WALTKE,
Bruce K. Gênesis: Comentário do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2010, 800p.
Um
extenso processo de pesquisa e colaboração levou à criação deste comentário. A
fundação de notas exegéticas foi estabelecida no final dos anos 80, quando
Bruce preparou as notas de Gênesis para a New Geneva Study Bible. Somos muitíssimos
gratos à Foundation for Reformation por sua permissão para o uso destas notas
como uma excelente base para este comentário. As primeiras reflexões teológicas
e notas expandidas focalizando a análise literária foram desenvolvidas quando
Bruce subseqüentemente ensinava Gênesis no Regent College. Em 1997, Bruce e a
Zondervan perceberam que a combinação destas notas, análise literária e
reflexões teológicas continham os traços de um excelente comentário que
enriqueceriam a compreensão do povo deste livro dos primórdios.
Aqui
Bruce envolveu Cathi, sua assistente docente naquela época, a fim de colaborar
com ele no projeto de escrita, edição e organização. Cathi, anteriormente professora
de inglês, parecia bem apta para o projeto, capaz de contribuir não só com a
composição e edição, mas também para cuidar da análise literária e dos estudos
de mulheres bíblicas.
Quando
escreveu as notas originais de suas preleções, Bruce analisou
Gênesis
com uma estrutura de livros, atos e cenas no esforço de captar a natureza literária
do texto e ajudar seus alunos a apreenderem a estrutura e fluxo de Gênesis.
Como esta abordagem incomum provou ser eficaz a ajudar os estudantes em seu
estudo do livro, Cathi e Bruce trabalharam juntos para burilar e expandir a
análise literária. Cathi providenciou um projeto do mesmo. Então, como
inevitavelmente ocorre quando alguém começa um projeto dessa magnitude, Bruce
determinou que a pesquisa adicional significativa era necessária para cobrir
adequadamente os detalhes de Gênesis. Ele fez extensas adições à análise
literária, notas exegéticas e reflexões teológicas. Cathi digitou tudo, tornando-o
mais legível, testando Bruce com perguntas desafiadoras e melhorando o fluxo
global, dando especial atenção ao plano e estrutura da narrativa. A introdução
ao comentário foi escrita por Bruce, inclusive a adaptação de seu ensaio “The
Kingdom of God in Biblical Theology”. Utilizando as notas de teologia bíblica
de Bruce, Cathi escreveu a seção sobre os poéticos. O processo contínuo de
diálogo e colaboração levou ao comentário em sua forma atual.
Nossa
esperança e convicção é que a combinação de análise literária, notas exegéticas
e reflexões teológicas sejam particularmente úteis a pastores e líderes leigos
para ensinar e pregar em Gênesis. Como já se explicou na introdução, seguindo o
plano do autor de Gênesis, esboçamos este fazendo uso de um prólogo e dez
livros (Tol+dot). No início de cada livro dispomos o tema chave e o esboço do
livro. Numa tentativa de captar o fluxo literário da narrativa e para facilidade
de análise, dividimos ainda mais Gênesis em atos e cenas. Esta nomenclatura é
arbitrária, já que o autor de Gênesis não laborou em estruturas de um drama
moderno. Não obstante, cremos que nossas divisões são reais para sua
interpretação da história de Israel e proveitosas para demarcar unidades na
narrativa. A Análise Literária lança luzes nos principais aspectos literários
de cada ato e cena e fornece um útil ponto de partida para o leitor. A análise
não é de modo algum exaustiva nem conclusiva. Antes, tentamos modelar uma
abordagem literária ao Gênesis. Quando os leitores adentrarem o Gênesis, nossa
esperança é que descubram seus ricos tesouros literários, desvendando muitas
outras estruturas e técnicas possíveis.
É melhor
ler as Notas Exegéticas com a Bíblia em mãos. Tomando por base o texto da NVI,
a não ser que se veja por outro prisma, sua intenção é prover um sumário e
explicação úteis. Palavras e frases particulares que tenham significação ou
requeiram clareza histórica, social ou geográfica são arbitrárias. As Reflexões
Teológicas expandem os temas do Gênesis, extraindo conexões com o resto da
Escritura e fazendo aplicações à igreja e à vida cristã.
Como
ficou estabelecido antes, Quando escreveu as notas originais de suas preleções,
Bruce analisou Gênesis com uma estrutura de livros, atos e cenas no esforço de
captar a natureza literária do texto e ajudar seus alunos a apreenderem a
estrutura e fluxo de Gênesis.
