CALVINO,
João. O Mistério da Piedade. São Paulo: O Estandarte de Cristo, 2015.
A
piedade (pietas) é um dos principais temas da teologia de João Calvino. Sua
teologia é, como diz John T. McNeill, “sua piedade descrita extensamente”. Ele
estava determinado a restringir a teologia nos limites da piedade. Para
Calvino, a teologia lida antes de tudo com o conhecimento — conhecimento de
Deus e de nós mesmos — mas não há conhecimento verdadeiro onde não há piedade
verdadeira.
Para
Calvino, pietas designa a atitude correta do homem em relação a Deus,
que inclui verdadeiro conhecimento, adoração sincera, fé salvífica, temor
filial, submissão em oração e amor reverente. Saber quem e o que Deus é
(teologia) conduz a atitudes corretas para com ele e a fazer o que ele quer
(piedade). Calvino escreve: “Eu chamo de ‘piedade’ aquela reverência unida ao
amor a Deus que o conhecimento dos seus benefícios induz”. Esse amor e
reverência por Deus é um correspondente necessário a qualquer conhecimento dele
e envolve toda a vida. Calvino diz: “Toda a vida dos cristãos deve ser uma
espécie de prática de piedade”.
O
objetivo da piedade, assim como de toda a vida cristã, é a glória de Deus –
glória que brilha nos atributos de Deus, na estrutura do mundo e na morte e
ressurreição de Jesus Cristo. Glorificar a Deus supera a salvação pessoal para
toda pessoa verdadeiramente piedosa. O homem piedoso, de acordo com Calvino,
confessa: “Nós somos de Deus: vivamos para ele e morramos por ele. Nós somos de
Deus: que a sua sabedoria e vontade, portanto, regulem todas as nossas ações.
Nós somos de Deus: que todas as partes da nossa vida, conformemente, se
esforcem por ele como nosso único objetivo lícito”.
Mas
como glorificamos a Deus? Como Calvino escreve: “Deus nos prescreveu um modo
pelo qual ele deseja ser glorificado por nós, a saber, a piedade, que consiste
na obediência à sua Palavra. Aquele que excede esses limites não honrará a
Deus, mas sim o desonrará”. A obediência envolve a entrega total ao próprio
Deus, à sua Palavra e à sua vontade.
Para
Calvino, a piedade é abrangente, tendo dimensões teológicas, eclesiológicas e práticas.
Teologicamente, a piedade só pode ser concretizada através da união e comunhão
com Cristo e participação nele, pois fora de Cristo até a pessoa mais religiosa
vive apenas para si. Somente em Cristo os piedosos podem viver como servos
voluntários do seu Senhor, soldados fiéis do seu Comandante e filhos obedientes
do seu Pai.
A
comunhão com Cristo é sempre o resultado da fé operada pelo Espírito, que une o
crente a Cristo por meio da Palavra, permitindo ao crente receber a Cristo como
ele é apresentado no evangelho e graciosamente oferecido pelo Pai. Pela fé, os
crentes se apossam de Cristo e crescem nele. Eles recebem de Cristo, por meio
da fé, a “graça dupla” da justificação e santificação, que juntas oferecem o
lavar da pureza imputada e real.
Eclesiologicamente,
para Calvino, a piedade é nutrida na igreja pela Palavra pregada, pelos santos
sacramentos e pelo canto dos Salmos. Os crentes cultivam a piedade pelo
Espírito através do ministério de ensino da igreja, progredindo da infância
espiritual para a juventude até a plena maturidade em Cristo.
A
pregação da Palavra é nosso alimento espiritual e nosso remédio para a saúde
espiritual, diz Calvino. Com a bênção do Espírito, os ministros são médicos
espirituais que aplicam a Palavra às nossas almas como os médicos deste mundo
aplicam o remédio aos nossos corpos.
Calvino
define os sacramentos como testemunhos “da graça divina para conosco,
confirmados por um sinal exterior, com mútuo atestado da nossa piedade para com
ele”. Sendo a Palavra visível, eles são “exercícios de piedade”. Os sacramentos
fortalecem a nossa fé, nos fazem agradecidos pela abundante graça de Deus e nos
ajudam a oferecermos a nós mesmos como sacrifícios vivos a Deus.
Calvino
considerava os Salmos como o manual canônico da piedade. Ele escreve: “Não há
outro livro no qual sejamos mais perfeitamente ensinados o modo correto de
louvar a Deus, ou no qual somos mais poderosamente excitados para a realização
desse exercício de piedade”. Com a direção do Espírito, o canto dos Salmos sintoniza
os corações dos crentes à glória.
Praticamente,
embora Calvino tenha visto a igreja como o berçário da piedade, também
enfatizou a necessidade da piedade pessoal. Para Calvino, tal piedade “é o
começo, o meio e o fim da vida cristã”. Ela envolve inúmeras dimensões práticas
para a vida cristã diária, com ênfase particular na oração sincera, no
arrependimento, na auto-negação, no carregar da cruz e na obediência.
Calvino
se esforçou para que ele mesmo vivesse a vida de pietas. Tendo provado a
bondade e a graça de Deus em Jesus Cristo, ele buscou a piedade procurando
conhecer e fazer a vontade de Deus todos os dias. Sua teologia e eclesiologia
se desenvolveram em piedade prática, sincera e cristocêntrica; piedade essa que
final e profundamente afetou e transformou a igreja, a sociedade e o mundo.
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Dicas
de Leitura
-
BEEKE, Joel. Vencendo o Mundo – 1ª Ed. [cap. 4]. São José dos Campos: Editora Fiel, 2009.
- COSTA, H. M. P. A piedade obediente de Calvino: Teologia e Vida. São Paulo: Mackenzie,
Revista Fides Reformata XIII, nº 1, p.71-86, 2008.
- CALVINO, João. Pastorais - Série Comentários
Bíblicos, Editora Fiel, 2009, pp. 162-169.
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