Saudado como o maior pregador da Inglaterra do Século XIX, podemos
defender que Charles Haddon Spurgeon foi o pregador mais proeminente de
qualquer século. Considerado o expositor mais bem sucedido dos tempos modernos,
Spurgeon lidera virtualmente toda lista de pregadores de renome. Se João Calvino
foi o maior teólogo da igreja, Jonathan Edwards o maior filósofo, e George
Whitefield o maior evangelista, certamente Spurgeon lidera como seu maior
pregador. Jamais um homem se postou atrás de um púlpito, semana apos semana,
ano após ano, por quase quatro décadas, pregando o evangelho com maior sucesso
mundial e impacto duradouro do que Spurgeon. Ate hoje, ele permanece sendo
o"Príncipe dos Pregadores.
Através dos séculos, expositores como Martinho Lutero, Ulrich Zuínglio,
João Calvino e inúmeros outros, tiveram compromisso de pregar expondo livros
inteiros da Bíblia versículo por versículo. Contudo, não era essa a abordagem
de Spurgeon. Embora fosse "pregador
expositivo por excelência, Spurgeon extraía suas mensagens de um livro da
Bíblia diferente a cada semana. Esse estilo livre o destacou de outros grandes
pregadores, colocando-o primeiro e mais notavelmente, como expositor evangelístico.
Por todo seu prolífico ministério, Spurgeon era consumido por zelo pelo
evangelho. Sua prática era isolar um ou alguns versículos como trampolim para a
proclamação do evangelho. Ele afirmava: “Tomo o meu texto e sigo em linha
direta até a cruz.” Cada vez que Spurgeon subia ao púlpito, ele visava
intensamente a salvação dos pecadores mediante a proclamação da mensagem
salvadora de Jesus Cristo. Como disse Hughes Oliphant Old, Spurgeon foi enviado
"em um tempo determinado, a um lugar específico, para pregar o evangelho
da salvação eterna das almas para a glória eterna de Deus”. Talvez ninguém
possa ser comparado a Spurgeon como pastor evangelista.
Embora ele amasse profundamente a teologia, Spurgeon declarou:
"Prefiro levar um pecador a Cristo que desvencilhar todos os mistérios da
Palavra divina". Ele tinha verdadeiro prazer na busca da salvação dos
perdidos. Eis como Spurgeon descreveu a importância central do evangelismo em
seu ministério:
“Prefiro ser o meio para a
salvação de uma alma da morte que ser o maior orador sobre a terra. Prefiro
conduzir a mulher mais pobre do mundo aos pés de Jesus que ser o Arcebispo da
Cantuária. Prefiro arrancar uma única brasa do fogo que explicar todos os
mistérios. Ganhar uma alma, evitar que ela vá à cova, é um feito mais glorioso
do que ser coroado na arena da controvérsia teológica... desvendar fielmente a
glória de Deus na face de Cristo será, no julgamento final, considerado serviço
mais digno que desvencilhar os problemas da Esfinge religiosa ou cortar o nó
gordíano das dificuldades apocalípticas. Um de meus mais felizes pensamentos é que,
quando eu morrer, será meu privilégio estar junto ao peito de Cristo, e sei que
não gozarei do céu sozinho. Milhares já entraram ali, atraídos a Cristo no meu
ministério. Ah! Que gozo será voar para o céu e encontrar uma multidão de
convertidos antes e depois de mim.”
Entender esse foco evangelístico de Spurgeon é sentir o pulso do seu
próprio coração. Compreender esse seu zelo evangelístico é tocar o nervo vivo
de sua alma. Em termos simples, Spurgeon era compelido a pregar o evangelho e ajuntar
os perdidos. Como expositor, Spurgeon possuía verdadeiro coração de um ganhador
de almas.
Vamos iniciar nossa avaliação do ministério evangélico de Spurgeon
considerando sua vida e legado extraordinários.
NASCIDO E NASCIDO DE NOVO
Descendente de huguenotes franceses e reformados holandeses, Charles
Haddon Spurgeon nasceu em 19 de junho de 1834, em uma pequena casa em Kelvedon,
Essex, Inglaterra. Muitos de seus antepassados protestantes tinham sido
expulsos de suas terras natais pela perseguição, e se refugiaram na Inglaterra.
