É muito
edificante observar o modo profundo como Deus usou Martinho Lutero. Apesar de
tantas atividades manifestou uma profunda preocupação e dedicou a um público
muito importante na Igreja – as crianças. Esse trecho aqui publicado mostra
como apenas um pouco de como isso aconteceu [Professor Pádua].
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Martinho
Lutero era verdadeiramente um pastor muito ocupado. Executava múltiplas tarefas,
incluindo escrever, pregar, ensinar e administrar. Toda semana, ele escrevia numerosas
e longas cartas ou trabalhava em um de seus muitos tratados, pregava duas vezes
aos domingos e, em geral, mais três vezes durante a semana, lecionava diariamente
na universidade, orientava muitos estudantes e aconselhava um bom número de
pastores, igrejas e até mesmo príncipes novatos. Além disso, Lutero cuidava de
sua família sempre crescente. Também experimentou a pressão das diversas
controvérsias resultantes de seu tempo e de seus esforços. No entanto, em meio
a toda essa atividade frenética, ele dedicava algumas horas ao ensino, não só de
seus próprios filhos, mas também das crianças de Wittenberg.
Lutero
tinha um intelecto incrível. A tradução que fez do Novo Testamento grego para o
alemão, em apenas três meses, permanece como um claro testemunho à sua genialidade.
Envolveu-se em debates com as mais brilhantes mentes de seus dias. Muito antes de sua notoriedade ter-se
espalhado com a postagem das 95 teses, ele já se havia estabelecido claramente
como um dos acadêmicos mais promissores da Alemanha. Mas talvez a marca mais óbvia
de seu prodígio intelectual tenha sido o fato de ele ensinar as verdades
essenciais da fé cristã às crianças, de uma forma que elas conseguiam entender.
Essa ênfase
no ensino das crianças, que facilmente poderia ter sido ofuscada por outras
exigências, fazia todo o sentido para Martinho Lutero. Para a igreja nascente, que
logo ganhou seu nome, e para todo o movimento protestante não apenas sobreviver,
mas também florescer, o ensinamento das crianças se tornou prioridade absoluta
e urgente. Lutero sabia disso, não somente por causa dos exemplos históricos,
mas também porque observava a situação que se lhe apresentava.
Assim,
durante todos os meses de outono e inverno de 1528 e 1529, ele viajou pelas novas
congregações de toda a região. Ainda era um fora da lei, e essa turnê não estava
isenta de riscos. No entanto, Lutero viajava para ver, por si mesmo, as condições
em que as igrejas se encontravam. Os resultados dessa inspeção deixaram-no
frustrado e decepcionado. Testemunhou condições “deploráveis” e “infelizes”,
observando: “As pessoas comuns, especialmente aquelas que vivem no campo, não têm
conhecimento dos ensinos cristãos e infelizmente, muitos pastores são
incompetentes e se mostram inadequados ao ofício de ensinar”. “Eles passaram a
dominar a fina arte”, entoava Lutero, “do abuso da liberdade”.
Toda
essa situação perturbou profundamente Lutero. Ele, então, passou a direcionar seu
foco e suas preocupações sobre dois grupos: o clero e as crianças. Ao retornar
a Wittenberg, pediu imediatamente a Melâncton e a outros de seu círculo de
amigos e colegas que produzissem material que lhe possibilitasse lidar com
essas deficiências e treinar os infantes. Assim, eles produziram extenso
material, mas apenas uma parte foi aprovada por Lutero. Alguns textos, ele
considerava nada mais que moralismo – uma cura que, Lutero temia, seria pior
que a doença. Mas percebeu que quase tudo estava aquém de fazer o que ele
considerava essencial: a comunicação clara das verdades cruciais da Bíblia e da
teologia ortodoxa de uma geração a outra. Em outras palavras, ele desejava
imprimir uma tradição que perdurasse, no melhor sentido do termo.
A
palavra inglesa para tradição tem origem no latim traditio, que significa transferir,
passar adiante ou entregar. Para Lutero, Paulo foi quem melhor encerrou o
sentido da palavra ao admoestar seu “filho na fé”, Timóteo, a transmitir “a
homens fiéis e também idôneos para instruir outros” (2Tm 2.2). Lutero entendia
que essa era a única forma de a igreja permanecer fiel ao evangelho e à
teologia ortodoxa. Era preciso ensinar - explícita, proposital e programaticamente
– o evangelho e a teologia ortodoxa, e fazer isso em relação aos mais jovens.
Depois
de esperar em vão, por algum tempo, que alguém produzisse material com esse
propósito, Lutero decidiu, ele mesmo, fazê-lo, em 1529. O resultado foi o livro
Catecismo menor. Por seu próprio testemunho, conforme vimos, Lutero declarou que não
se importava que toda a sua obra fosse queimada e esquecida, contanto que O cativeiro da vontade e Catecismo menor sobrevivessem.
Felizmente, seu desejo se realizou sem essa condição. Sua obra sobreviveu, tem
vicejado e ainda conta com vasto público até hoje, quase quinhentos anos depois
de ter sido escrita.
No mesmo
ano, Lutero também tratou os problemas do clero inculto com a publicação
intitulada Catecismo alemão. Essa obra, que passou a ser chamada de Catecismo maior, segue a mesma
estrutura de sua correspondente, só que é muito mais extensa.
Catecismo
menor não foi a única contribuição de Lutero à literatura infantil.
Conforme
já mencionamos, ele também publicou uma tradução em alemão das Fábulas de Esopo. Além disso,
foi autor de um alfabeto simples e de um livro voltado ao público infantil. Porém,
Catecismo menor permanece como seu verdadeiro legado, valendo-lhe outra adição à
já extensa lista de credenciais: a de educador infantil.
Uma
obra-prima teológica: para crianças
Catecismo
menor é uma obra-prima, por ser, ao mesmo tempo, abrangente e conciso. Atual em
sua apresentação, estilo e conteúdo, essa obra figura entre os clássicos da
literatura devocional e teológica. Consiste em uma breve exposição dos elementos
essenciais para entender a Deus, sua Palavra e sua obra no mundo, contendo
breves ensinamentos sobre os Dez Mandamentos, o Credo Apostólico, a Oração do
Senhor e os sacramentos. Lutero expandiu o catecismo para edições posteriores,
a fim de incluir instruções sobre a oração e aquilo que ele chama de “a mesa
dos deveres”. Essas inserções bastante concisas apresentam diversos ensinamentos
da Bíblia sobre pastores, autoridades seculares, maridos, esposas, pais, filhos,
trabalhadores e servos, mestres e viúvas, e concluem com uma palavra a todos os
cristãos em geral.
O
catecismo de Lutero foi o primeiro dos muitos catecismos produzidos durante a Reforma,
incluindo o Catecismo de Heidelberg, o Breve e o Completo catecismo de Westminster.
A exemplo desses, o catecismo de Lutero segue um modelo de perguntas e
respostas. A palavra catecismo quer dizer, literalmente, soar e diz respeito ao
ensinamento pelo falar. O método de instrução da catequese enfatiza o envolvimento
do mestre, do pai ou da mãe com a criança. Também encoraja a memorização, pois
as perguntas e respostas são frequentemente repetidas. Essa repetição e essa
memorização representam um meio voltado a um fim, pois as palavras do catecismo
devem impactar tanto o pensamento como a vida daquele que conhece as palavras.
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NICHOLS,
Stephen J. Além das 95 teses – A vida, o pensamento e o legado de Martinho Lutero.
São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2017. 299p. [Trecho retirado das páginas
173-177]
Publicado
originalmente pela Editora Fiel em:
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