado, realista, sincero, sensível, fiel), (b) Litúrgico (sobre Arão, exegeta intérprete do Pai, culto a Deus, que foi glorificado), (c) Diaconal (veio para servir, não para ser servido), (d) Pastoral (conhecendo suas ovelhas, reconhecido por elas, guiava com segurança, vivificador, sacrifica pelas ovelhas, preservador, compartilha com seus servos o privilégio do pastorado), (e) Terapêutico (preocupação com o homem por inteiro) e (f) Intercessório (orou por todos, num futuro próximo ou distante).

Os sofrimentos de Cristo tornam-se o fundamento do décimo segundo capítulo do livro. Neste ponto se pode aprender que a vitória sobre o sofrimento está na plena submissão à vontade de Deus. As causas do sofrimento de Cristo não são outras senão o pecado humano, a justiça, o amor reconciliador de Deus e a voluntariedade do Filho. O autor ressalta a consciência e a obediência perfeito de Cristo em seu sofrimento, demonstrando qual a intenção e extensão destes.

A décima terceira parte é sobre Jesus, o Salvador. Se todos os homens necessitam da salvação por causa de seus pecados, Costa demonstra que tal necessidade parte dos princípios (a) da universalidade do pecado, (b) da interrupção da comunhão com Deus e (c) da morte física/espiritual do homem. Jesus é o único Salvador. Apropriar-se desta graça só será possível pelo (a) Arrependimento, (b) Fé em Jesus Cristo, (c) Regeneração, (d) Obediência, (e) Santificação, (f) Perseverança e (g) Confissão Pessoal de Cristo como Senhor.

A décima quarta porção é sobre o Sacerdócio de Cristo. Mediante citação da obra Sacerdotal, Profética e Real de Cristo, definição de termos vetero-testamentários e o sacerdócio judaico, o autor define que o profeta fala da parte de Deus ao povo; mas é o sacerdote que fala da parte do povo a Deus. Costa ainda demonstra que Cristo é o sacerdote perfeito, pois (a) ofereceu a Deus um sacrifício perfeito para satisfazer a justiça divina, reconciliando seu povo com Deus e (b) intercede continuamente por seu povo, fundamentado em seus méritos redentores.

O décimo quinto elemento da obra é a ressurreição de Cristo. Segundo Costa, o mistério desta doutrina, da singularidade da ressurreição de Cristo, poderá estar em seu corpo real e transcendente. É por isso que trabalha significados para mesma: (a) teológico (como o cumprimento das Escrituras), (b) soteriológico (como nossa regeneração), (c) kerigmático (dando sentido a pregação fiel da igreja), (d) vivencial (frutificando para Deus) e (e) escatológico (modelo do corpo glorioso dos cristãos).

A ascensão é assunto da décima sexta divisão da obra. Percebe-se que, para o autor, a ascensão denota a grande responsabilidade de se viver como o Corpo de Cristo no mundo, e que o regresso de Jesus ao Pai evidencia a realização completa de toda a obra a qual viera realizar.

O décimo sétimo ponto do livro é a segunda vinda de Cristo, considerando-a como elemento de transição entre o “já” (a realidade do reino presente) e o “ainda não” (a consumação plena do Reino). Certo da segunda vinda de Cristo, Costa evidencia que a mesma será repentina, decisiva e definitiva, pessoal, visível e audível, física, triunfante, gloriosa e glorificante.

O décimo oitavo capítulo é sobre o juízo final. Costa afirma que o juízo final é o momento quando haverá a consumação da história, tendo os homens que prestar a Deus contas de seus atos, palavras e pensamentos. O entendimento é que o juízo final manifestará a glória de Deus tornado público seu eterno propósito e consumando a história salvífica.

“Creio no Espírito Santo”, este é o foco do décimo nono capítulo. Partindo do Antigo e Novo Testamentos, judaísmo posterior e história eclesiástica, Costa demonstra as perfeições do Espírito Santo (Unicidade, Personalidade e Divindade) e afirma que verdadeiramente procede de um (Pai) e outro (Filho), desde a eternidade e deve ser com ambos adorado.

A vigésima parte do livro é sobre a Igreja de Deus. Definindo palavras a partir de considerações gramaticais, informa as marcas da verdadeira Igreja (pregação fiel da Palavra, a correta administração dos sacramentos, o exercício fiel da Disciplina) e aborda a eclesiologia pela (a) Unicidade (união essencial produzida pelo Espírito cheia de propósito), (b) Santidade e (c) Catolicidade.

A vigésima primeira porção é sobre o significado da Palavra Amém (confiança, ter fé, assim seja, etc.). Vislumbrando o uso desta no Antigo e Novo Testamentos, aplica-lhe a quarenta e quatro proposições teológicas extraídas do Credo Apostólico.

Finalmente, deve-se dizer que Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo é uma obra com profundidade teológica, exegética e histórica. De fato, o livro pode ajudar o leitor no comprometimento com uma identidade de fé. Ele declarará: eu também creio. Costa, definitivamente, evidenciou o grande valor dos credos e confissões de fé para o homem regenerado e para o relativista. O leitor atento concluirá e corroborará com o autor que não se podem desvalorizar as contribuições dos servos de Deus no passado referentes á compreensão bíblica.

O livro pode ser mais bem organizado. A divisão de capítulos é superficial (ainda que o conteúdo não o seja). Sugeriria uma melhor divisão dos capítulos como descrito pelo próprio autor (p. 78), estabelecendo os capítulos desta obra como sub-tópicos. No vigésimo capítulo, a título de enriquecimento, talvez valesse a pena uma exposição sobre a Apostolicidade da Igreja como citado pelo credo Niceno-Constantinopolitano. Destarte, destaco na obra as comparações introdutórias entre os Credos Niceno, Niceno-Constantinopolitano, Calcedônia e Atanasiano, a profundidade e biblicidade do autor quanto às limitações do homem no quinto capítulo (resumidas em quatorze aspectos fundamentais) e o adendo com sínteses dos documentos de fé dos séculos XVI e XVII.

Costa demonstra claro intelectualismo e lógica, o que contribui para a compreensão do leitor, que se sentirá mais resoluto no que subscreve e declarará: eu também creio. Destaca-se, como sempre, o amplo conhecimento do autor das fontes que utiliza, principalmente, pelo enriquecimento das notas de rodapé, que são sua marca registrada (como visto em suas obras). [3]




[1] Ângelo Vieira da Silva possui o mestrado profissional em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória, ES. Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP. Pesquisador na área de apocalíptica, pseudoepígrafos (Enoque etíope), escatologia (milenarismo) e angelologia. É pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, atualmente na Primeira Igreja Presbiteriana de Resplendor, MG. Publicou, entre outros estudos em Literatura Bíblica e Teologia, o opúsculo Angelologia Bíblica. (1. ed. Amazon, Kindle Edition, 2013. v. 1. 38p.). E-mail de contato: revavds@gmail.com Blog: http://revavds.blogspot.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/8163422369950583
[2] O Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa possui graduação em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1993), graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1983), graduação em Teologia – Seminário Presbiteriano do Sul (1979), Mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1999) e Doutorado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2003).
[3] Resenha publicada originalmente na Ciberteologia - Revista de Teologia & Cultura - Ano XI, n. 51, p. 120-124.


sábado, 26 de agosto de 2017

LENDO OS SALMOS DEVOCIONALMENTE [Devocionais]


Os Salmos formam o maior conjunto de um dos gêneros mais únicos do cânon bíblico, a saber, o gênero de música e poesia. Cristãos evangélicos tendem a negligenciar esse gênero por diversas razões. Em nosso modo de pensar ocidental pós-Reforma, pós-iluminismo, a maioria pensa que as partes mais didáticas da Escritura são mais importantes porque são cheias de afirmações lógicas e proposicionais. Alguns pensam que poesia e música são, de alguma forma, menos masculinas. Isso é uma visão completamente não ortodoxa de música, adoração e masculinidade. A maioria dos homens não gostariam de encontrar com o rei Davi em um beco escuro; ainda assim, o melhor poeta e compositor que esse mundo já viu! Biblicamente falando, enxergamos um forte laço entre canto, poesia e masculinidade. Ainda há aqueles que não percebem as qualidades únicas da poesia e música hebraica. Por exemplo: a poesia hebraica tende a “rimar” pensamentos e temas, ao invés  de rimar o sons das palavras, embora também faça isso. É por essas e outras razões que muitas vezes sentimos dificuldades, quando se trata de ler qualquer poesia ou canção na Bíblia – sem falar de um livro com 150 delas!

