sexta-feira, 29 de junho de 2018

OS CÂNTICOS DE JESUS [Introdução]


KELLER, Timothy. Os Cânticos de Jesus: Um ano de devocionais nos Salmos. São Paulo: Edições Vida Nova. 2017.

O Livro de Salmos foi o hinário divinamente inspirado para a adoração pública do Israel antigo a Deus (1 Cr 16.8-36). Como os salmos não eram simplesmente lidos, mas cantados, penetravam a mente e a imaginação do povo como só a música é capaz de fazer. Saturavam de tal forma o coração e a imaginação do povo que, quando Jesus entrou em Jerusalém, nada mais natural que a multidão o saudasse recitando espontaneamente o trecho de um salmo (Mc 11.9; SI 118.26).

Os primeiros cristãos também cantavam e oravam os salinos (Cl 3.16; 1Co 14.26). Quando Benedito formou seus mosteiros, ordenou que os salmos fossem cantados, lidos e orados ao menos uma vez por semana. Ao longo do período medieval, os salmos foram a parte mais conhecida da Bíblia para a maioria dos cristãos. O Saltério era, provavelmente, a única parte da Bíblia da qual um cristão leigo tinha posse. No período da Reforma, os salmos desempenharam papel fundamental na renovação da igreja. Martinho Lutero determinou: "... o Saltério inteiro, salmo por salmo, deve permanecer em uso”. João Calvino prescreveu os salmos métricos como regime principal de cânticos nas congregações de adoradores. Escreveu ele: "O propósito do Espírito Santo [era] [...] entregar à igreja uma forma comum de oração”.

Todos os teólogos e líderes eclesiásticos acreditam que os salmos devem ser utilizados e reutilizados em toda busca diária cristã a Deus em privado e na adoração pública. Não nos limitamos a ler os salinos; devemos mergulhar neles de modo que moldem profundamente a forma de nos relacionarmos com Deus. Eles são o modo divinamente ordenado de aprender a devoção a nosso Deus.

Por quê? Uma razão está no fato de o livro de Salmos ser o que Lutero chamou de "Bíblia em miniatura': Ele dá uma visão geral da história da salvação desde a criação, passando pela entrega da Lei no monte Sinai, o estabelecimento do Tabernáculo e do Templo e o Exílio por causa da infidelidade, e aponta para adiante, para a redenção messiânica vindoura e a renovação de todas as coisas. Trata das doutrinas da revelação (Sl 19), de Deus (Sl 139), da natureza humana (Sl 8) e do pecado (Sl 14).

Todavia, os salmos são mais que mero instrumento de instrução teológica. Atanásio, um dos antigos pais da igreja, escreveu: "Seja qual for sua necessidade ou dificuldade particular, desse mesmo livro [Salmos] você pode escolher um conjunto apropriado de palavras, para [...] aprender a remediar seu mal''. Toda situação da vida está representada no livro de Salmos. Os salmos preveem cada condição espiritual, social e emocional possível e o treinam para elas - mostram quais são os perigos, o que você deve ter sempre em mente, qual deve ser sua atitude, como conversar com Deus sobre o assunto e como obter dele a ajuda necessária. "Colocam seu entendimento inarredável da grandeza do Senhor ao lado das situações que vivemos, a fim de que possamos ter uma noção apropriada da correta proporção das coisas.” Cada aspecto ou circunstância da vida é "... enviado à presença do Senhor e inserido no contexto do que é verdadeiro acerca de Deus''. Portanto, os salmos não são apenas uma cartilha inigualável de ensino, mas um armário de remédios para o coração e o melhor guia possível para a vida prática.

Ao chamar os salmos de "remédio” tento fazer justiça ao que os torna um pouco diferentes das outras partes da Bíblia. São escritos para ser orados, recitados e cantados - para ser praticados, não apenas lidos. O teólogo David Wenham conclui que usá-los repetidas vezes é um "ato performativo" que "altera o relacionamento da pessoa [com Deus] de modo tal que o simples ouvir não consegue''. Em certo sentido, devemos introduzi-los em nossas próprias orações, ou talvez introduzir nossas orações neles, e assim nos aproximarmos de Deus. Com isso, os salmos envolvem o falante diretamente em novas atitudes, compromissos, promessas e até emoções. Quando, por exemplo, não nos restringimos apenas a ler Salmos 139.23,24 - "Sonda-me [...] prova-me [...] vê se há em mim algum caminho mau ...” - mas o oramos, convidamos Deus a examinar nossas motivações e damos consentimento ativo ao modo de vida requerido pela Bíblia.

Os salmos nos levam a agir como os salmistas - a nos comprometer com Deus por meio de pactos e promessas, a depender dele por meio de súplica e expressões de aceitação, a buscar consolo em Deus por meio do choro e da lamentação, a encontrar a misericórdia de Deus por meio da confissão e do arrependimento, a adquirir nova sabedoria e perspectiva de Deus por meio da meditação, da lembrança e da reflexão.

Os salmos também nos ajudam a enxergar Deus - não como queremos ou esperamos que ele seja, mas como ele de fato se revela. A riqueza das descrições de Deus no Saltério ultrapassa a inventividade humana. Ele é mais santo, mais sábio, mais temível, mais terno e amoroso do que jamais imaginaríamos que ele fosse. Os salmos incendeiam nossa imaginação e a transportam para novos reinos, mesmo enquanto a conduzem em direção ao Deus que de fato existe. Isso traz uma realidade à nossa vida de oração como nada mais é capaz de fazer. "Entregues a nós mesmos, oraremos a algum deus que fale o que gostamos de ouvir ou à parte de Deus que conseguimos compreender. Crucial, no entanto, é que falemos ao Deus que fala conosco e a tudo o que ele nos diz. [...] Na oração, o essencial não é que aprendamos a nos expressar, mas que aprendamos a responder a Deus.”

A maior parte dos salmos, lida à luz da Bíblia inteira, leva-nos a Jesus. Os salmos foram o livro de música de Jesus. O hino que ele cantou no jantar de Páscoa (Mt 26.30; Me 14.26) seria o Grande Hallel, salmos 113-118. De fato, temos todos os motivos para presumir que Jesus cantou todos os salmos constantemente ao longo de sua vida, de modo que os conhecia de cor. Eles constituem o livro da Bíblia que Jesus cita mais do que qualquer outro. Mas os salmos não eram apenas cantados por Jesus; eles também falam sobre ele, como veremos ao longo deste livro.

Os salmos, portanto, são de fato os cânticos de Jesus.

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