Spurgeon costumava dizer: “Muito prefiro ser descendente de alguém que sofreu
pela fé do que ter correndo em minhas veias o sangue de todos os imperadores”.
Seu pai, John, e seu avô James, eram, ambos, ministros independentes que pastoreavam
fielmente suas congregações. Charles foi o mais velho de dezessete filhos. Seu
irmão mais novo, James, mais tarde serviria como seu co-pastor no Tabernáculo
Metropolitano de Londres. Os filhos gêmeos de Charles também o seguiriam no
ministério.
Quando sua mãe estava prestes a dar à luz ao segundo filho, o pequeno
Charles, de dois anos de idade, foi mandado para Stambourne, cidade próxima,
para morar com seu avô, onde permaneceria até os seis anos de idade. Durante
esse período e em visitas subseqüentes ao avô, Charles foi exposto a muitas
obras puritanas, incluindo O Peregrino
de John Bunyan, o Chamado aos Não
Convertidos, de Richard Baxter, e Alarme
aos não convertidos, de Joseph Alleine. Apesar da influência espiritual de
sua família e de ter sido exposto a tais livros, Spurgeon permanecia não
convertido. Ele relembra: “Desde minha
mocidade eu ouvira o plano da salvação pelo sacrifício de Jesus, mas não sabia
mais em minha alma interior do que se eu tivesse nascido e sido criado como
hotentote. Lá estava a luz, mas eu era cego”.
No domingo pela manhã, em 6 de janeiro de 1850, aos quinze anos.
Charles caminhava para a igreja no vilarejo de Colchester, quando uma
tempestade de neve o impeliu a se abrigar em uma pequena igreja metodista
primitiva. Só havia uma dúzia de pessoas assistindo, e mesmo o pastor não
conseguiu chegar. Um pastor leigo relutante foi à frente para explicar o texto
de Isaías 45.22: “Olhai para mim, e
sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há
outro". Essa figura humilde exortava a pequena congregação a olhar
pela fé somente para Jesus Cristo. Fitando os olhos no jovem Spurgeon, ele
instou:
- Jovem, olhe para Jesus. Olhe, olhe! Olhe! Você nada mais tem a fazer
do que olhar para Jesus e viver!
Como uma seta mandada pelo arco do céu, o evangelho atingiu o alvo que
intencionou. Escreveu Spurgeon: "Imediatamente
eu vi o caminho da salvação. Foi como quando a serpente de bronze foi
levantada, as pessoas olharam e foram curadas - assim aconteceu comigo".
Olhando pela fé para Cristo, foi convertido de forma dramática. Consumido pela
alegria, mal podia se conter, "mesmo
por cinco minutos, sem tentar fazer alguma coisa por Cristo". Essa energia
sem limites marcaria sua vida daquele momento em diante. Em 4 de abril, 1850,
foi admitido à comunhão da Igreja Batista St. Andrews, sendo logo depois
batizado e participando pela primeira vez da Ceia do Senhor.
Com zelo crescente, Spurgeon, aos dezesseis anos, pregou seu primeiro
sermão em uma pequena casa em Teversham, perto de Cambridge. Seu dom para a
pregação foi imediatamente reconhecido. Com apenas dezessete anos, Spurgeon foi
feito pastor de uma igreja Batista rural no minúsculo vilarejo de Waterbeach.
Na Capela Batista de Waterbeach, Spurgeon pregou o evangelho com poder
extraordinário e resultados marcantes. Apesar de estar em uma vila conhecida
por seus hábitos devassos, essa humilde capela batista cresceu nos dois anos seguintes,
de quarenta para mais de cem membros.
CAPELA DE NEW PARK STREET
Relatos a respeito desse prodígio da pregação logo chegaram a Londres.
Em 18 de dezembro de 1853, Spurgeon foi convidado a pregar na maior e mais
famosa igreja Batista calvinista de Londres, a nova capela da Park Street. Essa
igreja histórica, ferrenhamente calvinista, tinha sido pastoreada por homens
ilustres tais como Benjamin Keach (1640-1704), John Gill (1697-1771), e John Rippon
(1750-1836), mas tinha caído em sério declínio. Apenas umas duzentas pessoas
estavam se reunindo em um prédio que havia sido construído para abrigar mil e duzentas.
