O livro do profeta Malaquias é
perfeito para ser usado como base de mensagens sobre sua temática, a qual gira
em torno do culto que se deve prestar a Deus conforme ele deseja. A
razão principal disso — outras serão examinadas mais à frente — é que a
profecia de Malaquias foi proferida e registrada em um contexto muito parecido
com o que os evangélicos vivem hoje no Brasil. Em outras palavras, o livro,
assim como os dias que hoje vivemos, situa-se em um contexto no qual adorar a
Deus parece não fazer diferença visível na vida dos que o buscam constantemente
nos locais de culto.
Ao longo da história, nem
sempre ficou claro para os cristãos o privilégio que têm de adorar a Deus,
ser-lhe leal e fazer sua vontade. Qual é o proveito de servir a Deus, cultuá-lo
e dedicar tempo para honrá-lo? Vamos refletir sobre essa questão ao longo do
estudo do livro de Malaquias.
1. O contexto
histórico
As profecias de
Malaquias foram proferidas em um tempo de profundo desânimo para o povo de
Deus. Fazia cerca de cem anos que os judeus tinham regressado do cativeiro.
Deus havia mandado o povo de Israel para o exílio, por volta de seiscentos ou
quinhentos anos antes de Cristo, em razão da reiterada idolatria e falta de
arrependimento. Para isso usou os babilônios, que levaram seu povo, a nação de
Israel, cativa para a Mesopotâmia. Parte do povo foi para o Egito, outra se
dispersou e muitos outros morreram. Durante setenta anos, o povo permaneceu
cativo na Babilônia.
Tempos depois
Deus o trouxe de volta à terra prometida. Esse período está registrado nos
livros de Esdras e Neemias, dois homens levantados por Deus para liderar o
retorno da nação à terra prometida. Porém, nem todos regressaram; parte do povo
ficou na Babilônia; outra permaneceu no Egito. Mas um grande contingente voltou
para a terra de Israel, a terra que fora prometida a Abraão, Isaque e Jacó.
Quando
regressaram, os judeus pensavam ter chegado o tempo do cumprimento das grandes
promessas que os profetas de Israel haviam feito. Isaías, Ezequiel e Jeremias
profetizaram um tempo maravilhoso para o povo de Deus após a restauração, e o
povo acreditava que aquele seria o tempo em que essas promessas se cumpririam.
Só que cem anos
se passaram desde a volta do cativeiro, e as coisas não estavam acontecendo
conforme a expectativa. Promessas tinham sido feitas, mas a realidade não
estava de acordo com elas. Deus havia prometido renovar a aliança com seu povo,
mas tudo continuava como antes. Por meio dos profetas o Senhor prometera uma
grande restauração de seu povo na terra, mas somente parte dele retornara da
Babilônia. Os profetas haviam mencionado um período de paz, mas eles ainda
estavam cercados por inimigos. O povo continuava tendo problemas com as nações
pagãs vizinhas. As promessas de renovação do culto a Deus não se concretizaram,
uma vez que as celebrações no templo em Jerusalém eram caracterizadas pelo
excesso de formalismo. O culto era vazio, superficial, como veremos no decorrer
de nosso estudo. Os profetas tinham apontado para a continuidade da linhagem
sacerdotal, mas os sacerdotes haviam se corrompido e estavam totalmente
desmotivados.
Ezequiel falara
da construção de um templo glorioso; todavia, o templo ora construído era menor
que o de Salomão. Aquela nova era de um reino messiânico de paz de que os
profetas tanto haviam falado parecia estar muito distante, pois os judeus
continuavam sob o domínio dos persas, e a situação econômica era muito difícil.
Eles passavam por grandes necessidades, eram oprimidos, pagavam pesados
impostos e enfrentavam seca e escassez de coisas básicas. Novamente era tempo
de esperar pelo cumprimento das antigas promessas.