Ao mesmo tempo, e de uma forma única e culturalmente esquizofrênica, somos obcecados com devocionais e literaturas especializadas. Queremos canja de galinha para nossa alma, o manual de estudo para a mulher e o guia devocional do homem para evangelismo no golfe. Um bufê de comida chinesa tem menos opções do que uma livraria cristã tem de material devocional extra-bíblico.

Somos uma cultura obcecada com devocionais com um pé atrás com a poesia canônica. Você está começando a ver o problema? Duas mudanças na igreja cristã contribuíram substancialmente para a forma com que os cristãos negligenciam os Salmos como material devocional.

Primeiro, cristãos agora tem acesso à Bíblia de formas que nunca tiveram antes. Da impressora ao aplicativo no celular, cristão tem aumentado cada vez mais o acesso à Palavra de Deus. Devemos notar que isso é um maravilhoso dom de nosso Deus gracioso. Mas também devemos considerar o quanto isso mudou a forma com que a comunidade cristã aborda a Bíblia. Até a Bíblia se tornar presente em todas as casas e todos os celulares, o acesso predominante à palavra inerrante de Deus para o cristão comum se dava por meio dos componentes litúrgicos, especialmente as partes cantadas, da adoração cristã. E até pouco Séculos atrás, essa era uma dieta composta quase unicamente de Salmos.

Em segundo lugar, os cristãos dos últimos dois milênios de existência da igreja da nova aliança estão cantando cada vez menos os salmos. Eu não sou contra cantarmos músicas fora do saltério, de forma alguma. Creio que devemos incluí-los como parte do repertório. Mas também é inegável que cantar salmos está em declínio na adoração cristã, não no auge.

Então temos uma série de coisas agindo em conjunto. Temos cristãos obcecados com devocionais e avessos a poesia interagindo cada vez menos com os salmos na adoração. Pode ser que esses aspectos da minha avaliação caricata do evangelicalismo tenham ressoado em você, e você gostaria de integrar os salmos na sua vida devocional. Como é que se faz isso?


6 dicas pra ler os Salmos devocionalmente

1) Encontre um plano de leitura dos salmos. Seu primeiro passo é encontra um plano de leitura dos salmos. Uma rápida busca na internet pode ser tudo o que você precisa para encontrar um que te agrade. O bom de ler os salmos sucessivamente em, digamos, um mês, é que eles não são consecutivos, logo, se você não puder fazer uma ou outra leitura, você pode começar de onde parou sem precisar pular algumas partes. Você pode até mesmo ler apenas um salmo por dia e, assim, ler todos os salmos duas vezes por ano.

2) Utilize recursos que mostram Jesus nos salmos. Tão importante quanto encontra rum plano de leitura e segui-lo é encontrar recursos que mostram como os salmos apontam para a pessoa e a obra de Jesus. As razões por que isso é tão importante é porque os autores do Novo Testamento enxergavam os salmos como material crucial para o entendimento de quem Jesus era e o que ele veio fazer. Há, aproximadamente, 147 referências diretas aos salmos no Novo Testamento. Há quase tantas citações de salmos no Novo Testamento quanto há salmos no saltério! Os salmos são fundamentalmente messiânicos.

3) Marque sua cópia dos salmos. Se há um livro da Bíblia que merece uma boa dose de marcação ou sublinhados, é o livro dos Salmos. Por que não conectar a sugestão anterior com essa e marcar todas as 147 referências do Novo Testamento a eles?

4) Ore os salmos. Isso é chave. Os salmos são, fundamentalmente, orações cantadas. Você pode não ser um cantor de salmos (veja o próximo ponto), mas você, definitivamente, deveria ser um orador de salmos. Conforme você lê os salmos, leia-os em voz alta, parafraseando como sendo suas próprias orações. Fazer isso, com o tempo, te ajudará a desenvolver uma vida de oração saudável que utiliza temas e vocabulário da própria Bíblia.

5) Cante os Salmos. Isso é um pouco mais difícil se a sua igreja não faz isso ou você não é muito musical. Mas também é possível encontrar alguns bons recursos na internet para te ajudar a fazê-lo.

6) Leia os Salmos com outros. Por último, ler os salmos com outras pessoas te dá uma perspectiva mais profunda, conforme vocês discutem o que estão aprendendo. Se você encontrou um bom plano de leitura, por que não convidar um amigo para fazê-lo junto com você? Saber que outros estão lendo os mesmos salmos ao mesmo tempo ou nos mesmos dias pode ser uma prática única e edificante.

Artigo originalmente publicado em
Reformai21.org.


terça-feira, 15 de agosto de 2017

MAIS QUE VENCEDORES [Propósito, Tema e Autoria do Apocalipse]


Em forma, simbolismo, propósito e significado, o livro do Apocalipse é de uma beleza que as palavras não podem descrever. Onde, em toda a literatura, encontraríamos qualquer coisa que possa superar a majestosa descrição do Filho do homem andando no meio dos sete candeeiros (Ap 1.12-20), ou do vívido retrato de Cristo, Fiel e Verdadeiro, avançando até a vitória, montado num cavalo branco, com uma vestimenta respingada de sangue, seguido dos exércitos celestiais (19.11-16)? Onde, além do mais, encontraríamos contraste mais marcante do que este entre o juízo da Babilônia, de um lado, e o regozijo da Jerusalém de Ouro, de outro (18.19; 21.22)? E onde mais o trono celeste e a bênção da vida celestial são retratados de maneira mais serenamente simples e, ainda assim, mais bela em sua simplicidade (4.2-5.14; 7.13-17)? Que riqueza de consolação; que visão e entendimento do futuro; sobretudo, que revelação do amor de Deus estão contidos nas palavras da profecia desse livro!


I. O Propósito do Livro 

No geral, o propósito do livro do Apocalipse é confortar a Igreja militante nas lutas contra as forças do mal. E cheio de auxílio e de consolação para os cristãos sofredores perseguidos. A esses é dada a segurança de que Deus vê suas lágrimas (7.17; 21.4); suas orações são influentes nos negócios do mundo (8.3, 4) e sua morte é preciosa aos olhos do Senhor. A vitória final lhes é assegurada (15.2); seu sangue será vingado (19.2); seu Cristo vive e reina para sempre e sempre. Ele governa o mundo e os interesses da sua Igreja (5.7, 8). Ele está voltando de novo para tomar seu povo para si mesmo na "festa das bodas do Cordeiro" e para viver para sempre com ele num universo rejuvenescido (21.22). Quando pensamos na esperança gloriosa da segunda vinda, nosso coração se enche de alegria; nossa alma se consome com tal impaciência que nos tira o fôlego; nossos olhos tentam penetrar as negras nuvens que velam o futuro, esperando que a descida gloriosa do Filho do homem irrompa à nossa vista. É um anseio profundo que explode em palavras: "o Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve diga: Vem!" (22.17). Quando, porém, consideramos essas verdades, descobrimos que eleja está conosco - conosco no Espírito, andando no meio dos sete candeeiros (1.12-20). "...Porém, ele pôs sobre mim a mão direita, dizendo: Não temas; eu sou o primeiro e o último, e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno". Somos, verdadeiramente, mais do que vencedores por meio daquele que nos amou.