Veja o
conteúdo:
Livro
1: Relato dos Céus e da Terra (2.4–4.26)
Livro
2: Relato dos Descendentes de Adão (5.1–6.8)
Livro
3: Relato de Noé e Sua Família (6.9–9.29)
Livro
4: Relato de Sem, Cam, Jafé e Seus Descendentes (10.1–11.9)
Livro
5: Relato dos Descendentes de Sem (11.10-26)
Livro
6: Relato dos Descendentes de Terá (11.27–25.11)
Livro
7: Relato dos Descendentes de Ismael (25.12-18)
Livro
8: Relato dos Descendentes de Isaque (25.19–35.29)
Livro
9: Relato dos Descendentes de Esaú (36.1–37.1)
Livro
10: Relato dos Descendentes de Jacó (37.2–50.26)
Teologia de Gênesis
Baseado
naquilo que li, escrevo abaixo um pouco da teologia do Gênesis, fundamentado em
outros comentaristas. Como temos dito que esse livro é uma Auto-Revelação de
Deus para o povo de Israel, não poderíamos deixar de falar de Sua Pessoa como
apresentada por ele. Sobre isso, House diz:
“Certamente
tornou-se visível um retrato nítido de Deus. Ele é a única divindade que atua
nesses relatos. Só Deus cria, de maneira que só Ele julga o pecado, chama,
dirige e abençoa Abraão e seus descendentes, e proteje e livra em todas as
circunstâncias o povo agora chamado Israel. Esse Deus comunica-se com o povo
alternadamente emanando ordens, fazendo promessas e dando orientação, Ele
trabalha para tirar o pecado que atribula toda a raça humana. Esse Deus não tem
qualquer começo, rival, limites de tempo ou espaço, falha moral, ou interesses
ocultos”[1]
Deus é Criador
Em
Gênesis não difícil falar em um Deus Criador: “No princípio criou Deus os céus
e a terra”. O relato da criação em Gênesis é realizado em duas etapas para
ressaltar a Pessoa do Criador: Enquanto o primeiro relato aponta para um fato
(há um Criador de todas as coisas) o segundo relato mais específico sobre a
criação do homem apresenta o Criador como zeloso, atencioso e relacional. Essa
descrição de Deus é certamente uma demonstração do Seu poder e de Seu cuidado
graciosos.
Entretanto,
é válido dizer que a descrição da criação demonstra a ordem e a dignidade dela.
“Enquanto outras histórias da criação tendem a tratar a raça humana como fonte
de irritação para o panteão e o mundo criado como alo que os deuses não
pensaram inicialmente, Gênesis 1.1-2.3 apresenta a ordem criada como resultado
da atividade intencional da parte do Deus único”.[2]
A
unicidade de Deus nos primeiros versos de Gênesis também são também uma
descrição de contraste entre YAHWEH, o verdadeiro Deus e os deuses pagãos. Até
por que, a descrição de Deus como Criador auto-existente, solitário e
auto-suficiente difere gritantemente de outros relatos antigos da criação.
Falando sobre a multiplicidade de deuses do paganismo, LaSor, Hubbard e Bush
afirmam que “para eles a variedade de forças personificava-se em deuses. Assim,
uma divindade era multipessoal, em geral ordenada e equilibrada, mas às vezes
caprichosa, instável e temerária. O texto de Gênesis 1 combate tal concepcção
de divindade. Ela retrata a natureza surgindo de uma simples ordem de Deus, o
que é anterior a ela e dela independente”.[3]
Outro
detalhe sobre a Singularidade de Deus como Criador é estampado no uso do termo
hebraico bärä’, que descreve sua ação como trazendo a criação do nada (ex
nihilo)[4]. Em Gn.1.1 não há qualquer
indicação de matéria pré-existente que Deus teria formado, antes “afirma que
Deus criou, (bärä’) sem nenhum esforço, todo o universo e tudo o que nele há[5]”. Assim, “o termo hebraico
bärä’, ‘criar’, é uma palavra chave, sendo empregada seis ou sete vezes no
relato da criação. Essa palavra tem Deus como seu único sujeito no Antigo
Testamento, e não se fez nenhuma menção do material a partir do qual se cria
algum objeto. Ela descreve um modo de agir que não possui analogia humana. Só
Deus cria, assim como só Deus salva”.[6]
Deus é Soberano
Sidlow
Baxter quando comenta sobre Gênesis diz: “Pelo fato de ter sido colocado logo
no início dos 66 livros, Gênesis nos faz dobrar os joelhos em obediência
reverente diante de Deus, por exibir perante os nossos olhos, e trovejar em
nossos ouvidos, aquela verdade que deve ser aprendida antes de todas as outras
