domingo, 30 de abril de 2017

INTRODUÇÃO A TEOLOGIA SISTEMÁTICA [Aula ministrada no Centro de Estudos da Reforma]


TEOLOGIA SISTEMÁTICA [1]

O que é a teologia sistemática? A teologia sistemática é uma elaboração da cosmovisão cristã baseada na Bíblia. Nem todos os aspectos da cosmovisão cristã serão desenvolvidos neste estudo, mas os temas principais sim. No contexto da fé cristã, a teologia não é o estudo de Deus como algo abstrato, mas é o estudo do Deus pessoal revelado na Bíblia. Necessariamente isso inclui tudo o que é revelado sobre Deus, suas obras e relações com as criaturas. O estudo da teologia é diferente do estudo da religião. O estudo da religião inclui todas as religiões mundiais e seitas, e usa várias metodologias: sociologia, antropologia, história, psicologia, etc. A teologia é mais especializada, sendo ela o estudo das doutrinas ou temas que os adeptos de uma determinada religião crêem.


DEFINIÇÕES DE TEOLOGIA SISTEMÁTICA

À luz deste processo, podemos agora definir a teologia sistemática.

Charles Hodge escreveu: “E importante que o teólogo conheça seu lugar. Ele não é senhor da situação. Ele não pode construir um sistema teológico com vistas a adequar sua fantasia, mais do que o astrônomo não pode ajustar o mecanismo dos céus segundo sua própria vontade. Como os fatos da astronomia se organizam em determinada ordem, e não admitirão nenhuma outra, assim se passa com os fatos da teologia. Teologia, portanto, é a exposição dos fatos da Escritura em sua ordem própria e relação, com os princípios ou verdades gerais envolvidos nos próprios fatos, os quais complementam e se harmonizam como um todo. [2]

Herman Bavinck apresenta a seguinte definição: “A teologia é a ciência que extrai o conhecimento de Deus de sua revelação, que estuda e pensa sobre ela sob a orientação do Espírito Santo e então, tenta descrevê-la de forma a honrar a Deus.” [3]

Wayne Grudem afirma: “Teologia sistemática é qualquer estudo que responda à pergunta ‘O que a Bíblia como um todo nos ensina hoje?’ acerca de qualquer tópico.”[4]

A definição de John Hammett é muito boa porque expressa os vários elementos da tarefa da teologia sistemática: “Teologia sistemática é aquela disciplina que tenta dar uma exposição coerente das doutrinas da fé cristã, baseada principalmente nas Escrituras, falando às perguntas e questões da cultura e época em que ela existe, com aplicação à vida pessoal do teólogo e outros.” [5]


Há alguns aspectos importantes nesta definição:

(1) A teologia sistemática deve oferecer uma exposição coerente: a tarefa da teologia sistemática é construir um sistema. A teologia sistemática trata das doutrinas da Bíblia, através do exame do que a Bíblia inteira diz sobre aquela doutrina. Também mostra como as doutrinas da Bíblia se relacionam logicamente. Então, a partir dos dados da Bíblia, uma cosmovisão é construída e comunicada. Esta cosmovisão abrange todas as áreas da vida que são tocadas pela própria Bíblia. Neste sentido, a teologia sistemática é uma teologia abrangente.

(2) Baseada nas Escrituras: a teologia sistemática procura ser abrangente, mas não vai além do que está dito na Bíblia. Pretende evitar a especulação, a não ser que o próprio teólogo admita que ele está fazendo especulação. Porém, o teólogo precisa evitar a tentação de atribuir às suas próprias especulações uma autoridade igual à Bíblia.

(3) A teologia sistemática sempre tem um alvo prático: embora precise tratar com questões abstratas e complicadas, O teólogo deve sempre mostrar a diferença que as suas conclusões fazem na vida cotidiana. Ela existe para que possamos conhecer, obedecer e amar a Deus melhor. Quem não faz teologia tendo em mente as necessidades do povo nos bancos da igreja não é um teólogo cristão de verdade. O fato de que quase todos os teólogos de maior influência na história da igreja também eram pastores é revelador.