Diante de tudo
isso, o povo começou a desanimar. O amor pelas coisas de Deus foi pouco a pouco
diminuindo, e o povo começou a se dispersar em busca de seus próprios
interesses.
Os sacerdotes,
que eram os responsáveis pelo culto, começaram a pensar como o mundo ao seu
redor, a se tornar indignos, a deixar de fazer seu trabalho da maneira correta,
em vez de zelar pela casa de Deus. Começaram a tolerar determinadas práticas no
culto que eram contrárias à vontade de Deus, revelada na Lei de Moisés. Os
cultos a Deus viraram mero formalismo, rituais mecânicos e sem vida. O coração
do povo não estava mais neles. Cada um dava prioridade a seus assuntos
pessoais, em vez de se dedicar a terminar a reconstrução do templo e prestar
culto a Deus. Cada um investia em seu pedaço de chão, em sua moradia, em seu
negócio e só dava a Deus o que sobrava. Era uma época de esfriamento do povo em
relação a Deus.
2. O profeta
Nesse contexto
surge o profeta Malaquias. Pouca coisa se sabe sobre ele. Há quem especule que
ele era um levita, a julgar pelo zelo que demonstra pelo culto no templo.
Todavia, não temos como provar essa suposição. Seu nome significa “mensageiro
de Yahweh” (1.1). Existe uma discussão entre os estudiosos sobre “Malaquias”
ser um título ou um nome próprio. As razões para se pensar que era um título
são estas: 1) Nada sabemos sobre um profeta chamado Malaquias; 2) Malaquias
pode significar também “meu mensageiro”, expressão que aparece em 3.1 em
referência ao mensageiro de Deus que haverá de vir. Todavia, essas razões não
são fortes o suficiente para sobrepujar o fato de que todos os livros
proféticos foram escritos por profetas cujo nome está claramente identificado
no início de seu livro. Malaquias, portanto, é o nome daquele profeta que Deus
levantou no período final de Neemias para chamar o povo ao culto verdadeiro.
Não há certeza
se ele profetizou durante o período de Esdras e Neemias, sendo, assim,
contemporâneo de Ageu e Zacarias. A situação que ele denuncia é muito similar à
descrita nos livros de Esdras e Neemias, bem como nos de Ageu e Zacarias — ou seja,
uma situação de descaso para com as coisas de Deus, corrupção do clero,
casamentos mistos e abusos por parte dos poderosos. No entanto, Malaquias
menciona um “governador” (1.8) em sua época que não poderia ter sido Neemias,
uma vez que este declara em seu livro que nunca aceitou esse posto (cf. Ne
5.15,18). Além disso, Malaquias pressupõe um templo já construído e terminado,
onde os serviços regulares ocorriam semanalmente. Talvez, então, seja mais
seguro situar Malaquias no período final de Neemias ou logo depois deste, ou
seja, uma data em torno de 450 a 430 a.C.
Uma antiga
tradição rabínica, conforme relatada por Jerônimo no século quarto, considera
que Malaquias e Esdras são a mesma pessoa, atribuindo a este último a autoria
do livro. Todavia, não há nenhum suporte textual para essa afirmação. Todos os
manuscritos do livro de Malaquias fazem atribuição à sua autoria, nunca a
Esdras. Além disso, nunca Malaquias é chamado de escriba, tampouco Esdras é
chamado de profeta. Outras tradições atribuem o livro a Neemias ou a Zorobabel,
mas sem fundamentação convincente.
Malaquias é uma
voz solitária, que aparece para chamar ao arrependimento o povo da aliança,
especialmente os sacerdotes. E por esse motivo que a profecia de Malaquias é
tão relevante para nosso entendimento acerca do culto que agrada a Deus, pois
sua mensagem é dirigida, em grande parte, aos sacerdotes, àqueles que eram
responsáveis por manter o culto devido a Deus da maneira correta.
