AS BOAS NOVAS DO EVANGELHO DE CRISTO (MC 1.1)
Marcos é considerado um dos evangelhos sinóticos. O termo sinótico vem de duas palavras gregas, cujo significado é “ver conjuntamente”.[1] Dessa maneira, Mateus, Marcos e Lucas tratam basicamente dos mesmos aspectos da vida e ministério de Cristo. Dos evangelhos sinóticos, Marcos é o mais breve.
O Evangelho de Marcos é geralmente considerado o primeiro evangelho que foi escrito, diz Darrell Bock. [2] Embora esse fato não tenha um consenso unânime, a maioria dos estudiosos crê que Marcos foi escrito antes dos outros evangelhos. J. Vernon McGee defende a tese de que Marcos foi escrito por volta do ano 63 da era cristã. [3] Sendo, assim, William Barclay o considerava o livro mais importante do mundo, visto que serviu de fonte para os outros evangelhos e é o primeiro relato da vida de Cristo que a humanidade conheceu. [4]
Dos 661 versículos de Marcos, Mateus reproduz 606. Há apenas 55 versículos de Marcos que não se encontram em Mateus, mas Lucas utiliza 31 destes. O resultado é que há somente 24 versículos de Marcos que não se encontram em Mateus ou Lucas. Isso parece provar que tanto Mateus quanto Lucas usaram o evangelho de Marcos como fonte. [5]
No entanto, por que quatro evangelhos? Nós temos quatro evangelhos, porque cada um foi escrito a um público diferente. [6] Mateus foi escrito para os judeus e apresentou Jesus como o rei. Marcos escreveu para os romanos e apresentou Jesus como servo. Lucas escreveu para os gregos e apresentou Jesus como o homem perfeito. João escreveu um evangelho universal e apresentou Jesus como Deus, o verbo encarnado. Assim, os evangelhos foram endereçados a pessoas diferentes e com propósitos diversos.
O AUTOR DO EVANGELHO DE MARCOS
Duas coisas nos chamam a atenção:
A primeira é a identidade de Marcos descrita nas Escrituras. O nome completo do autor desse evangelho é João Marcos, sendo que João é seu nome hebraico e Marcos seu nome romano.
Temos várias informações importantes sobre esse personagem nas Escrituras:
Em primeiro lugar, Marcos era filho de Maria, uma cristã que hospedava cristãos em sua casa (At 12.12). Isso significa que João Marcos procedia de uma família aquinhoada de bens materiais e tinha familiaridade com a igreja, desde sua juventude.
Em segundo lugar, Marcos participou da primeira viagem missionária de Paulo e Barnabé (At 12.25). Ele saiu de Jerusalém com Paulo e Barnabé e foi morar em Antioquia da Síria, de onde saiu com eles para a primeira viagem missionária na região da Galácia. João Marcos era um auxiliar hypẽrtẽs de Barnabé e Saulo nessa primeira viagem missionária (At 13.5).
Em terceiro lugar, Marcos desistiu da primeira viagem missionária no meio do caminho (At 13.13). Não sabemos precisamente as razões que levaram Marcos a desertar dessa viagem. Elencamos três sugestões: Paulo decidiu largar a região costeira e ir para o interior, onde os perigos eram imensos; Paulo passou a ocupar a liderança da viagem, até então ocupada por Barnabé; a insegurança característica de sua própria juventude e inexperiência.
Em quarto lugar, Marcos é rejeitado por Paulo na segunda viagem missionária (At 15.37-40). A rejeição de Paulo ao ingresso do jovem Marcos na segunda viagem missionária teve repercussões profundas na agenda missionária da Igreja e no relacionamento dos dois grandes líderes Paulo e Barnabé. Houve tal desavença entre eles, que Barnabé deixou Paulo e partiu para uma nova frente missionária, levando consigo a Marcos para Chipre, sua terra natal.