O CREDO E A TEOLOGIA

As justificativas para a tarefa da teologia sistemática. Uma vez que o propósito da teologia é trabalhar com a verdade de Deus, o cristão nem deve precisar de outra justificativa além dessa. Portanto, queremos expor de forma simples e rápida, o Credo Apostólico. A palavra Credo, cujo significado – creio eu – refere-se ao ato pelo qual o homem reconhece e confessa a realidade e o conteúdo da sua fé – sua teologia. O histórico e precioso documento chamado “Credo dos Apóstolos”, tem sido conservado pelos cristãos, e ecoado através dos séculos como uma profissão de fé em que se define a doutrina base da Igreja base da igreja. No entanto, poucos têm emergido na profundidade doutrinária destas declarações, ou percebido o mundo teológico que as envolve, realçando razões, alicerce e o fundamento bíblico teológico que lhes dão suporte. [6] Na tabela abaixo temos o texto do credo, quais pressupostos cristãos são deduzidos dele e como influenciam a interpretação bíblica: [7]


Credo Apostólico [8]
Pressupostos cristãos
Influência sobre a leitura da Bíblia
Creio em Deus, o Pai onipotente, Criador do Céu e da Terra.
a. Deus é um ser infinito e pessoal, trino, que criou o homem à sua imagem, para se relacionar com ele.

b. Deus criou todas as coisas ex nihilo, e toda a criação é boa.

c. Deus ama aquilo que criou.

d. A ética é revelada, sua base não está no homem, mas em Deus.
a. O cristianismo é centrado em Deus; ênfase na soberania de Deus. A fé buscando entendimento.

b. Espiritualidade integral e culto integral. Toda a criação é boa.

c. Intimidade, não religiosidade. Sem que haja mérito em nós, Deus nos fez seus filhos. Isso coloca todos os cristãos em igualdade, exigindo humildade e amor para com o próximo em Cristo.

E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos, no terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus, está sentado à destra de Deus, o Pai onipotente, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

a. Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem.

b. Sua humilhação e exaltação ocorreram em nossa história.

c. Tanto a cruz quanto a ressurreição são elementos centrais da fé cristã
a. O sacrifício de Jesus é único e perfeito, capaz de aplacar a ira de Deus ante o pecado.

b. Os seres humanos foram criados bons, mas por causa da queda, a imagem de Deus tornou-se danificada: por meio da obra de Jesus Cristo, Deus redime seu povo eleito.
Creio no Espírito Santo,
na santa igreja católica [cristã], na comunhão dos santos, na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne e na vida eterna.
Amém.
a. A igreja é uma comunidade mantida e sustentada pelo Espírito Santo.

b. Para cada pessoa, a morte é a porta tanto para a vida com Deus e seu povo, como para a eterna separação do único que pode preencher nossas aspirações mais profundas.

c. Ressurreição: homem integral

d. Esperança escatológica

a. Por causa da queda, o homem não é mais o que foi um dia. Só elo Espírito Santo, a imagem de Deus no pecador pode ser restaurada.

b. Somos chamados para viver em comunidade.

c. A ressurreição exclui a reencamação: a morte não é o fim; ela representa uma porta para a eternidade: com Deus ou sem Deus.

d. A história é linear, uma seqüência significativa de eventos que ocorrem para o cumprimento dos propósitos de Deus para a criação: a volta em glória de Cristo.


Em conclusão, o estudo teológico deve ser produzido num ambiente de devoção e adoração. Bavinck disse: “O temor de Deus deve ser o elemento que inspira e anima a investigação teológica. Isso deve marcar a cadência da ciência. O teólogo é uma pessoa que se esforça para falar sobre Deus porque ele fala fora de Deus e por meio de Deus. Professar a teologia é fazer um trabalho santo. É realizar uma ministração sacerdotal na casa do Senhor. Isso é por si mesmo um serviço de culto, uma consagração da mente e do coração em honra ao Seu nome.[9]



[1] Aula de abertura do ano letivo no Centro de Estudos da Reforma ministrada pelo Prof. Antonio de Pádua em 06 de feveriro de 2017
[2] HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 14.
[3] BAVINCK, Herman. Teologia Sistemática. São Bernardo do Campo: SOCEP, 2001, p. 32
[4] GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 1
[5] HAMMETT, John S. Apostila para os alunos de teologia sistemática (Não publicada). Rio de Janeiro: Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, 1995, p. 1-2.
[6] MAIA, Hermisten. Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014.
[7] FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 20
[8] O Credo não foi escrito pelos 12 apóstolos, o nome se dá por seu conteúdo, pois ele expressa as verdades vitais e fundamentais da doutrina Apostólica. Há fragmentos dele encontrados no século II, mas a versão que usamos hoje foi completada em meados do século VI. A criação dele foi necessária à Igreja durante o seu grande avanço missionário global e consequente contato com outras culturas pagãs.
[9] BAVINCK, Herman. Teologia Sistemática. São Bernardo do Campo: SOCEP, 2001, p. 9

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