A
imutabilidade de Deus está ligada à Sua eternidade, que foi analisada de forma
resumida no capítulo nove, mas elas não são idênticas. A eternidade de Deus
significa que Ele sempre existiu e sempre existirá; nada veio antes dele, nada
depois. A imutabilidade do Senhor denota que Ele é sempre o mesmo em Seu ser
eterno.
Podemos
entender isso de imediato. Contudo, essa qualidade é a que separa o Criador até
mesmo dia mais superior de Suas criaturas. Deus é imutável, enquanto nenhuma
outra parte de Sua criação o é. Tudo o que conhecemos muda. O mundo material
muda, e não no sentido circular, como os gregos entendiam – de modo que todas
as coisas no final voltam a ser o que eram --, mas sim no sentido de
desgastar-se, como a ciência indica.
Por
exemplo, elementos com elevados complexos e ativos, tais como materiais
radioativos, decaem para menos ativos. Os recursos variados e abundantes da
terra são extinguíveis. Espécies de vida podem tornar-se extintas, e muitas já
se tornaram. De forma individual, homens e mulheres nascem, crescem, envelhecem
e morrem. Nada que conhecemos dura para sempre.
Na
humanidade, a mutabilidade se deve ao fato de que somos criaturas decaídas e
estamos separados de Deus. A Bíblia fala dos ímpios como sendo o mar bravo que
se não pode aquietar (Is 57.20). Judeus fala deles como nuvens sem água,
levadas pelos ventos (1.12c), e como estrelas errantes (1.13c), sem uma órbita
certa.
Com
certeza não há melhor lugar para demonstrar a dimensão moral da variabilidade
humana do que na reação das pessoas ao Senhor Jesus Cristo. Em uma semana elas
clamavam: Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor! (Jó
12.13). Na semana seguinte, gritavam: Crucifica-o! Crucifica-o! (Lc 23.21b).
Não
se pode confiar na natureza humana, todavia podemos confiar em Deus. Ele é
imutável. Sua natureza é sempre a mesma. Sua vontade é invariável. Seus
propósitos são seguros. Deus é o ponto fixo num universo conturbado e decaído
para aqueles que em verdade o conhecem.
Após
Tiago ter falado sobre o pecado e os erros humanos, ele também afirmou que toda dádiva e todo dom perfeito vêm do alto,
descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação (Tg
1.17).
A
mesma perspectiva é compartilhada pelo profeta Malaquias, que observa em um
versículo que já se aproxima do final do Antigo Testamento: Porque eu, o
SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos (Ml
3.6).
SEM MUDANÇAS
Cada
um dos versículos anteriores fala da imutabilidade de Deus na Sua essência.
Sendo perfeito, Ele nunca fica diferente de si mesmo. Para um ser moral mudar,
seria necessário mudar em uma ou duas direções. Ou a mudança é de alguma coisa
pior para uma coisa melhor, ou de algo melhor para algo pior.
É
evidente que Deus não pode mudar para melhor, porque isso significaria que
outrora Ele havia sido imperfeito. Se estivéssemos falando sobre justiça, por
exemplo, significaria que Ele não havia sido em Sua totalidade justo, e, por
isso, teria sido pecador. Se estivéssemos falando sobre conhecimento,
significaria que Ele não sabe de tudo, e seria ignorante.
Por
outro lado, Deus não pode mudar para pior. Nesse caso, Ele se tornaria menos do
que havia sido em algum momento, tornando-se pecaminoso ou imperfeito.
A
imutabilidade de Deus, de acordo com a Escritura, não é a mesma coisa que a
imutabilidade de deus descrita pelos filósofos gregos. No pensamento grego, a
imutabilidade significava não apenas nunca mudar, porém também a falta de
habilidade de ser afetado por qualquer coisa de alguma forma. A palavra grega
para isso, a características primária de deus, era apatheia, da qual deriva a palavra em português apatia, que
significa indiferença.