Após pregar ali por três meses, Spurgeon, aos dezenove anos, foi chamado para
pastorear ali. Ele pastoreou fielmente o rebanho de New Park Street até a sua
morte trinta e oito anos mais tarde.
Com a pregação de Spurgeon, a Capela de New Park Street cresceria
instantaneamente. Dentro de poucos meses, a congregação estaria com quinhentos
membros assistindo com regularidade. Depois do primeiro ano, o prédio não podia
conter as multidões que vinham ouvir sua pregação. A capela foi aumentada para
caber mil e quinhentas pessoas, e depois, mais quinhentas em pé. Assim mesmo,
as pessoas estavam abarrotadas contra as paredes e pelos corredores, apertadas
nos peitorais das janelas. Logo a igreja começou a distribuir ingressos para as
pessoas assistirem até mesmo o culto do meio da semana. As ruas ficaram
impedidas pelo trânsito no bairro em volta da capela. Londres não havia testemunhado
surgimento tão meteórico desde os dias da pregação empolgante de George
Whitefield.
Em meio a esse imenso crescimento. Charles conheceu Susannah Thompson,
membro de sua congregação. Da amizade logo nasceu a atração, e os dois se
casaram em 8 de janeiro de 1856, na Capela de New Park Street, que transbordava
de convidados. O afeto que tinham um pelo outro jamais diminuiu. Infelizmente,
após o nascimento dos filhos gêmeos no fim de 1856, Susannah ficou
semi-inválida. Confinada a sua casa durante longos períodos em toda sua vida
adulta, Susannah não podia ouvir Charles pregar. Apesar dessa aflição,
permaneceu como fonte de forte encorajamento para ele, supervisionando um
ministério profícuo que oferecia os livros de seu marido para o uso de pastores
e missionários.
Logo as multidões forçaram a mudança da igreja para Exeter Hall, um
enorme prédio público onde cabiam quatro mil assentados, e lugar para mais mil
pessoas de pé. Porém, mesmo essa grande estrutura foi insuficiente para conter
as multidões crescentes. Centenas de pessoas eram mandadas embora a cada
semana, e ficou claro que teriam de construir um prédio maior para a congregação
que crescia tão rapidamente. Foram feitos planos para o que se tornaria o
famoso Tabernáculo Metropolitano, a maior casa de culto protestante de todo o mundo.
Enquanto isso, Spurgeon mudou sua congregação crescente para um lugar
ainda maior, o Salão Musical dos Jardins Reais de Surrey. Este imenso edifício,
com três grandes sacadas, tinha lugar
para doze mil pessoas sentadas. No primeiro culto, em 19 de outubro de 1856, a
gigantesca estrutura ficou cheia desde o chão até o teto, e milhares foram
mandados embora. Mas sucedeu a catástrofe: alguém na galeria gritou: Fogo!
Seguiu-se o pânico e, enquanto as pessoas corriam para fugir, muitas foram
pisoteadas e várias morreram - uma tragédia que deixou desolado o jovem
Spurgeon.
Faltando apenas um domingo, Spurgeon voltou a pregar às imensas
multidões. Com descrentes incontáveis assistindo, cada culto era ocasião de
evangelismo. Spurgeon e outros conversavam com os convertidos às terças-feiras
à tarde. Tantas almas perdidas foram salvas que Spurgeon disse que nunca havia
pregado sermão no Salão de Música sem que Deus não salvasse alguém. Numa época quando
Londres era a metrópole mais famosa do mundo, seu povo abraçou Spurgeon como
ninguém jamais aceitara outro pregador.
PRIMEIRAS PROVAÇÕES E TRIUNFOS
Contudo, nem tudo corria bem. Com a popularidade instantânea de
Spurgeon, veio também forte oposição a ele. A imprensa londrina difamava-o como
sendo religioso grosseiro com motivações egoístas. Repetidamente, foi objeto de
zombaria, chamado de "demagogo de Exeter Hall", "bufão do
púlpito", e "maravilha de nove dias". Além disso, defensores da teologia arminiana o
atacavam com o que julgavam ser o pior de todos os insultos, chamando-o de "pavoroso
calvinista". Por sua vez, os hiper-calvinistas o criticavam por ser aberto
demais em oferecer o evangelho de graça a todos. Spurgeon admitia: "Meu
nome é chutado pelas ruas como uma bola de futebol".
