A obra de George em sua sexta impressão é
muito bem-vinda. Publicada originalmente em inglês (Theology of the Reformers,
1988) foi traduzida e publicada em português em 1994. De lá para cá saíram oito
reimpressões, sendo que tenho em mãos a que creio ser a mais recente, de 2013.
A obra é preciosa. George, que tem mestrado e
doutorado em teologia em Harvard, é um teólogo de tradição batista com profunda
convicção calvinista (seus filhos que o digam, p. 13). Entre outras atividades
acadêmicas ele é diretor-fundador e professor de teologia da Beeson Divinity
School, sendo o atual deão (http://www.beesondivinity.com/fromthedean).
Além disso, sua obra é agradável de ser lida.
O autor concilia erudição e simplicidade, sendo bastante didático em sua
apresentação. É o resultado aperfeiçoado de palestras ministradas e textos
publicados ao longo de seu ministério. Ele pôde reunir todo o material e
ampliá-lo significativamente durante o ano que permaneceu de licença na Suíça
(p. 12).
Após fazer considerações esclarecedoras sobre
a Idade Média como uma época carente de Deus, estando os fiéis angustiados,
“sedentos por Deus”, George analisa alguns dos personagens basilares da Reforma
que representam tradições distintas, dedicando um capítulo aos pontos mais
relevantes da teologia de cada um (Lutero, Zuínglio, Calvino, Simons). Ele
termina sua jornada com um capitulo sobre “A validade permanente da Reforma”
destacando alguns pontos: Soberania e Cristologia, Escrituras e Eclesiologia,
Culto e Espiritualidade e Ética e Escatologia.
George buscou o equilíbrio na avaliação dos
personagens da Reforma, propondo-se a não “canonizar os reformadores”,
ilustrando falhas de cada um. Contudo, seu entusiasmo por esses homens é
compreensível: “... o que é notável nos reformadores é que, apesar de seus
pontos fracos, pecados e setores cegos, eles foram capazes de apreender com
muita perspicuidade o caráter paradoxal da condição humana e a grande
possibilidade de redenção humana mediante Jesus Cristo” (p. 12). Daí o seu
desafio para que os ouçamos (p. 12).
O seu propósito não é apologético (p. 15-23).
Seguindo o modelo de Ranke[1], propõe-se a um uso
“escrupuloso das fontes” (p. 17), ainda que reconheça, corretamente, que uma
história completamente objetiva não pode ser escrita. “A história nunca é o
simples recontar do passado como realmente foi. É, inevitavelmente, uma
interpretação do passado, uma visão retrospectiva do passado limitada tanto
pelas fontes em si quanto pelo historiador que as seleciona e interpreta” (p.
17).[2] Ele se vale com habilidade
de fontes primárias e secundárias. No final de cada capítulo apresenta uma útil
bibliografia selecionada e comentada.
Ainda que sustente que a Reforma foi um
movimento essencialmente religioso (p. 20), admite que ela foi “uma era de
transição, caracterizada pelo surgimento de um novo tipo de cultura que estava
se esforçando para nascer enquanto o velho tipo de cultura ainda estava
morrendo” (p. 19). No entanto, foi “a um tempo reavivamento e revolução” (p.
21).
O autor observa corretamente que, “embora
acolhessem entusiasticamente os esforços dos eruditos humanistas, tais como
Erasmo, por recuperar o primeiro texto bíblico e submetê-lo a uma rigorosa
análise filológica, [os reformadores] não viam a Bíblia meramente como um livro
entre muitos outros. Eles eram irrestritos em sua aceitação da Bíblia como a
única e divinamente inspirada Palavra do Senhor” (p. 312). Os reformadores
foram “grandes exegetas das Escrituras Sagradas” (p. 313).
O humanismo, mesmo sendo útil à Reforma,
jamais chegou ao cerne da questão vital que distanciava a igreja de sua origem
e propósito: “A despeito da importância da importância do humanismo como uma
preparação para a Reforma, a maioria dos humanistas, e principalmente Erasmo
entre eles, nunca alcançou nem a gravidade da condição humana, nem o triunfo da
graça divina, o que marcou os reformadores. O humanismo, assim como o
misticismo, foi parte da estrutura que possibilitou aos reformadores questionar
certas suposições da tradição recebida, mas que em si mesma não era suficiente
para fornecer uma resposta duradoura às obsessivas perguntas da época” (p. 50).
A Reforma foi um movimento progressista: “Apesar
de toda sua ênfase no retorno à igreja primitiva do Novo Testamento e da época
patrística, a Reforma consistiu essencialmente num movimento visando ao futuro.
Foi um movimento dos ‘últimos dias’, vivido numa forte tensão escatológica
entre o ‘não mais’ da antiga dispensação e o ‘ainda não’ do reino perfeito de
Deus” (p. 319).
A Reforma, no entanto, não foi autogerada;
antes, digamos, foi o movimento que teve êxito numa sucessão de tentativas frustradas
ao longo dos séculos: “A reforma do século XVI, portanto, foi uma
continuação da busca pela igreja verdadeira que havia começado muito antes que
Lutero, Calvino ou os padres de Trento entrassem na lista (p. 34).
Desde a primeira edição, a Editora Vida Nova
fez um trabalho cuidadoso de tradução e edição, apresentando um índice remissivo
de grande importância, ainda mais em livros como este, com grande riqueza de
informações.
A obra é recomendável. Depois da sua leitura,
por sua relevante amostragem, o pensamento da Reforma lhe parecerá muito mais
claro e significativo. Deste modo, poderá ser compreendido como e por que a
cosmovisão da Reforma partindo das Escrituras mudou a história do Ocidente,
colocando, no dizer de Machen, “o mundo em chamas”.[3]
GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores.
São Paulo: Vida Nova, 2013. 339p
RESENHA de autoria do Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa.
[1]
Leopold Von
Ranke (1795-1886), historiador alemão de tradição luterana.
[2] Para uma visão
mais ampla desta questão, ver: COSTA, Hermisten M. P. Raízes da teologia contemporânea.
São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 16-26.
[3]
MACHEN, J.
Gresham. Cristianismo e liberalismo. São Paulo: Os Puritanos, 2001, p.
83.
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