Nesse pequeno
livro, o profeta chama os sacerdotes e o povo ao arrependimento. Sua mensagem
afirma que o povo tinha de permanecer fiel a Deus, mesmo em tempos difíceis, e
devia cultuá-lo e servi-lo independentemente das circunstâncias em que se
encontrava. O povo de Deus deveria permanecer fiel e aguardar o tempo em que
ele haveria de cumprir todas as suas promessas.
Mais tarde, o
próprio Malaquias, ou alguém ligado a ele, registrou por escrito e organizou
essas palavras dirigidas ao povo de Israel e a seus sacerdotes. Tais palavras,
inspiradas por Deus, servem para a igreja de todas as épocas como uma
orientação a respeito do culto segundo a vontade de Deus.
3. O livro
O livro pode
ser dividido em oito partes. Cada uma delas trata do culto, embora enfocando
diferentes aspectos relacionados à situação do povo. A maioria dessas oito
partes segue a mesma estrutura: Deus faz uma declaração, o povo a questiona, e
então Deus responde, refutando o argumento apresentado pelo povo. Esse padrão — uma declaração de Deus, o questionamento do
povo, seguido por uma resposta de Deus — aparece praticamente em todas as
partes do livro.
Não há razão
para duvidarmos de que essa estrutura reflita a maneira pela qual Malaquias de
fato profetizou ao povo de Judá. Ele trazia uma palavra da parte de Deus ao
povo. O povo, então, replicava — geralmente com desdém e incredulidade.
Malaquias, então, falando em nome de Deus, explicava a razão pela qual ele
havia feito tal declaração, respondendo ao questionamento cínico do povo.
Esse estilo
dialógico de Malaquias o destaca dentre os demais profetas. Quem está
familiarizado com Isaías, Jeremias, Ezequiel e Amós, por exemplo, pode
estranhar o estilo de Malaquias. Nesses livros temos os profetas trazendo a
palavra de Deus, ensinando o povo e declarando: Assim diz o Senhor”. Mas, em
Malaquias, Deus, por meio do profeta, entra em diálogo com o povo. E isso que
torna o livro de Malaquias distinto dos demais. Aqui o profeta serve de
mediador em um diálogo entre Deus e o povo, no qual este questionava cada
afirmação de Javé.
Os
questionamentos do povo eram estes:
1. Deus nos ama?
2. Em que estamos profanando o culto a Deus?
3. Por que Deus não aceita nossa oferta?
4. Por que não aceita nossos sacerdotes?
5. Em que estamos desagradando a Deus?
6. Em que estamos roubando a Deus?
7. Em que
estamos difamando a Deus?
A julgar por
esses questionamentos, o povo de Israel parecia acreditar que não havia motivo
para Deus enviar um profeta para questioná-los a respeito da vida que levavam
ou a respeito do culto que ofereciam ao Senhor todos os sábados, no templo de
Jerusalém. Assim, tem início um diálogo entre Deus e o povo, o que torna o
livro de Malaquias, por sua estrutura, diferente dos livros dos demais
profetas. O livro termina com a promessa do grande dia do Senhor, quando Deus
irá definitivamente sanar toda dúvida e silenciar todo questionamento.
Malaquias é o
último mensageiro inspirado por Deus no Antigo Testamento. E ele que anuncia a
chegada do primeiro grande mensageiro do Novo Testamento, João Batista (4.5,6).
Com João, teria início um novo tempo para o povo de Deus, tempo em que o Senhor
será adorado por verdadeiros adoradores, no Espírito e em verdade.
Esta obra tratará dos princípios do culto a Deus, apresentados por
Malaquias a um povo que não mais tinha ânimo para adorá-lo e que havia perdido
a visão do culto verdadeiro. O objetivo desse estudo é que possamos entender
esses princípios e aplicá-los aos nossos dias, pois, assim como nos dias de
Malaquias, um reavivamento do culto bíblico hoje também se faz extremamente
necessário.
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O Culto segundo Deus: A mensagem para a Igreja de hoje. Augustus
Nicodemus Lopes. São Paulo: Vida Nova, 2012. 156p.
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