Providencialmente, essa perseguição atraiu mais aliados ao seu lado,
especialmente pregadores jovens. Embora Spurgeon não tivesse grau universitário
e não tivesse freqüentado o seminário, fundou a Faculdade de Pastores (Pastor's
College) quando contava apenas vinte e dois anos de idade. Enfocando o treinamento
de pregadores, não de acadêmicos, ele admitia somente aqueles que já estavam
ocupando algum púlpito. Durante os primeiros quinze anos, Spurgeon assumia
pessoalmente todas as despesas do curso com a venda de seus sermões semanais.
Além disso, ele fazia palestras aos alunos às tardes de sexta-feira, destacando
algum aspecto específico da pregação do evangelho. Essas palestras tomaram-se o
texto de seu amado livro, Lectures to my
students (Lições aos meus alunos). Durante sua vida, Spurgeon viu quase mil
homens treinados ao ministério em sua faculdade.
Em 1857, a Inglaterra sofreu uma trágica derrota na índia, e foi
proclamado um Dia de Humilhação Nacional. Em 7de outubro, quando tinha apenas
vinte e três anos, Spurgeon pregou no gigantesco Palácio de Cristal a um
auditório de 23.654 pessoas – o maior ajuntamento de pessoas em um recinto
fechado de seus dias. Os trens corriam por Londres levando as pessoas a ouvir a
mensagem extraída de Miqueias 6.9: "Ouvi, ó tribos, aquele que a cita".
Esse discurso nacional era forte declaração sobre a soberania de Deus sobre a Inglaterra.
A derrota, disse Spurgeon, provinha de Deus com o intuito de humilhar a nação orgulhosa.
Por meio de seus sermões impressos, a influência de Spurgeon se
espalhou por toda a Inglaterra e pelo mundo. Na segunda-feira de manhã, o sermão
escrito de Spurgeon era entregue para ser editado, e na quinta-feira, era
publicado. Estes sermões eram então vendidos por um penny cada, e assim, as mensagens eram chamadas "The Penny Pulpit" (O púlpito
de um centavo). Mais de vinte e cinco mil cópias eram vendidas a cada semana.
Esses sermões eram ainda telegrafados pelo Atlântico para os Estados Unidos,
onde eram impressos pelos grandes jornais. Eventualmente, foram traduzidos para
quarenta línguas e distribuídos por todo o globo. Os sermões eram vendidos por
distribuidores de folhetos, lidos nos hospitais, levados às prisões, pregados
por leigos, guardados com carinho por marinheiros elevados adiante por
missionários. Pela palavra impressa, estima-se que a congregação de Spurgeon
chegava a não menos que um milhão de pessoas.
UMA ONDA CRESCENTE DE
REAVIVAMENTO
O ano de 1859 foi o mais extraordinário do ministério de Spurgeon. Foi o
último ano em que sua igreja se reuniu no Salão de Música de Surrey. Um tempo
de fervoroso reavivamento foi experimentado sob os sermões mais calvinistas, e
no entanto mais evangelísticos, de seu ministério. Essas mensagens de poder do
Espírito incluíram: "Predestinação e
chamado" (Rm 8.30), "A necessidade da Palavra do
Espírito" (Ez 36.27), "A
história dos poderosos feitos de Deus" (SI 44.1), e "O sangue da
eterna aliança" (Hb 13.20).
No entanto, essa surpreendente estação nos jardins de Surrey terminou
abruptamente. Spurgeon ficou sabendo que a igreja de New Park Street teria de
compartilhar o local com programas de diversão aos domingos, que ele
considerava uma quebra da guarda do dia de descanso. Spurgeon disse que mudaria
os cultos, caso tais entretenimentos fossem permitidos. Mas os proprietários do
Music Hall recusaram ceder. Por sua vez, o jovem pregador declarou: "Se eu
cedesse, meu nome deixaria de ser Spurgeon. Não posso ceder naquilo que sei ser
o certo, e não o farei. Na defesa do santo sábado do Senhor, o grito deste dia
é; “Levantemo-nos e saiamos daqui!”. Para
não fazer concessões, Spurgeon mudou sua congregação de volta ao Exeter Hall
com espaço bem menor, demonstrando ser homem de
princípios e não pragmatismo.
