Enquanto John Wycliffe enfrentava as autoridades da Igreja na Inglaterra, na distante Boêmia (que na época estava ligada ao Império Alemão, mas hoje é parte da República Tcheca), estava se formando um movimento reformador muito semelhante ao que ele propunha. Neste pequeno país, uma reforma na igreja era muito necessária, pois a compra e venda de cargos eclesiásticos, a corrupção moral e a pompa entre os clérigos eram muito comuns.
João Hus nasceu em cerca de 1372, de uma família camponesa pobre, que vivia na pequena aldeia de Husinek, no sul da Boêmia, e ingressou na Universidade de Praga quando tinha uns dezessete anos, em 1398, juntando-se ao corpo docente da Faculdade de Letras, como professor, fazendo os votos de sacerdote um pouco depois, em 1400. Durante estes anos, Hus experimentou uma conversão evangélica, embora não sejam claros seus detalhes. Sua escolha de uma vocação sacerdotal tinha sido motivada, em grande medida, pelo desejo de prestígio, segurança financeira e convivência na sociedade acadêmica. Como resultado de sua conversão, ele adotou um estilo mais simples de vida e manifestou mais interesse por seu crescimento espiritual.
Em 1402 Hus foi nomeado reitor e pregador da Capela de Belém, em Praga. Esta capela (que comportava três mil pessoas!) havia sido fundada em 1392 por um clérigo rico, Jan Milic, que havia renunciado ao luxo e ao prestígio, para se tornar um pregador pobre e “pai da reforma tcheca”. Com dedicação, Hus pregou ali a reforma eclesiástica e nacional que tantos outros tchecos queriam desde os tempos do imperador Carlos IV (falecido em 1378). Seus sermões atacavam os abusos dos clérigos, especialmente a imoralidade e a luxúria. A própria decoração da Capela de Belém era uma ilustração de seus ensinos. As paredes da capela não estavam decoradas com representações espetaculares de milagres, mas tinham pinturas contrastando o comportamento dos papas e de Cristo. Por exemplo, o papa andava a cavalo, enquanto Jesus andava a pé, e Jesus lavava os pés dos discípulos enquanto os pés dos papas eram beijados. Muitos clérigos entenderam corretamente que seu estilo de vida estava sendo questionado. Para ajudar seus ouvintes a ler as Escrituras, Hus também revisou uma tradução tcheca da Bíblia. Incentivou também o cântico de hinos congregacionais, sendo que ele mesmo escreveu muitos deles. Sua eloqüência e fervor eram tamanhos que aquela capela em pouco tempo se transformou no centro do movimento reformador.
O imperador Venceslau IV (1378-1419) e sua esposa Sofia escolheram Hus como seu confessor, e lhe deram apoio. Por outro lado, alguns membros mais destacados da hierarquia começaram a encará-lo com receio, mas boa parte do povo e da nobreza parecia segui-lo, e o apoio dos reis ainda era importante para que os clérigos não se atrevessem a tomar medidas contra ele. No mesmo ano que passou a ocupar o púlpito da Capela de Belém, Hus foi empossado como reitor da Universidade de Praga, de modo que se encontrava em ótima posição para impulsionar a reforma. Ao mesmo tempo em que pregava contra os abusos que havia na Igreja, ele continuava sustentando as doutrinas geralmente aceitas, e nem mesmo seus piores inimigos se atreviam a censurar sua vida ou sua ortodoxia. Diferente de Wycliffe, Hus era um homem extremamente gentil, e contava com grande apoio popular.
2. A influência das obras de Wycliffe
O conflito começou nos círculos universitários. Começaram a chegar a Praga as obras de John Wycliffe. Um discípulo de Hus, Jerônimo de Praga, passou algum tempo na Inglaterra, estudando na Universidade de Oxford, e trouxe consigo algumas das obras do reformador inglês. Hus parece ter lido estas obras com interesse e entusiasmo, tendo-as copiado à mão, pois nesta época a imprensa ainda não havia sido inventada. Mas Hus nunca se tornou um discípulo de Wycliffe – outros teólogos tchecos anteriores, como Mateus de Janov, também exerceram influência no desenvolvimento teológico de Hus. Os interesses do inglês não eram os mesmos de Hus, que não se preocupava tanto com as questões doutrinárias, mas sim com uma reforma nas práticas da igreja. Sua teologia era uma mistura de doutrinas evangélicas e católico-romanas tradicionais. Ele particularmente nunca esteve de acordo com o que Wycliffe tinha dito sobre a presença de Cristo na ceia, e continuou defendendo uma posição muito semelhante à transubstanciação, apesar de sustentar que tanto o vinho quanto o pão deviam ser oferecidos ao povo na Ceia do Senhor.
