Talvez a Igreja de Cristo esteja atravessando um dos seus mais difíceis períodos da história, no que diz respeito à acolhida do seu padrão de fé e prática: As Sagradas Escrituras. No seio do que se conhece como igreja evangélica, fruto da Reforma do Século XVI, nunca se citou tanto a Bíblia como atualmente; nunca se falou tanto da Bíblia quanto se fala hoje; nunca se divulgou tanto a Bíblia como nos dias atuais. Paradoxalmente, nas igrejas filhas da Reforma, nunca se desrespeitou tanto a Palavra de Deus como atualmente; nunca ela foi colocada meramente como fonte secundária de informação como quanto é colocada hoje em dia; nunca ela teve porções inteiras consideradas desatualizadas, ou pertinentes apenas aos leitores originais, como atualmente; nunca ela foi alvo de tanto questionamento, quanto aos autores dos livros e aos períodos nos quais foi escrita, quanto nos dias de hoje. Essas são situações encontradas não no segmento liberal/ racionalista, mas dentro da própria Igreja Evangélica, das denominações que se auto-intitulam conservadoras na fé e prática e que se propõem a ser as mais fervorosas e cheias do Espírito Santo de Deus.
E nesse sentido que Sola Scripíura - A Doutrina Reformada das Escrituras vem atender uma necessidade de reafirmação dos princípios e ensinamentos fundamentais ao desenvolvimento de uma igreja sadia em doutrina e que honre, realmente, o nome de Cristo. O Rev. Paulo Anglada vai às próprias Escrituras como sua fonte principal, e à história, com o seu testemunho incontestável. Delas extrai a relevância e suficiência da Palavra de Deus, relembrando essa questão à igreja dos nossos dias. Em nosso esquecimento dessa doutrina, vemos a igreja se afundando em um evangelho humanista, diluído, horizontalizado e que contribui para confundir a mensagem cristalina do evangelho, que deveria estar sendo proclamada.
Sabemos que as seitas apresentam uma multiplicidade de padrões, nos quais se fundamentam. Livros e escritos paralelos são apresentados como se a sua autoridade fosse equivalente ou até acima da Bíblia. A cena comum é a apresentação de novas revelações, geralmente de caráter escatológico e de características fluidas, contraditórias e totalmente duvidosas. Aqui, a suficiência das Escrituras é uma doutrina desprezada.
No meio eclesiástico liberal, já nos acostumamos a identificar o ataque constante à veracidade das Escrituras. Vamos com mais de dois séculos de contestação sistemática à Palavra de Deus, como se a fé cristã verdadeira fosse capaz de subsistir sem o seu alicerce principal. Nesse campo, que forneceu bastante munição ao inimigo e que alimentou as bases do pensamento intelectual não-cristão sobre a Bíblia, a suficiência das Escrituras é também uma doutrina desprezada.
E também sabido que no campo evangélico neopentecostal e. às vezes, até no campo tradicional pentecostal, temos uma situação problemática no que diz respeito à relevância da Palavra de Deus. Ela é frequentemente superada pelas supostas “novas revelações” que passam a ser determinantes das doutrinas e do caminhar do Povo de Deus. Aqui, também, a doutrina da suficiência das Escrituras é, na prática, desprezada.
Mas partem exatamente de dentro do campo evangélico as perturbações e os últimos ataques à Bíblia como regra inerrante de fé e prática. Em anos recentes, muitos ditos intelectuais e eruditos têm questionado a doutrina que coloca a Bíblia como um livro inspirado, livre de erro. Por exemplo: um famoso seminário teológico norte-americano foi fundado em 1947, no campo conservador, sobre princípios corretos. Sua “Declaração de Fé1' original especificava: “Os livros do VT e NT..., nos originais, são inspirados plenariamente e livres de erro, no todo e em suas partes...”. Entretanto, em 1968, um dos seus líderes começou a questionar a inerrância da Bíblia, fazendo distinção entre trechos “revelativos” e trechos “não revelativos” das Escrituras. Ele foi seguido, nesta posição, pelo próximo presidente, e por vários outros professores, todos considerados evangélicos, resultando no enfraquecimento geral do posicionamento de vários professores daquele seminário sobre a integridade das Escrituras.[1] Logicamente, não há critério coerente ou autoritativo para estabelecimento desta distinção entre o que seria “não revelativo” nas Escrituras - pontos abertos ao questionamento mais amplo - e as porções “revelativas” - essas, sim, de validade espiritual. Esse pensamento, que se faz presente não só naquele exemplo, mas em tantos outros segmentos da igreja, subtrai da Igreja o seu padrão, derruba um dos pilares da Reforma e retroage a Igreja à uma condição medieval de dependência dos especialistas que nos dirão quais as partes que devemos crer realmente e quais as que podemos descartar como mera invenção humana. E nesse contexto que se faz presente a necessidade de relembrarmos os pilares da nossa fé reformada, como o faz o Rev. Paulo Anglada.