Contudo,
o termo grego vai além dessa ideia. Significa uma total inabilidade de sentir
qualquer emoção. Os gregos acreditavam que deus tinha essa qualidade porque de
outro modo teríamos poder sobre ele a ponto de poder fazê-lo sentir raiva,
alegria ou pesar. Ele deixaria de ser absoluto e soberano.
Assim
o deus dos filósofos, embora não das mitologias mais populares, seria
solitário, isolado e sem compaixão.
Isso
estabelece uma boa filosofia. Tem lógica. No entanto, não é o que Deus revela
sobre si mesmo na Escritura, e devemos rejeitar tal filosofia, tão lógica
quanto possa parecer. A Bíblia nos mostra que Deus é de fato imutável, porém
Ele percebe e é afetado pela obediência, pelo pecado de Suas criaturas.
Brunner,
em Herdeiros de Deus, escreveu:
Se for verdade que realmente
há tais coisas como a misericórdia de Deus e a ira de Deus, então Deus, também,
é afetado pelo que acontece a Suas criaturas. Ele não é como aquela divindade
do platonismo, que é despreocupada e que, portanto, não se comove com todas as
coisas que acontecem na terra, mas segue sua vida no céu sem olhar ao seu
redor, sem considerar o que está acontecendo aqui. Deus decidiu “olhar ao
redor”; Ele em definitivo importa-se com o que acontece ao homem. Ele se
preocupa com as mudanças na terra. [1]
Um
exemplo primário é visto no Senhor Jesus Cristo, que, apesar de ser Deus,
chorou pela cidade de Jerusalém e no túmulo de Lázaro.
UMA VERDADE PERTUBADORA E
CONFORTANTE
A
imutabilidade de Deus também se aplica a Seus atributos. O Breve Catecismo de
Westminster [2]
define Deus como sendo espírito, infinito,
eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e
verdade.
Deus
tem todo o conhecimento e a sabedoria, e Ele sempre terá toda a sabedoria. Ele
é soberano e sempre o será. Ele é santo e sempre será santo. Ele é justo e
sempre será justo, bom, verdadeiro. Nada que acontece jamais diminuirá Deus
nesses ou em qualquer de Seus atributos.
Essa
verdade tem dois lados: é perturbadora para aqueles que estão em rebelião
contra Deus e é confortante para aqueles que vieram a conhecê-lo por intermédio
de Cristo. O primeiro é evidente no que dissemos nos três capítulos anteriores.
Se for verdade que a sabedoria, santidade e onisciência de Deus são conceitos
improváveis para o homem natural, o fato de que Deus não mudará em nenhuma
dessas áreas é ainda mais perturbador.
A
pessoa que não está salva não se sentiria tão incomodada pela sabedoria de Deus
se pudesse pensar que um dia Deus se tornaria menos soberano, e o indivíduo
mais autônomo. Seria concebível que ela, ou a humanidade, poderia substituir
Deus um dia.
De
novo, esse indivíduo não ficaria tão perturbado pelos pensamentos sobre a
santidade de Deus se fosse possível imaginar que com o tempo Deus se tornaria
menos santo, chamando o que Ele hoje considera como pecado de não pecado, e ignoraria
a culpa. Ou, se Deus pudesse esquecer, logo o mal não seria tão problemático;
se fosse dado tempo, ele poderia desvanecer-se na memória de Deus.
Todavia,
a imutabilidade de Deus significa que Ele será sempre soberano, sempre santo,
sempre onisciente. Por consequência, todas as coisas devem ser trazidas à luz e
julgadas diante dele.
Outro
lado dessa doutrina diz respeito ao cristão. Para nós é um grande conforto.
Neste mundo as pessoas nos esquecem, mesmo quando trabalhamos duro e as
servimos. Elas mudam de atitude em relação a nós à medida que suas próprias
necessidades e circunstâncias determinam. Com frequência são injustas, como nós
somos também, Contudo, Deus não é assim.