Em quinto lugar, Marcos era primo de Barnabé (Cl 4.10). Esse fato revela que a família de Marcos era abastada. Sua mãe tinha uma casa que servia de lugar de encontro da Igreja primitiva e Barnabé era homem de posses (At 4.37). Isso também lança uma luz sobre o fato de que Barnabé, além de sua característica de consolador, não desamparou a Marcos, quando este foi barrado por Paulo no seu intento de participar da segunda viagem missionária.
Em sexto lugar, Marcos esteve preso com Paulo em Roma (Cl 4.10). Marcos tornou-se um grande líder cristão do século 1. Jerônimo disse que ele foi ao Egito e ali plantou a igreja de Alexandria.[7] Agora, ele está preso em Roma, com Paulo, durante a sua primeira prisão.
Em sétimo lugar, Marcos tornou-se um cooperador de Paulo (Fm 24). A Carta a Filemom foi escrita no interregno entre a primeira e a segunda prisão de Paulo em Roma. Paulo destaca que nesse tempo Marcos era seu cooperador.
Em oitavo lugar, Marcos foi chamado por Paulo para assisti-lo no final da sua vida (2Tm 4.11). Marcos estava em Éfeso quando Paulo foi preso pela segunda vez. Agora, Paulo está num calabouço romano, aguardando o seu martírio. Paulo reconhece que o mesmo jovem que ele dispensara no passado agora lhe é útil e deseja tê-lo como seu cooperador no momento final da sua vida. Isso nos prova a mudança de conduta de Paulo bem como sua mudança de conceito acerca de Marcos.
Em nono lugar, Marcos era considerado um filho de Pedro na fé (1Pe 5.13). Marcos teve um estreito relacionamento com Pedro. O apóstolo o chama “meu filho”. Possivelmente o próprio Pedro o tenha levado a Cristo e seja seu pai na fé. Quando Pedro foi solto da prisão, foi para a casa de Maria, mãe de Marcos, onde a igreja estava reunida.
Em décimo lugar, Marcos é apontado pela maioria dos estudiosos como o jovem que se vestiu com um lençol para ver Jesus (Mc 14.51,52). Nesse tempo esse jovem era apenas um seguidor casual de Cristo. Era apenas um espectador curioso que queria acompanhar o desenrolar da prisão do rabi da Galiléia, mas estava inadequadamente vestido no meio da multidão. Ao ser agarrado pela soldadesca que prendia a Jesus, fugiu desnudo.
A segunda coisa que nos chama a atenção é que Marcos é considerado o autor do Evangelho que leva o seu nome. Embora Marcos não tenha sido um discípulo de Cristo, seguramente presenciou muitos fatos da sua vida, visto que morava em Jerusalém e sua casa tornou-se um ponto de encontro da igreja.
Os pais da Igreja, unanimemente aceitaram a autoria de Marcos deste evangelho.8[8] Papias, um dos pais da Igreja do começo do século 2, afirma que o evangelho de Marcos é a compilação do testemunho pessoal de Pedro acerca da vida e ministério de Cristo. Marcos não foi discípulo de Cristo, mas de Pedro. De acordo com Papias, Marcos foi o hermẽneutẽs (intérprete) de Pedro.[9] William Hendriksen diz que não temos nenhuma razão para rejeitar a tradição de que Marcos foi, essencialmente, o “intérprete” de Pedro, pois o conteúdo do livro confirma essa conclusão.[10] Esse relato de Papias, que aparece em uma obra de Eusébio, bispo de Cesaréia, autor da primeira grande História da Igreja,[11] no século 4, é o mais antigo registro da autoria de Marcos.
