Muitos cristãos têm consciência da necessidade de aprofundar
seu entendimento do evangelho. Muitas vezes, aqueles que acabaram de abraçar a
fé querem que alguém os ajude a entender melhor o cristianismo. Com freqüência,
porém, cristãos mais experientes, cônscios de sua falta de conhecimento e
compreensão de pontos importantes da fé, sentem a mesma necessidade. A
existência de inúmeros grupos de estudos cristãos, que se reúnem em igrejas e
lares por todo o mundo, revelam essa necessidade. No calendário da igreja, a
época da Quaresma (período entre a (Quarta-Feira de Cinzas e a Páscoa) costuma ser
separada para a reunião desses grupos, o que não raro atrai cristãos com
diferentes formações para estudar e aprender juntos. O problema desses grupos,
porém, é que em geral têm dificuldades para decidir o que estudar. Enfrentam
problemas para definir um programa.
Na realidade, poucos assuntos dariam um objeto de estudo
melhor para tais grupos que o Credo Apostólico. O Credo apresenta
um breve resumo de muitos dos pontos principais da fé cristã e é conhecido de
muitos crentes, já acostumados a usá-lo no culto dominical. Este livro foi
concebido para ser um guia de estudos do Credo Apostólico e pode ser
facilmente adaptado para uso nas seis semanas da Quaresma, mas também é
adequado a qualquer outro período. Espero que este trabalho ajude você a
refletir sobre algumas áreas de sua fé e a aprofundar seu entendimento daquilo
em que crê. A fé, na verdade, é “adquirida, não ensinada”, mas ela vai além de
confiar em Deus. Uma fé que permanece nesse nível é imatura e superficial,
vulnerável à dúvida e pouco útil para a evangelização. É difícil explicar o
cristianismo a alguém de fora se você mesmo nunca refletiu muito sobre ele. É
claro que os cristãos confiam em Deus, mas temos convicções bastante
específicas a respeito dele e sobre o impacto que elas devem ter sobre nós, os
crentes. O Credo Apostólico é um ponto de partida ideal nesse processo
imprescindível de consolidação do entendimento de sua fé.
O significado da palavra credo
Muitas palavras da língua inglesa têm origem no latim,
sobretudo no caso das palavras relacionadas ao cristianismo. Durante mais de
mil anos, o latim foi a língua dos cristãos instruídos. Não é de estranhar que
um bom número de palavras do inglês provenha do latim. Um bom exemplo é o nome Maundy
Thursday [Quinta-Feira Santa], o dia imediatamente anterior à Sexta-Feira
da Paixão, em que os cristãos por tradição voltam os pensamentos para a Última
Ceia. Na Idade Média, os cultos da igreja sempre se realizavam em latim, e o
texto escolhido para iniciar a celebração da Última Ceia era João 13.34: “Um
novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos amei a vós,
que também vós uns aos outros vos ameis” (ARC). Em latim, esse texto começa com
as palavras “Mandatum novum do vobis [Mandamento novo vos dou]”. A
palavra inglesa Maundy deriva do primeiro vocábulo pronunciado nesse
culto: mandatum, “mandamento”.
Aconteceu exatamente a mesma coisa com a palavra credo.
Durante mais de mil anos, os cristãos da Europa ocidental só conheciam o Credo
Apostólico em latim, cujas primeiras palavras são Credo in Deum, ou
“Creio em Deus”. Talvez você esteja habituado a essas palavras latinas, ou a
algumas muito parecidas encontradas em obras para corais de compositores como
Bach, Haydn, Mozart ou Beethoven. O termo “credo” em nosso idioma é a própria
palavra latina credo. Como essa palavra indica, trata-se de uma
declaração de fé. É uma tentativa de resumir os pontos principais daquilo em
que os cristãos creem. Não é um texto exaustivo, nem é essa sua intenção.
As origens dos credos
As origens do Credo Apostólico podem ser
encontradas no próprio Novo Testamento. São freqüentes as menções a ser
“batizado em nome de Jesus Cristo” (ver At 2.38; 8.12; 10.48) ou “em nome do
Senhor Jesus” (At 8.16; 19.5). Parece que a forma mais simples do primeiro credo cristão foi
apenas “Jesus é o Senhor” (Rm 10.9; 1Co 12.3; 2Co 4.5; Fp 2.11). Qualquer um
que fizesse essa declaração era considerado cristão.
Cristão é aquele que “[recebeu] Cristo Jesus, o
Senhor” (Cl 2.6). Essa declaração é vigorosa, pois implica duas afirmações
conexas. Em primeiro lugar, confessa a lealdade do crente a Jesus Cristo e seu
compromisso com ele. Como veremos mais adiante, quando alguém confessa que “Jesus
Cristo é o Senhor”, isso equivale a declarar que Jesus é o Senhor de sua vida.
Reconhecer que Jesus é o Senhor significa buscar seguir a vontade dele. A
recusa dos primeiros cristãos a adorar o imperador romano reflete a convicção
de que só é possível servir a um senhor e, para o cristão, esse senhor é o próprio Jesus, e
somente ele. Em segundo lugar, “Jesus é o Senhor” afirma determinadas informações
acerca de Jesus, sobretudo sobre sua ligação com Deus.