II. O Tema do Livro 

O tema é a vitória de Cristo e de sua Igreja sobre o dragão (Satanás) e seus seguidores. O Apocalipse tem o objetivo de nos mostrar que as coisas não são como parecem ser. A besta que sobe do abismo parece ser vitoriosa. Ele "pelejará contra elas e as vencerá e as matará, e o seu cadáver ficará estirado na praça da grande cidade que, espiritualmente, se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado. Então, muitos dentre os povos, tribos, línguas e nações contemplam os cadáveres das duas testemunhas, por três dias e meio, e não permitem que esses cadáveres sejam sepultados. Os que habitam sobre a terra se alegram por causa deles, realizarão festas e enviarão presentes uns aos outros, porquanto esses dois profetas atormentaram os que habitam sobre a terra". (11.7-10). Esse regozijo, porém, é prematuro. Na realidade, o crente é quem triunfa. "Mas, depois dos três dias e meio, um espírito de vida, vindo da parte de Deus, neles penetrou, e eles se ergueram sobre os pés, e àqueles que os viram sobreveio grande medo... O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo" (11.11, 15). 

Em todas as profecias desse livro maravilhoso, Cristo é retratado como o Vitorioso, o Conquistador (1.18; 2.8; 5.9ss.; 6.2; 11.15; 12.9ss.; 14.1, 14; 15.2ss.; 19.16; 20.4; 22.3). Ele conquista a morte, o Hades, o dragão, a besta, o falso profeta e os homens que adoram a besta. Ele é vitorioso; como resultado, nós também o somos, mesmo quando parecemos tão desesperadamente vencidos.

Olhemos, por exemplo, a grande companhia de crentes descritos no capítulo 7. Suas vestes estavam imundas, mas foram lavadas no sangue do Cordeiro e tornadas brancas. 

Estavam em "grande tribulação", mas saíram dela (7.14). Foram mortos, mas ergueram-se nos seus pés (11.11). Foram perseguidos pelo dragão, pela besta e pelo falso profeta, mas, no final, os vemos postados vitoriosos no Monte Sião. Vemos o Cordeiro, e com ele os cento e quarenta e quatro mil que têm o seu nome e o nome de seu Pai escrito na fronte (14.1). Eles triunfam sobre a besta (15.2). 

Parece-nos que suas orações não foram ouvidas (6.10)? Os juízos lançados contra a terra são respostas de Deus aos seus pedidos (8.3-5). Essas mesmas orações são a chave que solverá os mistérios da filosofia da História. 

Parece que os crentes foram vencidos? Na verdade, eles reinam! Sim, eles reinam sobre a terra (5.10), no céu, com Cristo, por mil anos (20.4), e no novo céu e nova terra para todo o sempre (22.5). 

O que, então, acontece àqueles que parecem ter vencido, o dragão (12.3), a besta (13.1), o falso profeta (13.11) e a Babilônia (14.8)? Eles são vencidos - e exatamente na ordem reversa. A Babilônia cai em 18.2, a besta e o falso profeta são horrivelmente punidos em 19.20, e o dragão é confinado a um tormento sem-fim em 20.10. 

Resumindo, o tema desse livro é colocado mais gloriosa e completamente nestas palavras: "Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele" (17.14).


III. As Pessoas às Quais o Livro é Endereçado

Sobre a minha escrivaninha repousa um comentário sobre o Apocalipse recentemente publicado. É um livro muito "interessante". Vê o Apocalipse como um tipo de História escrita de antemão. Descobre nesse último livro da Bíblia copiosas e detalhadas referências a Napoleão, guerras nos Bálcãs, a grande Guerra Européia de 1914-1918, o ex-imperador alemão Wilhelm, Hitler e Mussolini e daí por diante. Esses tipos de explicações, porém, e outros como esses, devem ser postos totalmente de lado.[1] Pois que benefício os cristãos sofredores e severamente perseguidos dos dias de João poderiam derivar de predições específicas e detalhadas em relação às condições européias que prevaleceriam perto de dois mil anos depois? 

Uma interpretação sadia do Apocalipse deve ter seu ponto de partida colocado na posição de que o livro foi escrito para os crentes que viviam nos dias e época de João. O livro deve sua origem, ao menos em parte, às condições contemporâneas. É a resposta de Deus às orações e lágrimas dos cristãos severamente perseguidos e espalhados pelas cidades da Ásia Menor.[2]

Não obstante, embora seja verdadeiro que devemos partir da posição de que o livro do Apocalipse foi escrito para os crentes dos dias e época em que João viveu, e que devemos até mesmo enfatizar o fato de que as condições que realmente prevaleceram durante as últimas décadas do século 1º A.D. forneceram a ocasião imediata para essa profecia, deveríamos, igualmente, dar a mesma proeminência ao fato de que esse livro foi escrito não só para os crentes que primeiro o leram, mas para todos os crentes através desta dispensação toda.

Oferecemos os seguintes argumentos em defesa desta posição. 

Primeiro, a aflição a que a Igreja estava sujeita nos dias do apóstolo João é típica da perseguição que os verdadeiros crentes têm de suportar através de toda a presente dispensação (1 Tm 3.12), e especialmente logo antes da segunda vinda de Cristo (Mt 24.29, 30). 

Segundo, muitas das predições abundantes no livro (por exemplo, "selos", "trombetas" e "taças") dizem respeito a princípios e acontecimentos tão largos em seu escopo que não podem ser confinados a um ano específico ou a um período de anos, mas que atravessam os séculos, alcançando a grande consumação. 

Terceiro, as cartas nos capítulos 2 e 3 são endereçadas às sete igrejas. Sete é o número que simboliza algo acabado e perfeito. Seu uso aqui indica que a Igreja como um todo está na mente do autor e que as admoestações e consolações do livro foram dirigidas aos cristãos crentes ao longo dos séculos.

Finalmente, todos aqueles que leem e estudam esse livro, em qualquer época, são abençoados (1.3). Tanto no início como na conclusão do livro, o autor se dirige não somente a um grupo de homens que vivem numa década, mas a "todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro" (22.18).


IV. O Autor do Livro 

O autor nos diz que seu nome é João (1.1, 4, 9; 22.8). A questão, porém, é: que João? Alguns negam que João, o discípulo amado, tenha escrito o Apocalipse. Isso é, em parte, devido ao fato de que enquanto o autor do Quarto Evangelho e das três Epístolas do amor jamais menciona neles o seu nome, o autor do Apocalipse diz que o seu nome é João. 

Novamente, é dito que há uma grande diferença entre o estilo e tom geral do Evangelho e das Epístolas, por um lado, e do Apocalipse, de outro. Mas leia o Evangelho de João e, depois, leia o Apocalipse. E possível notar a diferença? No primeiro, as idéias fluem correntemente; no último, elas são apresentadas de modo abrupto - nunca se sabe o que o autor dirá a seguir. O primeiro enfatiza o amor de Deus; o último - assim se diz -enfatiza sua severa justiça. O primeiro descreve a condição interior do coração; o último se posta no curso externo dos eventos. O primeiro é escrito em grego belo e idiomático; o último é escrito no assim chamado "grego rude, hebraísta e bárbaro".[3]

E dito também que há uma diferença marcante entre a doutrina do Evangelho e a do Apocalipse. O primeiro é de mente aberta, universalista; prega o evangelho "para todos" e a doutrina da salvação pela graça. O último, diz-se, é de mente fechada, particularista; é judaico em sua doutrina da salvação e enfatiza a necessidade de boas obras.[4]

Finalmente, é observado que, logo no século 32 A.D., Dionísio de Alexandria atribuiu o livro do Apocalipse a "outro João", uma visão que foi adotada por Eusébio, o historiador eclesiástico. 