Sabendo Jesus que já era
chegada a sua hora de passar deste mundo par o Pai, com havia amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até ao fim. (João 13.1)
Tozer escreveu sobre o conforto encontrado na
imutabilidade de Deus:
Que paz traz
ao coração do cristão entender que o Pai celestial nunca fica diferente de si
mesmo. Ao aproximar-nos dele em qualquer momento não precisamos perguntar-nos
se o encontraremos numa posição receptiva. Ele sempre é receptivo à tristeza e
à necessidade, assim como ao amor e à fé. Ele não segue um horário comercial
nem reserva períodos em que não verá ninguém. Ele também não muda de opinião a
respeito de nada. Hoje, neste momento, Ele está voltado para Suas criaturas,
para os bebês, para os doentes, para os decaídos, para os ímpios, com exatidão
como fazia quando enviou Seu único Filho ao mundo para morrer pela humanidade.
Deus nunca muda Seu humor, esfria em suas afeições ou perde Seu entusiasmo.[3]
Assim,
temos grande conforto aqui. Se Deus variasse como Suas criaturas variam, se Ele
quisesse uma coisa hoje e outra amanhã, quem confiaria nele ou seria encorajado
por Ele? Ninguém. No entanto, Deus é sempre o mesmo. Sempre o encontraremos
como Ele se revelou ser em Cristo Jesus.
PLANOS IMUTÁVEIS
Deus
também é imutável em Seus propósitos e planos. Em geral temos uma visão falha
para antecipar tudo o que pode acontecer, ou falta-nos o poder para executar o
que nos propomos. Deus não é como nós a esse respeito. “Infinito em sabedoria, não pode haver erro na concepção de Seus
planos; infinito em poder, não pode haver falha na Sua realização” [4] (HODGE,1960, p. 390).
Deus não é homem, para que
minta; nem filho de homem, par que se arrependa; porventura, diria Ele e não o
faria? Ou falaria e não o confirmaria? (Números 23.19)
Arrependimento
significa revisar o plano de ação de alguém, entretanto Deus nunca faz assim.
Seus planos são feitos com base no perfeito conhecimento, e Seu poder perfeito
providencia sua realização.
O conselho do SENHOR
permanece para sempre; os intentos do seu coração, de geração em geração. (Salmo 33.11)
O SENHOR dos Exércitos
jurou, dizendo: Como pensei, assim sucederá; e, como determinei, assim se
afetuará. (Isaías
14.24)
Lembrai-vos das coisas
passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há
outro semelhante a mim; que anuncio o fim desde o princípio e, desde
antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho será
firme, e farei toda a minha vontade. (Isaías 46.9,10)
Salomão
escreveu: Muitos propósitos há no coração do homem, mas o conselho do SENHOR
permanecerá (Pv 19.21).
Quais
são as consequências da imutabilidade de Deus? Primeiro, se os propósitos de
Deus não mudam, então os propósitos de Deus para Cristo também não mudarão. Seu
propósito é glorificar Cristo.
Pelo que também Deus o
exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome, para que ao
nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e
debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para
glória de Deus Pai. (Filipenses 2 .9-11)
É
tolice resistir à glória de Cristo. Podemos fazer isso agora, como muitos
fazem, contudo está chegando o dia quando Jesus terá de ser confessado como
Senhor mesmo por aqueles que não o aceitaram como Senhor nesta vida. Nesses
versículos a palavra que é traduzida como confesse, exbomologeo, significa reconhecer com ação de graças.
Por
exemplo, é usada como um reconhecimento ou uma confissão de pecado e da
concordância de Judas com os príncipes dos sacerdotes para trair seu Mestre. É
nesse sentido de reconhecimento que a palavra é usada sobre aqueles que se
rebelaram contra a autoridade de Cristo e a glória de Sua vida. Eles o
rejeitaram aqui, mas vão reconhecê-lo na eternidade. Eles não vão confessar com
alegria que Jesus Cristo é o Senhor, no entanto vão confessá-lo enquanto estão
sendo banidos de sua presença sempre.