Entretanto, com o passar do tempo, foi necessário explicar
com mais detalhes aquilo em que os cristãos criam. Era preciso explicar tudo o
que implicava declarar “Jesus é o Senhor”. O que os cristãos criam com relação
a Deus? E sobre Jesus? E o Espírito Santo? No quarto século, o Credo
Apostólico como o conhecemos hoje já tinha adquirido uma fórmula mais ou
menos fixa. As variações que existissem eram sutis e, mesmo estas, acabaram por
ser eliminadas no sétimo século. O Credo Apostólico é um resumo excelente dos
ensinos dos apóstolos acerca do evangelho, apesar de não ter sido de fato escrito
pelos apóstolos.
Quando alguém se tornava cristão na igreja primitiva, seu
batismo era imbuído de grande importância. No período da Quaresma, os
recém-convertidos à fé eram instruídos nas convicções cristãs. Ao fim desse
processo, quando já dominavam os fundamentos da fé, recitavam o Credo juntos,
num testemunho coletivo da fé que professavam — e agora entendiam. A fé tinha
sido reforçada pelo entendimento. Em seguida, todos eram batizados de forma
solene e com muita alegria no próprio dia de Páscoa, quando a igreja celebrava
a ressurreição de seu Senhor e Salvador. Dessa forma, a importância do batismo
do crente podia ser plenamente compreendida: ele havia passado da morte para a
vida (Rm 6.3-10). O batismo era uma demonstração pública de que o fiel morrera
para o mundo e nascera para uma nova vida em Jesus Cristo.
Uma parte fundamental da celebração do batismo era a
pública profissão de fé de cada candidato. Quem desejasse ser batizado tinha de
professar publicamente sua fé em Jesus Cristo. Em muitos momentos da história
da igreja, isso foi extraordinariamente perigoso: confessar-se cristão podia
significar prisão, perseguição, sofrimento ou mesmo a morte. (A propósito, a
palavra mártir deriva do vocábulo grego mártys, que quer dizer
“testemunha”. Ser um mártir era considerado o mais sublime testemunho possível
de Jesus Cristo e seu evangelho.) O crente, contudo, não se limitava a recitar
um credo. Antes de ser batizado, cada indivíduo era indagado se cria
pessoalmente no evangelho. Observe a seguir parte de um sermão pregado no quarto
século a recém-batizados que menciona essa prática. (Note as importantes referências a Romanos 6.3,4: aqueles
que morreram para seu passado renasceram para uma nova vida em Cristo).
Perguntaram-te:
“Crês em Deus Pai todo-poderoso?”. Respondeste: “Creio”, e foste imerso, ou
seja, sepultado. Mais uma vez te perguntaram: “Crês em nosso Senhor Jesus
Cristo e em sua cruz?”. Respondeste: “Creio”, e foste imerso. Desse modo, foste
sepultado com Cristo, pois aquele que com Cristo é sepultado, com ele
ressuscita. Uma terceira vez te perguntaram: “Crês no Espírito Santo?”.
Respondeste: “Creio”, e foste imerso uma terceira vez. Tua confissão tríplice,
portanto, apagou os muitos pecados de tua existência anterior.
Historicamente, portanto, o Credo era a profissão de
fé dos convertidos na ocasião do batismo e constituía o fundamento da instrução
deles. Agora que mais e mais indivíduos descobrem o cristianismo em idade
adulta, o Credo pode voltar a atender a este propósito histórico.
O Credo Apostólico, entretanto, não foi o único credo
a surgir no período da igreja primitiva. Duas controvérsias importantes na
igreja nascente geraram a necessidade de ser mais preciso acerca de certos
aspectos de doutrina. A primeira delas, a controvérsia ariana no quarto século,
dizia a respeito à relação entre Jesus e Deus. Com o fim de evitar entendimento
insuficiente da relação entre o Pai e o Filho, o Concílio de Calcedônia (451
d.C) apoiou um credo conhecido hoje como o Credo Niceno. Cerca de duas vezes mais extenso que o Credo
Apostólico, ele começa com as palavras “Cremos em um Deus”. No empenho de
insistir na divindade de Jesus Cristo, esse Credo afirma que Jesus é “feito de
uma só substância com o Pai”.
A segunda controvérsia de maior importância girava em
torno da Trindade. Para evitar compreensões equivocadas da relação entre o Pai,
o Filho e o Espírito, foi redigido o Credo Atanasiano. Este credo, que iniciava
com a frase “Todo aquele que quiser ser salvo”, é de longe o mais extenso dos
três. Hoje em dia, raramente é usado em cultos públicos.
Neste livro, vamos concentrar a atenção no Credo
Apostólico, o mais simples e mais antigo credo da igreja. Todas as tradições
cristãs reconhecem a importância e a autoridade dele como padrão de doutrina.
Estudar o Credo Apostólico é investigar um elemento fundamental da herança
cristã comum a todos nós. É uma afirmação das convicções básicas que unem os
cristãos de todo o mundo e de todos os séculos.