em nosso trato com Deus, em nossa interpretação da história e em nosso estudo
da revelação divina, a saber A SOBERANIA DIVINA”.[7]
A
soberania de Deus é observada em quase todos os eventos apresentados nesse
livro: Ele é o Criador Soberano, o Juiz soberano sobre o pecado do homem, na
punição de Caim, no Dilúvio, em Babel. Ele é o Soberano na separação e eleição
de Abraão como herdeiro das promessas. Não havia qualquer característica em
Abraão digna da atenção de Deus, mas em Sua Soberania Deus o separa para dele
fazer uma grande nação. “O Senhor escolhe a Abrão da mesma maneira como decide
criar os céus e a terra, ou seja, a partir da liberdade absoluta resultante de
ele ser o Deus único, todo-suficiente e independente”.[8]
Toda a
história dos patriarcas é uma demonstração da Soberania de Deus: Abraão é
eleito soberanamente por Deus; Isaque é mantido soberanamente por Deus; Jacó[9], o mais relutante de
todos, demonstra a Soberania de Deus na Preservação de sua Promessa feita a
Abraão e em José podemos observar a Soberania de Deus no controle das situações
para formar um povo Seu em meio a um tempo de crise.
Até
mesmo na tensão entre a Soberana Vontade de Deus e da vontade rebelde de suas
criaturas, “o que o homem pecador tenciona para o mal, YAHWEH é mais do que
capaz de suplantar para Seus propósitos de bênção e bem estar para o povo de
Sua aliança”.[10]
A soberania de Deus é capaz de convergir a maldade do homem para bênçãos para
os Seus: Esse retrato é vívido em Gênesis.
Deus é Justo
No
trato com a humanidade desde a Criação, Deus demonstra sua habilidade para
exercer sua Justiça. Na retribuição justa de Gn.3 vemos que Deus é severo no
trato com o pecado e na imposição das punições para cada um dos participantes
da rebelião contra Ele no Éden. Entretanto, é importante lembrar que “quando
Sua bondade original foi desprezada no jardim do Éden em troca da independência
que as criaturas queriam Dele, foi Deus quem tomou a iniciativa de buscar o
homem (3.8, 9), de prometer a vitória definitiva sobre a serpente pela semente
da mulher (3.15) e remediar a nudez e a vergonha do primeiro casal”.[11] No exercício de sua Justa
punição, Deus não deixou de manifestar sua Graça Salvadora: O maior prejudicado
na queda foi o próprio Deus, pois Ele mesmo assume as piores conseqüências da
Queda e doa-se em amor ao mundo.
Da
mesma forma o dilúvio revela Sua Justa retribuição à intenção do homem em
contraposição à Lei Divina. Em sua Justa Soberania, Deus estabelece o juízo da
rebeldia dos homens e os sentencia à morte no Dilúvio. Entretanto, temos que
lembrar que Ele mesmo ofereceu 120 anos para o arrependimento dos seres humanos
em demonstração de que age com paciência. Isso sem contar que Deus havia
deixado um modo para que os homens pudessem ser libertos dessa punição, pela fé
na instrução que havia dado a Noé (Hb.11.7). Assim, tanto a Paciência quanto
Graça são observadas no exercício da Justiça de Deus.[12]
Deve
ser por isso que Ralph Smith diz: “Três coisas são essenciais a um bom juiz:
autoridade e soberania; decisões justas e imparciais; e a capacidade de
perceber e interpretar corretamente todas as evidências. Javé tem as três
qualidades”.[13]
Por isso, “a justiça de YAHWEH reflete-se não tanto em declarações sobre
Seu caráter quanto nos meios simples e diretos pelos quais Ele julga a falta de
conformidade do homem com o padrão de conduta prescrito pelo Criador”.[14]
Deus é Gracioso:
“Pelo
contrário, ele opera exclusivamente em benefício do mundo que não tem intenção
alguma de fazer o que é certo. Neste caso a eleição demonstra a misericordiosa
bondade de Deus com o mundo”.[15]
Por que
Deus não opera sua disciplina para com Jacó, que demonstra em sua história não
manter um padrão de conduta em nada parecido com o do seu pai? “O fato mais
consolador é que Deus não mudou seu propósito, promessa ou poder. O caráter
divino continua intacto, acentuando a sensação que o leitor tem de respeito e
expectativa diante do futuro”.[16]
“A
graça divina seleciona este homem [Jacó] terrivelmente imperfeito,
