Li o livro e fiz várias anotações e fiquei de certa forma mais atencioso logo na introdução do livro, pelo modo como autor se expressa: “Neste livro, escrevo como um amador que se dirige a outro amador para falar sobre as dificuldades que encontrei ou sobre os pensamentos que me vieram à mente ao ler os salmos, na esperança de que isso possa, de algum modo, interessar outros leitores inexperientes ou, em alguns momentos, até mesmo ajudá-los” [p. 10].
Eu gosto de C. S. Lewis. Possuo muitos livros de C. S. Lewis e muita gente boa conhece C. S. Lewis. Sem dúvida, nenhum autor cristão do século XX tem sido mais amplamente lido sobre o assunto de apologética do que C. S. Lewis. Títulos como Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz, Cristianismo Puro e Simples, As Crônicas de Nárnia, O Grande Abismo, são amplamente lidos e celebrados. Essa é, certamente, uma verdade nos amplos círculos evangélicos, mas tem sido cada vez mais verdade nos círculos reformados. De fato, há muito de atraente em seu trabalho. Mais significativamente, ele parece ser uma respeitável voz contra a racionalista e naturalista maré do modernismo, encontrada vigorosamente pelos jovens nos Colégios, Faculdades e Universidades. Lewis oferece uma alternativa convincente para o desenfreado ceticismo e niilismo da nossa era. Contudo, mesmo com uma atitude amador, C. S. Lewis escreveu algumas coisas acerca do Livro de Salmos que merece a nossa atenção.
O livro está dividido em 11 capítulos e seus temas está de comum acordo com alguns assuntos que são descritos no livro de Salmos: juízo, maldições, morte, bondade do Senhor, palavra (leis), conivência, natureza e louvor. E o modo como ele escreve acerca de cada assunto, pode incomodar alguns leitores que não estão acostumado com C. S. Lewis. Não concordo com tudo que ele escreveu, contudo, ele mesmo advertiu que este livro não tratava de uma obra teológica, e sim, de um livro escrito por um amador em teologia, não faz nenhuma reivindicação de autoridade sobre o tema, e que quer apenas compartilhar observações sobre as dificuldades e o deleite ele tem experimentado lendo os Salmos. É importante lembrar que Lewis não era teólogo, mas um expert em crítica literária inglesa do período medieval.
Mas, vejamos bem algumas questões que são tratadas neste livro, ou seja, apenas dos três primeiros capítulos, quando ele os denominou de assuntos “menos atraentes”.
Capítulo 1. Juízo no livro de Salmos
Para o autor “os salmistas falam muito sobre os juízos de Deus” [p.18]. Ele estabelece uma diferença entre a forma como os judeus e os cristãos encaram o juízo de Deus. Ele afirma que: “Os judeus antigo, como nós, pensavam no juízo de Deus em termos de uma corte de justiça terrena. A diferença é que o cristão retrata o caso a ser julgado como uma causa criminal, com ele mesmo assentado no banco dos réus; o judeu, por sua vez, o apresenta como uma causa civil, na qual ele mesmo é o reclamante. Um espera não ser condenado, ou melhor, espera pelo perdão; o outro espera por um triunfo retumbante com grandes prejuízos para o inimigo. Por essa razão, ele clama: ‘Julga a minha disputa’ ou ‘Defende a minha causa’ (35.23).”
Juízo e Justiça de Deus andam juntos. O anúncio de juízo não só está presente no livro de Salmos, como também ocupa neles parte considerável. É dirigido contra indivíduos, grupos ou nações estrangeiras, mas sobretudo ao povo eleito, Israel ou Judá. Entendo que quando Lewis faz a diferença entre judeus [reclamante] e cristãos [réu], trata-se de uma questão contextual. Pois o reclamante hoje, pode ser o réu de amanhã. E outra realidade importante é que, ambos são réus perante Deus. Dezenas de passagens deixam isso claro. No Salmo 9, lemos que Deus julgará “o mundo com justiça” (v.8) porque “ele não ignora o clamor dos oprimidos” (v.12). Ele é “defensor [da causa] das viúvas” (68.5). O Rei bom em Salmos 72.2 julgará os povos com justiça, ou seja, ele defenderá os pobres. Quando Deus se levantar para julgar, ele o fará “´para salvar todos os oprimidos da terra” (76.9), todas as pessoas temerosas e indefesas cujas injustiças nunca foram corrigidas. Quando Deus acusa juízes terrenos de julgamento injusto, logo em seguida diz a eles que entendam que os pobres têm “direitos” (82.2-3). Isso inclui judeus e gentios.
Capítulo 2. As Maldições.
Aqui C. S. Lewis faz referência aos salmos imprecatórios. Ele escreve: “Em alguns salmos, o espírito de ódio com o qual nos defrontamos é como calor da boca de uma fornalha. Em outros, o mesmo espírito deixa de ser assustador e se torna (para as mentes modernas) quase cômico de tão ingênuo” [p.27-28]. Ele cita o Salmo 109, 137, 143. Mas, tenhamos paciência. O que ele pensa acerca dos salmos imprecatórios é comum a muitos cristãos, mas, ele conclui assim: “E se ainda acreditarmos que toda a Sagrada Escritura é “útil para o ensino” ou que o uso antigo dos salmos na adoração cristã não é totalmente contrário à vontade de Deus, e se lembrarmos que a mente e linguagem de nosso Senhor estão inseridas no Saltério, talvez tenhamos vontade de, se possível, fazer uso deles. Que uso é este? ” [p.29]
Na nossa Igreja, adotamos a Salmodia e cantamos os assim chamados Salmos imprecatórios que, como diz Johnston, “pedem que Deus destrua, arrase, e acabe completamente com os ímpios. É importante lembrar que cada um desses salmos emite ao Senhor um clamor por justiça que coloca o problema do mal nas mãos do Senhor e então aguarda a sua vingança”.[1] Esses salmos não expressam sentimentos não cristãos, como algumas pessoas alegam. Eles não são simples expressões de irritação ou ressentimento pessoas. Em vez disso, são um solene reconhecimento de que vivemos num mundo decaído entre pessoas que lutam contra Deus e seu Cristo e que o destino desse tipo de gente, se não se arrependerem, é tanto justo quanto certo. Em decorrência disso, nos Salmos imprecatórios nós não oramos pedindo vingança pessoal, mas pedimos a glória de Deus e o bem da igreja.