O Objetivo dos
credos
Com já vimos, os credos surgiram como uma profissão de
fé ou confissão de fé dos convertidos na ocasião de seu batismo. Desde então,
eles tem servido para outras finalidades, como, por exemplo, um teste de
ortodoxia para líderes cristãos ou ato de louvor num culto cristão. Em nossos
dias, os credos têm três finalidades principais.
Em primeiro lugar, eles oferecem um breve resumo da fé
cristã. Um credo não é, nem jamais teve intenção de ser, substituto da fé
individual. Ele procura dar corpo à fé pessoal que já existe. Ninguém se torna
cristão por recitar um credo, mas o credo apresenta uma boa síntese dos
principais pontos da fé pessoal. Certos ensinos cristãos não são abordados no
Credo. Não há, por exemplo, um parágrafo que declare: “Creio nas Escrituras”.
Isso não é necessário, pois o Credo é basicamente um resumo ou uma compilação
das principais questões do ensino bíblico referente ao evangelho. A importância
da Bíblia é um pressuposto sempre presente; aliás, a maior parte do Credo
consiste de citações diretas da Bíblia.
Alguns componentes do Credo talvez pareçam um pouco
estranhos ou desconhecidos para os novatos na fé. Não se assuste, isso é apenas
para lembrá-lo de que há mais no cristianismo do que você imagina nesse
estágio. À medida que vai crescendo na fé, você começa a entender a sabedoria
do material que ele contém, por exemplo, sobre a igreja, que muitas vezes
parece fora de contexto para os cristãos jovens.
Isso nos traz à segunda finalidade dos credos:
permitir-nos reconhecer e evitar versões incompletas ou insuficientes do
cristianismo. Por exemplo, alguns talvez insistam que o cristianismo diz
respeito sobretudo (quiçá inteiramente) ao Espírito Santo. Outros talvez rejeitem
com raiva essa idéia, retorquindo que o cristianismo diz respeito
fundamentalmente a Deus Pai. O Credo Apostólico nos lembre de que há muito mais
no evangelho que qualquer das visões. Provendo uma abordagem bíblica e
equilibrada da fé cristã, testada e comprovada por crentes ao longo dos
séculos, o credo nos permite reconhecer as visões incompletas do evangelho. Por
exemplo, nenhuma das visões citadas anteriormente faz referencia alguma ao
próprio Jesus, o que é uma omissão grave. Elas não são erradas, são apenas
insuficientes.
Muitas pessoas tiveram a fé extraordinariamente
fortalecida e amadurecida ao serem obrigadas a refletir em áreas da doutrina
que jamais teriam estudado som o Credo Apostólico. O Credo deve ser visto como
um convite a analisar e descobrir aspectos do evangelho que de outra forma
seriam esquecidos ou ignorados. Muitos cristãos evangélicos, por exemplo,
costumam ser individualistas, sem nenhum sendo real de pertencer a uma
comunidade. Ao afirmar a crença na igreja, o credo nos lembra do aspecto
comunitário da doutrina e ajuda a corrigir o individualismo nocivo.
Muitos recém-chegados ao cristianismo querem ser
batizados para declarar publicamente sua fé. Uma parte importante da celebração
de seu novo nascimento pode ser a declaração congregacional de sua fé coletiva,
usando as palavras do Credo Apostólico. Permita que isso lhe sirva de estímulo!
Veja no Credo um planejamento para sua investigação pessoal da fé cristã.
Considere-o um mapa das áreas que você vai analisar, quer por sua conta
própria, quer com outras pessoas. Algumas afirmações do Credo talvez lembrem
aqueles mapas antigos, em que grandes partes do globo eram marcadas como terrae
incognitae, “território desconhecido”. Encare isso como um desafio! Pode levar
algum tempo para você sondar as profundezas de sua fé, mas não há pressa.
Espero que este livro lhe sirva de auxílio para começar a explorar sua fé e
conhecer a paisagem dela.
Em terceiro lugar, o Credo ressalta quer crer é
pertencer. Tornar-se cristão é passar a fazer parte de ma comunidade de fé cuja
existência remonta ao Cenáculo, onde Jesus se reuniu com seus discípulos (Jo
21). Ao depositar sua fé em Jesus Cristo, você passou a ser um membro de seu
corpo, a igreja, que usa este credo para expressar sua fé. Ao estudá-lo, você
está se lembrando dos muitos homens e mulheres que o usaram antes de você. Ele
lhe dá um senso de história e perspectiva. Enfatiza que você não é a única
pessoa a depositar a confiança em Jesus Cristo. Imagine quantos mais ao longo
dos séculos recitaram essas palavras quando foram batizados. Imagine quantos
outros encontraram no Credo Apostólico uma confissão de sua fé pessoal. Você
faz parte dessa fé e pode compartilhar as mesmas palavras que eles usaram para
exprimi-la.
MCGRAFT, Alister E. Creio: um estudo sobre as verdades
essenciais da fé cristã no Credo Apostólico. São Paulo: Vida Nova, 2013.
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