Alguns estão convencidos por esses argumentos que algum outro João, que não o discípulo amado, foi o escritor do Apocalipse.[5] Crêem ainda que João, o apóstolo tenha sido o responsável pelo Quarto Evangelho, Outros aceitam a autoria joanina do Apocalipse, mas propõem alguma outra pessoa - talvez outro João, ou nem mesmo um João - para a autoria do Evangelho.[6] E, é claro, há aqueles radicais que negam que o apóstolo João tenha escrito quer o Evangelho quer o Apocalipse.[7]

Examinemos, porém, por alguns instantes, os argumentos. O primeiro impressiona pela sua fraqueza. Certamente o próprio fato de que o autor do Apocalipse simplesmente se chama de João, indica que ele era bastante conhecido, não só numa localidade em particular, mas por todas as igrejas da Ásia. Quando ele simplesmente se chama de João, sem qualquer designação adicional, todos sabiam exatamente de quem se tratava. Não parece certo que essa pessoa bastante conhecida tenha sido o apóstolo João? Suponha que o autor deste livro que você está lendo se apresente simplesmente como William; poder-se-ia pensar por um minuto que todos, imediatamente, tivessem idéia de quem o escreveu? Estamos plenamente convencidos não somente de que havia um só João que não precisa acrescentar "o apóstolo" ao seu nome, pela simples razão de que era suficientemente conhecido como o apóstolo! Além disso, o autor não se chama de apóstolo porque ele escreveu o livro na posição do observador a quem as visões foram reveladas (cf. Jo 15.27; At 1.22, 23; I Co 9.1). ]

A diferença na gramática, no estilo e no tom geral tem de ser admitida. Mas isso significa que João, o apóstolo, não possa ter escrito o Apocalipse? Em nossa opinião, não. Como, então, explicaremos a diferença? Alguns defendem a idéia de que, quando João escreveu o Evangelho, teve assistentes, talvez os presbíteros de Éfeso; e que a ausência desses assistentes quando estava em Patmos seja responsável pela gramática e pelo estilo peculiares do Apocalipse.[8]

Outros elementos podem entrar nessa explicação. Primeiro, não deveríamos exagerar as diferenças em estilo e linguagem. Entre o Evangelho e o Apocalipse há também um corpo forte de semelhanças - um fato que, muito tarde, alguns estão começando a enfatizar. As semelhanças são marcantes. São encontradas até em construções gramaticais peculiares e em expressões características {cf. Jo 3.36 com Ap 22.17; Jo 10.18 com Ap 2.27; Jo 20.12 com Ap 3.4; Jo 1.1 com Ap 19.13; e Jo 1.29 com Ap 5.6).[9]

De novo, com referência ao estilo, deveríamos nós esperar que encontraríamos o mesmo estilo numa série de eventos históricos (o Evangelho), numa carta pessoal (as Epístolas) e numa revelação (o Apocalipse)? Nessa correlação, não nos esqueçamos que, quando João escreveu o último livro da Bíblia, sua alma estava em tal condição de profunda emoção interior, surpresa e êxtase (pois ele estava "no Espírito") que sua formação judaica deve ter exercido maior pressão, podendo até ter influenciado seu estilo e linguagem. 

Temos por certo que a natureza transcendente do objeto em questão, do profundo estado emocional do autor quando recebeu e registrou essas visões, e seu abundante uso do Antigo Testamento - hebraico e grego[10] - são, em grande parte, responsáveis pelas diferenças em estilo que permanecem depois das marcantes semelhanças já levantadas. 

Devemos não nos demorar tanto na assim chamada diferença de ênfase doutrinária. O fato é, simplesmente, que o Quarto Evangelho e o Apocalipse não se chocam em um único ponto. Na verdade, a concordância na doutrina é extraordinária.[11] O Evangelho chama Jesus de Cordeiro de Deus (amnos) em João 1.29; o mesmo faz o Apocalipse (arnion), 29 vezes. As Epístolas e o Evangelho usam o título "o Verbo" em relação ao Senhor (Jo l.lss.; 1 Jo 1.1); o mesmo faz o Apocalipse (19.13). O Evangelho representa Cristo como ser pré-temporal e eterno (l.lss.); o mesmo faz o Apocalipse (22.13; cf. 5.12, 13). O Evangelho de João atribui a salvação do homem à soberana graça de Deus e ao sangue de Jesus Cristo (1.29; 3.3; 5.24; 10.10,11); o mesmo faz o Apocalipse (7.14; 12.11; 21.6; 22.17) - muito enfaticamente. E a doutrina do "todo aquele que" é encontrada em ambos os livros (Jo 3.36; Ap 7.9; 22.17). 

Não há diferenças doutrinárias! 

Finalmente, em relação à opinião de Dionísio, já citado, deveria estar claro que sua visão se baseia sobre um mal entendimento da leitura de uma cuidadosa declaração de Papias,[12] e foi influenciada, provavelmente, pela oposição ao quiliasmo,[13] que buscava justificar-se apelando ao livro do Apocalipse.[14]

A Igreja primitiva é quase unânime em atribuir o livro do Apocalipse ao apóstolo João. Essa era a opinião de Justino Mártir (c. 140 A.D.), de Irineu (c. 180 A.D.), que foi um discípulo de um discípulo de João, do Cânon Muratório (c. 200 A.D.), de Clemente de Alexandria (c. 200 A.D.), de Tertuliano de Cartago (c. de 220 A.D.), de Orígenes de Alexandria (c. 223 A.D.) e de Hipólito (c. 240 A.D.).[15]

Quando somamos a isso tudo que, segundo uma tradição muito forte, o apóstolo João foi banido para a ilha de Patmos (cf. 1.9), e que ele passou os últimos anos de sua vida em Efeso, a quem a primeira das cartas do Apocalipse foi dirigida (2.1), a conclusão de que o último livro da Bíblia foi escrito pelo "discípulo a quem Jesus amava" é inevitável. 


V A Data do Livro 

Levanta-se agora a questão: Quando João escreveu o Apocalipse? No ano 69 (ou antes), ou devemos inverter os números e considerar 96 (ou 95)? Ninguém pode encontrar um único argumento realmente coerente para apoiar uma data mais antiga. Todos os argumentos apresentados baseiam-se em testemunhos distantes e não-confiáveis, sobre a idéia totalmente imaginária de que João não tivesse ainda aprendido seu grego quando escreveu o Apocalipse, e sobre uma questionável interpretação literal de certas passagens que, muito certamente, têm significado simbólico. Assim, por exemplo, é-nos dito que o Templo de Jerusalém estava ainda em pé quando o Apocalipse foi escrito, pois em 11.1 está escrito: "Dispõe-te e mede o santuário de Deus". 

A data mais recente tem grande apoio. Irineu diz: "Pois que (a visão apocalíptica) era vista não muito tempo antes, mas quase nos nossos próprios dias, mais próximo do fim do reinado de Domiciano." E além disso ele diz: "...a Igreja em Efeso, fundada por Paulo, e residência de João até o tempo de Trajano (98-117 A.D.), é verdadeiro testemunho da tradição dos apóstolos".[16]

Quando, em conexão com essas fortes e definitivas evidências, nos lembramos de que o Apocalipse reflete uma época em que Efeso já havia realmente perdido o seu primeiro amor; em que Sardes já estava "morta"; em que Laodicéia - que foi destruída por um terremoto durante o reinado de Nero - já havia sido reconstruída e se vangloriava de sua riqueza espiritual (3.17); em que João já havia sido "banido" - uma forma muito comum de perseguição durante o reinado de Domiciano; em que a Igreja já havia suportado perseguições no passado (20.4); e em que o Império Romano, como tal, já havia se tornado o grande opositor da Igreja (17.9); quando nos lembramos de todos esses fatos, somos forçados a concluir que uma data mais recente (A.D. 95 ou 96) é a correta.[17] O Apocalipse foi escrito próximo do final do reinado de Domiciano, pelo apóstolo João. 