Não há inovação na mensagem deste livro, mas uma extrema necessidade de que o brado de Sola Scripíura seja reavivado ao longo da história da igreja. E essa história que mostra Deus derramando grandes bênçãos sempre que os fiéis desprenderam-se de suas tradições e ensinamentos humanos e se voltaram para a palavra escrita inspirada por Deus. Desde os tempos de Josué (1:7.8) que Deus admoesta os seus a que se prendam aos registros inspirados. Ali lemos:
“Tão-somente esforça-te e tem mui bom ânimo, cuidando de fazer conforme toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; não te desvies dela, nem para a direita nem para a esquerda, a fim de que sejas bem sucedido por onde quer que andares. Não se aparte da tua boca o livro desta lei. antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido”.
A Reforma do Século XVI fez exatamente isso e. na soberana providência de Deus, nela temos um grande reavivamento gerado pela descoberta das Escrituras, e pelo seguimento de seus ensinamentos e verdades práticas. E, na realidade, um erro acharmos que a Reforma marca a aparição de várias doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada. Já dissemos que uma característica comum das seitas é a apresentação de supostas verdades que nunca haviam sido compreendidas, até a aparição ou revelação destas a algum líder. Estas “verdades” passam a ser determinantes da interpretação das demais e ponto central dos ensinamentos empreendidos. A Reforma coloca-se em completa oposição a esta característica. Nenhum dos reformadores declarou ter “descoberto” qualquer verdade oculta. Eles tão somente apresentavam, em toda singeleza, os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias versaram sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus.
Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na esfera da Igreja e das coisas do Espírito, é olhar para trás”.[2] Lutero e Calvino, diz ele, “foram descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido”.
Na ocasião da Reforma, a tradição da igreja já havia se incorporado aos padrões determinantes de comportamento e doutrina e, na realidade, já havia superado as prescrições das Escrituras. A Bíblia era conservada longe e afastada da compreensão dos devotos. Era considerada um livro só para os entendidos, obscuro e até perigoso para a massa. Os reformadores redescobriram e levantaram bem alto o único padrão de fé e prática: a Palavra de Deus, e por este padrão, aferiram tanto as autoridades como as práticas religiosas em vigor.
A um mundo que está sem padrão e à própria igreja evangélica, que está voltando a enterrar o seu padrão em meio a um entulho místico pseudo-espiritual, a mensagem da Reforma continua necessária. Esse livro traz o brado de Sola Scriptura, com veemência e clareza, como antídoto ao veneno contemporâneo do subjetivismo e existencialismo do homem sem Deus, que teima em se infiltrar nos ensinamentos da Igreja Cristã. Pode parecer estranho, entretanto, que sendo ele dedicado à exaltação da importância e suficiência das Escrituras, o livro utilize como ponto de partida e de fechamento, credos e confissões históricas. Não seriam, esses, documentos que desviam os nossos olhos das Escrituras? A resposta é um sólido NÃO! A própria Confissão de Fé de Westminster em seu Capítulo 1°, apresentando a mensagem inequívoca da Reforma do Século XVI, cada vez mais válida aos nossos dias, descreve a Bíblia como sendo a “... única regra infalível de fé e de prática". Essa é a mensagem deste livro, ao qual damos a nossa mais entusiástica acolhida.
Solano Portela, 1998.
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ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura – A Doutrina Reformada das Escrituras. 1ª Edição. São Paulo: Editora os Puritanos. 1998. 205p.
[1] Harold Lindsell, The Battle for lhe fíihle (G. Rapids: Zondervan. 1976). 106-21. Este livro traz um excelente tratamento sobre a diluição do conceito da suficiência e integridade das Escrituras, no seio dos evangélicos norte-americanos.
[2] D. Martin Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma (São Paulo: PES. 1996), 8.
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ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura – A Doutrina Reformada das Escrituras. 1ª Edição. São Paulo: Editora os Puritanos. 1998. 205p.
[1] Harold Lindsell, The Battle for lhe fíihle (G. Rapids: Zondervan. 1976). 106-21. Este livro traz um excelente tratamento sobre a diluição do conceito da suficiência e integridade das Escrituras, no seio dos evangélicos norte-americanos.
[2] D. Martin Lloyd-Jones, Rememorando a Reforma (São Paulo: PES. 1996), 8.
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