não por causa de mérito algum de sua parte. O amor determina a decisão, e esse
amor é tão grande por Jacó quanto é por Abraão e Isaque, pois as promessas
divinas feitas anteriormente permanecem de pé”.[17]
“A
graça intensifica-se quando o pacto de YAHWEH com a humanidade se focaliza em
Abraão e sua linhagem: Ló é preservado pela graça (19.1-31), Isaque é poupado
pela graça (cap.22), Jacó é escolhido por graça (25.19-23; cf. Rm.9.11, 12),
assim como toda a família patriarcal é libertada da corrupção e miscigenação em
Canaã pela provisão graciosa que YAHWEH lhes faz de José como vice-regente do
Egito (caps.37-50)”[18]
Deus é Único
Em
oposição ao conceito do Oriente Médio Antigo, Gênesis apresenta um Deus que é
Único, “nenhuma outra divindade questiona o direito divino de criar; nenhuma
outra divindade ajuda Deus a criar nem se opõe à sua atividade criadora. Desde
o princípio, ou desde a origem do tempo e da história, só Deus existe ou age”.[19]
“A idéia
da unicidade de Deus no Antigo Testamento é singular e significativa. Enquanto
outros povos antigos achacam que seus deuses eram muitos, cada um tendo sua
própria esfera de influência e responsabilidade, o Israel antigo entendia que
seu Deus era um (indivisivo), como todos os atributos e poderes da divindade em
si mesmo, governando todas as esferas da existência”.[20]
“A
singularidade de YAHWEH aparece em cores ainda mais brilhantes no fato de que
Ele é um Deus que, apesar de transcendente e todo-poderoso, busca um
relacionamento com Suas criaturas e a elas Se revela. Ele estabelece alianças
(cf. 9.8-17; 15.9-21; 17.1-27) e garante seu cumprimento ao prover e proteger
milagrosamente a semente que havia prometido (18.13-15; 22.15-18; 25.21).”[21]
O livro
está disponível no site da Editora Cultura Cristã
[1] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.107.
[2] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.76.
[3] LASOR, Willian, HUBBARD, David, BUSH, Frederic, Introdução
ao Antigo Testamento. pp.24.
[4] A expressão latina ex nihilo encontrada em
alguns materiais teológicos sobre a Criação é provavelmente proveniente da
Vulgata. Em 2Mc.7.28 lemos: “peto nate aspicias in caelum et terram et ad omnia
quae in eis sunt et intellegas quia ex nihilo fecit illa
Deus et hominum genus” (Eu te suplico, meu filho,
contempla o céu e a terra e observa o que nele existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano
surgiu da mesma forma. – BJ). Sobre o uso de bärä’ considere alguns
usos que descrevem o início de algo novo (cf. Is.41.20; 48.6, 7; 65.17) como um paralelo do conceito criativo ex
nihilo. Lembre-se também
dos usos que descrevem o sentido de trazer à existência (Is.43.1; Ez.21.30; 28.13, 15) como
exemplificação da origem ex nihilo de uma ação
divina.
[5] SMITH, Ralph, Teologia do
Antigo Testamento. pp.172.
[6] LASOR, Willian, HUBBARD, David, BUSH, Frederic, Introdução
ao Antigo Testamento. pp.24.
[7] BAXTER, Sidlow, Examinais as
Escrituras. Vol.I, pp29.
[8] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.92.
[9] “Pouquíssimos textos do AT
ressaltam os conceitos bíblicos de eleição e graça mais do que os relatos que
envolvem Jacó” – HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.98
[10] PINTO, Carlos Osvaldo, Foco
e Desenvolvimento do Antigo Testamento. pp.25
[11] Idem, IBID.
[12]
MERRIL, Eugene, The
Pentateuch. IN: Holman Bible Handbook
[13] SMITH, Ralph, Teologia do
Antigo Testamento. pp.206.
[14] PINTO, Carlos Osvaldo, Foco
e Desenvolvimento do Antigo Testamento. pp.25.
[15] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.792.
[16] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.97.
[17] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.98.
[18] PINTO, Carlos Osvaldo, Foco
e Desenvolvimento do Antigo Testamento. pp.26
[19] HOUSE, Paul, Teologia do
Antigo Testamento. pp.74.
[20] SMITH, Ralph, Teologia do
Antigo Testamento, pp.218-219.
[21] PINTO, Carlos Osvaldo, Foco
e Desenvolvimento do Antigo Testamento. pp.26.
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