Na universidade, entretanto, as obras de Wycliffe eram discutidas. Os alemães se opunham a elas por uma longa série de razões técnicas e filosóficas, mas em seu intento de ganhar a batalha, tentaram dirigir o debate para as doutrinas mais controvertidas de Wycliffe, no propósito de provar que ele era herege, e que por isto suas obras deveriam ser proibidas. Hus e seus companheiros logo se viram na difícil situação de ter de defender as obras de um autor com cujas idéias eles não estavam completamente de acordo. Repetidamente, os tchecos declararam que não estavam defendendo as doutrinas de Wycliffe, mas sim o direito de ler suas obras. Diversos integrantes da hierarquia da Igreja, que eram alvo de ataques de Hus e de seus seguidores, e que viam nos ensinos do teólogo inglês uma ameaça à sua posição, se reuniram ao grupo dos alemães.
Esta era a época em que, em resultado do concílio de Pisa, chegaram a haver três papas. Venceslau IV apoiava o papa Alexandre V, enquanto o arcebispo de Praga, Zbyneck, e os alemães da universidade, apoiavam Gregório XII. Os alemães acabaram se retirando da Universidade de Praga, indo para a cidade de Leipzig, onde fundaram uma universidade rival, declarando que a de Praga se entregara à heresia.
Mais tarde, o arcebispo se submeteu à vontade do rei e reconheceu como papa Alexandre V. Mas se vingou de Hus e dos seus amigos, solicitando a este papa que fosse proibida a posse das obras de Wycliffe. O papa concordou e proibiu também as pregações fora das catedrais, dos mosteiros ou das igrejas paroquiais. Como o púlpito de Hus, na Capela de Belém, não se enquadrava nestas determinações, o golpe era claramente dirigido contra ele. A Universidade de Praga protestou. Mas Hus tinha agora de fazer a difícil escolha entre desobedecer ao papa ou deixar de pregar. Com o passar do tempo, sua consciência se impôs. Ele subiu ao púlpito e continuou pregando a tão ansiada reforma da Igreja. Este foi seu primeiro ato de desobediência, e a ele se seguiram muitos outros, pois quando em 1410 foi convocado para ir a Roma, para dar conta de suas pregações e ensino, ele se negou a ir, e em conseqüência, ele foi excomungado, em nome do papa, pelo cardeal Colonna, em 1411. Mas, apesar disto, Hus continuou pregando e ensinando, pois contava com o apoio dos reis e de boa parte do país.
3. Uma questão de autoridade
Assim Hus chegou a um dos pontos mais revolucionários da sua doutrina. Em seu entendimento, um papa indigno, que se opunha ao bem-estar da Igreja, não deveria ser obedecido. Hus não estava dizendo que o papa não era legítimo, pois continuava favorável a Alexandre V. Mas, mesmo assim, o papa não merecia ser obedecido. Em suas palavras, “por isto, nem o papa é a cabeça, nem são os cardeais o corpo da igreja santa, católica e universal. Porque somente Cristo é a cabeça e seus predestinados o corpo, e cada membro um membro deste corpo”. Até aqui, Hus não estava dizendo mais do que diziam os líderes do movimento conciliar, que buscavam também uma reforma, onde a autoridade do papa fosse transferida para um concílio. A diferença estava em que estes se ocupavam principalmente da questão jurídica de como decidir entre vários papas rivais e buscavam a solução deste problema nas leis e nas tradições da igreja, enquanto Hus declarava que a autoridade final é a Escritura, e que um papa que não se conformar a ela não deve ser obedecido. Em seu livro Sobre a Igreja ele disse que “uma coisa é ser da igreja, outra coisa é estar na igreja. Claramente não se segue que todas as pessoas vivas que estão na igreja são da igreja. Pelo contrário, nós sabemos que o joio cresce entre o trigo, o corvo come da mesma eira que o pombo, e a palha é colhida junto com os grãos. Alguns estão na igreja de nome e em realidade – tais como católicos predestinados obedientes a Cristo. Alguns não estão nem de nome nem em realidade na Igreja – tais como os pagãos depravados. Outros estão na igreja apenas em nome – tais como, por exemplo, os hipócritas depravados. Ainda outros estão na igreja em realidade e, embora eles pareçam estar em nome fora dela, são cristãos predestinados – tais como aqueles que são vistos ser condenados pelos sátrapas do anticristo antes da igreja”. Isto era, com poucas diferenças, o que o filósofo cristão William de Ockham (m. 1349) tinha dito, ao declarar que nem o papa nem o concílio, mas somente as Escrituras eram infalíveis.