Marcos, que foi o intérprete de Pedro, escreveu acuradamente tudo o que ele relembrou, tanto sobre o que Cristo disse quanto o que Cristo fez, porém não em ordem. Embora Marcos não tenha ouvido nem acompanhado o Senhor, mais tarde acompanhou Pedro, de quem recebeu todas as informações, de tal maneira que ele não cometeu nenhum engano em seu relato, não omitindo nada do que ouviu nem acrescentando qualquer falsa afirmação acerca do que recebeu.[12]
Outros pais da Igreja, incluindo Justino, o mártir, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes e Eusébio, confirmam Marcos como o autor desse evangelho.[13] Também associam o evangelho de Marcos com o testemunho do apóstolo Pedro.[14] Irineu, outro pai da Igreja, afirma: “Depois da morte de Pedro e Paulo, também Marcos, discípulo e intérprete de Pedro, nos legou por escrito as coisas que foram pregadas por Pedro”.[15] Marcos é o mais aramaico dos evangelhos, o que evidencia ser um relato da palavra falada de Pedro. O esboço desse evangelho, ainda está afinado com o conteúdo do evangelho pregado por Pedro na casa de Cornélio (At 10).[16]
A DATA E O LOCAL EM QUE O EVANGELHO FOI ESCRITO
Robert Gundry afirma que Marcos foi o primeiro evangelho a ser escrito.[17] Não existe um consenso unânime acerca da data da sua redação; entretanto, ele deve ter sido escrito entre 55 e 70 d.C, ou seja, antes da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., uma vez que ele não faz qualquer menção desse fato predito por Jesus (13.1-23). Jerusalém foi destruída pelo exército romano sob a liderança de Tito, depois de 143 dias de cerco. Durante essa batalha, seiscentos mil judeus foram mortos e milhares levados cativos.
Irineu e outros pais da Igreja defenderam a tese de que Marcos foi escrito depois do martírio de Pedro e Paulo. Contudo, essa posição contraria a tese de alguns estudiosos que afirmam que Marcos foi o primeiro evangelho que foi escrito sendo a fonte primária dos demais.[18]
O local onde Marcos escreveu o seu evangelho é Roma, uma vez que Marcos está presente com Paulo em sua primeira prisão e é chamado para estar com ele em sua segunda prisão.
Nesse tempo, Roma era a maior cidade do mundo, com mais de um milhão de habitantes[19] e Nero era o imperador. Ele começou a reinar em 54 d.C. com a idade de 16 anos. Os primeiros anos de seu reinado foram de relativa paz e, por isso, por volta do ano 60 d.C. Paulo apelou para ser julgado em Roma (At 25.10,11).
Na primeira prisão de Paulo, ele tinha liberdade de pregar aos líderes judeus (At 28.17-28), bem como a todas as pessoas que o procuravam (At 28.30,31), inclusive à própria guarda pretoriana (Fp 1.13; 4.22). Depois dessa primeira prisão, Paulo foi solto. Mas no ano 64 d.C. Nero pôs fogo em Roma e colocou a culpa nos cristãos. Doravante, uma perseguição sangrenta foi iniciada contra os cristãos. Eles foram queimados vivos, enrolados em peles de animais para os cães morderem, pisoteados por touros, devorados pelos leões esfaimados e passados ao fio da espada.
Nesse tempo de terrível perseguição Paulo foi novamente preso, possivelmente em Nicópolis, onde ele intentava passar o inverno (Tt 3.12). Transferido para Roma, Paulo foi colocado numa masmorra, no calabouço Marmetine, no centro de Roma, perto do fórum.[20] Nesse tempo, Marcos não estava em Roma, visto que Paulo pede a Timóteo para trazê-lo consigo (2Tm 4.11).
