KELLER,
Timothy. Os Cânticos de Jesus: Um ano de devocionais nos Salmos. São Paulo:
Edições Vida Nova. 2017.
O Livro
de Salmos foi o hinário divinamente inspirado para a adoração pública do Israel
antigo a Deus (1 Cr 16.8-36). Como os salmos não eram simplesmente lidos, mas cantados,
penetravam a mente e a imaginação do povo como só a música é capaz de fazer. Saturavam
de tal forma o coração e a imaginação do povo que, quando Jesus entrou em Jerusalém,
nada mais natural que a multidão o saudasse recitando espontaneamente o trecho de
um salmo (Mc 11.9; SI 118.26).
Os primeiros
cristãos também cantavam e oravam os salinos (Cl 3.16; 1Co 14.26). Quando Benedito
formou seus mosteiros, ordenou que os salmos fossem cantados, lidos e orados ao
menos uma vez por semana. Ao longo do período medieval, os salmos foram a parte
mais conhecida da Bíblia para a maioria dos cristãos. O Saltério era, provavelmente,
a única parte da Bíblia da qual um cristão leigo tinha posse. No período da Reforma,
os salmos desempenharam papel fundamental na renovação da igreja. Martinho Lutero
determinou: "... o Saltério inteiro, salmo por salmo, deve permanecer em uso”.
João Calvino prescreveu os salmos métricos como regime principal de cânticos nas
congregações de adoradores. Escreveu ele: "O propósito do Espírito Santo [era]
[...] entregar à igreja uma forma comum de oração”.
Todos os
teólogos e líderes eclesiásticos acreditam que os salmos devem ser utilizados e
reutilizados em toda busca diária cristã a Deus em privado e na adoração pública.
Não nos limitamos a ler os salinos; devemos mergulhar neles de modo que moldem profundamente
a forma de nos relacionarmos com Deus. Eles são o modo divinamente ordenado de aprender
a devoção a nosso Deus.
Por quê?
Uma razão está no fato de o livro de Salmos ser o que Lutero chamou de "Bíblia
em miniatura': Ele dá uma visão geral da história da salvação desde a criação, passando
pela entrega da Lei no monte Sinai, o estabelecimento do Tabernáculo e do Templo
e o Exílio por causa da infidelidade, e aponta para adiante, para a redenção messiânica
vindoura e a renovação de todas as coisas. Trata das doutrinas da revelação (Sl
19), de Deus (Sl 139), da natureza humana (Sl 8) e do pecado (Sl 14).
Todavia,
os salmos são mais que mero instrumento de instrução teológica. Atanásio, um dos
antigos pais da igreja, escreveu: "Seja qual for sua necessidade ou dificuldade
particular, desse mesmo livro [Salmos] você pode escolher um conjunto apropriado
de palavras, para [...] aprender a remediar seu mal''. Toda situação da vida está
representada no livro de Salmos. Os salmos preveem cada condição espiritual, social
e emocional possível e o treinam para elas - mostram quais são os perigos, o que
você deve ter sempre em mente, qual deve ser sua atitude, como conversar com Deus
sobre o assunto e como obter dele a ajuda necessária. "Colocam seu entendimento
inarredável da grandeza do Senhor ao lado das situações que vivemos, a fim de que
possamos ter uma noção apropriada da correta proporção das coisas.” Cada aspecto
ou circunstância da vida é "... enviado à presença do Senhor e inserido no
contexto do que é verdadeiro acerca de Deus''. Portanto, os salmos não são apenas
uma cartilha inigualável de ensino, mas um armário de remédios para o coração e
o melhor guia possível para a vida prática.
Ao chamar
os salmos de "remédio” tento fazer justiça ao que os torna um pouco diferentes
das outras partes da Bíblia. São escritos para ser orados, recitados e cantados
- para ser praticados, não apenas lidos. O teólogo David Wenham conclui que usá-los
repetidas vezes é um "ato performativo" que "altera o relacionamento
da pessoa [com Deus] de modo tal que o simples ouvir não consegue''. Em certo sentido,
devemos introduzi-los em nossas próprias orações, ou talvez introduzir nossas orações
neles, e assim nos aproximarmos de Deus. Com isso, os salmos envolvem o falante
diretamente em novas atitudes, compromissos, promessas e até emoções. Quando, por
exemplo, não nos restringimos apenas a ler Salmos 139.23,24 - "Sonda-me [...]
prova-me [...] vê se há em mim algum caminho mau ...” - mas o oramos, convidamos
Deus a examinar nossas motivações e damos consentimento ativo ao modo de vida requerido
pela Bíblia.
Os salmos
nos levam a agir como os salmistas - a nos comprometer com Deus por meio de pactos
e promessas, a depender dele por meio de súplica e expressões de aceitação, a buscar
consolo em Deus por meio do choro e da lamentação, a encontrar a misericórdia de
Deus por meio da confissão e do arrependimento, a adquirir nova sabedoria e perspectiva
de Deus por meio da meditação, da lembrança e da reflexão.
Os salmos
também nos ajudam a enxergar Deus - não como queremos ou esperamos que ele seja,
mas como ele de fato se revela. A riqueza das descrições de Deus no Saltério ultrapassa
a inventividade humana. Ele é mais santo, mais sábio, mais temível, mais terno e
amoroso do que jamais imaginaríamos que ele fosse. Os salmos incendeiam nossa
imaginação e a transportam para novos reinos, mesmo enquanto a conduzem em direção
ao Deus que de fato existe. Isso traz uma realidade à nossa vida de oração como
nada mais é capaz de fazer. "Entregues a nós mesmos, oraremos a algum deus
que fale o que gostamos de ouvir ou à parte de Deus que conseguimos compreender.
Crucial, no entanto, é que falemos ao Deus que fala conosco e a tudo o que ele nos
diz. [...] Na oração, o essencial não é que aprendamos a nos expressar, mas que
aprendamos a responder a Deus.”
A maior
parte dos salmos, lida à luz da Bíblia inteira, leva-nos a Jesus. Os salmos foram
o livro de música de Jesus. O hino que ele cantou no jantar de Páscoa (Mt 26.30;
Me 14.26) seria o Grande Hallel, salmos 113-118. De fato, temos todos os
motivos para presumir que Jesus cantou todos os salmos constantemente ao longo de
sua vida, de modo que os conhecia de cor. Eles constituem o livro da Bíblia que
Jesus cita mais do que qualquer outro. Mas os salmos não eram apenas cantados por
Jesus; eles também falam sobre ele, como veremos ao longo deste livro.
Os salmos,
portanto, são de fato os cânticos de Jesus.
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