Outro incidente complicou ainda mais a questão. João XXIII, que sucedeu Alexandre V como papa, estava em guerra com Ladislau de Nápoles. Nessa luta, sua única esperança de vitória estava em obter o apoio, tanto militar como econômico, do restante da cristandade latina. Então, ele declarou que a guerra com Ladislau era uma cruzada, e promulgou a venda de indulgências para sustentá-la. Os vendedores chegaram à Boêmia, usando todo tipo de métodos para vender sua mercadoria. Jan Hus, que vinte anos antes tinha comprado uma indulgência, mas que agora mudara de opinião, protestou contra este novo abuso por duas razões principais: em primeiro lugar, uma guerra entre cristãos dificilmente poderia receber o título de cruzada; e em segundo lugar, somente Deus pode perdoar pecados, por sua graça, e ninguém pode querer vender o que vem unicamente de Deus.
O rei Venceslau IV, entretanto, tinha interesse em manter boas relações com João XXIII. Ele tomou esta posição porque a questão de que se ele ou se o seu meio-irmão, Sigismundo, era o imperador legítimo ainda não fora decidida, e era possível que, se a autoridade de João XXIII viesse a se impor, seria ele quem teria de decidir a questão. Por isto, o rei proibiu que a venda de indulgências continuasse sendo criticada. Sua proibição, todavia, veio tarde demais. A opinião de Hus e de seus companheiros já era conhecida de todos, a ponto de terem surgido passeatas do povo em protesto contra esta nova maneira de explorar os tchecos.
Enquanto isto, João XXIII e Ladislau fizeram as pazes, e a pretensa cruzada foi revogada. Hus, no entanto, ficou sendo, para a cúria romana, o líder de uma grande heresia, e chegou-se a dizer que todos os moradores da Boêmia eram hereges. Em 1412, Hus foi excomungado de novo, por não ter comparecido diante da corte papal, e foi fixado um curto prazo para ele se apresentar. Se não o fizesse, Praga, ou qualquer outro lugar que lhe desse acolhida, estaria sob interdito. Desta forma, a suposta heresia de Hus traria prejuízo para a cidade.
Por esta razão, o reformador tcheco decidiu abandonar a cidade, onde tinha passado a maior parte da sua vida, indo se refugiar no sul da Boêmia. Ali, ele recebeu a notícia de que finalmente se reuniria um grande concílio em Constança, e que ele estava convidado para comparecer lá pessoalmente e se defender. Para isto, o novo imperador, Sigismundo, coroado em novembro de 1414, lhe ofereceu um salvo-conduto, que lhe garantia sua segurança pessoal. Este fato era um indício dos perigos que poderiam estar esperando por Hus. Ele sabia que os alemães, que tinham se transferido para Leipzig, tinham espalhado o rumor de que ele era herege. E sabia que não podia contar com nenhuma simpatia da parte de João XXIII. Os perigos que o esperavam em Constança eram grandes. Mas sua consciência o obrigava a ir. E assim partiu o reformador tcheco, confiando no salvo-conduto imperial e na justiça da sua causa. Só que ao ir para Constança, ele foi vítima de uma das mais sujas armadilhas feitas contra um cristão.
O concílio de Constança havia sido convocado para resolver a escandalosa situação de existirem dois papas, um na Itália, outro na França. Este “Grande Cisma” – que durou de 1378 a 1417 – tinha de ser tratado. Tinham comparecido a este concílio alguns dos mais distintos defensores da reforma através de um concílio, João Gerson e Pedro de Ailly. Em nome da unidade da igreja, o concílio afastou de seus cargos, por diversos meios, os três papas concorrentes, possibilitando aos cardeais eleger Martinho V. Naturalmente, um concílio que restaurou a autoridade do papado não estava pronto a permitir que um rebelde questionasse esta autoridade.