Capítulo 3. A Morte nos Salmos
Lewis escreve: “Parece bem claro que, na maior parte do Antigo Testamento há pouca ou nenhuma crença em uma vida futura; certamente nenhuma crença que tenha qualquer importância religiosa. A palavra traduzida por ‘alma’ em nossa versão dos salmos significa simplesmente ‘vida’; a palavra traduzida por ‘inferno’ significa apenas ‘a terra dos mortos’, a condição de todos os mortes, igualmente bons e maus, o sheol.” [p.43]. Ele chega a escrever que “não há nenhuma crença em qualquer tipo de estado futuro, qualquer que seja – um homem para quem os mortos estão simplesmente mortos e nada mais há de ser dito” [p.45].
“Em muitas passagens isso está bem claro para todo leitor atencioso, mesmo na nossa tradução. A mais clara de todas essas passagens é o grito dado em Salmos 89.47: ‘Lembra-te de como é passageira a minha vida. Terás criado em vão todos os homens?”. Todos nós terminamos em nada. Portanto, ‘o homem não passa de um sopro’ (39.5). Sábios e tolos têm o mesmo destino (49.10). Uma vez morto, um homem não adora mais a Deus: “Acaso o pó te louvará?’ (30.9). ‘Entre os mortos, quem te louvará?’ (6.5). A morte é a ‘terra’ onde não somente as coisas mundanas, mas todas as coisas são esquecidas’ (88.12). Quando um homem morre, ‘naquele mesmo dia acabam-se os seus planos’ (146.6). Todo homem ‘se ajuntará aos seus antepassados, que nunca mais verão a luz’ (49.19); ele vai para uma escuridão que jamais terá fim.” [p.45]
Contudo, o mais surpreendente é quando Lewis faz uma comparação entre a fé dos hebreus e a fé dos cristãos, quando escreve sobre uma fé meramente compensatória: “Assim sendo, é bem possível que, quando Deus começou a se revelar aos homens, mostrando-lhes que ele (e mais ninguém) é o verdadeiro objetivo e a satisfação de suas necessidades, que deveria ser alvo dos clamores humanos simplesmente por ser quem ele é, independentemente do fato de ter poder para lhes conceder ou negar alguma coisa, talvez fosse absolutamente necessário que esta revelação não começasse com nenhuma alusão à bem aventurança ou à perdição futura. Não é por esses pontos que se deve começar. Uma crença tão forte nisso, logo de início, talvez torne quase impossível o desenvolvimento (por assim dizer) do apetite por Deus; as esperanças e os temores pessoais, que obviamente também são empolgantes, vem em primeiro lugar. Mais tarde, quando depois de séculos de treinamento espiritual os homens estão aprendendo a desejar e a adorar a Deus, suspirar por ele “como suspira a corça”, aí é diferente. Pois então os que amam a Deus desejarão não somente desfrutar dele, mas “desfrutar dele para sempre” e temerão perde-lo. E é por essa porta que podem entrar a esperança verdadeiramente religiosa do céu e o temor do inferno; como corolários de uma fé já centralizada em Deus, e não como elementos que exerçam algum tipo de influência, seja ela independente ou intrínseca. É até justificável que, no momento em que o “céu” deixa de significar união com Deus e o “inferno”, separação dele, a crença em ambos se transforme em uma superstição maligna; pois então teremos, por um lado, uma crença meramente “compensatória” (uma “sequencia” de história triste, na qual tudo “ficará bem”) e, por outro lado, um pesadelo que conduzirá os homens a manicômios ou os transformará em perseguidores”. [p.47]
O livro é bom? Sim. Recomendo? Sim. Uma razão para recomendar Lewis é que, dado a sociedade totalmente variada que temos hoje, a igreja tem a profunda necessidade de uma pessoa íntegra e com conhecimentos para falar com tantos grupos quanto possível. Lewis era, e lógico, um dos melhores homens para esta tarefa. A história de sua vida é uma história de conversão do duro ateísmo intelectual para o Cristianismo, e então para um dos grandes campeões cristãos desse século. Ele foi um professor de Oxford cujos escritos abrangiam desde teologia, éticas, filosofia, crítica literária, ficção científica, histórias infantis, literatura imaginativa, e muito mais. Há muito mais áreas nas quais Lewis não se pronunciou mas ele disse isso com graça e suavidade.
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[1] Citado por Joel Beeke, in: Por que Devemos Cantar Salmos? Recife: Os Puritanos, 2016, p.28-29.
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[1] Citado por Joel Beeke, in: Por que Devemos Cantar Salmos? Recife: Os Puritanos, 2016, p.28-29.
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