Ainda assim, o verdadeiro autor não é João, mas o próprio Todo-poderoso, Deus. "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer, e que ele... notificou ao seu servo João..." (1.1). Certamente João, o apóstolo, escreveu o livro do Apocalipse. Mas Deus, por meio de Cristo, foi o verdadeiro Autor. Portanto, o que esse livro prediz não é produto de gênio humano, tendente ao erro, mas a revelação da mente e do propósito de Deus com respeito à História da Igreja. 

Em Copenhague, entre as muitas nobres esculturas de Thorwaldsen, há uma do apóstolo João. Seu semblante irradia uma serenidade celestial. Ele está olhando para o céu. Seu bloco de papel está diante dele. Na sua mão há uma pena de escrever. Mas a pena não toca o papel. Ele não se aventurará a escrever uma só palavra até que do céu ela lhe seja concedida.[18]

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HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores: Os mistérios do Apocalipse desvendados com profundidade e fidelidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p.14-24

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[1] Para uma nota descritiva sobre as diversas teorias de interpretação, ver M. C. Tenney, New Testament Survey (I.V.F.), pp. 387SS.; e L. Morris, art. "Book of Revelation" em The New Bible Dictionary (I.V.F.).
[2] Ver o Capítulo Seis, pp. 67s., para mais discussão sobre esse ponto.
[3] Guscbius, Ecclesiastical History, vil 25.
[4] W. Bcyschlag, New Testament Theology, II, p. 362.
[5] Ver, por exemplo, os escritos de F. Bleek e J. N
[6] Essa visão é mantida pela escola de Tübingen.
[7] Bousset, Harnack, Holtzmann, e Moffatt, estão entre esses.
[8] Uma explicação interessante é dada por A. Pieters, The Lamb, the Woman, and lhe Dragon, pp. 18ss. Ver também A. T. Robertson, Word Pictures, VI, p. 274.
[9] Para mais semelhanças entre o Evangelho e o Apocalipse, ver J. P. Lange, The Revelation of John (Commentary cf the Holy Scriptures, The New Testament, X), pp. 56ss.
[10] Ver A. T. Robertson, The Minister and His Greek New Testament, p. 113.
[11] Para uma pesquisa sobre o assunto todo, ver H. Gebhardt, The Doctrine of the Apocalypse, especialmente pp. 304ss.; e G. B. Stevens, The Theology of the New Testament, pp. 536ss. e 547.
[12] Ver a discussão em R. C. H. Lenski, Interpretation of St. John's Revelation, pp. 8ss.
[13] Do grego chilioi, "1000", um termo usado para descrever o ponto de vista escatológico que enfatiza fortemente o caráter do milenarismo.
[14] N. B. Stonehouse, The Apocalypse in the Ancient Church, p. 151.
[15] Anfe-Nicene Fathers, I-III. Ver também N. B. Stonehouse, op. cit., pp. 153ss
[16] Ante-Nicene Fathers, I, pp. 416, 559.
[17] Para uma data mais recente, ver H. Cowles, The Revelation ofSt. John, pp. 17ss. Entre os que defendem data mais antiga estão Alford, Godet, Moffatt, Ramsay, Swete, Warfield e L. Berkhof em seu New Testament Introduction, pp. 347ss
[18] Ver A. Plummer, The Book of Revelation (Pulpit Commentary), p. 150.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

O FOCO EVANGÉLICO DE CHARLES SPURGEON


Saudado como o maior pregador da Inglaterra do Século XIX, podemos defender que Charles Haddon Spurgeon foi o pregador mais proeminente de qualquer século. Considerado o expositor mais bem sucedido dos tempos modernos, Spurgeon lidera virtualmente toda lista de pregadores de renome. Se João Calvino foi o maior teólogo da igreja, Jonathan Edwards o maior filósofo, e George Whitefield o maior evangelista, certamente Spurgeon lidera como seu maior pregador. Jamais um homem se postou atrás de um púlpito, semana apos semana, ano após ano, por quase quatro décadas, pregando o evangelho com maior sucesso mundial e impacto duradouro do que Spurgeon. Ate hoje, ele permanece sendo o"Príncipe dos Pregadores.

Através dos séculos, expositores como Martinho Lutero, Ulrich Zuínglio, João Calvino e inúmeros outros, tiveram compromisso de pregar expondo livros inteiros da Bíblia versículo por versículo. Contudo, não era essa a abordagem de Spurgeon.  Embora fosse "pregador expositivo por excelência, Spurgeon extraía suas mensagens de um livro da Bíblia diferente a cada semana. Esse estilo livre o destacou de outros grandes pregadores, colocando-o primeiro e mais notavelmente, como expositor evangelístico.

Por todo seu prolífico ministério, Spurgeon era consumido por zelo pelo evangelho. Sua prática era isolar um ou alguns versículos como trampolim para a proclamação do evangelho. Ele afirmava: “Tomo o meu texto e sigo em linha direta até a cruz.” Cada vez que Spurgeon subia ao púlpito, ele visava intensamente a salvação dos pecadores mediante a proclamação da mensagem salvadora de Jesus Cristo. Como disse Hughes Oliphant Old, Spurgeon foi enviado "em um tempo determinado, a um lugar específico, para pregar o evangelho da salvação eterna das almas para a glória eterna de Deus”. Talvez ninguém possa ser comparado a Spurgeon como pastor evangelista.

Embora ele amasse profundamente a teologia, Spurgeon declarou: "Prefiro levar um pecador a Cristo que desvencilhar todos os mistérios da Palavra divina". Ele tinha verdadeiro prazer na busca da salvação dos perdidos. Eis como Spurgeon descreveu a importância central do evangelismo em seu ministério:

“Prefiro ser o meio para a salvação de uma alma da morte que ser o maior orador sobre a terra. Prefiro conduzir a mulher mais pobre do mundo aos pés de Jesus que ser o Arcebispo da Cantuária. Prefiro arrancar uma única brasa do fogo que explicar todos os mistérios. Ganhar uma alma, evitar que ela vá à cova, é um feito mais glorioso do que ser coroado na arena da controvérsia teológica... desvendar fielmente a glória de Deus na face de Cristo será, no julgamento final, considerado serviço mais digno que desvencilhar os problemas da Esfinge religiosa ou cortar o nó gordíano das dificuldades apocalípticas. Um de meus mais felizes pensamentos é que, quando eu morrer, será meu privilégio estar junto ao peito de Cristo, e sei que não gozarei do céu sozinho. Milhares já entraram ali, atraídos a Cristo no meu ministério. Ah! Que gozo será voar para o céu e encontrar uma multidão de convertidos antes e depois de mim.”

Entender esse foco evangelístico de Spurgeon é sentir o pulso do seu próprio coração. Compreender esse seu zelo evangelístico é tocar o nervo vivo de sua alma. Em termos simples, Spurgeon era compelido a pregar o evangelho e ajuntar os perdidos. Como expositor, Spurgeon possuía verdadeiro coração de um ganhador de almas.

Vamos iniciar nossa avaliação do ministério evangélico de Spurgeon considerando sua vida e legado extraordinários.


NASCIDO E NASCIDO DE NOVO

Descendente de huguenotes franceses e reformados holandeses, Charles Haddon Spurgeon nasceu em 19 de junho de 1834, em uma pequena casa em Kelvedon, Essex, Inglaterra. Muitos de seus antepassados protestantes tinham sido expulsos de suas terras natais pela perseguição, e se refugiaram na Inglaterra. Spurgeon costumava dizer: “Muito prefiro ser descendente de alguém que sofreu pela fé do que ter correndo em minhas veias o sangue de todos os imperadores”. Seu pai, John, e seu avô James, eram, ambos, ministros independentes que pastoreavam fielmente suas congregações. Charles foi o mais velho de dezessete filhos. Seu irmão mais novo, James, mais tarde serviria como seu co-pastor no Tabernáculo Metropolitano de Londres. Os filhos gêmeos de Charles também o seguiriam no ministério.