João XXIII o recebeu com cortesia, assegurando que “ainda que ele tenha matado o meu próprio irmão... ele deve ficar a salvo enquanto estiver em Constança”. Mas poucos dias depois, ele foi convocado a se apresentar diante do consistório papal. Hus insistiu em que tinha vindo expor sua fé diante do concílio, e não do consistório. Ali, ele foi formalmente acusado de herege, e ele respondeu que preferia morrer a ser herege, e que se o convencessem de que o era, ele se retrataria. A questão ficou suspensa, mas a partir de então, Hus foi tratado como um prisioneiro, primeiro em sua casa, depois no palácio do bispo, e por último em um convento dominicano que lhe serviu de prisão. Sua cela ficava bem perto de um sistema de escoação de esgotos.
Quando o imperador, que ainda não tinha chegado a Constança, soube o que tinha acontecido, ficou extremamente irado, e prometeu fazer respeitar seu salvo-conduto. Mas depois começou a dar menos ênfase nisto, pois não lhe convinha aparecer como protetor de hereges. Em vão foram os protestos do próprio Hus, como também os que chegaram de muitos nobres da Boêmia. Só que para os italianos, alemães e franceses, que eram a imensa maioria no concílio, os boêmios não passavam de bárbaros que sabiam pouco de teologia, e cujos pronunciamentos não deveriam ser levados a sério.
No dia 5 de junho, Hus compareceu diante do concílio. Poucos dias antes, João XXIII tinha sido aprisionado e trazido de volta para Constança. Já que isto significava que este papa tinha perdido todo o poder, e já que Hus tivera seus piores conflitos com ele, era de se supor que a situação do reformador melhoraria. Mas o contrário aconteceu. Doente, fisicamente desgastado por um longo aprisionamento e falta de sono, Hus foi levado para a assembléia acorrentado, como se tivesse tentado fugir ou se já tivesse sido julgado. Foi acusado formalmente de ser um herege e de seguir as doutrinas de Wycliffe. Ele tentou expor suas opiniões, mas houve uma tamanha gritaria que ele não pode se fazer ouvir. Por fim, foi decidido adiar a questão para o dia 7 do mesmo mês.
O processo de Hus durou três dias. Repetidamente ele foi acusado de herege. Mas, quando foram relacionadas as doutrinas concretas de que supostamente consistia sua heresia, Hus demonstrou que era perfeitamente ortodoxo. Pedro de Ailly assumiu a liderança do julgamento, exigindo que Hus se retratasse das suas heresias. Ele insistia em que nunca tinha crido nas doutrinas de que exigiam que ele se retratasse, e que por isto não podia fazer o que de Ailly exigia dele. Hus disse ao concílio que “não poderia, por uma capela cheia de ouro, recuar da verdade”. Não havia maneira de resolver o conflito. Pedro de Ailly queria que Hus se submetesse ao concílio, cuja autoridade não podia ficar em dúvida. Hus lhe mostrava que o papa que o tinha acusado de desobediência era o mesmo que o concílio acabara de depor. Segundo o historiador metodista Justo Gonzáles, “mostrar suas contradições a um homem supostamente sábio, tido como o homem mais ilustre da época, e isto diante de uma grande assembléia, nem sempre é uma atitude sábia”. O rancor de de Ailly aumentou cada vez mais. Outros líderes do concílio, entre eles João Gerson, diziam que estava desperdiçando o tempo que deveriam dedicar a questões mais importantes, e que de qualquer forma os hereges não mereciam tanta atenção. O imperador se deixou convencer de que ele não precisaria guardar sua palavra para com os que não têm fé, e retirou seu salvo-conduto.
Quando Hus acabou dizendo que era verdade que ele tinha dito que se não quisesse ter vindo para Constança, nem o imperador nem o papa teriam podido obrigá-lo, seus acusadores viram nisto a prova de que ele era um herege obstinado e orgulhoso – apesar de o nobre boêmio João de Clum, que o defendeu até o final, ter declarado que o que Hus dissera era verdadeiro, e que tanto ele como muitos outros nobres mais poderosos do que ele teriam protegido Hus se este tivesse decidido não ir ao concílio.