PARA QUEM MARCOS ESCREVEU O EVANGELHO
PARA QUEM MARCOS ESCREVEU O EVANGELHO
O consenso geral entre os estudiosos é que Marcos foi escrito de Roma para os cristãos que viviam em Roma.[21] Segundo William Hendriksen, Marcos foi escrito para satisfazer o pedido urgente do povo de Roma por um resumo dos ensinos de Pedro.[22]
As evidências podem ser destacadas como seguem:
Em primeiro lugar, Marcos enfatiza mais as obras de Cristo que os seus ensinos. Warren Wiersbe diz que o fato de Marcos ter escrito com os romanos em mente ajuda-nos entender seu estilo e abordagem. A ênfase nesse evangelho é sobre atividade.[23] Os romanos estavam mais interessados em ação que em palavras, por isso Marcos descreve mais os milagres de Cristo que os seus ensinos. Marcos registra dezoito milagres e apenas quatro parábolas. O termo que liga como elo os acontecimentos é a palavra imediatamente. Jesus está sempre se movendo de uma ação para outra. Ele está curando os cegos, limpando os leprosos, levantando os paralíticos, libertando os possessos, acalmando a tempestade, levantando os mortos. Graham Twelftree nessa mesma linha de pensamento afirma que Marcos é mais um evangelho de ação que de ensino. As coisas acontecem logo ou imediatamente – uma das expressões favoritas de Marcos. Marcos só tem dois discursos, um é sobre as parábolas do Reino (4.1-33), e o outro é escatológico (13.1-37). Há muitos milagres. Combinados com sumários de cura, essas unidades compreendem um terço do evangelho e quase metade dos primeiros dez capítulos.[24]
Em segundo lugar, Marcos apresenta Jesus como servo. Por esta causa o evangelho de Marcos não se inicia com genealogia. Os romanos não estavam interessados em genealogia, mas em ação. Um servo não tem genealogia. Jesus apresenta-se como aquele que veio para servir e não para ser servido (Mc 10.45).
Em terceiro lugar, Marcos se detém em explicar os termos judaicos aos seus leitores. Quando Jesus ressuscitou a filha de Jairo, a tomou pela mão e lhe disse: “Talita cume”, que quer dizer: “Menina eu te mando, levanta-te”.
Em quarto lugar, Marcos preocupou-se em explicar os costumes judaicos. Em várias ocasiões, ele explica os costumes judaicos para seus leitores (7.3,4; 7.11; 14.12).
Em quinto lugar, Marcos usou várias palavras latinas. Isso pode ser constatado observando alguns textos (5.9; 12.15, 42; 15.16, 39).
Em sexto lugar, Marcos foi o evangelista que menos citou o Antigo Testamento. Ele, por exemplo, não cita em seu evangelho o termo “lei”.
Em sétimo lugar, Marcos usou a contagem de tempo romano. Podemos constatar isso em (6.48; 13.35). Portanto, todas as evidências nos indicam que Marcos escreveu esse evangelho para os romanos.
A SITUAÇÃO DE ROMA NO SÉCULO 1
Quando o imperador Augusto morreu, no ano 14 d.C., Roma era uma cidade esplêndida. Ele chegou a gabar-se que tinha herdado uma cidade de barro e feito dela uma cidade de mármore.[25] A capital do império tinha cerca de um milhão de habitantes e hospedava várias culturas, povos e religiões. O porto de Roma, Óstia, tornou-se o centro do comércio mundial. Havia uma riqueza ostensiva na cidade de Roma. Construções monumentais eram erguidas e o luxo dos ricos era exorbitante. Ao mesmo tempo, havia também uma extrema pobreza e miséria. Os navios despejavam seus produtos por intermédio dos braços surrados dos escravos. Na cidade, prevaleciam a corrupção, a anarquia e a decadência moral. A bebedeira e a orgia faziam subir um mau cheiro repugnante da reluzente metrópole (Rm 13.11-14). Foi para essa cidade enfeitiçada pelo prazer que Marcos escreveu o seu evangelho.
Nessa cidade do prazer e do luxo, uma igreja foi plantada. Essa igreja foi duramente perseguida a partir do ano 64 d.C. Os cristãos eram queimados vivos, lançados nas arenas para serem pisoteados pelos touros, enrolados em peles de animais para serem devorados pelos cães raivosos.[26] Foi para essa igreja mártir que Marcos escreveu seu evangelho. Havia martírios atrás de si e à sua frente.
AS CARACTERÍSTICAS DISTINTIVAS DO EVANGELHO DE MARCOS
O evangelho de Marcos tem algumas características peculiares:
Em primeiro lugar, Marcos é totalmente kerigmático em sua ênfase.[27] O livro começa focando o cerne da sua mensagem: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1.1). Jesus apresenta-se nesse evangelho como pregador (1.14, 15; 1.38, 39). Por essa mensagem deve-se dar a vida (8.35; 10.29). Essa mensagem deve ser pregada ao mundo inteiro (13.10; 14.9; 16.15).