Quando sua mãe estava prestes a dar à luz ao segundo filho, o pequeno Charles, de dois anos de idade, foi mandado para Stambourne, cidade próxima, para morar com seu avô, onde permaneceria até os seis anos de idade. Durante esse período e em visitas subseqüentes ao avô, Charles foi exposto a muitas obras puritanas, incluindo O Peregrino de John Bunyan, o Chamado aos Não Convertidos, de Richard Baxter, e Alarme aos não convertidos, de Joseph Alleine. Apesar da influência espiritual de sua família e de ter sido exposto a tais livros, Spurgeon permanecia não convertido. Ele relembra: “Desde minha mocidade eu ouvira o plano da salvação pelo sacrifício de Jesus, mas não sabia mais em minha alma interior do que se eu tivesse nascido e sido criado como hotentote. Lá estava a luz, mas eu era cego”.

No domingo pela manhã, em 6 de janeiro de 1850, aos quinze anos. Charles caminhava para a igreja no vilarejo de Colchester, quando uma tempestade de neve o impeliu a se abrigar em uma pequena igreja metodista primitiva. Só havia uma dúzia de pessoas assistindo, e mesmo o pastor não conseguiu chegar. Um pastor leigo relutante foi à frente para explicar o texto de Isaías 45.22: “Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro". Essa figura humilde exortava a pequena congregação a olhar pela fé somente para Jesus Cristo. Fitando os olhos no jovem Spurgeon, ele instou:

- Jovem, olhe para Jesus. Olhe, olhe! Olhe! Você nada mais tem a fazer do que olhar para Jesus e viver!

Como uma seta mandada pelo arco do céu, o evangelho atingiu o alvo que intencionou. Escreveu Spurgeon: "Imediatamente eu vi o caminho da salvação. Foi como quando a serpente de bronze foi levantada, as pessoas olharam e foram curadas - assim aconteceu comigo". Olhando pela fé para Cristo, foi convertido de forma dramática. Consumido pela alegria, mal podia se conter, "mesmo por cinco minutos, sem tentar fazer alguma coisa por Cristo". Essa energia sem limites marcaria sua vida daquele momento em diante. Em 4 de abril, 1850, foi admitido à comunhão da Igreja Batista St. Andrews, sendo logo depois batizado e participando pela primeira vez da Ceia do Senhor.

Com zelo crescente, Spurgeon, aos dezesseis anos, pregou seu primeiro sermão em uma pequena casa em Teversham, perto de Cambridge. Seu dom para a pregação foi imediatamente reconhecido. Com apenas dezessete anos, Spurgeon foi feito pastor de uma igreja Batista rural no minúsculo vilarejo de Waterbeach. Na Capela Batista de Waterbeach, Spurgeon pregou o evangelho com poder extraordinário e resultados marcantes. Apesar de estar em uma vila conhecida por seus hábitos devassos, essa humilde capela batista cresceu nos dois anos seguintes, de quarenta para mais de cem membros.


CAPELA DE NEW PARK STREET

Relatos a respeito desse prodígio da pregação logo chegaram a Londres. Em 18 de dezembro de 1853, Spurgeon foi convidado a pregar na maior e mais famosa igreja Batista calvinista de Londres, a nova capela da Park Street. Essa igreja histórica, ferrenhamente calvinista, tinha sido pastoreada por homens ilustres tais como Benjamin Keach (1640-1704), John Gill (1697-1771), e John Rippon (1750-1836), mas tinha caído em sério declínio. Apenas umas duzentas pessoas estavam se reunindo em um prédio que havia sido construído para abrigar mil e duzentas. Após pregar ali por três meses, Spurgeon, aos dezenove anos, foi chamado para pastorear ali. Ele pastoreou fielmente o rebanho de New Park Street até a sua morte trinta e oito anos mais tarde.

Com a pregação de Spurgeon, a Capela de New Park Street cresceria instantaneamente. Dentro de poucos meses, a congregação estaria com quinhentos membros assistindo com regularidade. Depois do primeiro ano, o prédio não podia conter as multidões que vinham ouvir sua pregação. A capela foi aumentada para caber mil e quinhentas pessoas, e depois, mais quinhentas em pé. Assim mesmo, as pessoas estavam abarrotadas contra as paredes e pelos corredores, apertadas nos peitorais das janelas. Logo a igreja começou a distribuir ingressos para as pessoas assistirem até mesmo o culto do meio da semana. As ruas ficaram impedidas pelo trânsito no bairro em volta da capela. Londres não havia testemunhado surgimento tão meteórico desde os dias da pregação empolgante de George Whitefield.

Em meio a esse imenso crescimento. Charles conheceu Susannah Thompson, membro de sua congregação. Da amizade logo nasceu a atração, e os dois se casaram em 8 de janeiro de 1856, na Capela de New Park Street, que transbordava de convidados. O afeto que tinham um pelo outro jamais diminuiu. Infelizmente, após o nascimento dos filhos gêmeos no fim de 1856, Susannah ficou semi-inválida. Confinada a sua casa durante longos períodos em toda sua vida adulta, Susannah não podia ouvir Charles pregar. Apesar dessa aflição, permaneceu como fonte de forte encorajamento para ele, supervisionando um ministério profícuo que oferecia os livros de seu marido para o uso de pastores e missionários.

Logo as multidões forçaram a mudança da igreja para Exeter Hall, um enorme prédio público onde cabiam quatro mil assentados, e lugar para mais mil pessoas de pé. Porém, mesmo essa grande estrutura foi insuficiente para conter as multidões crescentes. Centenas de pessoas eram mandadas embora a cada semana, e ficou claro que teriam de construir um prédio maior para a congregação que crescia tão rapidamente. Foram feitos planos para o que se tornaria o famoso Tabernáculo Metropolitano, a maior casa de culto protestante de todo o mundo.

Enquanto isso, Spurgeon mudou sua congregação crescente para um lugar ainda maior, o Salão Musical dos Jardins Reais de Surrey. Este imenso edifício, com três  grandes sacadas, tinha lugar para doze mil pessoas sentadas. No primeiro culto, em 19 de outubro de 1856, a gigantesca estrutura ficou cheia desde o chão até o teto, e milhares foram mandados embora. Mas sucedeu a catástrofe: alguém na galeria gritou: Fogo! Seguiu-se o pânico e, enquanto as pessoas corriam para fugir, muitas foram pisoteadas e várias morreram - uma tragédia que deixou desolado o jovem Spurgeon.

Faltando apenas um domingo, Spurgeon voltou a pregar às imensas multidões. Com descrentes incontáveis assistindo, cada culto era ocasião de evangelismo. Spurgeon e outros conversavam com os convertidos às terças-feiras à tarde. Tantas almas perdidas foram salvas que Spurgeon disse que nunca havia pregado sermão no Salão de Música sem que Deus não salvasse alguém. Numa época quando Londres era a metrópole mais famosa do mundo, seu povo abraçou Spurgeon como ninguém jamais aceitara outro pregador.


PRIMEIRAS PROVAÇÕES E TRIUNFOS

Contudo, nem tudo corria bem. Com a popularidade instantânea de Spurgeon, veio também forte oposição a ele. A imprensa londrina difamava-o como sendo religioso grosseiro com motivações egoístas. Repetidamente, foi objeto de zombaria, chamado de "demagogo de Exeter Hall", "bufão do púlpito", e "maravilha de nove dias".  Além disso, defensores da teologia arminiana o atacavam com o que julgavam ser o pior de todos os insultos, chamando-o de "pavoroso calvinista". Por sua vez, os hiper-calvinistas o criticavam por ser aberto demais em oferecer o evangelho de graça a todos. Spurgeon admitia: "Meu nome é chutado pelas ruas como uma bola de futebol".