4. Fiel até a morte
O concílio pedia unicamente que Hus se submetesse, retratando-se de seus ensinos. Mas não estava disposto a escutar o acusado, quanto a quais eram as doutrinas que tinha crido e ensinado. Uma simples retratação teria bastado. O cardeal Zabarella preparou um documento em que exigia que Hus que se retratasse de seus erros e aceitasse a autoridade do concílio. O documento estava cuidadosamente redigido, porque seus juízes queriam lhe dar todas as oportunidades para que se retratasse, e assim ganhar a disputa, mas Hus sabia que se retratasse, com isto estaria condenando todos os seus amigos, pois se declarasse que suas doutrinas eram aquelas que seus inimigos tinham apresentado, estaria nisto implícito que seus seguidores criam nas mesmas coisas e que, portanto, eram hereges.
Sua resposta foi firme: “Apelo a Jesus Cristo, o único juiz todo-poderoso e totalmente justo. Em suas mãos eu deponho a minha causa, pois Ele há de julgar cada um, não com base em testemunhos falsos e concílios errados, mas na verdade e na justiça”. Por vários dias, o deixaram encarcerado, na esperança de que fraquejasse e se retratasse. Muitos foram lhe pedir que o fizesse, talvez sabendo que sua condenação seria uma mancha para o concílio de Constança. Mas ele continuou firme. Em 1 de julho de 1415, Hus escreveu sua última declaração: “Eu, Jan Hus, em esperança, sacerdote de Jesus Cristo, temendo ofender a Deus, e temendo cometer perjúrio, professo, por este meio, minha repugnância, para renunciar todos ou quaisquer dos artigos produzidos contra mim por meio de falso testemunho. Porque Deus é minha testemunha que eu nem os preguei, ou os afirmei, nem os defendi, entretanto eles dizem que eu fiz isto. Além disso, relativo aos artigos que eles extraíram de meus livros, digo que desprezo qualquer falsa interpretação que eles usaram. Mas já que eu temo transgredir a verdade, ou contradizer a opinião dos doutores da Igreja, eu não posso renunciar a qualquer um deles. E se fosse possível que minha voz pudesse chegar ao mundo inteiro agora, como no dia do julgamento, em que toda mentira e todo pecado que eu cometi será manifesto, então eu alegremente renuncio diante de todo o mundo toda falsidade e erro que eu ou tenha pensado ou declarado ou de fato tenha dito! Eu digo que eu escrevi isto de minha própria livre vontade e escolha. Escrito com minha própria mão, no primeiro dia de julho”.
Por fim, no dia 6 de julho, ele foi levado para a catedral de Constança. Ali, depois de um sermão sobre a teimosia dos hereges, ele foi vestido de sacerdote e recebeu o cálice, somente para logo em seguida lhe arrebatarem ambos, em sinal de que estava perdendo suas ordens sacerdotais. Depois cortaram seu cabelo, para estragar a tonsura. Por último, lhe colocaram na cabeça uma coroa de papel decorada com diabinhos, e o enviaram para a fogueira. A caminho do suplício, ele teve de passar por uma pira onde ardiam seus livros. Ele riu e disse aos que assistiam para não crerem nas mentiras que circulavam a seu respeito. Pediram-lhe mais uma vez que se retratasse, e mais uma vez ele negou com firmeza: “Deus é minha testemunha que a evidência contra mim é falsa. Eu nunca pensei ou preguei exceto com a única intenção de ganhar os homens, se possível, dos seus pecados”. Por fim orou, dizendo: “Senhor Jesus, por Ti sofro com paciência esta morte cruel. Rogo-Te que tenhas misericórdia dos meus inimigos”. O fogo foi aceso. Enquanto as chamas o envolviam, Hus começou a cantar: “Cristo, Tu Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim”.
Os carrascos recolheram todas as cinzas e as lançaram no lago de Constança, para que não restasse nada dele. Mas seus discípulos recolheram a terra em que foi queimado e a levaram para a Boêmia. O local onde ele morreu está marcado hoje por uma pedra memorial, e Hus ainda hoje é homenageado com um feriado público anual na República Tcheca. Pouco depois, Jerônimo de Praga, que tinha decidido se unir a ele em Constança, também foi martirizado. As idéias de Hus sobreviveram através de um grupo evangélico conhecido como Unitas Fratrum (Irmãos Unidos), ou Irmãos Boêmios, que existe até hoje, e influenciaram indiretamente Martinho Lutero (1483-1546) e John Wesley (1703-1791).
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