Em segundo lugar, Marcos enfatiza a popularidade do ministério de Jesus. Quando Jesus ensinava e por onde andava, as multidões se reuniam ao seu redor (1.33, 45; 2.2,13,15; 3.7,9,20; 4.1,36; 5.21,24,31; 6.34; 8.1; 9.15,25; 10.1,46).
Em terceiro lugar, Marcos enfatiza a questão da identidade de Jesus.[28] O Pai lhe disse: “Tu és meu Filho amado” (1.11; 9.7). Seus discípulos perguntaram: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” (4.41). Seus contemporâneos interrogavam: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?” (6.3). Herodes pensa que ele é João Batista que ressuscitou. Outros: Ele é Elias, que voltou. Ainda outros: É um profeta! (6.15; 8.28). Os demônios confessam: “Tu és o santo de Deus” ou “Filho de Deus” (1.24; 3.11; 5.7). Seus parentes dizem: “Está fora de si” (3.21). Os rabinos dizem: “Está possesso” (3.22,30). Pedro confessa: “Tu és o Cristo” (8.29). Para Bartimeu ele é o Filho de Davi (10.47). Até Judas o identifica: “É esse!” (14.44). Caifás pergunta oficialmente: “És tu o Cristo?”, e Pilatos: “És tu o rei dos judeus?” (14.61 e 15.2) e recebem a resposta: “Eu o sou”, “Tu o dizes!” (14.62; 15.2). O comandante ao pé da cruz confessa: “Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus!” (15.39). Na manhã da Páscoa, os mensageiros celestiais dizem: “Ele ressuscitou” (16.6).
Em quarto lugar, Marcos é o evangelho da ação. Jesus é apresentado nesse evangelho como servo que está sempre em atividade. Marcos descreve Cristo, sempre ocupado, se deslocando de um lugar para outro, curando, libertando, pregando e ensinando as pessoas. As obras de Cristo têm mais ênfase que as suas palavras. Marcos contém somente uma parábola que não é encontrada em nenhum outro evangelho (4.26-29), enquanto Lucas tem dezoito parábolas que lhe são peculiares. Entre os seis grandes discursos de Mateus, somente um, o das últimas coisas (Mt 24 e Mc 13), acha-se igualmente relatado em Marcos, e mesmo assim, de forma resumida.[29] Movimento é mais fascinante que o discurso.[30] O advérbio euthys (imediatamente, logo, então) ocorre mais de quarenta vezes em Marcos.[31] Marcos descreve Jesus como um rei ativo, energético, que se move rapidamente como um conquistador vitorioso sobre as forças da natureza, da doença, dos demônios e da morte.
Em quinto lugar, Marcos apresenta Jesus como Filho de Deus. Jesus disse ao povo, para os discípulos, para os líderes religiosos e para os opositores que ele era o Filho de Deus. Ele demonstrou seu poder para perdoar, curar, libertar e deter as forças da natureza. Ele provou ser o Filho de Deus rompendo os grilhões da morte e saindo da sepultura.[32]
Em sexto lugar, Marcos apresenta Jesus como servo. A mais espantosa mensagem de Marcos é que o Filho de Deus veio para ser servo. Aquele que é perfeitamente Deus, também é perfeitamente homem. O Messias entrou na História não para conquistar os reinos do mundo com espada, mas para servir os homens, aliviar suas aflições, curar suas enfermidades, levantar os caídos, morrer na cruz para a remissão de seus pecados. Como servo, Jesus foi tentado, falsamente acusado, perseguido, ferido, cuspido, ultrajado, pregado na cruz.[33]
Em sétimo lugar, Marcos apresenta Jesus como aquele que tem poder para operar milagres. Marcos enfatiza mais os milagres de Cristo do que seus sermões. Em cada capítulo do evangelho até seu ministério final em Jerusalém, há pelos menos o registro de um milagre. Ele realizou milagres para demonstrar sua compaixão pelas pessoas (1.41,42), para convencer as pessoas acerca de quem Ele era (2.1-12) e para ensinar os discípulos acerca da sua verdadeira identidade como Deus (8.14-21).