Providencialmente, essa perseguição atraiu mais aliados ao seu lado, especialmente pregadores jovens. Embora Spurgeon não tivesse grau universitário e não tivesse freqüentado o seminário, fundou a Faculdade de Pastores (Pastor's College) quando contava apenas vinte e dois anos de idade. Enfocando o treinamento de pregadores, não de acadêmicos, ele admitia somente aqueles que já estavam ocupando algum púlpito. Durante os primeiros quinze anos, Spurgeon assumia pessoalmente todas as despesas do curso com a venda de seus sermões semanais. Além disso, ele fazia palestras aos alunos às tardes de sexta-feira, destacando algum aspecto específico da pregação do evangelho. Essas palestras tomaram-se o texto de seu amado livro, Lectures to my students (Lições aos meus alunos). Durante sua vida, Spurgeon viu quase mil homens treinados ao ministério em sua faculdade.

Em 1857, a Inglaterra sofreu uma trágica derrota na índia, e foi proclamado um Dia de Humilhação Nacional. Em 7de outubro, quando tinha apenas vinte e três anos, Spurgeon pregou no gigantesco Palácio de Cristal a um auditório de 23.654 pessoas – o maior ajuntamento de pessoas em um recinto fechado de seus dias. Os trens corriam por Londres levando as pessoas a ouvir a mensagem extraída de Miqueias 6.9: "Ouvi, ó tribos, aquele que a cita". Esse discurso nacional era forte declaração sobre a soberania de Deus sobre a Inglaterra. A derrota, disse Spurgeon, provinha de Deus com o intuito de humilhar a nação orgulhosa.

Por meio de seus sermões impressos, a influência de Spurgeon se espalhou por toda a Inglaterra e pelo mundo. Na segunda-feira de manhã, o sermão escrito de Spurgeon era entregue para ser editado, e na quinta-feira, era publicado. Estes sermões eram então vendidos por um penny cada, e assim, as mensagens eram chamadas "The Penny Pulpit" (O púlpito de um centavo). Mais de vinte e cinco mil cópias eram vendidas a cada semana. Esses sermões eram ainda telegrafados pelo Atlântico para os Estados Unidos, onde eram impressos pelos grandes jornais. Eventualmente, foram traduzidos para quarenta línguas e distribuídos por todo o globo. Os sermões eram vendidos por distribuidores de folhetos, lidos nos hospitais, levados às prisões, pregados por leigos, guardados com carinho por marinheiros elevados adiante por missionários. Pela palavra impressa, estima-se que a congregação de Spurgeon chegava a não menos que um milhão de pessoas.


UMA ONDA CRESCENTE DE REAVIVAMENTO

O ano de 1859 foi o mais extraordinário do ministério de Spurgeon. Foi o último ano em que sua igreja se reuniu no Salão de Música de Surrey. Um tempo de fervoroso reavivamento foi experimentado sob os sermões mais calvinistas, e no entanto mais evangelísticos, de seu ministério. Essas mensagens de poder do Espírito incluíram: "Predestinação e chamado" (Rm 8.30), "A necessidade da Palavra do Espírito" (Ez 36.27), "A história dos poderosos feitos de Deus" (SI 44.1), e "O sangue da eterna aliança" (Hb 13.20).

No entanto, essa surpreendente estação nos jardins de Surrey terminou abruptamente. Spurgeon ficou sabendo que a igreja de New Park Street teria de compartilhar o local com programas de diversão aos domingos, que ele considerava uma quebra da guarda do dia de descanso. Spurgeon disse que mudaria os cultos, caso tais entretenimentos fossem permitidos. Mas os proprietários do Music Hall recusaram ceder. Por sua vez, o jovem pregador declarou: "Se eu cedesse, meu nome deixaria de ser Spurgeon. Não posso ceder naquilo que sei ser o certo, e não o farei. Na defesa do santo sábado do Senhor, o grito deste dia é; “Levantemo-nos e saiamos daqui!”. Para não fazer concessões, Spurgeon mudou sua congregação de volta ao Exeter Hall com espaço bem menor, demonstrando ser homem de
princípios e não pragmatismo.

Em 11 de dezembro de 1859, em seu último sermão no Music Hall, Spurgeon pregou sobre "O adeus do ministro”, fazendo uma exposição de Atos 20.26-27, em que anunciou ter declarado, nesse lugar, "todo o conselho de Deus". Uma pessoa que assistiu escreveu suas impressões sobre a pregação de Spurgeon naquele dia:

Como ele se deleitou em sua pregação naquela manhã! Fazia muito calor, e ele limpava a transpiração de sua testa; porém seu desconforto não afetou o seu discurso. Suas palavras fluíam como uma torrente de sagrada eloqüência... O Sr. Spurgeon pregou sincero sermão sobre haver declarado todo o conselho de Deus. Sempre há algo de triste em falar das últimas coisas, e eu saí de lá sentindo que das experiências mais felizes de minha mocidade pertencia ao passado. Assim também - na minha opinião - pertencia ao passado o período mais romântico ate mesmo na vida maravilhosa do Sr. Spurgeon.


O TABERNÁCULO METROPOLITANO

Naquele mesmo ano, iniciou-se a construção do Tabernáculo Metropolitano. Em 15 de agosto foi firmada a pedra fundamental. Durante a cerimônia, Spurgeon declarou sua fidelidade inabalável às doutrinas da graça soberana de Deus: "Cremos nos grandes Cinco Pontos conhecidos como calvinismo. Olhamos para estes como cinco grandes lâmpadas que auxiliam em irradiar a cruz”. Enquanto estava sendo construído o imenso prédio, Spurgeon viajou ao Continente europeu em junho e julho de 1860. Ao chegar em Genebra, na Suíça, foi recebido como um segundo Calvino. Insistiram que ele pregasse no púlpito do grande reformador e deram-lhe a oportunidade de vestir sua toga, rara honra que ele não podia recusar.

Em 18 de março de 1861, o Tabernáculo Metropolitano foi oficialmente inaugurado. Nesta grandiosa ocasião, Spurgeon pregou sobre uma visão geral das doutrinas da graça, para então convidar cinco outros pregadores a pregar especificamente sobre cada um dos cinco pontos do calvinismo. Tal ação revelou a firme fé de Spurgeon de que essas verdades exaltam a Deus e formam o coração do evangelho. Spurgeon cria que as doutrinas da graça soberana, longe de impedir o evangelismo, são grandes ganhadoras de almas. As verdades sobre o amor do Deus que elege e redime, infundiram na sua pregação poder para ganhar almas e trouxeram muitas almas para a fé em Cristo.

De tamanho sem paralelos, o Tabernáculo Metropolitano foi o maior santuário na história da igreja protestante. Com lugar para seis mil pessoas sentadas, acomodava um dos maiores rebanhos da igreja desde o tempo dos apóstolos. Até a sua morte, trinta e um anos mais tarde, o Tabernáculo esteve cheio de manhã e de noite a cada domingo. Spurgeon pediu que cada membro deixasse de freqüentar um culto a cada trimestre para dar mais espaço para os não-convertidos se assentarem. Sua congregação era composta principalmente de pessoas comuns, de todas os tipos de vida, mas atraía também as elites, inclusive o primeiro ministro William Gladstone, membros da família real, dignitários do Parlamento, e pessoas notáveis tais como John Ruskin, Florence Nightingale e General James Garfield, que mais tarde foi presidente dos Estados Unidos.

Durante a semana, Spurgeon pregava até dez vezes em lugares diferentes de Londres e vizinhanças, incluindo áreas longínquas como a Escócia e Irlanda. A presença de Spurgeon em qualquer púlpito dava ousadia aos pastores locais e encorajava seus rebanhos. Com sua fama crescente, Spurgeon foi convidado repetidas vezes para pregar na América. No entanto, recusava esses convites transatlânticos, preferindo manter o Tabernáculo como centro de seu ministério. As pessoas o advertiam de que ele se quebraria física e emocionalmente, sob o estresse de tão expansiva pregação, ao que Spurgeon respondeu: "Se eu fizer isso, estarei feliz e repetiria novamente o mesmo. Se eu tivesse cinqüenta constituições [corpos], eu me alegraria em vê-las todas quebradas no serviço do Senhor Jesus Cristo". Acrescentou ainda: "Encontramo-nos capazes de pregar dez, doze vezes por semana, e descobrimos estar mais fortes devido a isso... 'Ah', disse um dos membros, 'nosso pastor vai morrer disso.' [...] Mas esta é a espécie de trabalho que não mata ninguém. O que mata bons ministros é pregar a congregações sonolentas". Spurgeon encontrava força na pregação.