Em 11 de dezembro de 1859, em seu último sermão no Music Hall, Spurgeon
pregou sobre "O adeus do ministro”, fazendo uma exposição de Atos
20.26-27, em que anunciou ter declarado, nesse lugar, "todo o conselho de
Deus". Uma pessoa que assistiu escreveu suas impressões sobre a pregação
de Spurgeon naquele dia:
Como ele se deleitou em sua
pregação naquela manhã! Fazia muito calor, e ele limpava a transpiração de sua testa;
porém seu desconforto não afetou o seu discurso. Suas palavras fluíam como uma
torrente de sagrada eloqüência... O Sr. Spurgeon pregou sincero sermão sobre
haver declarado todo o conselho de Deus. Sempre há algo de triste em falar das
últimas coisas, e eu saí de lá sentindo que das experiências mais felizes de
minha mocidade pertencia ao passado. Assim também - na minha opinião -
pertencia ao passado o período mais romântico ate mesmo na vida maravilhosa do
Sr. Spurgeon.
O TABERNÁCULO METROPOLITANO
Naquele mesmo ano, iniciou-se a construção do Tabernáculo Metropolitano.
Em 15 de agosto foi firmada a pedra fundamental. Durante a cerimônia, Spurgeon
declarou sua fidelidade inabalável às doutrinas da graça soberana de Deus: "Cremos nos grandes Cinco Pontos
conhecidos como calvinismo. Olhamos para estes como cinco grandes lâmpadas que
auxiliam em irradiar a cruz”. Enquanto estava sendo construído o imenso
prédio, Spurgeon viajou ao Continente europeu em junho e julho de 1860. Ao
chegar em Genebra, na Suíça, foi recebido como um segundo Calvino. Insistiram
que ele pregasse no púlpito do grande reformador e deram-lhe a oportunidade de
vestir sua toga, rara honra que ele não podia recusar.
Em 18 de março de 1861, o Tabernáculo Metropolitano foi oficialmente inaugurado.
Nesta grandiosa ocasião, Spurgeon pregou sobre uma visão geral das doutrinas da
graça, para então convidar cinco outros pregadores a pregar especificamente sobre
cada um dos cinco pontos do calvinismo. Tal ação revelou a firme fé de Spurgeon
de que essas verdades exaltam a Deus e formam o coração do evangelho. Spurgeon
cria que as doutrinas da graça soberana, longe de impedir o evangelismo, são
grandes ganhadoras de almas. As verdades sobre o amor do Deus que elege e
redime, infundiram na sua pregação poder para ganhar almas e trouxeram muitas
almas para a fé em Cristo.
De tamanho sem paralelos, o Tabernáculo Metropolitano foi o maior
santuário na história da igreja protestante. Com lugar para seis mil pessoas
sentadas, acomodava um dos maiores rebanhos da igreja desde o tempo dos
apóstolos. Até a sua morte, trinta e um anos mais tarde, o Tabernáculo esteve
cheio de manhã e de noite a cada domingo. Spurgeon pediu que cada membro
deixasse de freqüentar um culto a cada trimestre para dar mais espaço para os não-convertidos
se assentarem. Sua congregação era composta principalmente de pessoas comuns,
de todas os tipos de vida, mas atraía também as elites, inclusive o primeiro
ministro William Gladstone, membros da família real, dignitários do Parlamento, e pessoas notáveis
tais como John Ruskin, Florence Nightingale e General James Garfield, que mais
tarde foi presidente dos Estados Unidos.
