Alejandro González Iñárritu venceu nada menos que três estatuetas do Oscar por “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original. Essa consagração artística também marcou uma ruptura do cineasta mexicano de 52 anos com temas que lhe eram caros, como a incomunicabilidade humana e as distinções sociais. Talvez fosse melhor ter se rendido novamente a eles em “O Regresso”, pois são só algumas das abordagens à parte em um roteiro ausente de substância.
Em adaptação parcial do romance homônimo de Michael Punke, “O Regresso” resgata a figura real Hugh Glass, geralmente associada a um mito. Na pele de Leonardo DiCaprio, Glass se vê envolvido ao lado de seu filho Hawk (Forrest Goodluck) em meio a um conflito para a caça de pele. De um lado, há os subordinados ao capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson). Do outro, a tribo de índios Arikara. Ao ver todos os homens de Henry sendo selvagemente massacrados, Glass age em sua defesa.
O problema está no mal estar que a presença de Hawk provoca, um sujeito de origem indígena com um passado obscuro. Os atritos são especialmente gerados por John Fitzgerald (Tom Hardy), que pode não ser tão leal a Henry quanto proclama e que logo se converterá em um grande pesadelo para Glass ao assumir uma postura que o atingirá intimamente.
O ponto em que os papéis de herói e inimigo são integralmente assumidos por Hugh Glass e John Fitzgerald é exatamente aquele em que “O Regresso” passa a evidenciar os seus limites. É ainda mais grave isso já ocorrer quando o segundo ato sequer se aproximou, expondo as fragilidades de um texto do qual Iñárritu e o seu parceiro Mark L. Smith são incapazes de contornar.
A cena em que Glass é quase morto por um urso recriado em CGI espanta pela brutalidade e a transparência como exibe cada um dos danos físicos provocados. A falha está em recorrer a esse choque, ao impacto visual que isso provoca, não como um recurso dramático e sim como uma muleta para permitir que “O Regresso” atinja algum progresso insistindo na tentativa de provocar uma forte impressão, algo que ficará intolerável quando um cantil com uma espiral desenhada pelo personagem vivido por Will Poulter retornar como um objeto que abrirá as portas para o clímax.
A decisão seria muito mais sensata caso fosse somente confiado a Emmanuel Lubezki a exploração desse território inóspito e selvagem, que usa grandes angulares que contornam cada entorno, obtendo um efeito quase circular. Quando a intenção é ir além das consequências de uma luta pela sobrevivência, que implica a interação entre desiguais e os testes dos próprios limites físicos e psicológicos, “O Regresso” não funciona.
É possível de fato perceber o empenho de Leonardo DiCaprio ao papel, especialmente com a dificuldade em encarar uma temperatura fria extrema e o diálogo em uma língua indígena na maior parte do tempo. No entanto, faltam camadas ao personagem, enfraquecido por um Tom Hardy novamente unidimensional como o seu “oponente” e os flashbacks e os devaneios poéticos que extrapolam as barreiras do pieguismo.
São fatores que preenchem a jornada de Glass com inverossimilhança, milagrosamente pulando estágios de uma recuperação definitivamente impossível estabelecidas as barreiras climáticas e o curso extremamente breve até o seu destino pretendido. Opaca-se assim a força de uma história real, que seria mais enriquecida se Iñárritu compreendesse mais as distinções e as particularidades dos inúmeros coletivos que exibe e menos os subterfúgios de um espetáculo nem sempre honesto em suas intenções.
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