ADVERSIDADES E AVANÇOS

Logo maiores controvérsias envolveram Spurgeon. Em 1864, entrou no que veio a ser chamado Controvérsia da Regeneração Batismal, um confronto com a igreja anglicana, a qual afirmava ser o batismo necessário para a remissão dos pecados. Spurgeon via tal ensino como uma corrupção do evangelho, e assim, se pronunciou contra ela. Mas ao fazer isto, foi condenado por intrusão sobre a consciência dos membros da Igreja Anglicana. Spurgeon foi forçado a retirar-se da Aliança Evangélica, da qual era uma figura de destaque. No meio deste conflito, Spurgeon lançou uma revista mensal, The Sword and the Trowel (A Espada e Colher de Pedreiro), visando refutar os erros teológicos da época e defendendo a pureza do evangelho.

Spurgeon também estava ocupado com a propagação do evangelho. Em 1866, fundou a Associação Metropolitana de Colportores para a distribuição de literatura evangélica. De 24 de março até 21 de abril de 1867, o edifício do Tabernáculo estava sendo reformado, e os cultos de domingo passaram a ser realizados no Agrícultural Hall de Islington. Mais de vinte mil pessoas assistiram cada um desses cinco cultos memoráveis, entre as maiores de todas as congregações a que Spurgeon se dirigiu. Naquele mesmo ano, inaugurou o Orfanato Stockwell para meninos. Em 1868, fundou albergues para os pobres. Em 1879, Spurgeon deu início ao orfanato para meninas. Ao todo, sob a liderança de Spurgeon, cerca de mil membros enérgicos estavam proclamando o evangelho de forma ativa pela cidade de Londres, em diversos ministérios. Além disso, 127 pregadores leigos estavam servindo em vinte e três centros missionários espalhados por toda a cidade de Londres. Em seu aniversário de cinqüenta anos, foi lida uma lista de sessenta e seis organizações que Spurgeon fundara com o propósito de difundir a mensagem do evangelho.

Vários anos mais tarde, em 1887, Spurgeon entrou em mais um conflito, desta vez o maior de todo seu ministério, chamado de Controvérsia do Declínio (Downgrade Controversy). Ele falou em defesa do evangelho, confrontando o declínio doutrinário que prevalecia em muitos púlpitos. Comparou a Igreja Batista com um trem que havia alcançado o cume de uma alta passagem montanhosa e estava descendo vertiginosamente pela íngreme estrada, aumentando a velocidade enquanto mergulhava para baixo. Quanto mais ela descia a montanha escorregadia, maior seria sua destruição, contendia ele. Advertiu fortemente contra a diminuição da autoridade da Escritura, que resultava em divertimentos mundanos, técnicas de teatro de variedades, e, em muitas igrejas de seus dias, uma atmosfera parecida com a de circos.

Mas as palavras severas de Spurgeon caíram sobre ouvidos surdos. Em movimento ousado, ele se retirou da União Batista em 26 de outubro de 1887. Alguns diziam que ele deveria começar nova denominação, mas ele recusou. Na reunião anual da União Batista de 1888, foi acatada uma proposta de censura a Spurgeon. Em triste guinada da historia, ela foi apoiada por seu irmão James, seu co-pastor no Tabernáculo, que acreditava, erradamente, que a proposta pedia a reconciliação. Essa controvérsia o entristeceu de tal modo que contribuiu para sua morte prematura apenas quatro anos mais tarde.


OS DIAS FINAIS

Em seus últimos anos, Spurgeon sofreu de diversos males físicos, incluindo doença dos rins e gota. Com o declínio de sua saúde, Spurgeon pregou o que seria seu ultimo sermão no Tabernáculo em 7de junho de 1891. Em grande sofrimento, afastou-se para descansar na cidade de Mentone, na Riviera francesa. Ali morreu em 31 de janeiro de 1892. O "Príncipe dos Pregadores" contava apenas cinqüenta e sete anos de idade.

Foi feito um culto fúnebre primeiro na França. Então, o corpo de Spurgeon foi levado de volta a Londres, onde na quarta-feira, 10 de fevereiro, foram oficiados quatro cultos fúnebres – um para os membros do Tabernáculo, um para pastores e alunos, outro para obreiros cristãos, e outro ainda para o público em geral. Um sexto culto (e final) foi realizado no dia seguinte. Ao todo, cerca de sessenta mil enlutados prestaram homenagens a essa figura colossal. Um cortejo fúnebre de mais de duas milhas (3,2 km) seguiu o carro funerário do Tabernáculo até o cemitério em Norwood, com cem mil pessoas em pé ao longo do caminho. As bandeiras estavam a meio-mastro. Lojas e pubs permaneceram fechados. Era como se tivesse morrido um membro da família real.

Em cima de seu caixão, foi colocado uma Bíblia, aberta em Isaias 45.22 – o texto que o levara à fé salvadora em Cristo quando ele era adolescente. Até na sua morte, mediante isto, Spurgeon apontava as pessoas para Cristo. Com seu passamento, ele havia combatido o bom combate, acabado a carreira, e guardado a fé.

Durante os trinta e oito anos de seu ministério em Londres, Spurgeon testemunhou o crescimento de sua congregação de duzentos para quase seis mil membros. Durante esse tempo, ele recebeu 14,692 novos membros em sua igreja, quase onze mil mediante o batismo. No total, estima-se que Spurgeon tenha pregado pessoalmente a quase dez milhões de pessoas. Eventualmente, um de seus filhos gêmeos, Thomas, o sucedeu como pastor do Tabernáculo em 1894. O outro filho. Charles Jr. tornou-se diretor do orfanato que ele fundou.

Até 1863, os sermões de Spurgeon venderam mais de oito milhões de cópias. Na época de sua morte em 1892, cinqüenta milhões de cópias tinham sido vendidas. Até o fim do Século Dezenove, mais de cem milhões de sermões haviam sido vendidos em vinte e três línguas, cifra inigualável por qualquer outro pregador, antes ou depois dele. Hoje em dia, este número é bem mais do que trezentos milhões de cópias. Um século após sua morte, havia mais obras de Spurgeon impressas do que de qualquer outro autor da língua inglesa. Spurgeon é o pregador mais amplamente lido em toda a história.

Até os dias atuais, Spurgeon continua a exercer enorme influência no mundo cristão evangélico. Foi autor de 135 livros, editor de mais vinte e oito, e escreveu inúmeros panfletos, folhetos e artigos. Este corpo de trabalho não tem precedentes como projeto de publicação por parte de um único autor na história do cristianismo. Com mais de três mil e oitocentas mensagens impressas, seus sermões compõem a maior coleção encadernada de escritos por um homem na língua inglesa. São coligidos em sessenta e três volumes, contendo cerca de vinte e cinco milhões de palavras.

Dado o impacto monumental que Spurgeon teve sobre a Inglaterra e por todo o mundo, certas perguntas surgem: O que fez que sua pregação fosse tão atraente? O que o inflamava a proclamar o evangelho da maneira que fez? O que deu a seu ministério evangelístico tanto poder de conversão? As respostas se encontram naquilo que é o tema central deste livro: o foco evangélico de Charles Spurgeon.
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O Foco Evangélico de Charles Spurgeon. Steven Lawson. São José dos Campos: Editora Fiel, 2012. 139p