Durante a semana, Spurgeon pregava até dez vezes em lugares diferentes
de Londres e vizinhanças, incluindo áreas longínquas como a Escócia e Irlanda. A
presença de Spurgeon em qualquer púlpito dava ousadia aos pastores locais e encorajava
seus rebanhos. Com sua fama crescente, Spurgeon foi convidado repetidas vezes para
pregar na América. No entanto, recusava esses convites transatlânticos,
preferindo manter o Tabernáculo como centro de seu ministério. As pessoas o advertiam de que ele se quebraria física e emocionalmente,
sob o estresse de tão expansiva pregação, ao que Spurgeon respondeu: "Se
eu fizer isso, estarei feliz e repetiria novamente o mesmo. Se eu tivesse
cinqüenta constituições [corpos], eu me alegraria em vê-las todas quebradas no
serviço do Senhor Jesus Cristo". Acrescentou ainda: "Encontramo-nos
capazes de pregar dez, doze vezes por semana, e descobrimos estar mais fortes
devido a isso... 'Ah', disse um dos membros, 'nosso pastor vai morrer disso.' [...]
Mas esta é a espécie de trabalho que não mata ninguém. O que mata bons
ministros é pregar a congregações sonolentas". Spurgeon encontrava força
na pregação.
ADVERSIDADES E AVANÇOS
Logo maiores controvérsias envolveram Spurgeon. Em 1864, entrou no que
veio a ser chamado Controvérsia da Regeneração Batismal, um confronto com a
igreja anglicana, a qual afirmava ser o batismo necessário para a remissão dos
pecados. Spurgeon via tal ensino como uma corrupção do evangelho, e assim, se
pronunciou contra ela. Mas ao fazer isto, foi condenado por intrusão sobre a
consciência dos membros da Igreja Anglicana. Spurgeon foi forçado a retirar-se
da Aliança Evangélica, da qual era uma figura de destaque. No meio deste
conflito, Spurgeon lançou uma revista mensal, The Sword and the Trowel (A
Espada e Colher de Pedreiro), visando refutar os erros teológicos da época e
defendendo a pureza do evangelho.
Spurgeon também estava ocupado com a propagação do evangelho. Em 1866,
fundou a Associação Metropolitana de Colportores para a distribuição de
literatura evangélica. De 24 de março até 21 de abril de 1867, o edifício do
Tabernáculo estava sendo reformado, e os cultos de domingo passaram a ser
realizados no Agrícultural Hall de
Islington. Mais de vinte mil pessoas assistiram cada um desses cinco cultos
memoráveis, entre as maiores de todas as congregações a que Spurgeon se
dirigiu. Naquele mesmo ano, inaugurou o Orfanato Stockwell para meninos. Em
1868, fundou albergues para os pobres. Em 1879, Spurgeon deu início ao orfanato
para meninas. Ao todo, sob a liderança de Spurgeon, cerca de mil membros
enérgicos estavam proclamando o evangelho de forma ativa pela cidade de
Londres, em diversos ministérios. Além disso, 127 pregadores leigos estavam
servindo em vinte e três centros missionários espalhados por toda a cidade de
Londres. Em seu aniversário de cinqüenta anos, foi lida uma lista de sessenta e
seis organizações que Spurgeon fundara com o propósito de difundir a mensagem
do evangelho.
Vários anos mais tarde, em 1887, Spurgeon entrou em mais um conflito,
desta vez o maior de todo seu ministério, chamado de Controvérsia do Declínio
(Downgrade Controversy). Ele falou em defesa do evangelho, confrontando o declínio
doutrinário que prevalecia em muitos púlpitos. Comparou a Igreja Batista com um
trem que havia alcançado o cume de uma alta passagem montanhosa e estava
descendo vertiginosamente pela íngreme estrada, aumentando a velocidade
enquanto mergulhava para baixo. Quanto mais ela descia a montanha escorregadia,
maior seria sua destruição, contendia ele. Advertiu fortemente contra a
diminuição da autoridade da Escritura, que resultava em divertimentos mundanos,
técnicas de teatro de variedades, e, em muitas igrejas de seus dias, uma
atmosfera parecida com a de circos.
Mas as palavras severas de Spurgeon caíram sobre ouvidos surdos. Em
movimento ousado, ele se retirou da União Batista em 26 de outubro de 1887. Alguns
diziam que ele deveria começar nova denominação, mas ele recusou. Na reunião
anual da União Batista de 1888, foi acatada uma proposta de censura a Spurgeon.
Em triste guinada da historia, ela foi apoiada por seu irmão James, seu
co-pastor no Tabernáculo, que acreditava, erradamente, que a proposta pedia a
reconciliação. Essa controvérsia o entristeceu de tal modo que contribuiu para
sua morte prematura apenas quatro anos mais tarde.