Em oitavo lugar, Marcos enfatiza o sofrimento de Cristo. Nenhum outro evangelho deu tanta ênfase à paixão de Cristo quanto Marcos.
Adolf Pohl registra esse fato de forma resumida:
Jesus entra em cena de repente, sem que se diga uma só palavra sobre sua infância, juventude e vida adulta. Já no começo do capítulo 2 aparece a acusação de blasfêmia, cuja pena é a morte (2.7). No começo do capítulo 3 sua morte já está decidida (3.6). Na seqüência, um grupo após o outro o condena: os parentes (3.21), os teólogos (3.22), o povo (4.12), os gentios (5.17), a cidade natal (6.3), o rei (6.14s.) e os religiosos (7.5). O anúncio da própria morte de Jesus ocupa neste livro a posição central como nenhum outro assunto (8.31; 9.31; 10.33s.) [...] Os dias finais em Jerusalém ocupam um espaço superdimensionado (a partir do capítulo 11), mais ou menos um terço do livro. A ressurreição é descrita em poucos versículos (16.1-8).[34]
A MENSAGEM CENTRAL DO EVANGELHO DE MARCOS (1.1)
O primeiro versículo desse evangelho é tanto o título do livro quanto a síntese do seu conteúdo.[35] Ele traz a sua mensagem central. Alguns comentaristas como William Hendriksen relacionam a palavra “princípio” com a atuação de João Batista nos versículos seguintes,[36] mas a melhor compreensão é que Marcos está introduzindo o conteúdo de todo o evangelho.[37]
J. Vernon McGee diz que há três começos mencionados na Bíblia: Primeiro, no princípio era o verbo (Jo 1.1). Esse princípio está antes do tempo, no bojo da eternidade. Ele não pode ser datado. Segundo, no princípio criou Deus os céus e a terra (Gn 1.1). Esse começo é quando nos movemos da eternidade para o tempo. Nenhum estudioso conseguiu precisamente datar esse princípio, embora ele esteja dentro do tempo. Terceiro, princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1.1). Esse princípio começa quando Jesus Cristo se fez carne. Jesus Cristo é o evangelho. Esse princípio pode ser datado.[38] Marcos fala do princípio do evangelho, porque o evangelho estende-se à obra de Cristo por meio do seu Espírito e sua Igreja, conforme o ensino de Atos 1.1.
A parte mais importante do evangelho não é o que nós devemos fazer, mas o que Deus fez por nós em Cristo. O evangelho não é discussão nem debate, mas uma proclamação. O evangelho está centralizado na pessoa de Jesus Cristo. O conteúdo do evangelho é Jesus Cristo: sua vida, obra, morte, ressurreição, governo e segunda vinda.
James Hastings diz que Cristo criou o evangelho pela sua obra; Ele pregou o evangelho pelas suas palavras, mas Ele é o próprio evangelho.[39]
Como Marcos escreveu seu evangelho para os romanos, que davam grande importância à concisão, vai direto ao assunto e já no primeiro versículo destaca o título pleno do Senhor, que abarca sua humanidade, sua missão redentora e sua divindade.[40] Ele é plenamente homem (Jesus). Ele é o ungido de Deus (Cristo). Ele é plenamente divino (Filho de Deus).
Marcos iniciou sua mensagem, revelando-nos a essência do evangelho. Sem essa gloriosa doutrina, diz John Charles Ryle, não teremos nada sólido debaixo dos nossos pés. Nossos corações são fracos, nossos pecados são muitos. Nós precisamos de um redentor que seja capaz de salvar completamente e libertar-nos da ira vindoura. Nós temos esse salvador em Jesus Cristo. Ele é o Deus forte (Is 9.6).[41]
LOPES, Hernandes Dias. Marcos: O Evangelho dos Milagres. São Paulo: Hagnos, 2006, p. 13-28
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1 Barclay, William, Marcos. Editorial La Aurora. Buenos Aires 1974, p. 11.