Porque, quando Deus fez a
promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurasse, jurou por si
mesmo, dizendo: Certamente, abençoado, te abençoarei e, multiplicando, te
multiplicarei. E assim, esperando com paciência, alcançou a promessa. Porque os
homens certamente juram por alguém superior a eles, e o juramento para
confirmação é, para eles, o fim de toda contenda. Pelo que, querendo Deus
mostrar mais abundantemente a imutabilidade do seu conselho aos herdeiros da
promessa, se interpôs com juramento, para que por duas coisas imutáveis, nas
quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que
pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta. (Hebreus 6.13-18)
O
propósito de Deus é trazer os Seus para desfrutar pleno de Sua prometida
herança. Ele o confirma por meio de um juramento imutável. Nesse propósito cada
filho redimido de Deus deve ter ânimo.
Por
fim, o propósito de Deus para os ímpios não mudará. É seu propósito julgá-los,
e Ele irá fazê-lo. Deus ao culpado não tem por inocente (Êx 34.7c). Muitas
outras passagens declaram com frequência o julgamento em si.
A
imutabilidade do julgamento divino deve ser uma advertência para qualquer um
que não se voltou para o Senhor Jesus como Salvador, e deve impeli-lo a Cristo
enquanto ainda há esperança.
A
imutabilidade de Deus também significa que a verdade de Deus não muda.
Os homens, às vezes, fazem
afirmativas que não sentem porque não conhecem sua própria mente; também porque
suas perspectivas mudam, eles com frequência descobrem que não podem mais ficar
firmes em relação ao que disseram no passado. Todos nós, às vezes, temos de
revogar nossas palavras, porque fatos duros as refutam. As palavras dos homens
são instáveis. Todavia, não é assim com a Palavra de Deus. Ela fica para
sempre. Nenhuma circunstância vai induzi-lo a revogá-la; nenhuma mudança em Seu
próprio pensamento exige que Ele a corrija. Isaías escreveu: Toda carne é erva
[...]. Seca-se a erva, [...] mas a palavra de nosso Deus subsiste eternamente
(Is 40.6-8). [5]
Os
cristãos devem ficar firmes nas palavras e promessas do Deus imutável. As
promessas do Senhor não são “relíquias de eras passadas”, com Packer observa,
mas sim a revelação inalterável e válida da vontade do nosso Pai celestial.
Suas promessas não se alterarão. Um homem e uma mulher sábios confiam nessa
verdade.
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Fundamentos da Fé Cristã: Uma Manual de teologia ao alcance de todos. James Montgomery Boice. São Paulo: Central Gospel, 2011, p. 124-128
Fundamentos da Fé Cristã: Uma Manual de teologia ao alcance de todos. James Montgomery Boice. São Paulo: Central Gospel, 2011, p. 124-128
[1] BRUNNER, Emil. The Christian Doctrine of
God: Dogmatics [A doutrina
cristã de Deus: teologia
dogmática], Vol. 1. Philadelphia: Westminster,
1950, P.268
[2]
O Breve Catecismo de Westminster foi formulado por teólogos ingleses e
escoceses da Assembléia de Westminster, no séc. 17. É um catecismo resumido, de
orientação calvinista, composto de 107 questões. Ao lado da Confissão de Fé de
Westminster e do catecismo Maior de Westminster, compõe os símbolos de fé das
igrejas presbiterianas ao redor do mundo.
[3] TOZER, A. W. The Knowledge o f the Holy [O conhecimento do sagrado],
New York: Harper &
Row,
1961, p.59
[4] HODGE, Charles. Systematic Theology [Teologia Sistemática]. London:
James Clarke & Co., 1960, p.390.
[5] PACKER, J. I. Knowing God [Conhecendo a Deus], Illinois:
IVP, 1973, p.70
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