OS DIAS FINAIS
Em seus últimos anos, Spurgeon sofreu de diversos males físicos,
incluindo doença dos rins e gota. Com o declínio de sua saúde, Spurgeon pregou
o que seria seu ultimo sermão no Tabernáculo em 7de junho de 1891. Em grande
sofrimento, afastou-se para descansar na cidade de Mentone, na Riviera
francesa. Ali morreu em 31 de janeiro de 1892. O "Príncipe dos
Pregadores" contava apenas cinqüenta e sete anos de idade.
Foi feito um culto fúnebre primeiro na França. Então, o corpo de
Spurgeon foi levado de volta a Londres, onde na quarta-feira, 10 de fevereiro,
foram oficiados quatro cultos fúnebres – um para os membros do Tabernáculo, um
para pastores e alunos, outro para obreiros cristãos, e outro ainda para o
público em geral. Um sexto culto (e final) foi realizado no dia seguinte. Ao
todo, cerca de sessenta mil enlutados prestaram homenagens a essa figura
colossal. Um cortejo fúnebre de mais de duas milhas (3,2 km) seguiu o carro
funerário do Tabernáculo até o cemitério em Norwood, com cem mil pessoas em pé
ao longo do caminho. As bandeiras estavam a meio-mastro. Lojas e pubs permaneceram fechados. Era como se
tivesse morrido um membro da família real.
Em cima de seu caixão, foi colocado uma Bíblia, aberta em Isaias 45.22 –
o texto que o levara à fé salvadora em Cristo quando ele era adolescente. Até
na sua morte, mediante isto, Spurgeon apontava as pessoas para Cristo. Com seu
passamento, ele havia combatido o bom combate, acabado a carreira, e guardado a
fé.
Durante os trinta e oito anos de seu ministério em Londres, Spurgeon
testemunhou o crescimento de sua congregação de duzentos para quase seis mil
membros. Durante esse tempo, ele recebeu 14,692 novos membros em sua igreja,
quase onze mil mediante o batismo. No total, estima-se que Spurgeon tenha
pregado pessoalmente a quase dez milhões de pessoas. Eventualmente, um de seus filhos
gêmeos, Thomas, o sucedeu como pastor do Tabernáculo em 1894. O outro filho.
Charles Jr. tornou-se diretor do orfanato que ele fundou.
Até 1863, os sermões de Spurgeon venderam mais de oito milhões de
cópias. Na época de sua morte em 1892, cinqüenta milhões de cópias tinham sido
vendidas. Até o fim do Século Dezenove, mais de cem milhões de sermões haviam
sido vendidos em vinte e três línguas, cifra inigualável por qualquer outro
pregador, antes ou depois dele. Hoje em dia, este número é bem mais do que
trezentos milhões de cópias. Um século após sua morte, havia mais obras de
Spurgeon impressas do que de qualquer outro autor da língua inglesa. Spurgeon é
o pregador mais amplamente lido em toda a história.
Até os dias atuais, Spurgeon continua a exercer enorme influência no mundo
cristão evangélico. Foi autor de 135 livros, editor de mais vinte e oito, e
escreveu inúmeros panfletos, folhetos e artigos. Este corpo de trabalho não tem
precedentes como projeto de publicação por parte de um único autor na história
do cristianismo. Com mais de três mil e oitocentas mensagens impressas, seus
sermões compõem a maior coleção encadernada de escritos por um homem na língua
inglesa. São coligidos em sessenta e três volumes, contendo cerca de vinte e cinco
milhões de palavras.
Dado o impacto monumental que Spurgeon teve sobre a Inglaterra e por
todo o mundo, certas perguntas surgem: O que fez que sua pregação fosse tão
atraente? O que o inflamava a proclamar o evangelho da maneira que fez? O que
deu a seu ministério evangelístico tanto poder de conversão? As respostas se
encontram naquilo que é o tema central deste livro: o foco evangélico de
Charles Spurgeon.
_____________________________
O Foco Evangélico de Charles Spurgeon. Steven Lawson.
São José dos Campos: Editora Fiel, 2012. 139p
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