sábado, 14 de janeiro de 2017

GILBERT KEITH CHESTERTON (1874-1936)



Se você leu C. S. Lewis, você leu G. K. Chesterton – pelo menos indiretamente. Lewis incluiu Chesterton entre suas influências, e aqueles que são familiarizados com ambos os apologistas podem ouvir os ecos de Chesterton na obra de Lewis.

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) foi um poeta, jornalista, ensaísta, crítico literário, romancista e apologista. De acordo com o Oxford English Dictionary, ele foi o primeiro escritor a referir-se à cultura e civilização “Ocidental”.

Chesterton foi um grande homem (em mais de um sentido) que chamou muita atenção. De que forma ele se envolveu com sua cultura, e por que ele ainda é importante? Ofereço, aqui, quatro razões.

1. Chesterton viu a realidade mais ampla e não compartimentou o mundo.

Chesterton foi um pensador que acreditava que o propósito da educação era compreender o mundo e nosso papel nele. O pensamento e a educação não são fins em si mesmos; eles dizem respeito a “conectar as coisas”. Porque acreditava que tudo se conecta, Chesterton pôde falar com propriedade sobre muitos assuntos diferentes. Ele acreditava que se o cristianismo é verdadeiramente universal, então ele deve falar de tudo.

Economia: Chesterton promoveu o Distributismo, uma ideologia econômica enraizada no ensino social católico.

Arte: Chesterton criticou a arte e literatura modernas por “desprezarem o público”. Sua biografia de Charles Dickens resultou numa ampla reavaliação do legado deste e restabeleceu-o como um dos grandes autores da literatura inglesa.

Família: Chesterton defendeu a família como um microcosmo do mundo (“o lar é maior do lado de dentro do que do lado de fora”, ele escreveu) que tem de aguentar constantes assaltos dos engenheiros sociais que acreditam que a unidade da família é um obstáculo para o progresso.

Sistema político: Chesterton não se encaixa nos paradigmas “direita” ou “esquerda” da política americana contemporânea, mas ele acreditava que o cristianismo deve influenciar o governo ressaltando suas responsabilidades e advertindo-o de suas tendências imperialistas e abusivas.


2. Chesterton desmascarou falsas pressuposições enquanto promoveu uma cosmovisão cristã.

Chesterton, muitas vezes, virou as coisas de cabeça para baixo para que seus leitores pudessem, em seguida, vê-las do lado certo. Ele fez uma defesa encantadora do cristianismo ao achar defeitos nas pretensões de seus oponentes. Não é pela força da vontade, mas do humor que ele surpreende você e o faz pensar. Alguns exemplos:
Sobre a depravação humana: “O homem que nega o pecado original acredita na Imaculada Conceição de todo o mundo”.
Sobre milagres, ele vira o feitiço contra o feiticeiro ao mostrar que os crentes, e não os descrentes é que sempre apelam para a evidência (“É por isso que eu acredito que esse milagre aconteceu”). Enquanto isso, os descrentes, e não os crentes é que sempre apelam para o dogma (“Milagres não podem acontecer”).
Sobre o naturalismo, ele desconstrói a visão popular de cristãos mantidos cativos por suas antigas superstições enquanto os “livres pensadores” desafiam o dogma religioso. Contrário a isso, ele demonstra que os cristãos são livres para crer em uma natureza ordenada, enquanto os materialistas não podem admitir a mais leve nódoa de espiritualismo ou milagre em sua máquina. O cristão é mais livre para pensar do que o livre pensador.

Chesterton adorava frisar que esses argumentos contra o cristianismo são, amiúde, contraditórios. Por exemplo, os cristãos são acusados de serem muito alegres diante do mal e do sofrimento; eles também são acusados de serem arrogantes sisudos que querem silenciar a alegria dos outros. Como pode isso ser verdade?

A lição da estratégia apologética de Chesterton não é apenas a sua defesa da fé, mas a maneira como ele empreendeu a sua tarefa. Ele contestou seus inimigos ideológicos como amigos, não inimigos. Sua intenção era converter inimigos, não triturá-los. “O objetivo do argumento é discordar a fim de concordar”, escreveu. “O fracasso do argumento é quando você concorda para discordar”.


3. Chesterton não se influenciou por argumentos que apelam para o progresso.

S. Lewis cunhou o termo “esnobismo cronológico”, uma descrição da nossa tentação em olhar com desdém para as eras passadas como se elas tivessem pouco ou nada a oferecer à nossa sociedade avançada. Você pode traçar a linha a partir do alerta de Lewis contra o esnobismo cronológico até as consistentes refutações de Chesterton às ideias efêmeras de “progresso”. Chesterton estava sempre alertando seus leitores acerca das pessoas que se imaginam reformadores que querem acabar com as instituições sociais sem entender seu significado histórico. Algumas citações:

“Enquanto a verdade está fora de época, as heresias sempre estão de acordo com a época”.

“A Igreja Católica é a única coisa que salva um homem da degradante escravidão de ser um filho de sua época”.

“Falácias não cessam de ser falácias porque se tornam modas”.

Para Chesterton, o cristianismo não deve ser sobrecarregado com as ideias da moda, quaisquer que sejam. Desafiar as novidades da sociedade contemporânea é um ato de dignidade. O peixe morto boia a favor da corrente. Resistir ao fluxo da nossa cultura e remar contra a maré é um sinal de vida.


4. Chesterton manifestou uma exuberância prazerosa no esplendor da existência.

Chesterton nunca era entediado ou entediante. “Não existem coisas desinteressantes”, escreveu. “Apenas pessoas desinteressantes”. O sentimento que impregna todos os seus escritos é a gratidão – um sinal de alegria e vida, um senso de deslumbramento até mesmo nas dádivas mais mundanas que admitimos como algo corriqueiro. “Os poetas têm estado misteriosamente em silêncio sobre a questão do queijo”, escreveu, e então passou a retificar este notório descuido [da parte deles].

De acordo com Chesterton, uma maneira de homenagearmos nosso Criador é ficando incessantemente fascinados com sua criação. Pegue, por exemplo, o clássico ensaio “O que encontrei em meu bolso”[1], que dá uma ideia das maneiras inteligentes e criativas com que a curiosidade de Chesterton o conduziu nas fantásticas viagens do pensamento.

John Piper certa vez explicou por que Ortodoxia, de Chesterton, é um dos poucos livros que ele leu duas vezes: “Continuarei voltando a qualquer um que me ajude a ser surpreendido com o que está diante do meu rosto – qualquer um que possa ajudar a me curar da doença de ‘ver o que eles não veem’”.

Meu sentimento é o mesmo. Chesterton ainda é importante para o modelo de envolvimento cultural que ele proporciona: uma visão abrangente do cristianismo que atinge todas as partes da vida, desafia as nossas sensibilidades modernas e nos leva de volta para o deslumbramento de criança no mundo que Deus fez.

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[1] Esse ensaio consta no livro Tremendas Trivialidades, publicado em português pela Editora Ecclesiae.

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