2 Bock, Darrell L, Jesus segundo as Escrituras. Shedd Publicações, São Paulo, SP, 2006: p. 28.
3 McGee, J. Vernon, Mark. Thomas Nelson Publishers. Nashville, Atlanta, 1991: p. vii.
4 Barclay, William, Marcos, 1974: p. 11.
5 Barclay, William, Marcos, 1974: p. 12.
6 McGee, J. Vernon, Mark, 1991: p. viii.
7 Harrison, Everett, Introdución al Nuevo Testamento. TELL. Grand Rapids, Michigan. 1980: p. 177; William Barclay. Marcos, 1974: p. 13.
8 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark. Tyndale House Publishers. Wheaton, Illinois, 1994: p. xii.
9 Gunthrie, Donald, New Testament Introduction, 1990: p. 83.
10 Hendriksen, William, Marcos. Editora Cultura Cristã. São Paulo, SP, 2003: p. 24.
11 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos. Editora Evangélica Esperança. Curitiba, PR, 1998: p. 19.
12 Eusebius, Ecclesiastical History III: p. 39.
13 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. xii.
14 Gundry, Robert H, Panorama do Novo Testamento. Edições Vida Nova. São Paulo, SP, 1978: p. 86.
15 Contra as heresias III. i.1.
16 Harrison, Everett, Introdución al Nuevo Testamento. TELL. Grand Rapids, Michigan, 1980: p. 177.
17 Gundry, Robert H, Panorama do Novo Testamento. Edições Vida Nova. São Paulo, SP, 1978: p. 85.
18 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. xiii.
19 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. xiii, xiv.
20 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. xvi, xvii.
21 Guthrie, Donald, New Testament Introduction, 1990: p. 73,74; Bruce B. Barton et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. xvi.
22 Hendriksen, William, Marcos. Editora Cultura Cristã. São Paulo, SP, 2003: p. 28,29.
23 Wiersbe, Warren, Be Diligent. Victor Books. Wheaton, Illinois, 1987: p. 10.
24 Twelftree, Graham H, Jesus the Miracle Worker: A Historical and Theological Study. Downers Grove. Illinois. InterVarsity, 1999: p. 57.
25 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos. Editora Evangélica Esperança. Curitiba, PR, 1998: p. 27,28.
26 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos, 1998: p. 29.
27 Harrison, Everett, Introdución al Nuevo Testamento, 1980: p. 181.
28 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos, 1998: p. 33.
29 Hendriksen, William, Marcos. Editora Cultura Cristã. São Paulo, SP, 2003: p. 31-32.
30 Guthrie, Donald, New Testament Introduction. Interversity Press. Downers Grove. Illinois, 1990: p. 61.
31 Harrison, Everett, Introdución al Nuevo Testamento, 1980: p. 182.
32 1.1,9-11,21-34; 2.1-12,23-28; 3.7-12; 4.35-41; 5.1-20; 8.27-31; 9.1-13; 10.46-52; 11.1-19; 13.24-37; 14.32-42,60-65; 16.1-8.
33 1.40-45; 3.1-12; 7.31-37; 8.22-26, 34-38; 9.33-50; 10.13-45; 12.38-44; 14.17-26,32-50; 15.1-5,12-47.
34 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos, 1998: p. 34.
35 Barton, Bruce B, et all. Life Application Bible Commentary – Mark, 1994: p. 1.
36 Hendriksen, William, Marcos, 2003: p. 49.
37 Pohl, Adolf, Evangelho de Marcos, 1998: p. 41.
38 McGee, J. Vernon, Mark, 1991: p. 18.
39 Hastings, James, The Great Texts of the Bible. St. Mark Vol. IX. Erdmans Publishing Company. Grand Rapids, Michigan. N.d.: p. 17.
40 Trenchard, Ernesto, Una exposición del Evangelio según Marcos. ELB. Madrid, 1971: p. 12.
41 Ryle, John Charles, Mark. Crossway Books. Wheaton. Illinois, 1993: p. 2.
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